sábado, 30 de junho de 2012

Grandes problemas, pequenas soluções


José de Freitas Mascarenhas*
O IBGE publicou recentemente, dentro do Censo 2010, o tempo de percurso gasto pelo brasileiro para ir de casa ao trabalho, naturalmente sensibilizado pelo que vem-se tornando um dos principais martírios para os habitantes das principais regiões metropolitanas do País: a mobilidade urbana.
O resultado desta aferição conduz a constatação de algo que todos sentíamos e suspeitávamos: Salvador, neste início de década já registra padrão de deslocamento semelhante ao das maiores cidades brasileiras, São Paulo e Rio de Janeiro. Quem quiser comemore, pois afinal conseguimos uma posição de liderança!
De fato, um indicador tempo gasto para o trabalho na faixa de meia hora até mais de 2 horas, Salvador tem 60,67% das pessoas ocupadas; Rio de Janeiro 61,02% e São Paulo, 66,40%. Para termo de comparação, em Florianópolis, a melhor das grandes cidades, o percentual da população que gasta este tempo é de 32,92%. Ou seja, 60,67% da população trabalhadora de Salvador vêm despendendo até mais de duas horas em seus deslocamentos para o trabalho, sendo que, destes, 19,46% gastam entre uma e duas horas.
Se considerarmos a densidade demográfica das áreas habitadas nas três regiões metropolitanas primeiras colocadas neste ranking – Salvador com 6.796 habitantes por km²; Rio de Janeiro, 6.701 habitantes/km2 ; e São Paulo 7.888 habitantes /km² - , e também que a relação habitante por veículos é de 5,4 em Salvador, 4,3 no Rio de Janeiro e 2,4 em São Paulo, conclui-se que a situação na capital baiana é a mais séria, pios esta já enfrenta problemas de igual gravidade aos das outras duas cidades, que tem maior população, extensão territorial e números de veículos.
A questão mais instigante, no entanto, não é bem essa. O mais grave é que o Rio de Janeiro e São Paulo se movimentam em busca de soluções para reduzir os efeitos do enorme problema que têm em mãos, resultante da falta de planejamento na origem. São Paulo e Rio, esta inclusive usando as verbas para as Olimpíadas de 2016, investem pesadamente em anéis rodoviários, metropolitanos e ferroviários, metrôs, linhas de BRT, centros de controle de trânsito.
O Rio inclui, entre suas estratégias, ações de porte em urbanismo, que preveem a revitalização da zona portuária, e aquelas voltadas para a qualificação dos sistemas de transportes, computando investimentos somente nestes, da ordem de R$ 10 bilhões. Em São Paulo, as linhas do metrô serão ampliadas de 74,3 KM para 101,3 KM em 2014, quando terá construído o monotrilho, interligando o aeroporto de Congonhas à estação Morumbi.
Enquanto isso, Salvador timidamente contempla executar uma linha de metrô a ser iniciada e um possível investimento em uma pista alternativa para o aeroporto chamada Linha Viva, cujo financiamento, até onde se sabe, ainda não tem definição. São obras que, quando concluídas certamente aliviarão alguma dor. Mas a partir de quando e até quando? E o resto da cidade.
Como tudo indica que a situação se agravará nos próximos anos e teremos novo prefeito em breve, é provável que ele seja levado a adotar medidas mitigadoras que, em última análise penalizam a população ou pelo menos parte substancial dela, como introduzir a circulação de automóveis em dias alternados, ampliar zonas azuis, pedágios ou outras eventuais.
Nada absolutamente nada, terá solução correta sem uma visão de antecipação do futuro, por meio de um planejamento geral que inclua toda a região metropolitana, cuide do trânsito, sim, mais também da habitação e da infraestrutura, bem como apresente soluções para as importantes áreas degradadas de Salvador, o adensamento da cidade com o seu embelezamento e a limpeza dos seus logradouros, com objetivo de melhorar a qualidade de vida dos seus filhos.
Não vejo como se possa sair desse imbróglio sem a liderança ostensiva do governo do Estado.
*José de Freitas Mascarenhas, Engenheiro, é Presidente do Sistema Federação das Indústrias do Estado da Bahia – FIEB. Foi diretor da Odebrecht e Secretário de Minas e Energia nos governos Antônio Carlos e Roberto Santos – 1972-1979.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Portland - A comunidade de 20 minutos

Esse é o tempo máximo que um morador de Portland leva para se deslocar diariamente de casa ao trabalho. O dado seria irrelevante em um município pequeno. Mas em se tratando de uma metrópole com 2 milhões de habitantes, isso é mais um indicador do urbanismo inteligente que caracteriza a cidade. Há quem defina Portland como um dos segredos mais bem guardados dos Estados Unidos. Localizada na costa pacífica e rodeada por montanhas e vulcões, entre os quais o Monte Santa Helena, a maior cidade do estado de Oregon jamais esteve entre os destinos mais visitados do país, apesar do título de “Cidade das Rosas” e das belas paisagens e riquezas naturais de que dispõe. Contudo, quando as atenções se voltam para a busca de exemplos de desenvolvimento sustentável, os focos recaem sobre esse município de pouco mais de 500 mil habitantes, cuja área metropolitana abriga cerca de 2,1 milhões de pessoas.
  O município conta com 92 mil hectares de espaços verdes e mais de 120 quilômetros de ciclovias.
A razão está na implantação de um rigoroso e bem sucedido planejamento urbano, resultado de um engajamento de moradores e governantes raramente visto. O entendimento de que a problemática social e urbana é indissociável do aspecto ambiental reflete-se em investimentos constantes em infraestrutura, no controle de emissões atmosféricas, bem como em políticas de incentivo a construções ecologicamente corretas e no uso de fontes alternativas de energia. Um dos principais motivos desse sucesso seria a vocação dos norte-americanos para administrar o desenvolvimento de suas cidades de forma extremamente participativa, de acordo com Clara Irazábal, professora de planejamento territorial e desenho urbano da Universidade da Califórnia. “Somente a sinergia entre lideranças contínuas, políticas abrangentes e o envolvimento sustentado dos cidadãos são capazes de produzir resultados extraordinários de planejamento”, afirma a arquiteta venezuelana, que realizou um estudo comparando as políticas urbanas de Portland e Curitiba, capital paranaense. Esse cenário favorável teria contribuído para que Portland buscasse soluções para questões ambientais muito antes de o termo “sustentabilidade” virar moda na boca de gestores públicos. Em 1903, o paisagista John Charles Olmsted elaborou um relatório para o Conselho do Portland Park, no qual propôs maior integração entre espaços verdes e urbanos como meio de gerar áreas mais agradáveis de uso comunitário. Desde então, incluir políticas verdes no planejamento urbano se transformou em algo intrínseco ao jeito de viver dos “portlanders”. Um exemplo disso foi o modo como os habitantes trataram a construção de várias vias expressas para a ligação de bairros periféricos ao centro da cidade, uma tendência urbanística da década de 1970 que entrou com força em vários países, inclusive no Brasil. “Enquanto as grandes cidades estavam mais preocupadas em construir vias de concreto, nossa população aprovou a demolição de uma via expressa para substituí-la por um parque às margens do rio Willamette”, comenta Susan Anderson, diretora do Bureau de Planejamento e Sustentabilidade de Portland, órgão municipal diretamente subordinado à Prefeitura.Mobilidade não é problema na cidade que foi a primeira a aprovar um plano para reduzir emissões de CO2O pioneirismo não parou por aí. Com uma eficiente rede de transporte coletivo que inclui trens, ônibus, metrô e ciclovias, o município foi, há 15 anos, o primeiro a aprovar um plano para reduzir as emissões de CO2. A cidade também foi uma das precursoras no incentivo ao uso de veículos híbridos e elétricos pela população. Embora seja parte de um projeto ainda em fase de testes, em Portland, quem opta por esse tipo de combustível pode estacionar gratuitamente em áreas tarifadas, além de poder reabastecer as baterias de seu carro em 12 pontos espalhados pela cidade. 
Hoje, o município conta com 92 mil hectares de espaços verdes, mais de 120 quilômetros de ciclovias e trilhas e é considerado a melhor cidade nos Estados Unidos para pedalar. Outro motivo de orgulho é o que os habitantes chamam de “Cidade de 20 minutos”, em referência ao tempo máximo que um residente leva diariamente para fazer o trajeto entre sua casa e o local de trabalho.

 Injeção na economia
Embora os projetos urbanos de Portland se caracterizem pelo amplo espectro de atuação – da reciclagem de lixo ao incremento do transporte coletivo – em épocas de crise econômica, as ações têm priorizado a garantia da competitividade das empresas instaladas na cidade e o aumento de eficiência das edificações. Graças a sua localização – perto de grandes centros consumidores e com acesso fácil a rodovias, ferrovias e portos -, a principal cidade do Oregon tem atraído empresas como Nike e Adidas e usinas siderúrgicas e metalúrgicas, todas de olho na estabilidade política, no mercado consumidor consolidado e na disponibilidade de energia a preços relativamente baixos. Além disso, segundo dados da prefeitura local, quase metade das emissões de dióxido de carbono do município são provenientes de construções comerciais e residenciais pouco eficientes sob o aspecto energético e intensos consumidores de óleo combustível. Isso motivou o poder público a apoiar o surgimento de empreendimentos verdes. Hoje já são mais de 50 edifícios que cumprem ou mesmo excedem os padrões de sustentabilidade do Conselho de Construção Ecológica dos Estados Unidos. Para base de comparação, no Brasil todo existem apenas cem prédios do tipo, 2 mil no mundo todo. Mas isso ainda é pouco para Portland. A meta, segundo Susan Anderson, é reduzir as emissões dos edifícios da cidade em 80% até 2050. Para tanto, a prefeitura adotará uma série de medidas a partir do ano que vem, como o pagamento de uma premiação para os novos empreendimentos comerciais com mais de 6 mil metros quadrados. Ainda nessa direção, administração municipal e iniciativa privada uniram forças para construir um bairro inteiro de edifícios com o selo ambiental LEED (Leadership in Energy and Environmental Design). Batizado de South Waterfront, o novo bairro tem 17 quarteirões, que ocupam uma área de aproximadamente 150 mil metros quadrados às margens do rio Willamette. É parte de um projeto de renovação urbana de uma antiga e desvalorizada região industrial conhecida como North Macadam, próxima ao centro.
*Juliana Kamura - Revista Sustenta