quinta-feira, 30 de junho de 2011

Empresa britânica inova em estacionamento para bikes

Já foi demonstrado qual é a diferença de espaço que carros, ônibus e bicicletas ocupam na rua para transportar o mesmo número de pessoas. Dessa vez foi a empresa britânica Cyclehoop que criou uma forma inusitada de destacar essa ocupação nos estacionamentos.
A empresa é especializada em transformar ambientes curiosos em estacionamento de bikes. Um dos seus produtos é um rack em formato de um carro que comportar até 10 bicicletas de uma só vez.
Além de garantir o estacionamento seguro das bikes, a estrutura busca passar de forma bem humorada a mensagem de que um carro pode ocupar espaço demais. “Os carros causam congestionamento, poluição e ocupam espaço. A mensagem é para as pessoas dirigirem menos e pedalarem mais”, afirmam os criadores da peça.
Para completar, o rack é móvel e pode ser montado rapidamente em qualquer local, podendo ser usado em eventos, como shows, exposições e encontros.
Se você gostou da ideia, pode mandar seu comentário para o grupo através do e-mail info@cyclehoop.com.

* Artigo originalmente publicado no site Eco-Desenvolvimento

terça-feira, 28 de junho de 2011

Salvador se consolida no turismo martítimo

O porto de Salvador foi o quarto do país no segmento de cruzeiros marítimos na temporada 2010-2011. O dado consta num estudo elaborado pela Fundação Getúlio Vargas, por encomenda da Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos (Abremar). A pesquisa coloca a capital baiana com a melhor colocação fora do eixo Rio São-Paulo, tanto em número de passageiros como em receita gerada. Segundo a FGV, os cruzeiros marítimos geraram em Salvador uma movimentação de R$ 43,9 milhões na alta estação recém encerrada, quase 10% do impacto global levantado pelo estudo R$ 522,5 milhões, contando cruzeiristas e tripulantes.
O líder neste item foi o porto do Rio de Janeiro (R$ 102,9 milhões), seguido de Santos (R$ 86,6 milhões), Búzios-RJ (R$ 42,3 milhões). Pouco atrás ficou o terminal de passageiros de Ilhabela (R$ 42,3 milhões). Em número de embarques/desembarques, Salvador também ficou em 4º, tendo Santos, Rio de Janeiro como principais destinos e Búzios também na terceira colocação. A pesquisa inclui apenas navegação de cabotagem (interna do país) e utiliza um conceito de alta temporada mais abrangente: até maio do ano seguinte.
Segundo a Tribuna da Bahia, de acordo com a FGV, o dinheiro movimentado por cruzeiros em todo o Brasil no período 2010/2011 foi gasto em: comércio varejista (R$ 172,6 milhões), alimentação e bebidas (R$ 155,1 milhões), transporte (R$ 80,3 milhões), passeios turísticos (R$ 67,6 milhões) e hospedagem (R$ 16,4 milhões). O aquecimento da atividade gerou aproximadamente 20.638 empregos, sendo 5.603 tripulantes e 15.035 criados, de forma direta e indireta pelos gastos dos turistas nas cidades portuárias e na cadeia produtiva de apoio ao setor.
No comparativo com mesma temporada do ano passado, o setor de cruzeiros teve expansão de 10%, totalizando 800 mil cruzeiristas, dos quais 100 mil estrangeiros. O percentual de crescimento e pouco maior do que a média internacional (entre 8% e 9%). Já Salvador teve uma expansão de 15% na última alta estação. Segundo projeções da Companhia de Docas do Estado da Bahia (Codeba) e a empresa Saltur, da prefeitura, Salvador recebeu cerca de 350 navios entre outubro do ano passado e abril último. O ponto alto ocorreu na terça-feira de Carnaval, quando oito navios aportaram no terminal de passageiros soteropolitano, trazendo 23 mil foliões.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

A necessidade de se pensar em redes integradas de transportes e acessibilidade sustentável

Juan Pedro Moreno Delgado*
Redes Integradas de Transporte são o resultado de políticas integradas em diversas escalas. Devemos discutir os projetos ou os princípios por traz dos projetos (os Planos)?
Todo projeto deve responder a um processo de planejamento, aqui estamos fazendo o inverso. Estamos propondo projetos sem termos um plano urbano que os justifique.. Ultimamente muito se pergunta se o projeto a é melhor do que o projeto b, mas isso não agrega nada e desvia a atenção das questões fundamentais. Os aspectos físicos dos projetos são divulgados, porem, ninguém discute os aspectos operacionais, espaciais ou urbanísticos que deverá ter a futura rede integrada, imprescindível para que o todo funcione.
Urge pensar a Região Metropolitana de Salvador, o momento é agora. Os municípios da RMS têm uma grande dependência com relação a Salvador. Estamos falando de um numero crescente de viagens quotidianas, cada vez mais distantes na RMS, as quais só poderão ser atendidas oportunamente pelo transporte de massa. Temos que implementar modos que provoquem agora a migração dos usuários do automóvel para o transporte público, ou seja, recuperar a confiança e as demandas perdidas no setor. Soluções fragmentadas não irão contribuir. Nesse contexto a rede metro-ferroviária é fundamental, a qual deverá ser alimentada por uma estrutura tipo BRT.
Os modos não motorizados deverão ter papel estratégico, pois a topografia configurará diversas barreiras para a demanda (o pedestre) usufruir as vantagens da Rede. Uma rede de transporte diversa, com vários modos, é sustentável; não haveria então uma única solução, um único modo onipresente. Uma rede integrada e eficaz. Fundamental será também implantar uma política de restrição ao uso do automóvel como acontece mundo afora.
A filosofia do projeto pode ser enganosa e ocultar aspectos centrais que somente os Planos Urbanos podem desvendar. Os defensores do BRT divulgam muito o projeto do BRT de Bogotá, TransMilenio, uma referencia extremamente importante e estabelecem analogias com a proposta que poderá ser implantada aqui. Entretanto existem diferenças notáveis.
O sucesso do programa de transporte urbano TransMilenio se deve exclusivamente à implementação de determinada tecnologia - para ser mais exato, rodoviária? Parece que não. Em Bogotá foram implantadas oportunamente um conjunto de Políticas Integradas em diversas escalas territoriais e institucionais, como subsidio ao TransMilenio, tais como: a) Promoção da mobilidade sustentável, b) Transporte e uso do solo, c) Gerenciamento da mobilidade, d) Macro e micro acessibilidades para todos na cidade, e) Habitação, f) Educação ambiental e para o trânsito, g) Meio ambiente etc. Estas políticas integradas tinham por finalidade, entre outros aspectos, consolidar a demanda futura que viabilize o TransMilenio como uma solução BRT, de massa. Não existe transporte sem demanda que o justifique.
Foram implementados programas de restrição ao uso do automóvel; aumento dos impostos aos combustíveis, subsidiando o BRT; programas habitacionais associados ao BRT; urbanismo e coordenação do uso do solo associado ao BRT; rotas para os pedestres e ciclovias em direção ao BRT; reestruturação das áreas de estacionamento no centro de Bogotá; ordenamento dos novos empreendimentos de acordo com o BRT etc. Existe alguma proposta para fazer algo semelhante aqui?
Políticas integradas de sucesso na relação Transporte - Uso do Solo são conhecidas e foram identificadas por projetos europeus, tais como o Transland e o Própolis, entre outros. Considerando este contexto deveríamos provocar duas situações favoráveis para a RMS:
a) Promover uma ótima organização espacial das atividades: a.1 implementando, no tempo, estruturas urbanas policêntricas, conectadas entre si; a.2 promovendo o equilíbrio das densidades residenciais e de emprego entre si, e com os serviços e comércios existentes; e a.3 favorecendo os usos mistos do solo.
b) Promover um sistema balanceado de transporte unindo estas atividades numa maneira eficiente e sustentável: b.1 fornecendo diferentes opções de Transporte Público para todos os níveis socio-econômicos, articuladas com o Transporte Público Intermodal localizado preferencialmente perto dos principais nós urbanos; b.2 formulando políticas de preferência para o uso do transporte público; e b.3 criando uma infra-estrutura de apoio ao transporte não motorizado, preferencialmente perto das estações.
Estas medidas visam gerar viagens mais curtas, econômicas e menos poluentes, portanto sustentáveis, assim como, desconcentrar as áreas saturadas, podendo promover padrões de descentralização. Estamos avançando nesse sentido?
Existe um paradoxo, o Iguatemi é o centro da região metropolitana, é o centro econômico da Bahia. Descentralizar a cidade, para resolver a mobilidade em Salvador parece fundamental. É o principio sustentável e entretanto, está acontecendo o contrário aqui. Temos o projeto de construir (?) um subcentro na região do Retiro a poucos metros desta região problemática para a mobilidade da cidade, ou seja, estender espacialmente o centro da Tancredo Neves – Iguatemi para o Retiro. É como apagar um incêndio com gasolina.
Recentemente surgiu um projeto aparentemente inovador, o aeromóvel (num trecho de 3 km) para a cidade baixa. O projeto pode ser interessante, porém desvia a atenção do funcionamento global da Rede e seus impactos seriam grandes. Por exemplo, um morador de Coutos, estudante ou trabalhador, deverá chegar à estação de trem de micro ônibus ou bicicleta e após esperar o trem realizará a primeira transferência, logo após, desembarcará na estação da Calçada, para realizar a segunda transferência e viajar no aeromóvel proposto, para depois chegar no Comercio e utilizar o elevador ou os planos inclinados (nova transferência), para finalmente, continuar a sua viagem a pé ou de ônibus em direção ao centro funcional (nova transferência), pois o bairro do Comercio não é mais o grande atrator de viagens do passado.
Situação análoga acontecerá com a pretendida ligação Calçada – estação Acesso Norte por BRT, pois dessa forma um morador do subúrbio realizará de 3 a 4 transferências (no mínimo, trem – ônibus – metrô) para um trajeto curto. Está demonstrado cientificamente que os usuários do sistema de transporte são extremamente sensíveis ao número de transferências; em trajetos curtos, no limite duas são aceitáveis, aumentar esse número origina esvaziamento do sistema. O numero elevado de transferências configura uma barreira para a mobilidade, revela a fragmentação da rede, a descontinuidade e novamente a importância do planejamento frente ao projeto.
*Graduado em Arquitetura, Urbanismo e Desenho Industrial, possui doutorado em Engenharia de Transporte pela UFRJ. Atualmente é Professor Auxiliar da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFBa

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Minha alma canta

Nizan Guanaes*
Brasília tirou o Rio de sua zona de conforto. E a cidade maravilhosa, numa longa crise, virou uma bela e mal adormecida.
Com a virada que o Brasil deu nessas duas últimas décadas, eu aposto já há alguns anos na virada do Rio, cidade e Estado.
O termo virada é inadequado, já que o Rio está virando o Rio de sempre. A cidade global que sempre foi.
Rosto mundial do Brasil. Restaurado, o Rio manda flechas de cupido para seduzir a todos.
Minha mulher e eu alugamos um apartamento no Arpoador. Estou abrindo uma agência na cidade.
Quando Donata e eu pisamos pela primeira vez na nossa casa carioca, fomos até a varanda. Donata me diz: "Bem-vindo ao Rio de Janeiro, amor", e começa a chorar emocionada.
O Rio é isso, o reencontro da gente com a gente mesmo. O orgulho de um Brasil orgulhoso. Revisitado. A descoberta das enormes reservas exportáveis de petróleo na camada do pré-sal e a realização dos dois eventos mais globalizados do planeta -a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016- garantem um fluxo de investimentos, interesses e exposição à cidade que já a transformou.
O Rio está em sua fase pós-maravilhosa, com o metro quadrado nas nuvens e uma longa lista de projetos subindo do chão.
Ergue-se em cima dessa sólida base de eventos econômicos e esportivos uma rede de serviços que só uma cidade com o capital humano e o encantamento que é natural ao Rio de Janeiro pode desenvolver.
É só olhar a zona portuária do Rio e os projetos que ela inspira para começar a sentir o potencial de crescimento da cidade. A revitalização dos centros históricos das cidades brasileiras está apenas começando, e o Rio, por ancestralidade e centralidade, deve guiar o país nessa área.
É com esse espírito que estou abrindo uma empresa no Rio de Janeiro neste mês. E não vai ser filial de São Paulo, claro que não!, porque a vocação do Rio de Janeiro será sempre a de matriz.
Não larguei a Bahia por São Paulo. Larguei pelo Rio de Janeiro, para onde fui trabalhar nos anos 1980, na Artplan de Roberto Medina, o inventor do Rock in Rio. Saí da cidade trazido para São Paulo por outro mestre, Washington Olivetto. Minhas agências em São Paulo estão cheias de expatriados cariocas que, forçados pelo mercado, exportaram o talento que sua cidade inspirou.
Volto agora para o Rio pelo melhor dos motivos: obrigado pelas novas circunstâncias econômicas. E humanas.
Gosto do fato de o homem mais rico do Brasil ser carioca e devolver e promover sua cidade de maneira veemente.
Gosto do governador e do prefeito trabalharem como se fossem dois CEOs com espírito público e entusiasmo e eficácia de iniciativa privada. E gosto mais ainda que ninguém fale hoje do milagre brasileiro e muito menos do milagre carioca. Porque não tem milagre. O milagre é trabalhar. É fazer o dever de casa.
Como o Rio de Janeiro, governo e povo, estão fazendo. É o Roberto Medina, é o Alexandre Accioly, é o Ricardo Amaral, é o Armínio Fraga, é a Firjan.
O Rio tem hoje governantes com espírito empresarial e empresários com espírito público.
E isso é bom para todos os Estados brasileiros. Porque eleva o sarrafo. Da administração pública e do engajamento cidadão. Do empresariado com suas cidades e seus Estados. E é por tudo isso que Donata chora na varanda. E, dentro de mim, minha alma canta. Há um sonho no ar, e um Rio lindo lá fora.
Com suas pedras grandes convidando o Brasil inteiro a pensar grande como suas montanhas e como nos comanda os braços estendidos do Redentor.
*Nizan Guanaes, nasceu em Salvador. Publicitário, é presidente do Grupo ABC

**Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Complexo de Pequenez

Paulo Ormindo de Azevedo*
Participei no último dia 5 do seminário “Mobilidade em debate: fluxos, deslocamentos e alternativas para o sistema de transporte público na RMS”, promovido pela deputada Maria del Carmem. Fiquei surpreso com a participação popular e a ausência das elites.
Para resumir, a sociedade pode perder o trem da mobilidade, porque um grupo de empresários já definiu a solução a seu favor. Não temos planejamento público, senão “antiprojetos” privados, todos imediatistas e ultrapassados, baseados no diesel, no pneu e minhocões.
Juca Kfouri em artigos de 4/2/07 e 11/6/09 na Folha de S.Paulo afirma que só a partir da Copa do Japão/Coreia do Sul, em 2002, a Fifa passou a exigir a construção de arenas, em grande parte porque esses países e a África do Sul não possuíam estádios em condições.
A Alemanha aproveitou 2006 para demonstrar e vender sua alta tecnologia em coberturas de estádios. A partir desse momento, a Fifa passa a capitanear um complexo industrial-esportivo com a Hyundai-Kia, produtora de trens velozes, metrôs e quarta fabricante mundial de carros, Sony, Continental, Adidas, Coca Cola, Budweiser e McDonald’s.
Se as nossas cidades são carentes de infraestrutura, não se pode dizer o mesmo do futebol.
Somos uma potência mundial, com um rei, o único pentacampeonato e a maior rede de estádios do mundo. Com pequenas obras, nossos estádios poderiam agasalhar a Copa de 2014, sendo destinado o grosso dos investimentos para a melhoria da infraestrutura de nossas cidades.
O que estamos assistindo na TV é o contrário, a implosão de estádios novos para a construção de arenas bilionárias, elitistas e excludentes, com camarotes, restaurantes e salões VIPs.
Algumas serão elefantes brancos em cidades cujas torcidas não passam de 3.000 pessoas. Isto quando se está, em todo o mundo, reciclando antigas fábricas para novas funções.
Fiquei também surpreso com alguns expositores que saudaram a Fifa como benemérita por exigir transporte de massa para nossas cidades. Não sejamos ingênuos. A Fifa não está interessada na qualidade de vida, nem na segurança de seus torcedores, senão no sucesso do evento. Prova disto é o fato de não exigir nada que se refira à questão sanitária e à segurança pública.
Nossas urbes são cortadas por rios contaminados, focos de dengue e leptospirose, rios que as paralisam quando chove. Temos ainda sequestradores, assaltantes de ônibus e torcidas armadas. Muito pouco foi pedido a este respeito e está sendo feito.
Não se conhece, por outro lado, ação da Fifa em favor do esporte amador, da educação esportiva, da repressão à violência nos estádios, à corrupção e à lavagem de dinheiro pela máfia russa.
Ela está interessada, sim, nos direitos de transmissão da TV, nos negócios associados e patrocínios bilionários. Como consequência, incentiva a venda de equipamentos de alta tecnologia, como TVGs [trens bala], metrôs, centrais de comunicações, equipamentos para aeroportos e arenas.
No momento que as instituições internacionais, como a ONU, FMI e Bird, têm cada vez menos força, é estranha a subserviência de nossas autoridades à entidade mais mercantilista do sistema. A isto se soma a falta total de planejamento e controle.
Coincidentemente a Fifa é uma associação helvético-brasileira. Sim, porque Havelange reinou nela durante 24 anos e sua família ainda controla grande parte dos negócios da Fifa e de sua afiliada CBF. O atual presidente da Fifa, Blatter, seu sucessor, é sua cria. Foi designado por ele diretor técnico em 1975, promovido a secretário-geral em 1981, indicado presidente em 1998.
Metade das arenas brasileiras foi projetada por escritórios alemães e cerca de oito têm coberturas da mesma origem e deverão ser geridas por consórcios binacionais. Como contrapartida, as obras das arenas foram dadas para as quatro irmãs nacionais. Oito dessas obras têm problemas no TCU e três são insustentáveis.
Chega-se ao ridículo de aceitar a destruição das arquibancadas do maior estádio do mundo, monumento nacional, e retirada de sua marquise, recorde da engenharia nacional, para colocar em seu lugar uma tela, que só irá produzir mormaço. Onde está o Iphan e o orgulho nacional?
*Paulo Ormindo é professor da Ufba, ex-presidente do IAB-BA e diretor do Crea-BA

Salvador sofre de indigência política

Em entrevista, o cientista político Paulo Fábio Dantas Neto, (foto), professor da Universidade Federal da Bahia, analisa o momento político de Salvador à luz da sua história recente e nos ajuda a entender a dimensão do caos político, administrativo e urbano em que estamos mergulhados.
B: Como você vê o atual momento político de Salvador?
Paulo Fábio: Para ser compreendida a situação de orfandade política em que Salvador se encontra, devemos analisar não apenas o comportamento do atual prefeito, mas, sobretudo, as estratégias dos partidos com influência no município, que há muito tempo vêm sendo omissos, renunciatários, quanto a encarar Salvador como lugar que mereça que a ele se dedique estratégias políticas e administrativas específicas. Há muitos anos Salvador é tratada como mero degrau da disputa estadual, trampolim que pode levar ao poder estadual.
B: Você poderia exemplificar?
Paulo Fábio: A cidade já pagou preço alto por isso, em passado mais ou menos recente. Lembro a convergência de forças políticas de esquerda, e de quase toda a oposição da época, em apoio à pretensão de Mário Kertesz de tornar-se, como se tornou, o candidato a prefeito, em 1985, pelo PMDB, que era então uma ampla frente e a principal legenda de oposição. Aquela foi a primeira eleição direta para prefeitos de capitais após a ditadura e o quadro pré-eleitoral de então indicava que o PMDB tinha, em Salvador, tanta margem de manobra, que o candidato que indicasse teria amplas chances de vencer, com larga vantagem.
B: Por que escolher Kertész como candidato das oposições, tendo em vista sua trajetória política construída ao lado de ACM? (Quando este foi prefeito de Salvador, Kertész, então com 22 anos, foi o chefe de gabinete da Secretaria da Fazenda. Na primeira gestão de ACM como governador da Bahia (1971-1975), Kertész foi o primeiro titular da Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia. Foi chefe de gabinete de ACM, quando este era presidente da Eletrobrás, entre 1975 e 1978, e prefeito nomeado de Salvador (1979-1981) por ACM em seu segundo governo).
Paulo Fábio: É preciso lembrar que Mário Kertész rompeu estrepitosamente com o carlismo, fato que gerou grande repercussão política na cidade. Em seguida, ligou-se ao PMDB e, em 1982, conseguiu fazer de sua então esposa, Eliana Kertész, a vereadora mais votada da história de Salvador. O projeto prioritário dos partidos de oposição naquele momento era a eleição do próximo governador, em 1986.
Acreditou-se à época que Mário Kertesz era imprescindível para este projeto, pois não se previa a vitória de Waldir com tanta folga, como acabaria ocorrendo. Então Salvador foi “rifada”, do ponto de vista político em nome da disputa estadual e, em razão do objetivo político considerado maior, de viabilizar a eleição de Waldir Pires em 1986, sacrificou-se aspirações e interesses que poderiam (ou não) significar alternativas novas para a cidade. Kertész voltou assim à prefeitura, seu alinhamento político real foi sendo aos poucos delineado e já se tornava mais claro cerca de um ano depois. Terminou apoiando Waldir (um tanto discretamente), mas seu arco de alianças na prefeitura orientou-se a um conjunto de forças mais conservadoras.
B: Que efeitos teve isso sobre a gestão da cidade?
Paulo Fábio: Kertész tomou iniciativas interessantes, como a adoção de uma política cultural e o desenvolvimento de um conceito sobre o urbano, cuja direção era polêmica, mas não se pode negar que houve ali um esforço de pensar a cidade; mas ao mesmo tempo foi uma experiência pródiga no trato com o erário, agravando, com dívidas, obras inconclusas e escassa transparência, a já precária situação financeira da Prefeitura, com a qual seus sucessores tiveram dificuldades de lidar.
Além disso, Kertész possuía compreensão absolutamente vertical da atividade política, o que tem a ver, naturalmente, com a escola em que se formou. Foram desmontados alguns mecanismos de participação política criados durante a gestão anterior, de Manoel Castro. Apesar de ter sido este um prefeito nomeado, os mecanismos foram criados em razão da força da bancada oposicionista do PMDB na Câmara, amplamente majoritária e cujo tom de atuação era dado pelos seus segmentos à esquerda, o que levara Manoel Castro a negociação com o Legislativo e também com um conjunto de associações e entidades comunitárias. O Conselho Municipal de Transportes e o Conselho de Desenvolvimento Urbano (Condurb) são exemplos desses novos espaços institucionais, que se tornariam letra morta durante o segundo mandato de Kertész.
Isto revela, de um lado, a fragilidade e mesmo a relativa artificialidade do então chamado movimento popular de Salvador e, de outro lado, um estilo autocrático de gestão da cidade, que tinha pouco a ver com o empuxo do PMDB, naquela época imediatamente pós-ditadura.
B: A submissão da política de Salvador à política estadual repetiria-se depois?
Paulo Fábio: Para abreviarmos posso dizer que nas eleições municipais de 2004 e 2008 a mesma lógica foi revivida. É bom lembrar as condições em que João Henrique se elegeu em 2004: era um deputado de nicho eleitoral, conhecido da população por combater taxas e impostos de qualquer natureza, por acionar freqüentemente o Ministério Público e buscar liminares na Justiça. Tornou-se um nome de algum destaque e apresentava certa vantagem na competição com o campo carlista, que não tinha nomes fortes para suceder ao então prefeito Imbassahy, um carlista bem avaliado como gestor.
No campo da situação estadual o candidato acabou sendo César Borges. Por sua vez, a chamada esquerda ficou dividida, embora houvesse, nas tendências do eleitorado, condições da competição que lhe eram relativamente favoráveis, após o início da chamada “Era Lula”. O PT lançou Nelson Pelegrino e o PSB, Lídice da Mata, em aliança com o PMDB, já então partido de Geddel Vieira Lima. Houve ainda a candidatura independente do ex-carlista Benito Gama, que se mostrou eleitoralmente inexpressiva.
Mais uma vez, a prioridade dos partidos da chamada esquerda, que tinham maior densidade eleitoral em Salvador, era a eleição ao Governo do Estado, dali a dois anos e que acabaria sendo vencida por Jacques Wagner. Lídice da Mata e Nelson Pelegrino chegaram a dizer, em seus horários eleitorais, que tanto fazia o eleitor votar em um deles como em João Henrique, pois o importante era derrotar Borges, quer dizer, o carlismo. João Henrique passou a campanha toda voando em céu de brigadeiro. Em nenhum momento foi instado a assumir compromissos substantivos.
B: Nenhum candidato revelou ter projeto político e concepção urbana para o desenvolvimento da cidade?
Paulo Fábio: Creio que o problema não é faltar projeto (projetos não governam) e sim o sentido renunciatário das estratégias políticas em relação a Salvador. A chamada esquerda, a meu ver, não entrou pra valer na campanha de 2004, ou, ao menos, não entrou como poderia ter entrado.
Para a ex-prefeita Lídice, o que mais importou foi fazer daquelas eleições uma ocasião para resgatar sua imagem perante o eleitorado, o que fez com êxito. Mas em nenhum instante se colocou como alguém que estava, de fato, disposta a um confronto de segundo turno, caso esse confronto se desse contra Joâo Henrique.
E ao PT, o que mais interessava era a frente contra o carlismo, uma aliança para a eleição de Wagner em 2006, conciliada com o objetivo de ampliar a sustentação política do governo Lula. Houve até almoço de ACM e com o seu candidato, César Borges no Palácio do Planalto às vésperas das eleições de prefeito, evento quase social cujo único efeito político real foi diminuir a credibilidade de Pelegrino como candidato de oposição.
Disso tudo beneficiou-se João Henrique, que adquiriu tais credenciais a baixo custo, bastando repetir afirmações vazias de conteúdo como a de que iria fazer o que fosse “bom” e evitar o que fosse “mau” para a cidade. Era evidente a existência de um vácuo político. Salvador foi politicamente rifada, como ocorrera no tempo de Mário Kertész. E em vez de segundo turno contra João Henrique, o que a esquerda disputou foi o passe do pai do prefeito eleito, que em 2006 se integraria, como candidato ao Senado, à chapa de Wagner.
Uma vez prefeito, João Henrique continuou a ser o outsider de sempre. Mostra-se incapaz de gerir a crise financeira da prefeitura e, livrando-se do PSDB (seu aliado eleitoral em 2004) busca se sustentar aproximando-se do governo Lula. Quando, apesar disso, descia a ladeira recebeu abrigo no PMDB, partido que integrava a base de Wagner e logo integraria a de Lula. As contradições da sua gestão com o PT municipal acirraram, mas a estratégia do governo estadual foi abafá-las. O PT só saiu do governo de João Henrique pouco tempo antes do início do processo eleitoral de 2008. E pagou caro por isso, no debate eleitoral.
Em nome da governabilidade e do projeto estadual, o PT foi à campanha de 2008, mais uma vez, com pés de chumbo. Meses antes do primeiro turno das eleições,Wagner insistia numa equidistância entre três candidatos da sua base (Imbassahy/PSDB, João Henrique/PMDB e o do PT, que depois de muita delonga, acabou sendo Walter Pinheiro).
O governador mudou de atitude na reta final, mas a fila anda e àquela altura João já trocara lágrimas e telhado de vidro, por verbo afiado e costas largas. Repetiu-se, assim 2004 em 2008 e João Henrique se reelegeu graças à predominância da lógica da política estadual, por duas vias: pela do PT, já comentada e também pela do PMDB, pois João foi ali abrigado pelo ministro Geddel porque fazer o prefeito de Salvador era acicate fundamental para a candidatura do segundo ao governo em 2010. Faltaram, mais uma vez, forças políticas em Salvador que centrassem foco na cidade, no enfrentamento político de seus problemas.
B: Esta falta histórica de compromisso com a cidade acaba oferecendo campo aberto para gestões irresponsáveis como a de João Henrique e de outros prefeitos de Salvador.
Paulo Fábio: A degradação urbana que se vive hoje em Salvador resulta, em grande parte, da falta de estratégias políticas para a cidade, criando tereno propício a aventureirismos políticos e a uma gestão atrabiliária, incapaz de fazer face aos problemas financeiros do poder municipal e de dotá-lo de um planejamento com sentido público. Gestão leniente para com o capital predatório, que há em todo lugar e pontifica onde não é monitorado e contido por uma política pública.
B: E como você vê o ambiente para as próximas eleições?
Paulo Fábio: Para 2012 não estou vendo no horizonte alteração positiva neste cenário. Quem assumirá a bandeira da oposição ao governo de João Henrique,
apontando um caminho de mobilidade política para a cidade? Os partidos não se apresentam para tal e parecem achar que têm direito a uma anistia por esse pecado de omissão porque se declaram engajados na tal mobilidade urbana, senha para aventuras mercantis que têm como horizonte 2014 e não 2012. Pior que das outras vezes, o calendário que comanda a política municipal não é estadual, nem sequer político, mas puramente empresarial. A política se esconde na Copa de 2014.
Neste momento, o PT, em sua política de copa e cozinha, faz oposição de fachada ao prefeito. Está o tempo todo constrangido pela estratégia da política estadual, que quer incorporar o prefeito nos acordos. O virtual candidato do partido, Nelson Pelegrino, corre risco de tornar-se um gato pardo, indiferenciado entre os demais, no saco do governismo federal e estadual. Apesar do seu bom mocismo (ou até por causa dele) parece-me próxima de zero a chance de nele Wagner colocar suas fichas. Seguirão moucos os ouvidos do palácio se o pré-candidato não forjar, na opinião pública e, em seguida, no eleitorado, a idéia de que é oposição ao que aí está na Prefeitura e porta- voz de algo diferente, com identidade política concernente ao que durante muito tempo foi o mote retórico da dita esquerda: práticas republicanas na sociedade política e movimentacionismo na sociedade civil. Idéia oposta à que hoje cultiva, que é conservar um ambiente político aclamativo à política do saco de gatos pardos.
A senadora Lídice da Mata – apesar da sua estatura eleitoral e da situação confortável de ter agora oito anos de mandato de senadora o que, em tese, lhe permitiria correr riscos – também não se arvora a liderar uma oposição a João Henrique porque o seu PSB está preso a interesses no (e a compromissos com o) governo estadual; o PC do B ameaça com uma candidatura mas, diante do histórico do partido, é pouco provável que seja realmente para valer; o DEM permanece na prefeitura, pelas beiradas, embora finja que não; o ex-prefeito Imbassahy, do PSDB, tem como trunfo a experiência de gestão bem avaliada, mas tem também forte viés tecnocrático e clara dificuldade em formular discurso político. E o PMDB não tem crédito acumulado para fazer discurso de oposição, pois antes terá que explicar o que há de diferente entre o João Henrique de hoje e aquele que, em 2008, o partido retirou do sopé da ladeira para recolocar no topo.
O quadro é de indigência política lamentável. O campo da situação é controlado hoje pelo PP de João Leão, mediante um arranjo que possibilita um gerenciamento político-empresarial de interesses neófitos na política da capital, exercido, com apetite, em combinação com o ministério ocupado pelo partido, com a estratégia do governador e com a rendição mais geral do mundo político às leis de mercado.
E na oposição, a ausência de palavra política consistente levou o vácuo a ponto tal que se cogita retorno à hipótese de candidatura de uma personalidade midiática. Mário Kertesz jura que descarta, mas se mudasse de idéia, não seria, nas atuais circunstâncias, um revival de sua performance de 1985; embora sua personalidade seja bem diferente, a lembrança do seu nome agora alude mais à situação de vácuo que propiciou, em 1988, a eleição de Fernando José. A situação eleitoral é outra, as chances de um outsider midiático são menores, mas nada indica que isso seja um dado animador. A simples cogitação de um outsider depois de oito anos de sofrimento com as peripécias de um deles revela o buraco político em que estamos metidos.
* Entrevista publicada originalmente no blog Bahia na Rede - http://blogbahianarede.wordpress.com

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Academia de Ciências da Bahia é inaugurada em Salvador

Indústrias, governo e pesquisadores vão atuar em prol da inovação. Presidida pelo ex-reitor da Ufba, Roberto Filgueiras Santos, a Academia tem 42 membros. A Academia de Ciências da Bahia foi inaugurada na noite da última quarta-feira (1) na Federação das Indústrias da Bahia (Fieb), no bairro do Stiep, em Salvador. O objetivo da Academia é reunir indústrias, governo e pesquisadores em projetos inovadores.
A Academia de Ciências da Bahia tem 42 membros e é presidida pelo professor, ex-reitor da Universidade Federal da Bahia e ex-governador da Bahia Roberto Santos. Ele acredita na união de esforços entre a indústria e as universidades, com o apoio dos órgãos públicos.
“A Federação das Indústrias vai estar articulada com a Academia para uma série de projetos que são de muita importância para a Bahia. Nós estamos estudando uma articulação entre os projetos de teses da pós-graduação, do doutorado, com as necessidades da indústria baiana”, explica Roberto Santos, presidente da Academia.
A Academia de Ciências vai funcionar como um polo de projetos para o desenvolvimento de diversos setores do estado.
“Ciência é produção de conhecimento, é contribuir para a sociedade e nesse sentido temos a Academia de Ciências, reunindo um grupo de pesquisadores, de pessoas ligadas à atividade acadêmica, que certamente vão contribuir para fortalecer a ciência, a inovação e o nosso estado”, espera Dora Leal, reitora da Ufba.
Inicialmente, os membros da ACB farão três encontros mensais, que ocorrerão no prédio da Fapesb, no bairro de São Lázaro. O secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação, Paulo Câmera, afirmou que “a Secti dará toda a cobertura institucional para que os membros se sintam à vontade e tenham a infraestrutura necessária”.
“A Bahia está um pouco atrasada nessa questão da inovação, inclusive em relação a alguns estados mais pobres do que nós, então eu acho que chegou o momento de nós retornarmos essa política de renovação do conhecimento na Bahia, acho que isso cai em uma oportunidade muito grande”, pontua José Mascarenhas, presidente da Fieb.

Pense num absurdo...

Osvaldo Campos Magalhães*
A frase de autoria do ex-governador Octavio Mangabeira, “Pense num absurdo, na Bahia tem precedente”, volta à tona com a recente manifestação do Ministério Público Federal solicitando a paralização das obras da ferrovia de integração Oeste – Leste – FIOL.
Lembremos que na década de sessenta foi construído no município de Marau, mais precisamente na ilha de Campinho, baía de Camamu, um terminal portuário. O porto seria o ponto final de um sistema logístico idealizado pelo professor e ex-deputado Vasco Neto, que, previa uma ferrovia ligando a capital da república ao litoral baiano. Conhecido por porto de Brasília a infraestrutura portuária já completamente comprometida encontra-se abandonada há mais de quarenta anos, sem que a ferrovia tenha sequer sido iniciada.
Com o início acelerado da implantação da Ferrovia de Integração Oeste Leste, principal obra de infraestrutura de transportes do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, na Bahia, sem que tenhamos ainda uma definição acerca do ponto final, ou seja, o porto, será que a frase do ex-governador voltará a atormentar a Bahia e seus dirigentes?
Lembremos que o Programa Estadual de Logística de Transportes – PELTBAHIA tinha como sua obra mais emblemática a implantação de uma ferrovia ligando o estado do Tocantins até a cidade de Brumado na Bahia. Planejada para diminuir os custos logísticos da movimentação da crescente produção agrícola do oeste baiano, principalmente soja, milho, algodão, o novo corredor ferroviário englobava também a requalificação do trecho ferroviário sob a concessão da Cia Vale do Rio Doce ligando Brumado até o complexo portuário existente na baía de Todos os Santos. Indicada como obra prioritária, teve seu estudo de traçado elaborado pelo Departamento de Infraestrutura de Transportes da Bahia, DERBA, ainda em 2002.
Com a comprovação de grandes reservas de minério de ferro em Caetité, posterior à elaboração do PELTBAHIA, e, sob ameaça de ver implantado um grande mineroduto que utilizaria a agua do São Francisco para bombear o minério de ferro até um porto oceânico, o governo da Bahia e a VALEC, decidiram alterar o estudo inicial da ferrovia, e, ao invés de requalificar o trecho existente, e aproveitar o complexo portuário já implantado na baía de Todos os Santos, segunda maior reentrância de águas profundas do mundo, preferiram atender aos anseios da Bahia Mineração e Logística, que ficou responsável de implantar um porto off-shore entre as cidades de Ilhéus e Itacaré.
A mudança não poderia ser mais desastrosa, visto que, de acordo com os estudos preliminares do Plano de Zoneamento Ambiental da Bahia, a região já tinha no turismo, a sua principal vocação econômica e ecológica. A situação se complicou ainda mais, quando o governo determinou o local de implantação do porto: uma área de proteção ambiental, conhecida como APA Lagoa Encantada.
Com a pressão dos ambientalistas e de grande parcela dos moradores da região o governo finalmente decidiu alterar o local do porto. Contudo, a construção da ferrovia já tinha sido iniciada e, o licenciamento ambiental do porto, no novo local, ainda não foi sequer iniciado, o que motivou a solicitação de paralização das obras por parte do Ministério Público Federal.
Talvez ainda seja oportuna uma revisão no sistema logístico, voltando a seguir às recomendações do Programa Estadual de Logística de Transportes.
No dia 28 de abril foi publicado pela ANTT a Deliberação 87/2011, propondo a revisão dos contratos de concessão da malha ferroviária brasileira. Tal mudança poderá resultar na retomada pelo governo de trechos ferroviários que estejam subutilizados, o que é o caso da malha ferroviária baiana, explorada pela FCA. Ao invés de construir o trecho Brumado Ilhéus, não seria mais econômico e ecológico reconstruir o trecho Brumado – Salvador, favorecendo a recuperação da atividade portuária em Salvador e nos portos da Baia de Todos os Santos, hoje ameaçados por Suape em Pernambuco?
Artigo publicado no jornal A Tarde em 02/06/2011
*Osvaldo Campos Magalhães, editor deste blog , é Engenheiro Civil e Mestre em Administração. Trabalha como especialista em infraestrutrura da FIESP.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Salvador - Os desafios da mobilidade urbana

Armando Branco*
Estudos da Prefeitura Municipal de Salvador (PDDU/2004) para o ano 2013 fundamentaram que 34,66% da renda produzida no município/cidade estarão concentrados na Região Administrativa Pituba (RA), que abriga cerca de 5% da população. Se considerarmos todas as demais RA´s ao longo da faixa atlântica, a concentração desta renda atingirá espantosamente 74%, evidenciando onde a pobreza está territorializada e, conseqüentemente, dependente do transporte público. A população com poder aquisitivo elevado que deverá apropriar esta renda é da ordem de 24,5%. Daí que os restantes 26% do total da renda serão distribuídos com a maioria, ou seja, nos 75,5% da população.
Este cenário vai caracterizar que a maior propriedade de veículos privados se concentra nesta região de borda marítima da cidade. É uma região que não será atendida diretamente pelo transporte público de alta capacidade. Continuará com o uso intensivo de automóveis e utilizando a estrutura viária para além dos limites das localidades desta região.
Pode-se então perceber o que representa a mobilidade urbana em Salvador. Embora haja uma tendência focalizando a mobilidade vinculada aos transportes motorizados de passageiros, no entanto a compreensão desta função urbana parte de seu elemento primário, que é o deslocamento a pé pelas ruas da cidade.
Todos nós iniciamos nossas atribuições cotidianas a partir da residência. Desta decisão, a primeira questão diz respeito à caminhada através do logradouro público que é a principal vertente no estudo da mobilidade urbana. Entende-se, portanto, que ao falar de mobilidade, a caminhada é o primeiro modal a ser considerado em uma cidade.
Os dados da PMS de 2003 indicam que cerca de 1/3 das viagens diárias era realizada por esta modalidade que acreditamos se manter, o que se agrava diante do relevo acidentado e clima tropical de Salvador. No entanto, tal configuração fisiográfica não conduz à inércia de qualificação urbanística para esta modalidade.
Considera-se também o desenho urbanístico deste sítio, com suas vias de cumeadas e de vales, longe de qualquer racionalidade na articulação entre os dois subsistemas viários. Isto ficou muito ao acaso das ocupações, quer aquela programada, de projetos de parcelamento do solo, ou intervenções emergenciais, quanto resultante da ocupação dos segmentos sem acesso ao planejamento desse parcelamento.
Depara-se, então, com uma questão importante da cidade que é a da gestão da sua mobilidade. Daí meu entendimento de poucas esperanças na insistência da necessidade de elaboração de ‘mais’ um plano de transportes ou de mobilidade objetivando a estruturação ou organização desta função em Salvador, dentre outras questões urbanas também relevantes.
Estamos sim, em Salvador, numa autêntica e impressionante crise de gestão pública que não consegue direcionar as intervenções no interesse coletivo e sem a perspectiva de uma correlação de forças para conduzir a participação da sociedade na decisão de políticas públicas conseqüentes. Este retrocesso foi o legado da ditadura, que se esperava superar com as novas forças no poder. Caso contrário, o Estádio da Fonte Nova de Salvador não seria demolido.
É importante recordar que decisões bem sucedidas na política urbana neste País foram da iniciativa de setores independentes da sociedade, a exemplo do Instituto de Arquitetos do Brasil que, em 1963, caracterizou o colapso habitacional nas cidades, o que subsidiou a formulação da política habitacional daquele momento, ou do projeto de iniciativa popular que resultou no Estatuto da Cidade, em 2001. Daí não caber, apenas, situar a nossa discussão no campo técnico sem abordagem da componente política.
Discutir tecnicamente a mobilidade requer base científica, conhecimento e domínio dos resultados das pesquisas, mas a sociedade não dispõe nem tem acesso aos dados necessários nem às ferramentas de que se vale o poder público. A discussão se torna empírica. Desconhecemos conceitos e detalhes técnicos dos planos/projetos anunciados, da mesma forma que os modelos praticados além de nossas fronteiras nacionais.
O que se tem observado nas cidades fora do Brasil é que os investimentos na infra-estrutura de transportes não estão se traduzindo na superação dos problemas de trânsito em suas áreas centrais. A melhoria da qualidade do ambiente dos centros de cidades vem ocorrendo com medidas coercitivas na operação do trânsito e no uso do solo, e penalizando o transporte por automóveis, permitindo a reconquista dos espaços públicos para predomínio de uso dos pedestres. Cidades que investiram nos sistemas subterrâneos de deslocamento de pessoas também aplicam sanções no uso do espaço de superfície para redução de fluxos de veículos particulares. O enfoque ambiental tem contribuído para essas políticas. Mesmo assim não encontraram soluções satisfatórias. Os congestionamentos nas vias de superfície ainda perduram.
Aqui não se quer abandonar o advento de investimentos em tecnologias avançadas na gestão da mobilidade. Há a se considerar que o modal caminhar a pé não pode deixar de ser componente básico de qualquer projeto ou intervenção de transporte de pessoas como também o modal biciclo, que vem crescendo nos segmentos de baixa renda na nossa cidade e região metropolitana. Independente de Copa da FIFA, Salvador requer providências no nível da gestão pública de sua mobilidade urbana. Encontra-se aí um dos maiores entraves e que pouco vem sendo abordado diante dos investimentos programados para o certame de futebol.
Na questão da gestão pública situam-se desde os aspectos do uso do solo, constante no modelo de planejamento do município/cidade a partir de 2004 e, praticamente, ignorando as conseqüências das alterações de parâmetros urbanísticos até a operação do trânsito, onde estão presentes o transporte público de passageiros, o privado e o de mercadorias.
A lógica que ainda permeia é a indissociação entre o uso do solo e a mobilidade. Conseqüência disso é a concentração de atividades e fluxos que se territorializa em Salvador na perspectiva de maior retorno do capital privado investido e não num padrão de bem-estar urbano diante de um desenho de cidade numa irreversível e acentuada concentração de usos em mesmos lugares. Usos muito mais competitivos que complementares.
Para o certame de 2014 a certeza que se tem é o aumento da circulação de automóveis. Em maio de 2011 eram 530.064 em Salvador o que equivale a 5 pessoas/veículo! Independentemente da tecnologia de transporte de alta capacidade, o município/cidade estará experimentando o recrudescimento dos retardamentos e congestionamentos no trânsito. Isto é inexorável! Inclusive com o discurso da ampliação do sistema viário.
É ilusório pensar que a redução da circulação de ônibus permitirá melhor fluxo para os automóveis, uma vez que até a Copa outros ‘recém-emplacados’ estarão demandando espaço nas vias, assim como as centralidades de Salvador estarão com maior concentração de usuários e de atividades, já que é este o modelo do Plano Diretor em vigor.
A solução indicada pelo Sindicato das Empresas de Transportes Públicos em Salvador - Seteps, em debate no CREA-BA é, talvez, a mais sensata, ou seja, decretar feriado escolar e ponto facultativo na administração pública nos dias de jogos. Minimizam-se os deslocamentos para a Fonte Nova.

* Arquiteto e urbanista, foi presidente do IAB - Bahia