sábado, 23 de maio de 2009

Eu ví esta cidade crescer

Almir Santos
Na minha primeira Geografia Atlas da Editora FTD Salvador tinha pouco mais de 300 mil habitantes. Sou do tempo dos bondes que se arrastavam lentamente pelas poucas linhas que existiam. Menos de 40. Pavimentação geralmente a paralelepípedos ou pedras irregulares, também chamadas cabeça de nego, era privilégio de poucos bairros, como Barra, Barra Avenida, Graça, Canela, Campo Grande, Tororó, Nazaré, Barris. Santo Antônio, Barbalho, Soledade, Lapinha e Campo Santo. Nesses bairros a linha férrea dos bondes era implantada em ruas pavimentadas ou calçadas, como se dizia antigamente. Asfalto era uma coisa rara. Nas demais, as linhas em leito natural, eram muito irregulares e causavam muitos acidentes. As linhas que utilizava para ir à escola para o lazer 14-Rio Vermelho, 16-Amaralina e 36-Segundo Arco, todas com terminal no centro, só tinham pavimento até a Avenida Leovigildo Filgueiras, Garcia. O resto era quase tudo sobre a terra. Daí, só um pequeno segmento no Rio Vermelho tinha pavimentação. Algumas, entretanto tinham pequenos trechos sem pavimentação como 18-Ribeira via Luiz Tarquínio, 19-Ribeira via Dendezeiros e Brotas. Era um transporte folclórico. Os passageiros, condutores e motorneiros se conheciam pelo nome. Os pontos de parada eram próximos. Basta dizer que no centro da cidade havia pontos no Terreiro de Jesus, Circular (hoje Coelba), Belvedere, Praça Municipal, Rua Chile, Largo do Teatro (Praça Castro Alves) São Bento etc. Vi bondes circulando pelas estreitas ruas do centro, Rua do Liceu, do Saldanha, do Tijolo, da Barroquinha. Automóvel só para quem tinha muito dinheiro. Sabiam-se a placas dos carros e os respectivos proprietários. Por exemplo, n.º 1 pertencia a Navarro Lucas, 5 Raul Farias, 11 Antônio Balbino, 12 José Silveira, 13 Fileto Sobrinho, 22 Arnaldo Silveira, 44 Álvaro Silveira, 50 Luiz Eugênio, 70 Miguel Vita, 99 e 100 Companhia Linha Circular. Poucos eram os taxis, os chamados carros de praça. Seu Candinho, o nosso preferido tinha a placa 1448. Ao todo era menos de mil veículos a frota de Salvador. Vi esta cidade crescer. Imponentes eram os prédios do Palace Hotel, Secretaria de Agricultura, Jornal A Tarde na Cidade Alta e do Instituto de Cacau na Cidade Baixa. Vi serem erguidos o edifício SULACAP no centro e o Oceania na Barra. Mais tarde sugiram na Barra Avenida o Eldorado e na Graça o Catarina Paraguaçu, monumentais para a época. Timidamente surgiu o Edifício Cruz na Rua Portugal, onde funcionou a sede da Construtora Odebrecht, e o Edifício Martins na Rua da Espanha. Em nome do progresso, mas sem ser observada uma ocupação racional, a Cidade Baixa foi se transformando aos poucos e perdendo a sua paisagem colonial. Surgiram os Edifícios Paraguaçu, Belo Horizonte, Nelson Farias, Comendador Pedreira, Cidade de Aracaju, Larbrás, Suerdick e Cidade do Salvador. Vi serem arrasados dois quarteirões do Bairro da Sé para se construída a atual praça. Restaurantes, bares, botecos e pastelarias eram pouquíssimos. O Colon na Praça Riachuelo, O Conquistador na Barra, com a Galinha de Ouro do Manuel, são os de lembrança mais remota. Café da manhã, almoço, jantar eram rituais bonitos quando a família se reunia diariamente. Por isso pouco se usavam restaurantes. Tomei gasosa de limão ou de morango na Pastelaria Centro Popular na Sé. Havia também O Perez, O Triunfo e O Centro Universal. Comi cocada branca e preta de uma baiana que ficava em frente à Farmácia Minerva também na Sé Lembro-me dos botecos Danúbio Azul na Rua d´Ajuda, famoso pela sua bebida Príncipe Maluco. Do Nacional da Rua do Bispo e do Center-Forward na Rua Cezar Zama. Ambos muito simples. Bebia-se em pé. Certamente todos os bares e restaurantes, pastelarias e botecos da cidade juntos caberiam no Largo da Mariquita no Rio Vermelho. Vi esta cidade crescer. Vi a chegada de novos bondes, 25 com bancos estufados forrados em couro verde. Vi a extinção gradativa dos transportes por bondes e o crescimento dos ônibus, carinhosamente chamados de marinetes pelos baianos, pelo fato do lançamento do primeiro ônibus em Salvador coincidir com a passagem por aqui de um poeta futurista italiano chamado Marinetti. O transporte por ônibus não conseguia sobreviver por muito tempo. Era um dono de um único ônibus que obtinha uma licença para operar em uma determinada linha, mas não tinha bom resultado, até que foi se firmando aos poucos inicialmente na cidade baixa. Vi esta cidade crescer. Vi o Quarto Centenário de Salvador. A encenação do Auto de Graça e Glória da Bahia em para comemorar o grande acontecimento. A Construção a Estrada Amaralina – Aeroporto, pavimentação da Avenida Amaralina, o prolongamento da Rua Osvaldo Cruz, do primeiro trecho da Avenida Centenário em pista simples. Vi a inauguração do Fórum Rui Barbosa. Vi o Campo da Graça e a inauguração do Estádio da Fonte Nova. Vi a criação do SMTC-Serviço Municipal de Transportes Coletivos, inicialmente operando com uma frota ônibus Volvo a diesel na Avenida Vasco da Gama, que recebera uma total pavimentação numa faixa de 7 metros Vi a extinção em massa de todas as linhas de bondes da Cidade Baixa para a implantação dos ônibus elétricos do SMTC. Eram 50 ônibus FIAT - Alfa Romeu, mas a subestação só tinha a capacidade de operar 25, por isso quando um quebrava entrava um novo em operação e assim a frota foi sendo sucateada. Um absurdo! Vi a encampação da Companhia Linha Circular, que operava os bondes, e estes serem incorporados ao SMTC. Vi crepúsculo dos bondes. Vi esta cidade crescer. Vi o carnaval sentado tranquilamente em cadeiras colocadas na Avenida Sete, por onde desfilavam os carros alegóricos dos grandes clubes, os blocos, os caretas e os carros com foliões Vi o transporte por ônibus ser definitivamente implantado. Vi o asfalto chegar definitivamente e atender a todas as linhas operadas por ônibus. Vi a construção de seu pé do Centro Administrativo da Bahia – CAB desde a primeira secretaria implantada a SEPLANTEC em 1973. Depois foi a Secretaria dos Transportes no mesmo ano. Vi surgir o primeiro grande shopping com 150 lojas, hoje ampliado para 600. Vi a proliferação de shoppings e o crescimento vertical da cidade. Vi a primeira boate, a primeira sauna e o primeiro Supermercado. Vi o primeiro hipermercado. Vi crescer uma rede de farmácias hoje com mais de 100 lojas. Aos poucos fui perdendo a conta de quantos novos edifícios iam sendo construídos. Os sobrados coloniais da Cidade Baixa dando lugar a prédios de 10 andares. Os palacetes do Corredor da Vitória e da Graça dando lugar a prédios de 20, 30 andares. A Ondina, a Valdemar Falcão perdendo o verde e sendo ali implantados, prédios de até 40 andares. Vi surgir o Caminho das Árvores, Itaigara, o Imbuí, o Costa Azul o Costa Verde, Patamares, Cajazeiras, Mussurungas, Castelo Branco, Pedras do Sal, Stela Maris, Praias do Flamengo e tantos outros novos bairros. Vi as invasões dos Alagados e Corta Braço, hoje Pero Vaz Vi o rasgar de grandes avenidas. Vale de Nazaré, Bonocô, Contorno, Vale do Canela, Garibaldi, Lucaia, Chapada, Vale do Camurugipe. Paralela. Vi túneis furarem elevações e encurtarem distâncias. Vi a população aumentar aproximadamente 10 vezes e a frota de veículos aumentar 600 vezes. Até onde vamos? Vi esta cidade crescer e continuo vendo.

2 comentários:

  1. Almir.

    Faltou você dizer que viu Thomé de Souza desembarcar no Porto da Barra...Bela memorialística. Parabens.

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  2. Grande Almir,
    Gostaria de ter a sua memória.
    Parabéns,
    Osvaldo

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