quinta-feira, 28 de junho de 2018

CAU e IAB criticam projeto do BRT Salvador

Entidades urbanísticas de Salvador criticaram o projeto do BRT de Salvador.
Conselheiro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Bahia (CAU-BA), Paulo Ormindo disse que os elevados – estruturas como viadutos, pelos quais transitarão os ônibus do modal – trazem impactos “muito grandes, não só visual como circulatório”. Ainda na avaliação de Ormindo, o projeto pensado para a capital baiana é "caro” e, até certo ponto, megalomaníaco em relação a cidades de países desenvolvidos. 
“Ele [BRT] também vai ser colocado em cima do canteiro central da Juracy Magalhães Jr., o que significa uma destruição grande de verde. O sistema de pagamento também evoluiu muito. Um dos motivos de você criar aquelas estações era a questão do pagamento. Quando o passageiro entrava, ao invés de parar na borboleta para pagar, você entrava na estação já tinha que pagar. Hoje, há basicamente um sistema de cartão magnético. Na verdade, hoje não há nenhuma cidade de país desenvolvido que tenha esse tipo de BRT. Em Nova York, os ônibus correm entre os carros. Não precisa colocar ele em elevados e alambrados”, criticou o conselheiro em entrevista.
O conselheiro também pontou que o BRT de Salvador deve funcionar como um concorrente do metrô, e não uma forma de transporte auxiliar. “Isso não tem muita razão. Ainda por cima, o viaduto deprecia os imóveis que estão do lado. Deprecia a rua, cria um sombreamento aos imóveis, vira um local em que a população acaba jogando lixo. 
Não entendo a cidade com esses viadutos todos. É uma bobagem”, atacou. 
Para Carl Von Hauenschild, conselheiro do Instituto dos Arquitetos da Bahia (IAB), o BRT acaba beneficiando mais o transporte individual que o coletivo.
“Neste caso desta primeira etapa do BRT Lapa ligando Pituba/Itaigara ao Iguatemi fica claro que não podemos esperar uma redução deste tráfego individual entre a Pituba e o centro da Tancredo Neves, porque por um lado facilita o tráfego individual na Av. ACM e o transporte coletivo BRT só chega até a estação do metrô do Shopping Bahia/Rodoviária, e não ao destino da maioria, que é ao centro da Tancredo Neves”, defendeu.

Dez razões que explicam o BRT de Salvador

O BRT (sigla em inglês para “ônibus rápido”) é muito mais do que um novo modal de transporte público. Trata-se de uma obra que vai transformar a mobilidade em uma das regiões mais movimentadas da cidade e melhorar a locomoção tanto de quem utiliza o transporte público quanto o automóvel particular e até mesmo a bicicleta. O projeto envolve a construção de corredores exclusivos e segregados das demais vias de tráfego por onde irão passar os veículos do BRT (ônibus maiores, mais confortáveis, seguros e climatizados), de elevados para abrigar estações de embarque e desembarque do modal, de viadutos para a eliminação de semáforos e retornos e de uma ciclovia também exclusiva e segregada.
Tudo isso entre a Lapa e a região do Shopping da Bahia, passando pelas avenidas Vasco da Gama, Juracy Magalhães e ACM, beneficiando uma área populosa totalmente diferente daquela por onde circula o metrô, que liga os mesmos pontos via Avenida Mario Leal Ferreira (Bonocô). Para se ter uma ideia do impacto do BRT, cerca de 340 mil pessoas utilizam o ônibus comum para circular por essas vias diariamente. No primeiro trecho, as obras vão implantar os corredores exclusivos do BRT entre o Parque da Cidade e a região do Shopping da Bahia, prevendo ainda a construção de três viadutos e dois elevados.
Em função das obras, 154 árvores precisarão ser suprimidas. Outras 169 serão transplantadas para o Parque da Cidade e áreas próximas ao próprio BRT. Como política de compensação ambiental, a Prefeitura exigiu do Consórcio BRT, responsável pelas obras, o plantio de 2 mil árvores da Mata Atlântica em vários pontos de Salvador. Cerca de 300 já foram plantadas na Via Expressa. A maior parte dessas árvores ficará no entorno dos corredores exclusivos do “ônibus rápido”.
Abaixo as 10 razões que explicam por que Salvador precisa do BRT: 
1 – O BRT será um ônibus maior (23 metros), com ar-condicionado e que vai fazer a ligação entre a Lapa e a região da rodoviária passando por avenidas como Vasco da Gama, Juracy Magalhães e ACM, em trajeto diferente do realizado pelo metrô;
2 – Por circular em vias exclusivas e segregadas de tráfego, o BRT não vai pegar semáforo ou cruzamento. Por isso, ele vai fazer a ligação entre a Lapa e a região da rodoviária em apenas 16 minutos;
3 – Cerca de 340 mil pessoas circulam diariamente de ônibus comum na região por onde o BRT vai passar, com a utilização de 68 linhas. Além disso, 7 em cada 10 passageiros que utilizam ônibus em Salvador tem como ponto de partida ou destino a região por onde o BRT vai circular;
4 – O BRT só vai parar em estações próprias, confortáveis e modernas, de forma programada. Em situações normais, nunca haverá atraso;
5 – O BRT polui menos do que o ônibus comum e, por ser um transporte melhor, vai permitir que mais pessoas deixem os carros em casa para trabalhar. Além disso, ele poderá ser elétrico ou híbrido;
6 – Por utilizar pneus, o BRT, que foi inventado no Brasil e utiliza tecnologia 100% nacional, pode ter linhas extensivas, deixando as vias exclusivas quando necessário. Além disso, ele poderá ser expandido mais rapidamente para o Subúrbio e o Centro da cidade, como prevê a Prefeitura em seu Plano de Mobilidade;
7 – O projeto do BRT envolve, além da construção das vias exclusivas, a implantação de viadutos que irão solucionar o problema da mobilidade em áreas sensíveis da cidade. Mesmo quem utiliza automóvel será beneficiado com a eliminação de semáforos, cruzamentos e retornos;
8 – O projeto do BRT prevê ainda investimentos que irão solucionar problemas de alagamento em vias importantes de Salvador;
9 – Junto com os corredores exclusivos do BRT, a cidade vai ganhar uma ciclovia segregada ligando a Lapa à região da rodoviária;
10 – O BRT será 100% integrado ao metrô e ao ônibus comum, com tarifas que estarão de acordo com as cobradas por esses modais.

domingo, 24 de junho de 2018

De luta e de labuta: em memória do político Waldir Pires

Paulo Fábio Dantas Neto*
O desaparecimento do ex-governador Waldir Pires enseja um sentimento de consternação que, ultrapassando o campo de seus familiares, amigos, correligionários e aliados atinge, inclusive, adversários. Ao lado disso, também é geral o sentimento de perda compartilhado por todos os baianos e brasileiros minimamente informados sobre quem ele foi e sobre o fecundo e exemplar papel que cumpriu em momentos cruciais de nossa história contemporânea.
Em linha com esses sentimentos difusos afloram merecidas menções à integridade moral do seu caráter e ao sentido ético de sua conduta política, seja pela coerência ideológica, seja pelo respeito ao interesse e patrimônio públicos. A todas essas manifestações junto-me apenas como mais um.
Peço, contudo, licença para externar uma interpretação sobre dois traços de natureza política que me parecem relevantes na sua longa vida pública e que, a meu juízo, não têm merecido tanto destaque nas homenagens que se tem feito à sua memória. Ao lado do lutador nunca deixou de estar o homem de diálogo e, ao lado das convicções, sempre esteve nele a responsabilidade para com as consequências de suas decisões, inclusive quando as primeiras mostraram equívocos nas segundas.
Entre suas campanhas ao governo da Bahia (a derrotada de 1962 e a vitoriosa de 1986) Waldir aprendeu a não refugar alianças que viabilizassem a vitória da causa democrática. Em 62 chegou perto dela. A distância talvez fosse vencida com alianças mais diversificadas e afirmativas na capital (Virgildásio Sena a prefeito, não só Osório Vilas Boas) e um pouco mais de concessões veniais à política tradicional no interior, tendo Luís Viana Filho como opção mais realista ao Senado. O equilíbrio dos dois temperos baianos ajudou a eleger a dupla de candidatos de sua chapa ao Senado (Balbino e Josaphat Martinho) mas a escassez de alianças ao governo ajudou seu adversário populista, aliás apoiado pelo Presidente Jango. O hiato entre o bom, mas não bastante, desempenho eleitoral de Waldir e seu relativo isolamento na sociedade política antecipava, no cenário baiano, o impasse da estratégia nacional popular, cujo avanço nas eleições de 62 e no plebiscito de 63 em vez de inibir atiçou ânimos golpistas até a crise terminal do regime da Carta de 46.
Em 1986 deu-se o oposto. Curtido pelo revés, Waldir dobrou com firmeza resistências “à esquerda” e fez o que precisava ser feito: alianças com ex-aliados do carlismo (Luís Viana Filho, inclusive) para derrotar o arranjo de poder estadual firmado, há duas décadas, à sombra da autocracia nacional. Seu governo, embora democrático e honrado, não consolidou a brilhante vitória eleitoral. Em torno desse fato, em vez de autocríticas sérias, por parte das forças que apoiaram a campanha e integraram o governo, criou-se a lenda de que isso não ocorrera por dois erros pessoais de Waldir. O de ter sido pouco agressivo no “desmonte” do carlismo no interior e o de ter deixado o governo em 1989 para se candidatar à Vice–presidência da República ao lado de Ulisses Guimarães.
Trata-se de uma dupla lenda, primeiro porque o tal desmonte era impossível a não ser que Waldir optasse pelo mesmo chicote contra o qual vencera as eleições. Se erro houve ele esteve, sim, na tentativa inicial de montar um governo “de esquerda” numa Bahia conservadora. Tentou corrigi-lo a tempo após a eleições municipais de 88, conferindo mais espaço a aliados fora da esquerda, ao preço de sofrer, na AL e fora dela, críticas abertas ou veladas por estar sendo “condescendente” com forças conservadoras, quando estava, antes de tudo, respeitando o resultados das urnas nos municípios.
Sua saída do governo, em 1989, viu-se, depois, que foi mesmo um erro grave. Mas longe de ter sido individual, como disseram engenheiros de obras prontas, foi cometido com a torcida a favor de setores mais conservadores do seu governo (que queriam a ascensão do vice Nilo Coelho) e o silêncio de boa parte da esquerda, incomodada com a condição de vidraça e ávida por voltar, com a candidatura de Lula, a ser estilingue. Na época eu integrava a direção do PCB e era seu único deputado estadual, suplente em exercício. Lembro do que dissemos a Waldir, quando consultados sobre a decisão a tomar. Liderados pelo deputado federal Fernando Sant’anna dissemos que ele deveria ir à eleição junto com Ulisses, embora o nosso partido tivesse Roberto Freire como candidato a presidente e se arriscasse, com a saída de Waldir do governo, a perder, como perdeu, seu único mandato na AL, em virtude do retorno de titulares que compunham o secretariado. Por isso jamais seus aliados do PCB nos sentimos à vontade para responsabilizar Waldir, individualmente, por aquele equívoco coletivo e pelo detalhe lateral que foi o haraquiri partidário ao qual nos resignamos.

Transferir a responsabilidade foi, contudo, atitude difusa no campo da esquerda, a ponto de na pré-campanha de 1990, mesmo diante do risco de retorno do carlismo pelas urnas, passar meses a fio discutindo se devia “aceitar” Waldir, então filiado ao PDT, na “frente popular” que planejava fazer, como terceira via, contra a oposição carlista e contra o governo do PMDB. Deu no que deu, como se sabe. Mas é vívida em mim a lembrança da chegada imprevista de Waldir, então no vigor dos seus 63 anos de idade, a uma dessas reuniões em que estavam presentes todos os principais dirigentes e parlamentares daqueles partidos. Olhando no olho de um(a) por um(a), assumiu que deixar o governo fora um erro sim – o que mostrava a distância entre a lucidez retrospectiva que naquele instante o ator político já podia ter e a visão equivocada que tivera ao precisar agir, um ano antes, no calor da hora. Mas não deixou de, ainda com os olhos firmemente postos em seus interlocutores, lembrar de que não recebera, à época, de nenhum daqueles partidos, nem do seu, crítica à decisão que iria tomar.
A roupa lavada entre aliados não impediu Waldir de publicamente assumir, como líder que se respeita, a responsabilidade pessoal pelo erro. Iniciou, em meio a muitos percalços, a persistente tentativa de corrigi-lo, jamais se afastando da cena política e da frente democrática, enquanto teve saúde. É esse o agradecimento mais sincero que minha memória política pode desejar que a Bahia faça a esse seu líder venerado na morte mas nem sempre devidamente valorizado em vida.
Outros episódios houve, mais adiante, em que essa valorização, mais uma vez, não compareceu. Mas se Waldir não fez disso cavalo de batalha nem pretexto para fugir da raia, não me cabe levantar mais exemplos aqui, como fiz com aquele de 1990, que testemunhei e do qual diretamente participei.
De todo modo penso que a Bahia e o Brasil devem a Waldir Pires não só a homenagem a um homem público ético, coerente e lutador, mas a um político que aprendeu, com a ditadura que resolutamente enfrentou e com a transição democrática que ajudou a conduzir, uma lição definitiva: a de que a política democrática não é a de uma personalidade ou a de um partido, mas obra coletiva de uma sociedade e de políticos responsáveis, que saibam dialogar por um presente melhor e, em nome do futuro, perdoar, embora sem nada esquecer.

Dialogar sem tergiversar e perdoar sem esquecer são atitudes que fazem uma vida pública valer a pena. Valeu a luta, Waldir – mais ainda a labuta – lado a lado com você. Descanse em paz. Liderados seus permanecerão – ainda que não mais consigo, mas ao lado de jovens que já chegaram, que chegam e chegarão – na busca contínua, persistente, de um tempo novo de crescer e construir.
 *Paulo Fabio Dantas Neto é Cientista político e professor da UFBa. Artigo político especial para o Bahia em Pauta

domingo, 17 de junho de 2018

SALVADOR, PATRIMÔNIO CULTURAL E NATURAL

Paulo Ormindo de Azevedo
Imitando o Rio de Janeiro, de Pereira Passos (1902/06), Salvador sofreu sua primeira grande reforma no governo de J.J. Seabra (1912/16), que tomou posse com o bombardeio do Paço dos Governadores e da Rua Chile e prosseguiu no urbanismo demolidor com a “bota abaixo” das igrejas da Ajuda e São Pedro e mutilação das do Rosário e Mercês, além do Senado da Câmara, junto ao IGHBA. O único protesto foi do abade de São Bento, contra a mutilação de sua igreja. 

Com a mesma inspiração foi demolida a tricentenária Sé, em 1933, para a instalação do bonde, que só durou 30 anos. Tardiamente Clériston Andrade (1971/75) implodiu a Biblioteca Pública, a Imprensa Oficial e antigo Fórum para a construção do Cemitério do Sucupira. Sepultava-se assim o ciclo da picareta.


Sua segunda grande reforma foi realizada por ACM, o velho, que iniciou seu governo eliminando o que restou da mata atlântica para construir a Av. Paralela. Com o slogan “Aqui, a Bahia constrói o futuro sem destruir o passado” ele esvaziou o centro antigo e criou dois novos: o comercial do Iguatemi e o administrativo do CAB, na maior promoção imobiliária financiada pelo Estado já vista na cidade. Desidratado, o nosso centro antigo possui hoje 1.400 imóveis em ruina ou em perigo de desabamento, segundo a Defesa Civil. Mas justiça se faça, ACM implantou com 20 anosde atraso, numa cidade que havia triplicado de população e mudado seu centro o único plano urbanístico que possuiu. As avenidas de vale de Mário Leal Ferreira se inspiravam nos park ways ingleses. Seu melhor exemplo é a Av. Centenário, construída em 1949. ACM tentou manter as árvores, embora introduzindo outras funções, nas avenidas Vasco da Gama, Juracy Magalhães Jr. e ACM. Mais que isso, ele criou na Av. Paralela um park wayde 13 km de extensão com canteiro central com 60 a 90 m de largura, arborizado. A construção das avenidas de vale foi seu grande legado.

Pois bem, os park ways de ACM vem sendo destruídos pelos novos modais do ciclo da motosserra. Um metrô que poderia ser do tipo cut and cover, como o de Brasília, destruiu a Paralela e dividiu a cidade ao meio. O amplo vale do Bonocô foi depenado e obstruído com um metrô tobogã. A bela Estrada da Rainha, cantada por Diógenes Rebouças em Salvador da BTS no século XIX, foi transformada num elevado intransponível. O pior é que essas intervenções são irreversíveis. Cidade sustentável é aquela da compatibilidade dos vários modais - VLT, BHLS, ônibus e bicicleta - e nãode vias segregadas e trepadas, que não se vê em nenhum pais socialmente desenvolvido. É a primeira vez vejo uma mobilização popular e das associações civis pela discussão de um projeto urbano. Isso é um grande avanço político. A política nasceu da discussão da polis, na Grécia.
SSA: A Tarde, 17/06/18

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Ruy Sampaio assume Odebrecht

Por orientação do Diretor Presidente da Kieppe Patrimonial, empresa controladora da Odebrecht, através de seu Mandatário, Emilio Odebrecht, a Odebrecht S.A., em uma das mudanças mais abrangentes e profundas do seu processo de transformação, anunciou que fará renovação praticamente total no seu Conselho de Administração, com a inclusão de maioria de conselheiros independentes contratados no mercado, dando mais diversidade na composição do conselho, incluindo uma mulher pela primeira vez na história de mais de 70 anos da companhia.
A ampla reformulação do CA ocorre ao mesmo tempo em que Emílio Odebrecht, como divulgado em dezembro de 2017, se afasta da presidência do Conselho da holding, após 20 anos. O formato do novo Conselho confirma o modelo de governança que a Odebrecht vem implantando desde 2016, com a separação clara entre o papel dos acionistas e a estrutura de administração da Odebrecht.
O CA da holding, da mesma forma que os das empresas do Grupo, atuará como um colegiado deliberativo, tomando decisões por maioria de votos. Caberá ao presidente do CA coordená-lo. O novo presidente do conselho, indicado pelo acionista controlador, será Ruy Sampaio, formado em Administração de Empresas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), com mestrado na Universidade de Michigan e especializado em finanças e contabilidade. Ruy era diretor há nove anos da Kieppe, empresa controladora da Odbinv, que por sua vez detém 100% do capital da Odebrecht S.A.
Além de Ruy e do atual conselheiro Sergio Foguel, que continuará no Conselho, serão indicados à Assembleia Geral de Acionistas para compor o novo CA da Odebrecht quatro conselheiros independentes vindos do mercado, entre eles uma mulher: Ieda Gomes Yell, Jorge Marques Toledo Camargo, Cledorvino Belini e Roberto Faldini. O CA da holding, portanto, terá seis membros, sendo a maioria de quatro conselheiros independentes. A Assembleia Geral de Acionistas para eleição da nova composição do conselho ocorrerá dentro do mês de junho.
Uma das principais missões do novo Conselho de Administração da Odebrecht S. A. será estimular as empresas líderes de negócio do Grupo a ter sócios, preferencialmente via abertura de capital em Bolsa de Valores.  Adicionalmente, focará na continuidade da revisão das políticas da companhia, na manutenção da unidade cultural, no processo de sucessão, na indicação de maior presença de conselheiros independentes para todas as suas empresas controladas, e na disciplina da governança e do sistema de conformidade.
A Odebrecht S.A. reconhece a contribuição ao Grupo dos seus atuais conselheiros, que estão fechando um importante ciclo. Em especial, ao atual vice-presidente do Conselho, Newton de Souza, que exerceu papel decisivo desde que as circunstâncias desencadeadas pela Operação Lava Jato o levaram a assumir, em 2015, a liderança da gestão da Odebrecht S.A.
Newton de Souza completou um ciclo de 30 anos de contribuição ao Grupo Odebrecht, sendo que liderou a Odebrecht S.A. de junho de 2015 a maio de 2017 como CEO durante sua pior crise. Foi durante sua gestão que ocorreu uma profunda reestruturação da empresa, incluindo a implantação de um novo modelo de governança e de um robusto sistema de conformidade. Neste período, a Odebrecht fez a confissão pública de seus erros, pediu desculpas pelo que fez e assumiu o compromisso, que é de todos os integrantes do Grupo, de combater e não tolerar a corrupção em qualquer de suas formas.
Nos dois anos de Newton como CEO da holding, foram assinados acordos de leniência com autoridades no Brasil e em vários países no exterior, e deflagrado com êxito o processo, ainda em curso, de desalavancagem do Grupo através de um programa de venda de R$ 12,5 bilhões de ativos.
Será este o novo Conselho de Administração da Odebrecht S.A.
Cledorvino Belini
Cledorvino Belini nasceu em São Paulo, em 3 de maio de 1949. É formado em Administração de Empresas, pela Universidade Mackenzie, e cursou pós-graduação e mestrado em Finanças e Contabilidade na USP, tendo participado também do Advanced Management Program da INSEAD/Fundação Dom Cabral.
Belini marcou sua trajetória profissional com uma sólida carreira na Fiat Automóveis, empresa na qual trabalhou por 36 anos. No período de 1997 a 2003, ocupou a presidência da Magneti Marelli. Em fevereiro de 2004, de volta ao grupo Fiat, assumiu a presidência da Fiat Automóveis para a América Latina. Com a aquisição do controle acionário da Chrysler pela Fiat, em 2011, também assumiu a responsabilidade pelas atividades desta empresa no continente.  Integrou também o Conselho Executivo do Fiat Group (GEC), a mais elevada instância mundial de comando executivo do grupo.
Foi presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), de 2010 a 2013, e, entre outros conselhos, integrou o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), o Conselho Estratégico da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e do Estado de São Paulo (Fiesp) e da Marisol. Participa do conselho consultivo da Alexander Proudfoot e, em outubro 2017, passou a integrar o conselho de administração da JBS. Há dez anos é presidente voluntário no Instituto Minas pela Paz (IMPP).
Ieda Gomes Yell
Ieda Gomes Yell nasceu em Salvador (BA), em 1º de julho de 1956. É formada em Engenharia Química pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), com mestrado em Engenharia Ambiental  pela École Polytechnique Fédérale de Lausanne (Suiça) e em Energia pela USP.
Tem mais de 30 anos de experiência internacional em projetos de gás natural, Energia e infraestrutura. Ocupou cargos de direção na BP plc, multinacional britânica do setor e petróleo e gás e atuou na Comgás (Companhia de Gás de São Paulo) por 19 anos, tendo ocupado a presidência pelo período de três anos.
Integra os conselhos de administração das empresas internacionais Exterran Corporation, InterEnergy Holdings, Bureau Veritas, Grupo Saint Gobain e da Câmara de Comércio Brasil-Grã Bretanha. É fundadora e diretora da Will Latam, organização sem fins lucrativos voltada para o desenvolvimento de lideranças femininas na América Latina. É Senior Visiting Fellow do Oxford Institute for Energy Studies.
Jorge Marques Toledo Camargo
Jorge Marques Toledo Camargo nasceu em Curitiba, em 28/4/1954. É formado em Geologia pela Universidade de Brasília (UnB) e obteve mestrado em Geofísica pela University of Texas.Tem mais de 40 anos de experiência no setor de óleo e gás, tendo ocupado posições executivas na Petrobras – foi presidente da Braspetro e membro da Diretoria Executiva, responsável pela Área Internacional – e presidente da Statoil Brasil. Presidiu o Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) e hoje é membro emérito do seu Conselho de Administração. Integra os Conselhos de Administração do Grupo Ultrapar e Prumo Logística Global, e o Conselho Curador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI).
Roberto Faldini
Roberto Faldini, nascido em São Paulo, em 06/09/1948. Formado em Administração de Empresas pela EAESP-FGV (1972), com especialização em Gestão Avançada - Fundação Dom Cabral e INSEAD-Fontainebleau, França (1991), Empreendedorismo - Babson College-Boston, USA (2004) e Governança Corporativa – Training of Trainers (IFC - International Finance Corporation – IBGC). É Conselheiro de Administração Certificado pelo IBGC.
Por mais de 20 anos foi diretor executivo e membro do Conselho de Administração e acionista do grupo controlador da Metal Leve S.A. Presidiu a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e coordenou por cinco anos, em São Paulo, o Núcleo da Empresa Familiar da Fundação Dom Cabral. É co-fundador do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e mantém atuação em várias de suas comissões. Participa ainda, como membro associado, do Instituto Brasileiro dos Executivos Financeiros e do FBN (Family Business Network).
Integra o conselho consultivo do ETCO (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial), e os conselhos da Vulcabras/Azaleia S.A, Banco BMG S.A. e Marfrig Global Foods, entre outros. É diretor da Fundação Cultural Ema Gordon Klabin e é empresário voluntário (Venture Corp) da Endeavor Brasil. Em 1990 foi eleito pelos associados do IBEF/SP “O Executivo Financeiro do Ano”.
Ruy Lemos Sampaio
Ruy Sampaio nasceu em Salvador, em 1950. É formado em Administração de Empresas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), e cursou o mestrado na Universidade de Michigan com especialidade em finanças e contabilidade.
Integrou o grupo Akzo e, na década de 1980, teve uma experiência acadêmica como professor na UNIFACS e no mestrado de administração de empresa da UFBA. No setor público, assumiu a diretoria de Indústrias Diversas da Secretaria de Indústria e Comércio do Estado da Bahia. Ingressou na Odebrecht em 1985 e passou por posições como Tesoureiro, diretor de Finanças Internacionais e diretor de Investimentos da Odebrecht S.A. No Grupo, exerceu ainda o cargo de diretor Financeiro da Tenenge S.A., SLP (Sea & Land Piping Company), no Reino Unido, Copene e Odebrecht Química. Em 2009 assumiu a diretoria da Kieppe Participações e Administração Ltda, empresa controladora da Odebrecht S.A. É sócio da RPH Engenharia Ltda. e participa da administração da CRC Serviços Medico Hospitalares Ltda. e FVS Holding Patrimonial S/A.
Sergio Foguel
Sergio Foguel nasceu no Rio Grande do Sul, em 28 de março de 1945. É formado em Engenharia Civil, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com mestrado em Administração de Empresas, pela Universidade da Califórnia. É fellow do Massachusetts Institute of Technology (MIT).
A partir de 1977, atuou como vice-presidente para Governança Corporativa, Planejamento Estratégico e Desenvolvimento Humano e Organizacional da Odebrecht S.A. Em 2002, foi eleito membro do Conselho de Administração da Odebrecht S.A. Em abril de 2016, assumiu a coordenação do Comitê de Conformidade do Conselho da Odebrecht S.A., focado na atuação de todo o Grupo com Ética, Integridade e Transparência.
Sergio preside desde outubro de 2016, quando foi formado, o Conselho Global (Global Advisory Council), cujos membros externos independentes, com atuação em vários países, aportam ao Conselho de Administração sua reconhecida experiência e visão estratégica global.
Fora do âmbito da Odebrecht, Sergio atua como consultor de fundadores e líderes de empresas, com ênfase em Estratégia de Governança, e participa ativamente da governança de entidades sociais. Atualmente, Sergio é membro do Conselho Consultivo Internacional da Fundação Dom Cabral, do Conselho Internacional da Herity (Itália) e do Conselho do Parampara Family Business Institute (Índia).

quinta-feira, 7 de junho de 2018

BRT, um mal necessário?

Almir Ferreira Santos*
Uma cidade travada, vias que registram velocidade média dos veículos abaixo de 10Km/h. Um transporte público de má qualidade.  Um tempo de espera desumano. Um modelo superado como dizem as próprias autoridades da prefeitura a ponto de declararem que é um Frankenstein ou uma macarronada.
Qual a solução? Um transporte coletivo de alta capacidade.
O metrô amenizou a situação. Precisa de alguns ajustes no que diz respeito à integração com os ônibus, mas muita gente já pode deixar o automóvel em casa.
Curitiba não tem metrô. Foi pioneira em adotar o BRT há mais de 40 anos. Hoje tem cinco eixos de BRT. Tem o dobro da frota de veículos de Salvador e não se vê um trânsito tão congestionado como aqui.
A polêmica gerada aqui era esperada, mas há de se entender que existe nisso uma conotação política. Não lembram os ambientalistas que toda á área entre a Av. Juracy Magalhães e a Waldemar Falcão era uma mata nativa devastada pela especulação imobiliária.
A linha 2 do metrô devastou um número igual ou maior de árvores, mas era necessário. Aterrou lagoas.
Não se  leva em consideração que muitas árvores serão transplantadas e outras tantas serão plantadas. 
Projeto é duvidoso é um palpite de quem não tem argumentos técnicos sobre um assunto.
A cidade precisa de muito mais do que esse BRT como o VLT da Suburbana,
"Não se pode fazer o omelete sem quebrar os ovos,
*Engenheiro, poeta e escritor. Especialista em Mobilidade Urbana

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

A crise do Carnaval passa pela concentração da riqueza nas mãos de grandes grupos

A entrada do poder público municipal e até mesmo do estadual na disputa por patrocínios, reduziu as possibilidades dos blocos na atração de patrocinadores. Mas a crise maior no Carnaval da Bahia deve-se à concentração da riqueza gerada pela festa nas mãos dos grandes grupos que atuam no mercado do carnaval . E que já estão deixando para trás o negócio-bloco na direção do negócio-camarote.

Esta é a opinião do Doutor em Comunicação e Culturas Contemporâneas, professor e vice-Reitor da UFBa, Paulo Miguez. Não gosta da ideia de circuitos temáticos pois considera que a história do carnaval da Bahia sempre foi tudo meio que junto e misturado.  Diz ainda que a festa é um fenômeno e pede o olhar cuidadoso das mais diversas áreas do conhecimento da vida acadêmica.


Você se tornou um “Doutor em Carnaval”. Como é – na condição de vice-Reitor da UFBa – conciliar a Academia com o espírito de folião?

Sou um apaixonado folião desde sempre. Com certeza, as minhas responsabilidades como vice-Reitor da UFBa não me permitem o acompanhamento mais sistemático dos múltiplos processos que envolvem o carnaval, algo que realizava com regularidade na condição de pesquisador dos festejos. Todavia, se já não tenho como acompanhar o carnaval na qualidade de pesquisador, não me sinto impedido, em qualquer hipótese, de continuar desfrutando, como folião, do prazer da folia carnavalesca.

De que modo o Carnaval – mais que objeto de estudo – é um evento que exige o envolvimento das universidades?

O carnaval é um elemento central da cultura baiana, o que, por si só, é mais do que suficiente para justificar – mais correto mesmo é dizer exigir – o envolvimento de uma instituição como a Universidade. Carregado de história, plural, complexo, o carnaval é, assim, um fenômeno que solicita, permanentemente, o olhar cuidadoso das mais diversas áreas do conhecimento que compõem a vida acadêmica.

O Carnaval ganhou alterações radicais desde o início dos anos 50 até os dias atuais. Por que mudou tanto, desde quando o “coração da festa” era a Rua Chile?

A primeira coisa que mudou, e muito, diga-se de passagem, foi a cidade do Salvador. Mudou a cidade, mudou também, por óbvio, sua festa maior, o carnaval. Na direção da configuração contemporânea dos festejos carnavalescos em Salvador, a primeira e mais importante mudança foi, certamente, a genial criação/invenção do trio elétrico, na exata metade do século passado. Com o trio elétrico, muda tudo: a música, a dança, a configuração sócio-espacial da festa; a participação popular passa a ser a marca do carnaval de Salvador. Nova e profunda mudança só vai acontecer na metade dos anos 1970, com a emergência dos blocos afros. Estas novas organizações da juventude negra da cidade, pela via da afirmação étnico-estético-política, promovem intensa renovação não apenas do carnaval mas também, e muito profundamente, da cena cultural baiana no seu conjunto. Nos anos 1980, nova inflexão de peso. A axé music, com suas muitas estrelas, entra em cena; o trio elétrico é capturado pelas cordas dos blocos, então transformados em empresas; estabelece-se uma potente economia da festa. Agora, de seis ou sete anos para cá, novas mudanças vêm se anunciando, especialmente por conta da fadiga do modelo que hegemonizou os festejos dos anos 1980 para cá e que teve no negócio-bloco seu carro-chefe.

O que deixou de dar certo na festa sob o aspecto econômico? Há uma crise no modelo de concentração dos recursos de anunciantes junto ao Governo do Estado e Prefeitura, em detrimento das entidades, para a organização do Carnaval?
Vejo como positivo para a vocação pós-industrial da cidade de Salvador a consolidação de uma economia do carnaval. O problema, portanto, não é a existência de práticas mercantis na festa. O problema é a ausência de regulação deste mercado, o que aconteceu ao longo das últimas décadas com o carnaval, sempre em desfavor da sua dimensão simbólica, ou seja, da condição do carnaval como bem cultural, sempre, também, na direção da concentração da apropriação da riqueza gerada pela festa nas mãos dos grandes grupos que atuam no mercado do carnaval. As atuais mudanças a que me referi mais atrás sugerem fortemente que este modelo está em crise. Uma das razões desta crise é, ao que parece, a entrada do poder público municipal na disputa por patrocínios, reduzindo, assim, as possibilidades dos blocos na atração de patrocinadores. Mas a crise deve-se, em particular, à reorientação do mercado carnavalesco que está deixando para trás o negócio-bloco na direção do negócio-camarote.

O Carnaval foi reduzido a um festival de cervejas, inclusive com o loteamento da cidade para as cervejarias?

A festa, pelo tamanho que tem, exige do poder público, tanto da Prefeitura quanto do Governo do Estado, que têm a responsabilidade de garantir a logística e a infraestrutura indispensáveis para que o carnaval aconteça – segurança, saúde, gestão de trânsito, limpeza pública, iluminação, apoios às entidades carnavalescas, etc. – uma grande mobilização de recursos financeiros para sua realização. Daí, a necessidade de atrair patrocinadores junto a grandes empresas de vários setores, como o caso das cervejarias.

O que é necessário para manter o espírito livre do Carnaval frente às grandes entidades que passaram a controlar a festa? A tendência dos blocos e trios sem cordas voltou para ficar?

Aqui é inescapável o papel do poder público, especialmente da Prefeitura da cidade, responsável mais direto pela festa. Seja na regulação das práticas mercantis, para impedir que estas subordinem a dimensão simbólica da festa aos seus interesses; seja na implementação de políticas de cultura, indispensáveis para garantir a diversidade de manifestações carnavalescas e a proteção do carnaval como bem cultural. Quanto ao lugar dos blocos e dos trios independentes na configuração dos festejos que resultará desta crise do modelo de negócios da festa – com as cordas perdendo importância em favor dos camarotes – creio que ainda é cedo para qualquer afirmação.

Você acredita ser necessária a criação de novos circuitos seja no Rio Vermelho, no Comércio. Há outras opções ?

Não gosto da ideia de circuitos temáticos. Creio que isto está em total desacordo com a história do nosso carnaval. No carnaval da Bahia, o bom é que sempre foi tudo meio que junto e misturado. O que não significa dizer que para acomodar seu crescimento o carnaval não venha a necessitar da ampliação dos seus espaços na cidade.

No Rio de Janeiro e São Paulo vem ocorrendo o resgate dos blocos de bairros. Como entender a decadência e o fim ou redução no número dessas entidades, a exemplo dos “blocos de índios”, em Salvador?

Particularmente, do ponto de vista da organização territorial, os carnavais do Rio de Janeiro e São Paulo são bastante distintos do carnaval de Salvador, o que nos sugere os devidos cuidados com qualquer exercício de comparação. O que me parece absolutamente semelhante, tanto lá, nos carnavais carioca e paulistano, quanto cá, no carnaval de Salvador, é a rebeldia com que Momo se insurgiu contra seu aprisionamento num modelo único de festejos: lá, rompendo com a exclusividade do desfile espetacularizado das escolas de samba; aqui, capturando mais dias para a folia e fazendo água no negócio de cordas & abadás. A questão da diminuição do tamanho e da importância dos blocos de índios parece que tem a ver com mudanças mais antigas, isto é, com o fato de que boa parte dos jovens que compunham estes blocos migraram, já nos anos 1970, para os blocos afro.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Minha primeira caminhada

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Roberto Gazzi*
As nuvens ajudaram ontem os que têm fé. Pois se à Lavagem do Bonfim “quem tem fé vai a pé”, elas ajudaram até os menos fiéis como eu a vencer os 8 quilômetros entre a Igreja da Conceição da Praia e a Colina Sagrada do Bonfim. Até umas gotas de chuva ajudaram a aliviar o calor em alguns trechos. O mormaço, esse não teve como contornar. Mas a caminhada não é nada difícil. Ao menos fora da procissão oficial. Como bom paulista, cheguei cedo à Praça Cayru, que começava a receber os muitos grupos que se reúnem ali para a caminhada. E lá vem descendo povo à Cidade Baixa, seja pela Avenida  Contorno ou pelo Elevador Lacerda. Parece um Réveillon diurno, quase todos de branco.Quando estoura a primeira queima de fogos, às 8h08, caem umas gotas de chuva. Que é fraca e para logo. Às 8h48, o segundo foguetório anuncia o início da caminhada do prefeito. E não é que caem umas gotas de novo? Quem para um pouco na calçada pode ver o movimento do cortejo. A maioria é de grupos vestidos com camisetas iguais. Aqui e ali aparece um que chama mais a atenção, como os de mamelucos, ou o Pierrô de Plataforma, de nove integrantes, que mantém uma tradição carnavalesca que vem da mortalha, de muitas décadas atrás. No meio do circuito, de repente se misturam o cheiro do perfume das jarras de flores das baianas, o cheiro da comida feita nas centenas de barraquinhas e o fedor de mijo, que em Salvador, infelizmente, parece onipresente.A massa vai seguindo até chegar ao início da colina. A coluna com a multidão de branco já pertinho da igreja impressiona. Como impressiona descobrir que, de repente, você está ao lado da igreja, algo que parecia impossível visto lá de baixo. E começa a missa. Fiéis rezam e saúdam o santo. Muitos choram. E numa ruazinha na lateral da igreja, a 10 metros do Bonfim, um bar liga um som altíssimo com músicas de pagode. Uma pequena multidão se forma em minutos, muitos deles sambando no meio da rua. Missa e samba se misturam. A Bahia, religiosa e profana, como sempre imaginei lendo Jorge Amado e vendo aquelas fotos em preto e branco. Oito quilômetros depois pude conferir isso, agora ao vivo e em algumas poucas cores além do branco.
* Roberto Gazzi é jornalista e diretor-executivo do CORREIO DA BAHIA