terça-feira, 26 de agosto de 2014

Salvador e a economia criativa

Osvaldo Campos Magalhaes*
O conceito de economia criativa surgiu em 1994, na Austrália, com o projeto “Creative Nation”. Ganhou destaque mundial durante o governo do primeiro-ministro britânico Tony Blair com uma série de incentivos a atividades que envolvem a criatividade como software gastronomia, moda, design e mídia.
Em São Paulo, no ano de 2004, a conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento, decidiu introduzir o tema da economia criativa na agenda política internacional de desenvolvimento econômico.
Desde então, mais de 50 países já realizaram mapeamentos dos seus setores criativos e adotaram estratégias que visam expandir sua indústria criativa, inserindo o tema estrategicamente  em suas agendas econômicas.
No Brasil, em 2012, foi criada no âmbito do Governo Federal a Secretaria da Economia Criativa – SEC, tendo como prioridades os setores de Artesanato, Arquitetura, Design e Moda. Um amplo mapeamento da economia criativa foi também realizado no Rio de janeiro, pela FIRJAN, e revelou que o peso da cadeia da indústria criativa no PIB brasileiro pode chegar a 18,2%, o que equivale a mais de R$ 680 bilhões.
Pesquisa da UNCTAD indica que o Brasil exporta atualmente mais de US$ 8.5 bilhões em serviços e produtos criativos. Considerando a nossa rica herança cultural e o vasto potencial de talentos criativos no país, o Brasil ainda tem participação tímida no mercado mundial. É preciso reforçar nossa capacidade criativa, diversificar e melhor promover nossos produtos no mercado mundial: música, cinema, moda, design, novas mídias, artesanato, etc..
O momento é propício para se por em prática, em Salvador, políticas institucionais que ajudem a promover a dimensão de desenvolvimento da economia criativa em sua totalidade. Cidades como São Paulo, Recife e Curitiba lançaram recentemente seus programas de economia criativa.
O conceito das “cidades criativas” tem sido amplamente usado não só para revitalizar cidades que buscam novos rumos valorizando a cultura, serviços diferenciados e entretenimento a fim de atrair a chamada classe de empreendedores criativos, valorizando assim tanto o patrimônio histórico e cultural como o lado contemporâneo das cidades. 
A indústria criativa apresenta grande potencial para as cidades que estejam procurando diversificar sua economia e participar de um dos mais dinâmicos setores da economia mundial. Entretanto, para que haja um clima que conduza ao bom desempenho da economia criativa é preciso que o setor público adote políticas de estímulo.
Dada suas características culturais únicas, Salvador tem todos os atributos para se tornar uma referência como a cidade da economia criativa. Tem uma identidade multicultural e é uma cidade musical e singular, vocacionada para o entretenimento e cultura, mas, políticas públicas adequadas são necessárias para promoverem o desenvolvimento inclusivo através da criatividade, cultura, conhecimento e inovação.
*Criador e eiditor deste blog. Engenheiro Civil e Mestre em Administração com foco em Tecnologia e Estratégia. Membro do Conselho de Infraestrutura da FIEB.
** Artigo originalmente publicado no jornal A Tarde, em 25/08/2014

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Rômulo Almeida, 100 anos

Eduardo Almeida*
Dentre tantos vultos do século XX empenhados na luta por um Brasil mais justo, Rômulo Barreto Almeida está talvez entre os menos conhecidos e reconhecidos. Há um notório abismo entre os poucos que conhecem sua trajetória, reconhecendo-o entre os maiores de sua época, e uma imensa maioria que não tem a mínima noção de quem foi ou o que fez.
Claro, há incontáveis anônimos, soldados da luta atroz contra o atraso e as imensas disparidades sociais e regionais. E Rômulo era do tipo que fazia sem se preocupar com glórias ou holofotes. Os grandes personagens da História certamente se medem menos por seus esforços e intenções do que por suas realizações e conquistas. O reconhecimento nem sempre é automático. Há controles e interesses nesses processos, ainda mais numa sociedade dividida e conflitada. Mao Tsé-Tung, o líder chinês que conseguiu pôr de pé um imenso país decadente, publicou, no curso de sua luta, três textos motivadores da militância: Servir ao povo, O velho tonto que removia montanhas e Em memória de Norman Bethune. Tratam de entrega às causas populares, abnegação, persistência e coerência na luta. O cotejo com a vida de Rômulo é inevitável. Rômulo Almeida, de fato, encarnava essa retidão, a monumental determinação de servir a seu povo.

Tudo isso somado à ponderação, à honestidade e disciplina típicas de um cientista. Isso nos remete a uma certa controvérsia. Muitas pessoas de esquerda, do antigo PCB ao novo PT, levantam senões sobre Rômulo Almeida, sobretudo por dois fatos aparentemente “sombrios”: a militância integralista nos anos 30 e o fato de não ter sido cassado e nem forçado ao exílio quando da ditadura militar. Não cabe aqui discutir estreitezas de análise. Rômulo Almeida se soma, em destaque, a um seleto contingente de brasileiros que mais afrontou, objetiva e incisivamente, os senhores do atraso, as oligarquias e classes dominantes reacionárias e excludentes deste país. Lutou por fora e por dentro do sistema, nas brechas, explorando contradições; teve momentos de estar praticamente no poder, outros de grandes conquistas e influência intelectual e técnica, mas também inúmeros de revés, frustração, desvirtuamento de suas criações e projetos.
O legado final, no entanto, é impressionante e visceralmente inserido naquilo que explica as grandes transformações que modernizaram o Brasil, o Nordeste, a Bahia, nas últimas seis décadas. Mais modernizaram do que transformaram, que era o que Rômulo compreendia necessário. Não foi por outra razão que sempre buscou a trincheira política, tentando exercitar liderança cidadã com ética e compromisso, o que, bem sabemos, é meio complicado no Brasil.Não é difícil, portanto, entender por que Rômulo ficou tão escanteado na memória brasileira, até mesmo na sua Bahia, onde esteve mais exposto. Sintomático que as forças conservadoras prefiram o ostracismo de nosso personagem. Compreensível que uma esquerda marcada por deficiências na leitura do real, com propensões a um sectarismo eurocêntrico e dificuldades autocríticas, subestime o papel transformador-libertador de Rômulo. 
Dezoito de agosto de 2014, 100 anos de nascimento do baiano Rômulo Barreto Almeida.
*Jornalista e indigenista
** Artigo publicado originalmente no jornal A Tarde

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Rede de Cidades Criativas

Paulo Peixoto*
Há muito que a Unesco se interessa pelas questões urbanas. Por isso, não é de estranhar que o tema das “cidades criativas”, que casa questões urbanas com questões culturais caras à organização, tenha levado a Unesco a constituir uma Rede de Cidades Criativas. 
Ao constituir esta rede, a Unesco reconhece o protagonismo crescente das cidades, mas também a importância que a cultura e as atividades culturais desempenham atualmente, e de forma crescente, na dinamização e transformação urbanas. Por outro lado, como a própria Unesco justifica ao explicar as razões que levaram à criação desta rede, não deixa de ser relevante o facto de a questão da criatividade animar crescentemente as agendas políticas locais e nacionais e de ser vista como um elemento central das estratégias de desenvolvimento econômico. Acresce que a Unesco tem estado, nas últimas décadas, particularmente ativa no domínio da criação e sustentação de redes, reconhecendo, neste caso, que uma rede de cidades criativas é importante na exata medida em que as indústrias criativas constituem hoje a base da estrutura social de muitas cidades, reforçando a diversidade cultural, estimulando a vida quotidiana e contribuindo para a consolidação da identidade local e da autoestima.  A Rede das Cidades Criativas resultou da iniciativa “Aliança global em prol da diversidade cultural”, lançada pela Unesco em 2004.
Em termos gerais, a Rede constitui‑se para promover a diversidade cultural e o desenvolvimento urbano sustentável. Aposta, especificamente, no desenvolvimento da cooperação internacional entre cidades, promovendo a constituição de parcerias para o desenvolvimento no contexto das prioridades globais estabelecidas pela Unesco: “cultura e desenvolvimento” e “desenvolvimento sustentável”. As noções de “economia criativa” e “turismo criativo” fundamentam e orientam a existência da Rede, procurando funcionar como eixos estruturantes das ações desenvolvidas no âmbito das parcerias. Estas, disseminando‑se por várias áreas da cultura, visam promover a partilha de experiências e contribuir para a emergência de novas oportunidades de cooperação numa base mundial. As cidades podem aderir à Rede, seja enquanto “centros criativos”, seja enquanto “agrupamentos socioculturais”. Os centros criativos orientam‑se para a promoção do desenvolvimento socioeconómico e cultural, quer nos países desenvolvidos, quer nos países em vias de desenvolvimento, através das indústrias criativas. Os agrupamentos socioculturais pretendem reforçar as relações entre comunidades diferenciadas, no domínio sociocultural, de modo a criar ambientes urbanos equilibrados. 
São 34 as cidades que integram atualmente a Rede das Cidades Criativas, repartindo‑se pelas 7 áreas das indústrias criativas fixadas pela Unesco: literatura, cinema, música, artesanato e artes populares, design, artes numéricas e gastronomia. Design, com 11 cidades aderentes, é a área que reúne maior número de membros. Artes numéricas, com um único membro, é a área menos participada. Entre os membros da Rede contam‑se grandes cidades, como Pequim (design), Kobe (design), Shangai (design), Seoul (design); cidades médias, como Lyon (artes numéricas), Sydney (cinema), Buenos Aires (design), Berlim (design); e cidades de menor dimensão, como Edimburgo (literatura), Dublin (literatura), Reykjavik (literatura), Sevilha (música), Bolonha (música). Não há, neste conjunto de cidades, nenhuma que seja originária do universo da lusofonia. Não obstante esta diversidade, a Rede tem um manifesto problema de densidade, havendo áreas, como, por exemplo, artes numéricas e cinema, em que o número de cidades aderentes nem sequer cauciona o princípio da parceria. 
O site da Rede disponibiliza formulário e informações de submissão de candidatura. Os procedimentos necessários não deixam de ser um fator de entrave à candidatura e adesão de novas cidades. Em primeiro lugar, a adesão à Rede depende de um filtro político, uma vez que é necessária a autorização do Presidente da Câmara local (ou equivalente). Existindo a missiva oficial de concordância, a cidade submete a candidatura à Unesco. Em seguida, a Unesco confere se a Comissão Nacional da Unesco correspondente reconhece e apoia a candidatura, condição que, na prática, é obrigatória, para o sucesso da candidatura. Segue‑se a avaliação por um grupo de peritos externo, constituído por especialistas de ONGs na área de candidatura. Finalmente, sob recomendação do grupo de peritos, o Diretor Geral da Unesco toma uma decisão final. Ainda que o processo pareça simples e linear, a verdade é que ele é bem mais complexo que aquilo que aparenta ser. O formulário de candidatura obriga, não apenas a uma apresentação detalhada da cidade, que mostre tratar‑se de um candidato ideal para integrar a área criativa a que se candidata, mas exige, igualmente, que a candidatura demonstre que a cidade tem algo de concreto para oferecer e que seja materializada e concretizada a disposição para cooperar com outras cidades. A Unesco exige, por outro lado, que o dossier de candidatura resulte do trabalho de um comité de gestão misto, composto por membros do setor privado, do setor público e da sociedade civil. Com anexos, e a obrigatoriedade de ser redigido em língua inglesa ou francesa, o dossier de candidatura deve incluir 50 a 80 páginas. 
Procurando estimular iniciativas no âmbito da Rede, o site divulga algumas oportunidades, tais como o “Fundo Internacional para a promoção da cultura” e as bolsas para artistas Unesco‑Aschberg. Todavia, estes recursos têm um alcance muito limitado em termos de atratividade para cidades que equacionem fazer parte da Rede. A Rede organiza e associa‑se ainda a alguns eventos e publicações, que podem ser consultados na página (se bem que algumas das publicações tenham um alcance comercial). Para uma rede que tem a ambição declarada de criar novas oportunidades de cooperação entre cidades, lançar produtos culturais diversos nos mercados, ou cultivar a inovação através de trocas de saberes‑fazeres, os resultados têm sido, na verdade, muito limitados.
*Paulo Peixoto - Doutorado em Sociologia pela Universidade de Coimbra, é investigador do Centro de Estudos Sociais (CES), integrando e coordenando o Núcleo Cidades, Cultura e Arquitetura. Integra e coordena também o Observatório das Políticas de Educação e Formação. É professor de Sociologia na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC),