terça-feira, 31 de maio de 2011

Por uma nova Barra

Lia Seixas*


Devido à insatisfação dos moradores da Barra em razão do aumento nas ocorrências de furtos, prostituição e tráfico e consumo de drogas, além da crescente degradação física do local, foi apresentada a ideia da criação de um plano setorial específico para o bairro. O projeto foi idealizado pelo movimento SOS Barra em parceria com a arquiteta e professora da faculdade de arquitetura Ângela Gordilho.
O plano urbanístico ainda está em fase inicial, e por enquanto não foi definido se será um plano estratégico ou diretor, mas alguns objetivos específicos estão sendo estabelecidos. O objetivo principal do projeto é a preservação e a revitalização do bairro e entre as metas dos idealizadores estão a delimitação e proteção das áreas verdes da Barra (como o Morro do Gavazza e a propriedade de Clemente Mariani, na Ladeira da Barra), a definição do uso do patrimônio público, maior rigor nas concessões de alvarás de construção e a reconstrução do gramado da área do Farol.
Também está sendo discutido o tombamento de marcos históricos, como a cruz que simboliza a chegada de Tomé de Souza à Bahia em 1549, localizada próximo ao forte de São Diogo, e a própria praia do Porto da Barra. Os defensores do plano estão esperando a iniciativa da SEDHAM (Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, Habitação e Meio Ambiente) e da Prefeitura para oficializar o projeto e colocar as ideias em prática. No dia 2 de agosto do ano passado, no Clube Cabana da Barra, foi realizado o Primeiro Seminário da Elaboração do Plano Setorial. O seminário, organizado pelo SOS Barra e presidido por Ângela Gordilho tinha como objetivo a apresentação da ideia do plano para moradores do bairro, mas também contava com políticos e membros de órgãos governamentais.
O movimento SOS Barra surgiu de um grupo de discussões no site de relacionamentos Facebook e foi tomando maiores proporções com o passar do tempo. Várias pessoas se engajaram na causa e hoje o grupo possui cerca de 1.800 participantes, sendo que muitos são bastante ativos. O SOS Barra já organizou diversas reuniões e eventos para a discussão de tentativas para a resolução dos problemas da Barra e tem tomado algumas atitudes, entre elas a elaboração do Plano Setorial.
Outras iniciativas dos movimentos.
Além desses projetos, o SOS Barra em parceria com a AMA Barra (Associação de Moradores e Amigos da Barra) está tomando providências em relação à quantidade de eventos festivos que ocorrem no bairro. Outro objetivo estabelecido é a diminuição das festas para quatro ao ano, pois a quantidade de festividades causa um grande incômodo aos moradores da região, devido à música muito alta (podendo até chegar a 110 decibéis em época de carnaval), o aumento momentâneo da violência e a grande concentração de lixo deixada pelas pessoas que passam pelo local. Outra iniciativa desses grupos é tentativa de criação de uma zona azul na Rua Marques de Leão, com a presença de guardadores de carro sindicalizados e controle de estacionamento, já que o grande número de flanelinhas e a imprudência dos motoristas que estacionam nas calçadas estão impedindo a circulação dos pedestres.
Apesar da degradação perceptível, a Barra ainda é um dos endereços mais valorizados de Salvador, com o metro quadrado custando em média R$5.845, mas chegando a valer até R$8.000 nos empreendimentos mais modernos e sofisticados.


* Jornalista e professora

Ciclistas enfrentam riscos e desrespeito no trânsito de Salvador

Rafael Freire - Ruas congestionadas, transporte público coletivo deficiente e vias que dificultam ou impossibilitam o tráfego de pessoas a pé. Nesse cenário de mobilidade urbana deficiente, o uso de um meio de transporte alternativo como a bicicleta pode ser uma saída. De acordo com Mário Cruz, presidente da Associação dos Bicicleteiros do Estado da Bahia, o número de pessoas que utilizam a bicicleta como principal meio de transporte em Salvador é de 20 mil, menos de 1% da população da cidade.
Esse dado varia de acordo com as regiões do país. Em todo o Brasil, 7% da população utiliza a bike como meio de locomoção principal. Na região Nordeste, o percentual aumenta para 17,9%. As informações são da pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em janeiro deste ano.
Algumas características de Salvador podem justificar o pequeno número de cidadãos que adotam a bicicleta como meio de transporte: o fato de a capital baiana possuir uma topografia que dificulta a implantação de vias exclusivas, a localização e a pequena extensão das ciclovias já existente – hoje são 30 km, concentradas na região da Orla – , e o descumprimento das leis de trânsito pelos motoristas. No Rio de Janeiro, por exemplo, existem cerca de 140 km de vias exclusivas para bicicletas.
Veja a comparação entre Salvador e outras cidades do Brasil e do mundo
Cidade Extensão da ciclovia
Salvador 30 km
Joinville 34 km
Fortaleza 42 km
Curitiba 116 km
Rio de Janeiro 140 km
Bogotá 300 km
Amsterdã 400 km

Estão previstos, pelo PAC da Mobilidade Urbana, R$ 41 milhões para a construção de um sistema cicloviário que abrangeria Salvador e Lauro de Freitas. O projeto, denominado Cidade Bicicleta, vai além da construção de faixas exclusivas para as bicicletas e inclui também a implantação de estações de aluguel dos veículos e integração com outros sistemas de transportes.
As características topográficas de Salvador, o seu histórico de urbanização e a falta de respeito ao ciclista dificultam a implantação de vias exclusivas para bicicletas, como explica o professor da Faculdade de Arquitetura da UFBA, Heliodoro Sampaio: “Se analisarmos a cidade, percebemos que em mais de 70% do seu território a adequação de vias exclusivas é difícil. Para incorporar a bicicleta no tráfego misto, esbarra-se no problema cultural da falta de respeito ao ciclista, o que demandará tempo para a adequação.”, afirma o professor à reportagem da TVE Bahia.
Código de Trânsito
Não são raros os acidentes envolvendo bicicletas, apesar de o Código Brasileiro de Trânsito regulamentar o uso desse meio de transporte e a coexistência com os demais. O Código prevê, por exemplo, que um automóvel deve guardar 1,5 m de distância de um ciclista toda vez que for ultrapassá-lo. Orientação descumprida diariamente, até pelo fato de as vias não terem sido pensadas para comportar os diversos veículos e suas peculiaridades.
O jornalista Aurélio Lima, de 48 anos, que usa a bicicleta como meio de transporte há cinco, conta que já foi vítima da imprudência de um motorista: “Uma motorista foi dar uma ‘roubadinha’ e me atropelou. Fui jogado no meio da pista e quase fui atropelado por outros carros. Ela pediu desculpas e se ofereceu pra ajudar”, relembra. Ele acredita que o motorista de Salvador não está preparado para conviver com o ciclista e o encara como um intruso em seu território.
A ausência de vias exclusivas e a falta de segurança no trânsito são razões que inibem o maior uso da bicicleta em Salvador. Até para os ciclistas experientes, dividir o espaço das ruas com os carros, sem que haja vias sinalizadas, é assumir um risco alto, como relata Aurélio: “Eu só uso a bicicleta porque 90% do meu trajeto é feito na ciclovia. Se morasse em outros bairros, não usaria. Não aconselho ninguém a se aventurar nas ruas”, alerta o jornalista.

* Estudante de urbanismo e arquitetura

segunda-feira, 30 de maio de 2011

O Discurso e a Copa de 2014

Paulo Ormindo de Azevedo*
Segundo o discurso oficial, a realização da Copa em Salvador trará visibilidade à cidade, atrairá investidores e deixará como legado melhorias urbanas. Mas a motivação real está ligada a uma corrida pela liderança continental. A Copa é hoje disputada por países emergentes: África do Sul, Brasil e Rússia.
Custo – No Programa Conversa com a Presidenta, do último dia 15/03/11, e reproduzido no site da Copa de 2014, Dilma afirmou que o evento custará R$33 bilhões, dos quais o setor público bancará 68%. O custo/benefício do evento é deficitário. A União Europeia e a FIFA desaconselharam a Europa a arcar com tais custos para não agravar sua crise. Para garantir a Copa, a Rússia se comprometeu a investir 4,46 bilhões de euros, ou cerca de R$ 10,50 bilhões na construção de 13 estádios para 2018, a terça parte do investimento brasileiro. No caso baiano, depois da ampliação do Pituaçu um terceiro estádio para uma cidade que só tem dois grandes clubes é uma desnecessária extravagância.
Quem são os beneficiados? Basicamente a FIFA, que detém os direitos de transmissão, captação de patrocínios e credenciamento de agências de viagem, e as construtoras. Notícias de jornais dão conta que a FIFA tem em caixa 800 milhões de euros. Mas não faz nada pelo futebol amador e educação esportiva. Seus diretores são príncipes viajando em aviões fretados e se hospedando e banqueteando em resorts de luxo.
O espetáculo. A FIFA quer transformar o futebol em um esporte de elite, à semelhança do tênis e do golfe. As chamadas “arenas” devem ser exclusivas desse esporte e terem um número limitado de lugares, 45 mil em media. Devem ter salões e estacionamentos VIPs, camarotes de ópera, restaurantes de luxo, museus, elevadores e escadas rolantes. Dizer que a arena terá outros usos é uma farsa. Sem pista de atletismo, por onde entrem caminhões e gruas para armar palcos e recobrir o gramado, isto é impossível. Os ingressos serão equivalentes aos europeus e mesmo assim essas arenas dependerão de enormes subsídios governamentais. Esta não é a tradição brasileira de jogar o popular futebol.
Evento efêmero. Ao contrario de Exposições Universais, Anos Santos ou Capital Cultural da Europa, que duram um ano, a Copa se restringe a dois ou três jogos em cada cidade-sede. Segundo a Presidenta, a Copa atrairá 600 mil turistas internacionais. Este número equivale ao carnaval baiano e a um terço do carioca. A necessidade de ampliação de aeroportos e do parque hoteleiro é uma pressão das construtoras para obter a toque de caixa contratos sem licitação. Em Salvador e outras sedes estaduais, o máximo de turistas será de 35 mil, considerando a capacidade do estádio e a presença dos locais.
A dupla face. A Copa é uma grande vitrine e por mais dourada que seja, o que vale é o que será exposto. Neste sentido, contam não apenas arenas luxuosas, mas o que se vê nas ruas, nos morros e encostas. Não há como dissimular os terríveis contrastes sociais que perduram neste país emergente. O turista fica fascinado com o desfile das escolas de samba, com o trio elétrico, mas volta falando da insegurança, da prostituição e da mendicância nas ruas.
A Copa como pretexto. Mas o Brasil assumiu este compromisso e cabe aos soteropolitanos lutar por melhorias do lado de fora da arena circense da FIFA. Infelizmente este processo não tem sido compartido com a sociedade, nem é parte de um planejamento integrado. Perigamos assim herdar mais endividamentos que legados, como é o caso da Nova Fonte Nova. Além de trocarmos uma vila olímpica por uma arena mono esportiva, o contribuinte baiano pagará R$107 milhões anuais durante 15 anos ao Consórcio, que recebe financiamento do estado e uma gleba de 12 Ha. para construir escritórios, apartamentos e um shopping center. A troca do metro pelo BRT, inicialmente ligando o aeroporto à rótula do Abacaxi, além de incompatível com a topografia e traçado da cidade tradicional e incapaz de atender à expansão metropolitana, adia sine die a possibilidade de termos um verdadeiro sistema de transporte de massa. Os demais projetos anunciados, as avenidas Atlântica e Linha Viva, cavalo de Troia imobiliário, se executados terão um enorme impacto ambiental. Neste quadro, só nos resta lutarmos pela criação de um sistema de planejamento participativo, técnico e continuado capaz de nos assegurar uma cidade menos vertical, congestionada, segregadora, alagadiça e asfáltica. Queremos, para além da Copa, um futuro para Salvador.
*Paulo Ormindo David de Azevedo
Arquiteto e Professor Titular da Faculdade de Arquitetura da UFBA. É diretor do CREA, do IAB - Bahia e membro do Conselho Estadual de Cultura

sábado, 28 de maio de 2011

Roberto Santos: Apoio à ciência

Edivaldo M. Boaventura*
Em primeiro de junho de 2011, o professor Roberto Santos instala a Academia de Ciências da Bahia (ACB). Agremiação que idealizou e criou como suporte ao conhecimento básico. Compreenda-se a fundação da Academia de Ciências na sua trajetória científica e acadêmica, iniciada como professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Como reitor, liderou a reforma modernizadora desta Universidade. Prosseguindo, presidiu o Conselho Nacional de Educação e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Como líder político voltado para o serviço das causas sociais, em boa hora, governou a Bahia, desenvolveu a agricultura, criou hospitais, escolas e, pioneiramente, concebeu e construiu o Museu da Ciência e Tecnologia, dentre muitas outras iniciativas. Foi Ministro da Saúde e deputado federal. Todos esses cargos e encargos os exerceu com o interesse maior voltado para a Bahia.
Como seu antigo auxiliar, reputo sumamente importante a sua crença em nosso povo. Ele sempre achou que os baianos poderiam muito realizar pelo conhecimento e pela cultura, para tanto se esforçou em formar recursos humanos. É muito do seu proceder agregar companheiros para estimular a investigação científica. Dentro dessa diretriz, modernizou o ensino médico a partir de sua experiência de professor e pesquisador de saúde e criou os primeiros mestrados e doutorados da UFBa.
Concebeu a Academia como suporte à ciência que se desenvolve entre nós. Juntou inicialmente, antigos alunos, como a reitora Eliane Azevedo e o médico Armênio Guimarães, e convocou professores e pesquisadores, a exemplo de Antonio Ferreira da Silva (Física), Bernardo Galvão Filho (Medicina), Dante Galeffi (Filosofia/Educação), Enaldo Vergasta (Matemática), José Carlos Barreto Santana (Geologia/reitor da Uefs), Nádia Hage Fialho (Educação). Como sempre procedeu, começou, muito democraticamente, a discutir os propósitos de uma Academia de Ciências para a Bahia.
Para o projeto da Academia, ampliou a discussão com outros líderes da comunidade científica como Antônio Celso Spínola Costa, Roberto Verhine, Carlos Marcílio, Jaílson de Andrade, Aroldo Misi, Manuel Barral Neto, Edgar Marcelino Neto, Zilton de Araujo Andrade, Maurício Barreto, Mitermayer Galvão dos Reis, Naomar Monteiro, Olival Freire Junior.
Vem bem a propósito a maturidade alcançada e os resultados obtidos pela criação dos institutos do conhecimento básico, quando reformou a Ufba, de 1967-1971. Como reitor dirigiu a criação dos Institutos de Matemática, Física, Química, Biologia, Geociências, Ciências da saúde, Letras, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Além do aporte financeiro do Banco Interamericano de desenvolvimento (BID), que possibilitou construir e equipar o campus da Federação, a Unesco e outras entidades internacionais contribuíram com a vinda de cientistas estrangeiros. Formou-se assim, pela primeira vez, entre nós, uma estrutura responsável pelo desenvolvimento da ciência.
Para a criação da agremiação científica, doutor Roberto procurou a participação dos organismos interessados na ciência e tecnologia. Destaquem-se a cooperação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb) e da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação. O espírito gregário do fundador da academia, desde o início, apelou para a participação destas entidades que responderam positivamente. Ressalte-se a acolhida do diretor–geral da Fapesb, professor Roberto Paulo Machado Lopes.
Ademais a Academia, voltando-se para a diretriz Ciência e Tecnologia (C&T), tem contado com a cooperação do presidente da Federação das Indústrias da Bahia (Fieb), José de Freitas Mascarenhas, que acolheu com entusiasmo os propósitos da Academia. Aliás, os objetivos da Academia coincidem com as atuais políticas de C&T da Fieb, razão pela qual a sessão de instalação se realiza em sua sede.
A Academia de Ciências nasce no momento em que a Bahia enfrenta desafios científicos e tecnológicos, na expansão de novos investimentos liderados pelo governador Jaques Wagner.

* Professor, é diretor do jornal A Tarde. Foi Secretário de Educação da Bahia

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Rio: Um exemplo para Salvador

O dia 2 de janeiro de 2009 é classificado pela economista Eduarda La Rocque, de 41 anos, como o pior de sua vida profissional. Naquele dia, Eduarda concedeu sua primeira entrevista coletiva como secretária municipal de Fazenda do Rio de Janeiro. Sem prática de lidar com jornalistas, ela se perdeu em explicações demasiadamente técnicas ao discorrer sobre a situação financeira que herdara do ex-prefeito César Maia.

Eduarda La Rocque: há menos de dois anos e meio à frente da Secretaria Municipal de Fazenda do Rio de Janeiro, ela já tem resultados para mostrar
A certa altura, afirmou que o caixa municipal não podia ser considerado tecnicamente deficitário, pois ainda tinha saldo. O problema é que, naquele momento, ninguém sabia quanto faltava cair de restos a pagar do ano anterior.
O tema era explosivo porque, durante toda a campanha, o candidato Eduardo Paes — que ganhou as eleições e se tornou chefe de Eduarda — acusou Maia de deixar um enorme rombo para a cidade. Meses depois, após o desconto de todos os restos a pagar, a herança de Maia se revelaria, de fato, um déficit de quase 200 milhões de reais.
A explicação dada por Eduarda — Duda para os íntimos —, que, naquele momento, não tinha informações suficientes para criticar o ex-prefeito, causou a interrupção da entrevista. No dia seguinte, vários jornais publicaram que Maia tinha deixado superávit, em vez do déficit alardeado por Paes.
“Foi o momento mais difícil da minha vida”, diz Eduarda. “Pensei em desistir.” O episódio lhe valeu uma bronca homérica do chefe. “Ela é ótima, mas não sabe fazer política nem marketing”, diz Eduardo Paes, prefeito do Rio.
O histórico profissional e acadêmico de Eduarda La Rocque ajuda a entender por que a estreia desastrada na prefeitura a abalou tanto. Durante toda a vida escolar, ela foi a melhor aluna de sua turma no Colégio Santo Agostinho, um dos mais tradicionais do Rio. Na época, também se destacava como levantadora no time de vôlei do Flamengo e chegou a ir para a seleção brasileira aos 15 anos de idade.
Ficou em segundo lugar no vestibular para economia na PUC carioca e, ao final da graduação, sua nota média foi 9,6. Ao concluir o doutorado, em 1996, também na PUC, Eduarda foi contratada pelo vice-presidente do Itaú, Sérgio Werlang, na época sócio do banco baiano BBM. No banco, sua carreira decolou. Em três anos, tornou-se sócia.
Sua reputação no mercado financeiro deve-se, em boa parte, à criação de um sistema de gestão de risco, primeiro para o banco e depois para empresas não financeiras. O software se transformou numa empresa, a Risk Control, uma sociedade de Eduarda com o grupo BBM. Em 2008, a Risk Control foi vendida à consultoria Accenture, e ela ficou com parte da venda (de valor não revelado).
Sua chegada à prefeitura ocorreu de maneira curiosa. A convite do amigo Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, Eduarda participou da elaboração do programa econômico do candidato do PV, Fernando Gabeira, à prefeitura do Rio.
Na época, já em negociações para a venda da Risk Control, ela planejava mudar de rumo profissional. Uma de suas opções era trabalhar numa ONG voltada para o desenvolvimento social. As eleições municipais aconteceram. Gabeira perdeu. Paes foi eleito.
Então, o que parecia improvável ocorreu. Eduarda foi indicada ao novo prefeito para ser sua secretária de Fazenda. A primeira recomendação partiu de Maria Silvia Bastos Marques, presidente do grupo Icatu.
A segunda indicação foi de Joaquim Levy, executivo do Bradesco e ex-secretário estadual de Fazenda do Rio. Eduarda diz ter hesitado inicialmente por não ter experiência no setor público — o mais próximo que havia chegado de um governo foi ter acompanhado de perto a experiência de seu ex-marido, Edward Amadeo, ministro do Trabalho no governo Fernando Henrique Cardoso quando ainda estavam juntos. “Depois, percebi que teria mais condições de atuar socialmente estando num governo do que numa ONG”, diz Eduarda.
Grau de investimento
Em pouco mais de dois anos, a economista, que se autodefine carioca — ela sempre morou no Rio, mas nasceu em Uberaba porque seu avô fazia questão que os netos nascessem no hospital do qual era dono na cidade mineira —, mudou a imagem das finanças da cidade. Em 2009, fechou o caixa da prefeitura com saldo de 900 milhões de reais.
No ano passado, encerrou as contas com 964 milhões de reais no azul. Também conseguiu reduzir a relação de despesas com pessoal sobre a receita, de 49% para 41%.
Em novembro, a evolução das finanças do Rio ficou evidente quando a cidade obteve o status de grau de investimento concedido pela agência de classificação de risco Moody’s. Hoje, só a prefeitura de Belo Horizonte e o estado de São Paulo têm a mesma nota — o Rio, porém, é o único com viés positivo, com chance de ter a nota melhorada em 12 meses.
Uma das marcas de Eduarda La Rocque à frente da Fazenda carioca é a austeridade fiscal, que ela pratica também na vida pessoal. Seu irmão Henrique conta que ela posterga ao máximo os gastos, como a troca do carro — o atual tem mais de 100 000 quilômetros rodados. Em janeiro de 2009, época em que assumiu a pasta, ninguém conseguia prever os efeitos da crise econômica mundial sobre o Brasil.
Eduarda cortou os investimentos pela metade e recomendou diminuir em 30% o número de cargos comissionados em toda a administração, medida adotada pelo prefeito. Há um ano, ela conseguiu um empréstimo de 2 bilhões de reais do Banco Mundial com o objetivo de amortizar a dívida com a União e pagar juros menores.
O banco nunca tinha feito um empréstimo desse tamanho a nenhum outro município do mundo. Até 2011, o Rio de Janeiro economizará 500 milhões de reais com o pagamento de juros, e até 2029 a economia chegará a 2 bilhões. “Essa operação foi coisa de gênio”, diz Joaquim Levy.
Tais providências permitiram que a prefeitura aumentasse os investimentos em relação à gestão anterior, mesmo com o corte de 2009.
Eduarda também implantou um sistema de gestão para monitorar despesas e receitas mês a mês. Seja quem for seu substituto, ele saberá a exata situação do caixa municipal quando assumir. A comparação com o que ela enfrentou em seu traumático dia de estreia evidencia o salto na gestão pública do Rio de Janeiro.
*Artigo publicado na Revista Exame - Maio de 2011

quinta-feira, 26 de maio de 2011

25 de maio: bênção, Mamãe África

Maria Stella de Azevedo Santos*

Ainda de pouco conhecimento da sociedade é o fato de hoje, 25 de maio, se comemorar o Dia da África. Data escolhida porque em 1963 a Organização de Unidade Africana, hoje com o nome de União Africana, foi fundada com o objetivo de ser, internacionalmente, a voz dos africanos. Hoje, o Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá está recebendo uma média de cinquenta professores da rede municipal, juntamente com o seu secretário, para conosco comemorar este dia, que se constitui em uma tentativa de que os olhos e os corações do mundo se preocupem e se ocupem de cuidar do povo desse continente, mas também de aprender e apreender sua sabedoria, que, como neta de africana e iniciada em uma religião que tem em África sua matriz, foi a mim transmitida. Oportunidade que tudo faço para não desperdiçar.
Muitas sementes da sabedoria dos africanos, em mim plantadas, ainda não encontraram terreno fértil para germinar, mas não desisto e, por isso, cuido desse terreno em todo momento. Outras há, no entanto, que cresceram e até deram frutos. Foi assim refletindo que resolvi homenagear o berço da humanidade – a África -, aproveitando este precioso espaço de comunicação que a mim foi concedido para, humildemente, tentar espalhar essas sementes, na esperança que elas caiam em terrenos férteis.
Foi através da tradição oral, chamada na língua yorubá de ipitan, que entrei em contato com a maravilhosa arte de viver do africano, que tem na alegria um de seus fundamentos. Entretanto, nós brasileiros, que temos nesse povo uma de nossas descendências, não devemos correr o risco de sermos megalomaníacos e considerar a filosofia africana a melhor. Todo povo possui sua sabedoria, mas a Sabedoria, assim como Deus, é uma só. A mesma base, os mesmo fundamentos, apenas transmitidos de acordo com a cultura e o lugar de viver correspondente. Se foi através da tradição oral que aprendi, é agora na escrita, iwe-kikó, que encontro condições favoráveis para transmitir, a um maior número de pessoas, os ensinamentos absorvidos e os quais ainda pretendo assimilar, de maneira profunda.
Conheçamos, então, um pouco do muito que possui a filosofia do povo africano:
- É na alegria e na generosidade que se encontra a força que se precisa para enfrentar os obstáculos da vida: “Lé tutu lé tutu bó wá” = “Sigamos em frente alegremente, sigamos em frente iluminados, dividindo o alimento adquirido”.
- A palavra tem o poder de materializar o que existe em potencial no universo, por isso os africanos falam muito e alto, quando precisam canalizar sua energia em direção ao que é essencial, mas silenciam nas horas necessárias. Um orin faz entoar: “Tè rolè... Mã dé tè rolè. Báde tè role” = “Eu venero através do silêncio... Eu pretendo cobrir meus olhos e calar-me. Ser conveniente, respeitando através do silêncio”.
- Nosso maior inimigo (como também nosso maior amigo) somo nós mesmos: “Dáààbòbò mi ti arami” = “Proteja-me de mim mesma”.
- O cuidado com o julgamento do outro e também com o instinto de peversidade: “Bí o ba ri o s'ikà bi o ba esè ta ìká wà di méjì” = “Se vir o corpo de um perverso e chutá-lo, serão dois os perversos”.
- O respeito às diferenças: “Iká kò dógbà” = “Os dedos não são iguais”.
- A necessidade de um permanente contato com a Essência Divina que cada um possui: “Eti èmí óré dé ìyàn. Àroyé èmí óré dé ìyà” = “Na dificuldade de decisão e no debate, a Essência Divina amplia a visão para argumentar”.
Como se vê, o corpo da tradição oral africana, que é composto de itan – mito; oriki – parte do mito que é recitada em forma de louvação e vocação; orin – cântico de louvação; adurá – reza; ówe – provérbio serve para nos disciplinar. Entretanto, nenhuma sabedoria tem mais valor do que a filosofia do ìwà, palavra que pode ser traduzida como conduta, natureza, enfim, caráter. Devemos estar atentos aos nossos comportamentos. Pois, como falam os africanos após enterrar um amigo, “ó kù ó, ó kù ó ìwà ré”, querendo dizer, “não podemos lhe acompanhar no resto de sua viagem, agora só fica você e seus comportamentos”.

*Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá
opo@gmail.com
** Artigo publicado na editoria Opinião do Jornal A Tarde, no dia 25/05/2011

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Salvador atravessa crise sem precedentes

Thiago Guimarães*

Terceira maior cidade do Brasil, Salvador completou 462 anos no dia 29 de março, em meio a uma crise financeira sem precedentes, que afeta a prestação de serviços públicos.

A capital baiana fechou 2010 com um rombo de R$ 276 milhões em caixa, o equivalente a cerca de 10% da arrecadação do município. Ou seja, sem dinheiro para pagar obrigações financeiras de curto prazo. É a pior situação de disponibilidade de caixa entre as 17 capitais com dados finais de 2010 disponíveis no Tesouro Nacional. As que ainda não tem os dados finais de 2010 são: Boa Vista, Brasília, Cuiabá, João Pessoa, Macapá, Maceió, Manaus, Palmas, São Paulo e Teresina.
A situação repetiu roteiro de 2009, quando o TCM (Tribunal de Contas dos Municípios) do Estado rejeitou as contas da prefeitura. Na ocasião, o órgão alertou para “sintomas preocupantes de desequilíbrio [financeiro] que poderão afetar a solvência da prefeitura”. A insolvência ocorre quando a venda do patrimônio não é suficiente para cobrir dívidas.
Multado em R$ 5.000 pelas irregularidades, o prefeito João Henrique aguarda julgamento de recurso no TCM. Se a rejeição for mantida no tribunal e na Câmara Municipal, poderá ser declarado inelegível. Já as contas municipais de 2010 ainda não foram analisadas pelo TCM.
“A situação fiscal do município está se agravando, em um momento em que há aumento de despesas gerais e de despesas com pessoal e com terceirizados”, afirma Antônio Souza, técnico do TCM. As despesas de Salvador subiram 15,3% de 2008 para 2009, mais do que o dobro do avanço da arrecadação no período, de 6,5%. Outros indicadores, como dívida e gastos com pessoal, estão dentro dos limites previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Razões do rombo
Para especialistas consultados pela reportagem, contudo, os problemas financeiros de Salvador não podem ser debitados apenas na conta do atual prefeito. Isso porque resultam também de fatores históricos, como baixa capacidade de arrecadação, descaso das elites políticas com a cidade e falta de planejamento nas gestões, apontam especialistas.
“O problema é a pobreza da população de Salvador”, destaca Sérgio Furquim, presidente do IAF (Instituto dos Auditores Fiscais) da Bahia.
Uma comparação com cidade de porte semelhante, como Belo Horizonte, ajuda a entender a situação. Embora tenha carga tributária apenas 12% superior a de Salvador, a capital mineira tem uma receita disponível 68% maior. Isso ocorre porque Salvador é mais pobre em termos absolutos: o PIB de BH é 42% maior. Com isso, a capital baiana dispõe de quantidade menor de recursos arrecadados por cidadão.
Soma-se a esse fator uma certa cultura antitributarista da cidade, avalia o cientista político Paulo Fábio Dantas, da Universidade Federal da Bahia. “A classe média de Salvador se desenvolveu achando absolutamente normal gastar R$ 500 por mês de conta telefônica, mas considera absurdo pagar R$ 600 por ano de IPTU. Isso tem vínculo com uma falta de autoridade política do poder municipal (para promover reformas tributárias)”, diz.
Reflexos da crise

As dificuldades de caixa impactam o cotidiano da cidade, que é uma das sedes da Copa do Mundo de 2014 e se candidatou a abrigar a abertura do torneio. Entre as conseqüências mais visíveis nos últimos meses estão a precarização de serviços públicos, como coleta de lixo e recuperação de vias, e o aumento de movimentos grevistas no funcionalismo municipal.
“ O que fica cada dia mais claro é que não se trata mais de uma crise da prefeitura, mas de uma crise da cidade, de grandes proporções”, afirma o cientista político Paulo Fábio Dantas
“Os serviços públicos estão entre regulares e ruins. As ruas estão completamente esburacadas”, avalia o urbanista Lourenço Mueller.
Desde janeiro deste ano, ao menos oito categorias de funcionários públicos municipais (servidores do Programa de Saúde da Família, Samu, guardas municipais, agentes de trânsito, servidores de Serviços Públicos e de Obras Públicas, salva-vidas e Defesa Civil) promoveram ou ameaçaram greve. Em fevereiro, a Justiça do Trabalho penhorou R$ 2,3 milhões das verbas de patrocínio do carnaval arrecadadas pela prefeitura, para pagamento de dívida de 1993.
A cidade lidera outros indicadores negativos. É campeã nacional em crescimento de homicídios entre as capitais, com avanço de 404% nos números absolutos de 1998 a 2008. Também registrou a maior taxa de desemprego (10,3%) em fevereiro entre as seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE.
Crise gera instabilidade política

As dificuldades financeiras de Salvador se refletem no campo político. Segundo pesquisa do instituto Datafolha, o prefeito João Henrique atingiu seu recorde de avaliação negativa em dezembro de 2010. De acordo com o instituto, a gestão é aprovada por apenas 18% dos soteropolitanos, contra 34% que consideram o governo regular e 45% que o avaliam como ruim ou péssimo.
Eleito em 2004 pelo PDT, com apoio do PSDB, João Henrique se aproximou do PT do governador Jaques Wagner e se reelegeu em 2008 pelo PMDB. Vivenciou forte crise política na virada do ano, quando teve as contas rejeitadas e ficou temporariamente sem secretário da Casa Civil e líder na Câmara. Deixou o PMDB trocando críticas com o grupo de Geddel Vieira Lima, que lidera a sigla no Estado, e ingressou neste mês no PP, principal aliado de Wagner. A relação com o vice, Edvaldo Brito (PTB), é ruim.
“É difícil separar nessa crise quais são os aspectos políticos, administrativos e financeiros. O que fica cada dia mais claro é que não se trata mais de uma crise da prefeitura, mas de uma crise da cidade, de grandes proporções”, afirma Paulo Fábio Dantas.
Para o cientista político, a cidade nunca foi prioridade para as elites políticas baianas, que sempre a usaram como ponte para alcançar o poder estadual. “E o problema de João Henrique não é que ele produziu a bancarrota da prefeitura, mas o fato de ter se conduzido até aqui como se ela não existisse”, diz.
E a crise, avalia o especialista, tem “componentes explosivos”: o “agravamento drástico de uma situação financeira que vem de muito tempo, uma indigência administrativa terrível, uma ausência completa de firmeza de propósitos em qualquer direção e uma cidade desprotegida politicamente”.

* Jornalista do IG

** Foto: Nilton Souza

terça-feira, 24 de maio de 2011

Júnior

Nizan Guanaes*
Nascí em 9 de maio de 1958, numa casa bem modesta no Carmo, em Salvador.
Tem gente que tem vergonha de sua origem. Eu tenho muito orgulho. O chão da nossa casa era de cimento, não havia água encanada. Tomávamos banho a partir de uma lata de água esquentada no fogo, usando a embalagem de queijo prato como cuia.
Inesquecível.
Televisão e refrigerante, só aos sábados. Meu avô era comunista ferrenho, me botava para ler Castro Alves, Monteiro Lobato.
São essas coisas que dão forma à vida. Você é o que você é. A sua história é a sua maior diferença. O que só você pode contribuir será sempre a sua maior contribuição ao longo da sua vida toda.
Hoje, tenho 52 anos, e tudo isso ecoa numa carcaça cada vez mais velha. Ter 52 anos é chato, mas a outra opção é dramática...
Passei 157 dias no exterior no ano passado. Vendo, ouvindo, me reciclando e aprendendo.
Sou de 1958, e não há quem seja de 58 que não precise de uma boa reforma.
Sou um homem de meia-idade.
Tenho gastrite, quase uma hérnia de disco, refluxo, minha memória, principalmente a recente, se foi, minha vista é péssima.
Por causa do refluxo, meu médico disse que devo evitar gelo, água com gás, refrigerante, bebida, cigarro, pimenta, comidas condimentadas.
Ou seja, ele está pedindo a um baiano que seja um suíço.
Tudo na vida tem seu lado bom.
Eu, que sempre fui arrogante, intolerante, de péssimo humor, eu, que de tão mala, quando viajo sem mala, pago excesso, estou aprendendo com os anos a não me levar tão a sério.
Tenho três filhos. Uma menina de 25 anos e dois aborrecentes.
Os dois aborrecentes me botaram o apelido de Júnior. Porque, segundo eles, sou mais infantil e mais mimado do que eles dois.
Nem meu pior inimigo poderia ter me dado um apelido mais cáustico e mais cirúrgico.
É uma desmoralização e ao mesmo tempo uma graça ser chamado de Júnior.
Delícia maior é viajar com eles e ser esculhambado e desmoralizado na frente dos outros por criaturas que eu amo tanto.
Antes, ser pai era ensinar. Hoje, ser pai é aprender.
A última campanha do Itaú foi criada com eles. Eles me ensinam muito. Animam-me quando estou triste, baixam a minha bola quando estou me achando demais.
Adoro viajar sozinho com eles para descobrir o mundo em dimensões diferentes da minha. Passam semanas e dias inteiros comigo na China, em Roma, em Dubai, na Cidade do Cabo, na Sardenha.
Odeio e amo. Além de me chamarem de Júnior na frente das outras pessoas, no particular eles ainda me chamam de Juju.
Juju é a suprema desmoralização.
A verdade é que, como pai tardio, sou quase como um avô para meus filhos. E eles me renovam mais do que qualquer vitamina. Tantas vezes eles já me fizerem mudar de roupa, de cabelo, de pensamento.
A moral da história deste artigo é que, se você quer pensar diferente, se quer ver como o mundo está mudando, posicionar sua empresa na forma moderna, para que o futuro não seja uma ameaça, mas uma promessa, não contrate só consultores.
Ouça seus filhos, seus netos, a turma deles.
Eles esculhambam a gente, o nosso trabalho, os nossos clientes. Mas eles são ar puro entrando pela janela, guias para o presente e um atalho para o futuro.
A gente fica possesso na hora da esculhambação, dorme pensando e acorda iluminado.
E eu, Júnior, agradeço aos meus filhos por me desmoralizarem a cada segundo e me iluminarem a cada dia.
*Nizan Guanaes, é soteropolitano. Publicitário, é presidente do grupo ABC

domingo, 22 de maio de 2011

Mutirão da solidariedade

JC Teixeira Gomes*
Não foram poucos os leitores que apoiaram minhas críticas sobre o atual estado de Salvador, em meu último artigo. Houve também quem alegasse que eu não estou morando na minha cidade e, portanto, estaria sem autoridade para analisa-la. Discordo. É precisamente por estar fora que mais pude sentir o péssimo momento de Salvador, pois a convivência diária pode anestesiar nossa capacidade de análise. Há o amortecimento inevitável do senso crítico.
Passeia a morar no Rio em busca de opções culturais que a Bahia deixou de oferecer. Acho que existem coisas bem mais consequentes do que a música axé e o Carnaval, embora me ache também um entusiasta da cultura popular, desde que na medida certa. Recentemente o escritor João Ubaldo Ribeiro foi criticado (até com descortesia) por ter-se manifestado contra a anunciada construção da ponte Salvador-Itaparica. Era um direito que ele tinha. Não é preciso que que baianos more na Bahia para preservar o amor pela sua terra, que às vezes o distanciamento até aumenta. De longe é possível avaliar melhor como a Bahia vem desconsiderando o precioso legado das suas tradições. E vejam como sua história é recheada de grandeza.
Na situação em que se encontra atualmente (criticada até por revistas nacionais), Salvador despreza o passado, empobrece o presente e compromete o futuro. Não ouvi uma única pessoa que não lamentasse o estado caótico do trânsito, cujas ruas são as mesmas de décadas, para o espantoso aumento de carros; a desordem das construções, com enormes edifícios invadindo todas as áreas e fazendo da cidade uma Babel imobiliária agressiva, sem ordenamento; a decomposição às vezes prematura, de áreas nobres como a Avenida Tancredo Neves, a Pituba, a orla marítima e o Horto Florestal, entre tantas outras; o aviltamento dos prédios históricos, sobretudo os que se localizam na Conceição da Praia e no entorno do Elevador Lacerda, estendendo-se por várias ruas da Cidade Baixa, com grotescas armações de ferro sustentando edifícios arruinados. É um espetáculo que constrange o coração dos que amam o nosso passado histórico e causa um sentimento de desolação e de perda ao próprio homem comum, que dirá ao turista enganado pela propaganda.
Não cometeria a leviandade de dizer que todo este panorama é culpa exclusiva do atual prefeito e dos vereadores, mas não vacilaria em afirmar que é muito grande a sua quota de responsabilidade pelo descalabro do momento atual. Há administrações sucessivas que Salvador não é pensada, refletida, nem se buscam soluções planejadas para o agravamento dos seus crescentes problemas urbanos. A prefeitura hoje não age nem pensa. Enverniza. Cidade difícil, construída em local inóspito e pouco recomendável pela sua topografia( fato que também responde pelo seu encanto), foi erguida pelos portugueses como defesa, com suas ruas estreitas, morros, becos , vielas e ladeiras, ´para o ataque dos índios e doas europeus, que disputavam com Lisboa o saque do Novo Mundo.
Hoje verificamos que zonas modernas, como a Avenida Paralela, foram construídas sem planejamento adequado, pois é inadmissível que com tanto espaço circundante, já se constitua em num foco de graves problemas de trânsito, para aflição prematura dos que lá residem, perdendo qualidade de vida. Eis um fenômeno que tende a agravar-se diante da ocupação intensiva de todos os seus espaços, por gigantescas concentrações imobiliárias. É estranho que nunca se houvesse cogitado num metrô de superfície, numa cidade tão favorecida pelos canteiros centrais das avenidas de vale.
Enfim, lembro de instituições como o Ipham, o Clube de Engenharia, o Instituto dos Arquitetos, o Instituto Geográfico e Histórico, as universidades, os brilhantes estudiosos da história baiana, para que se unam e atuem sobre a prefeitura e Câmara de Vereadores, exigindo o planejamento que tem faltado e fornecendo dados que evitem o colapso definitivo. Creio firmemente que Salvador só poderá recuperar-se através desse mutirão da solidariedade.

* Jornalista, membro da Academia de letras da Bahia

**Foto: Leonel Matos

sexta-feira, 20 de maio de 2011

O apagão cultural da Bahia

Antônio Risério*

Batido por Pernambuco em todas as frentes, o Estado precisa reinventar-se como espaço de vanguarda que foi com Vieira, Glauber, Gregório de Mattos, Caetano. Senão quem perde é o Brasil
Pernambuco? Fogo alto. A Bahia? Banho-maria. Aquele foguinho brando, feito para cozidos, não para espetos. A verdade é que a Bahia está ficando para trás: em termos políticos, econômicos e estéticos. O cinema pernambucano, hoje, é superior ao que se faz na Bahia.
Na Bahia, pouco se vai além de delírios subjetivistas e fantasias narcísicas. E alguém vai comparar a “axé music”, uma desleitura “techno”, algo equivocada e meramente carnavalizante do passado do samba de roda, com o “mangue beat”, com sua carga de crítica social e dedo em riste para o presente? E isso para não falar do carnaval, que Pernambuco soube preservar o mel do melhor do seu, enquanto a Bahia se avacalhou. Na verdade, Pernambuco está batendo a Bahia em todas, da produção econômica à criação cultural.
Esta é a comparação que posso fazer. Até poucos anos atrás, Pernambuco – ainda que com quadros políticos superiores aos da Bahia, da direita à esquerda, com Arraes e Marco Maciel – não passava de um engenho. A Bahia, diversamente, se industrializava. Tinha centro industrial e montava um polo petroquímico.
Hoje, o quadro está se invertendo, com Pernambuco saindo na frente, para se converter, em breve, na vanguarda econômica, social e cultural do Nordeste. Enquanto a Bahia ficou tempos esperando pelas bênçãos da Toyota, Pernambuco implantou o Estaleiro Atlântico Sul. Passou a tocar adiante o Complexo Industrial Portuário de Suape – em Ipojuca, destino de um futuro ramal da Transnordestina.
Suape é o signo maior da atual arrancada de Pernambuco. A mudança que isso está produzindo em Pernambuco é enorme. No plano social, tornaram-se trabalhadores industriais, de repente, pessoas que viviam da pesca ou trabalhavam no campo, com cortadores de cana-de-açúcar. É impressionante
ver como existe hoje, em Pernambuco, imensa defasagem entre demanda e oferta de mão de obra.Suape exibe a carência pernambucana em termos de profissionais qualificados. Faltam engenheiros, topógrafos, carpinteiros, etc. Porque Pernambuco está dando passos adiante.
E vejam que, no momento, a maior obra de Suape ainda se acha em construção. É a Refinaria Abreu e Lima. Ela será uma das cinco novas refinarias que a Petrobrás projetou, visando a elevar a produção brasileira de petróleo. Mas não é só em Suape que coisas estão acontecendo. Veja-se Salgueiro, onde estão se encontrando duas grandes obras brasileiras: de infraestrutura logística – a Transnordestina – e de infraestrutura hidráulica, a transposição do São Francisco. E, no próprio Recife, vamos encontrar
Porto Digital, um agrupamento de empresas de alta tecnologia, ocupando espaços em uma dúzia de prédios históricos, situados na área do antigo porto da capital pernambucana.
É claro que há coisas lamentáveis em curso. Na própria região de Suape, que não foi preparada para crescer na extensão e no ritmo que está crescendo. Há problemas de expansão desordenada. De carência de infraestrutura urbana. De segurança pública. Junto com o crescimento econômico, crescem o consumo do crack (da pracinha de Ipojuca à praia azul de Porto de Galinhas) e os números da prostituição infanto-juvenil. Suape precisa de políticas públicas para enfrentar esses problemas. Mas não há dúvida de que é melhor fazer isso num lugar onde há trabalho para todos do que em espaços de pobreza e desemprego.
E Pernambuco conta hoje com um governoquetemcompetência técnica e descortino social para encarar o assunto.
Quanto à Bahia, o que penso é o seguinte. O governador Jaques Wagner ultrapassou Antônio Carlos Magalhães no campo político: vivemos, hoje, de forma muito mais cordial e civilizada do que tempos atrás. Conseguimos encontrar espaços de convívio e de conversas. Jaques Wagner deu, realmente, um outro estilo à política baiana. Mas falta ele superar Antônio Carlos no campo administrativo. Não acho que isso seja assim tão difícil. O que Antônio Carlos fez, na Bahia, foi uma espécie de modernização defasada, em termos urbanísticos e culturais. O atual governador, se quiser, pode ir além disso. Pode ser de uma contemporaneidade absoluta. Para começar, demitindo seus secretários mais rotineiros e rastaqueras.
Mas o problema de Wagner não é meramente de segurança pública. É de reinventar a Bahia,como espaço de vanguarda. Este foi um papel que a Bahia sempre desempenhou no Brasil, intervindo vigorosa e criativamente na agenda dos grandes debates nacionais, de Antônio Vieira a Glauber Rocha, de Gregório de Mattos a Caetano Veloso. É aqui que a Bahia se encontra anêmica, diminuída, sofrendo de algum tipo de anemia neuronal. É um lugar que precisa se energizar e se vitalizar. Andar de braços dados com Pernambuco. Porque, de qualquer sorte, o Nordeste tem de ser visto como uma questão nacional. O desenvolvimento brasileiro depende do desenvolvimento da região. Do semiárido, em especial. A pobreza cultural da Bahia, hoje, é real. Mas ela significa uma pobreza de todos nós. Não faz bem ao Brasil. A nenhum brasileiro.
✽ANTONIO RISÉRIO É POETA E ANTROPÓLOGO. AUTOR DE AVANT-GARDE NA BAHIA

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Liberdade? Liberdade!

Maria Stella de Azevedo Santos*
No Dia da Libertação dos Escravos, 13 de maio, a comunidade negra comemora de diferentes formas: uns protestam dizendo que este dia foi um engodo e que os negros ainda são escravos sociais; outros há que comemoram os ganhos obtidos através da conhecida resistência sem perderem a consciência que muito ainda precisa ser feito. Observando a fala dos que vêm até o Terreiro, percebo que todos pensam na liberdade e a desejam. Fico a perguntar-me: de que liberdade eles estão falando? E, preocupada, os alerto que muitas vezes o que desejamos como liberdade é exatamente aquilo que nos escravizará. E me ponho a refletir: a liberdade tão sonhada existe mesmo?
O candomblé tem em sua filosofia símbolos cujos significados são bastante expressivos. Um destes símbolos é o fio de contas que todo iniciado usa para estabelecer um contato com o divino, informando-Lhe seu grau espiritual e a consequente responsabilidade que suporta exercer. Exemplificando, para que fique melhor entendido, explico: um recém-iniciado usa um fio composto por contas muito fininhas; já uma pessoa com muitos anos de iniciação tem o direito e o dever de usar contas grossas, indicando o nível de responsabilidade que suporta assumir. Além do referido significado, cada fio de contas nos representa enquanto elos de uma grande corrente – outro símbolo de nossa religião que mostra o quanto estamos vinculados uns aos outros. Sendo assim, pergunta-se: podemos ou não ser livres?
Muita gente fala: “Quero ganhar mais dinheiro para poder ser independente e ter minha liberdade”. Porém, o mesmo dinheiro que favorece a independência pode ser aquele que escraviza. Além do mais, o conceito de independência varia de época para época. Há tempos atrás, todo jovem queria ter condição de morar sozinho, acreditando que com isso poderia fazer tudo que quisesse, principalmente no que dizia respeito à sexualidade. Hoje a situação mudou. Os jovens, e nem tão jovens assim, preferem ficar morando com os pais para poderem ter facilidade de estudar mais, ou até por simples comodismo, aproveitando a educação sexual e a abertura, em todos os níveis, dadas pelos adultos a seus filhos.
É bom lembrar que independência só é sinônimo de liberdade no dicionário. Podemos e devemos nos tornar independentes de nossos pais, mas estaremos sempre vinculados a eles. Aliás, estamos todos vinculados uns aos outros, mesmo os que não se dão conta desta condição. Com a globalização do mundo esta situação ficou visível, pois uma tragédia que acontece no Japão, localizado no outro lado do mundo, atinge emocionalmente a todos. Energeticamente este vínculo sempre esteve presente na humanidade. Queiramos ou não somos todos irmãos, nascidos de uma única Essência.
Pode até parecer que estou afirmando que a liberdade não existe. Em primeiro lugar, ninguém deve afirmar nada para o outro, pois cada um tem sua verdade. Em segundo, penso que se todos creem em uma mesma coisa, com certeza é porque ela deve existir. Sendo assim, liberdade?… Liberdade! Contanto que ela venha acompanhada de responsabilidade, ética moral, hábitos saudáveis e ações equilibradas. Afinal, liberdade não pode ser confundida com libertinagem, que leva a sociedade a um estado de desarmonia.
Mas, então, o que é a tão chamada e desejada liberdade? Nada preciso dizer, pois a sabedoria de Aurélio Buarque de Holanda fez o favor de dizer por mim. Liberdade é: “Faculdade de cada um se decidir ou agir segundo a própria determinação”; “Poder de agir, no seio de uma sociedade organizada, segundo a própria determinação, dentro dos limites impostos por normas definidas”; “Caráter ou condição de um ser que não está impedido de expressar, ou que efetivamente expressa, algum aspecto de sua essência ou natureza”. Livre, então, é aquele que age de acordo com sua natureza divina, respeitando seus próprios limites e os de seus irmãos, de modo que a corrente sagrada que une o Òrun (Céu) ao Àiyé (Terra) não perca nenhum de seus elos, pois só assim a comunicação entre o humano e o divino não será perdida.
*Maria Stella de Azevedo Santos é Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá

sábado, 14 de maio de 2011

Salvador: Trânsito e Transportes, 50 anos de atraso

Almir Santos*
O ônibus começou em Salvador utilizando integralmente os mesmos itinerários dos bondes. Assim podem-se citar as primeiras linhas de ônibus da Ribeira, Nazaré, Tororó, Barra, Barra Avenida, Canela e tantas outras. Era um transporte competitivo e folclórico. Não havia horário. O motorista, quando não era o próprio dono do ônibus, ganhava por comissão e ficava marcando o bonde para sair à frente, angariando assim mais passageiros.
Num segundo estágio o ônibus começou a ir aonde o bonde não ia, como Amaralina via Barra, Fazenda Garcia, Acupe Via Galés, Boa Vista-Matatu, São Caetano etc.
Assim o sistema foi se consolidando até se formarem empresas e chegar ao modelo atual.
Inicialmente sem nenhuma integração, pois concebia três terminais centrais a exemplo dos bondes: Praça da Sé, que servia a cidade Alta, Praça Cayru, que servia a Cidade Baixa e Praça dos Veteranos/Viaduto da Sé, que servia os chamados Trilhos Centrais. Em muitos casos o usuário tinha de pagar duas tarifas nos seus deslocamentos, além de usar o Elevador Lacerda e os Planos Inclinados. O passageiro era onerado e não havia vale-transporte.
A implantação de um novo sistema viário permitiu a interligação dos três níveis ganhando, dessa forma, a população.
Mesmo com essa evolução o usuário ainda sofre pelo sistema não oferecer uma integração plena e ser submetido a viagens longas, lentas e desumanas.
O que existe em termo de integração são dois terminais fechados, Mussurunga e Pirajá, uma integração chamada Local que atende a pequenos bairros e uma integração por área onde o usuário tem de pagar a metade do valor da passagem só quando é feita fora da sua área e não sendo permitida a integração dentro da própria área. Esta última implantada há poucos anos não resultou em benefício para o passageiro em termos de redução de custos de transporte, tempo de viagem e conforto. Não houve como se podiam esperar melhorias na fluidez do tráfego. Não houve redução de linhas nem alteração de itinerários que são esdrúxulos e irracionais.
Por exemplo, como se pode conceber linha a 1052-Estação Mussurunga/Barra 2 e Sussuarana/Barra R2 fazer o seguinte trajeto: Av., Juraci Magalhães Jr, retorno da EMBASA , volta pela Juraci Magalhães Jr ACM-Itaigara, Manoel Dias, Amaralina, Rio Vermelho, rodando 12,0km para depois passar a 1,1km próximos de onde já passou, gastando aproximadamente 20 minutos a mais o que poderia ser solucionado se tivesse uma integração plena. Muita gente que não tem nada a ver passa por esse trajeto diariamente.
Não se pode conceber uma linha como a 0714 – Santa Cruz/Campo Grande R1 que faz o seguinte itinerário: Santa Cruz, Av. ACM, Itaigara, volta pela Av. ACM Av. Juraci Magalhães Jr., Cardeal da Silva, Campo Grande, Barra, Rio Vermelho, Pituba, Itaigara, Av. ACM, retorno da Comercial Ramos, Av. Juraci Magalhães Jr. retorno da Embasa Av. Juraci Magalhães, Santa Cruz. Um verdadeiro caracol e é assim em toda a cidade. Roda-se muito desnecessariamente, percorrem-se caminhos sinuosos. Nunca a menor distância entre dois pontos é uma reta.
É esse o modelo atual, que não evoluiu. Pode-se afirmar que está pelo menos 50 anos atrasado.
Entende-se que tudo isso acontece pela falta de uma integração plena. A integração tem o objetivo de reduzir os percursos, consequentemente reduzir o tempo de viagem, oferecer um transporte mais confiável e confortável para o usuário, A integração evita a superposição de linhas e aumenta a fluidez do tráfego.
O modelo de transporte de Salvador é que o que não se deve fazer em termos de transportes. Há pontos de parada por onde passam até 60 linhas;
Acresce de uma carência de profissionais bem treinados, educados, disciplinados. Pára-se de qualquer forma para embarque e desembarque, em fila dupla, além ou aquém dos pontos, afastado do meio-fio. Salvador é a única cidade que se conhece, que mesmo no ponto o passageiro tem de correr para pegar o ônibus.
Dá-se partida com as porta abertas, mal o passageiro coloca o pé no primeiro degrau. Nem os idosos são respeitados.
Além disso, há uma total falta de informação e as poucas existentes não informam nada, principalmente para os usuários eventuais e os turistas.
Espera-se, pois que a solução para a Mobilidade Urbana, preconizada para a Copa 2014, venha atender aos anseios da população de nossa Cidade do Salvador.




*Engenheiro Civil e Especialista em Transportes

quarta-feira, 11 de maio de 2011

A Guerra Nossa de Cada Dia

Maria Stella de Azevedo Santos*
Quem conseguiu driblar a morte e viveu para poder assistir a virada do século, não deixa de se assustar com as constantes ameaças de guerra. Muitos destes sobreviventes sentiram, de forma mais leve ou mais intensa, as conseqüências da primeira e da segunda guerra mundial, sem falar da guerra fria entre as duas maiores potências do século vinte, que deixava nossos corações realmente congelados de medo, a perguntar: será que o mundo se acabará com uma explosão atômica? Não, o mundo não acabou!
O homem continua a assistir não apenas ameaças de conflitos armados, mas também guerras realmente concretizadas. Uma análise mais profunda, no entanto, demonstra que o instinto guerreiro faz parte da natureza de todo ser vivo: no reino vegetal, presenciamos quando uma planta ataca a outra para sugar sua seiva; no reino animal, os animais lutam para demarcar seus espaços e conquistar parceiros; no reino hominal, os conflitos apresentam causas e conseqüências com maior nível de complexidade. A sobrevivência é a causa intrínseca de todas as lutas.
O homem guerreia para que seu corpo físico sobreviva. Ao mesmo tempo, busca incessantemente a paz, visando à imortalidade de sua alma. A alma que, para se manter encantada como os Encantados, necessita possuir elevadas virtudes, as quais conduzem à aquisição de axé – poder espiritual, que propicia o alcance da sublime sabedoria, que por sua vez se utiliza do bem e da verdade para conduzir o homem pelo caminho da paz. Digo caminho porque creio ser a paz não uma condição, mas uma busca, que se existe enquanto instinto, com certeza existe de fato. E se digo ser a paz uma busca, porque coloco-me como guerreira da paz, preparando meus filhos espirituais para serem também guerreiros fortalecidos pela fé, capazes de enfrentar grandes desafios e superar muitos obstáculos.
É comum se falar muito mal da guerra e, acima de tudo, temê-la. Se a guerra existe é porque ela é necessária, por mais estranho que isto possa parecer quando dito por uma religiosa. Entretanto, o Candomblé enxerga a guerra como algo tão natural e necessário, que a tem como um de seus dogmas, fazendo um ritual específico para este assunto, o Olorògún – Ritual para o Senhor da Guerra, através do qual os Omorixás -“Filhos de Santo” – são treinados para serem guerreiros da paz. É quando eles aprendem, entre outras coisas, a não começarem uma guerra que não tenham condições de terminar, nem parem no meio do caminho, pois correm o risco de serem atingidos pela negatividade.
A preparação de um bom guerreiro da paz implica, a princípio, na existência interior desse desejo. A partir daí o treino começa. Ele precisa adquirir algumas virtudes a fim de vencer “A Guerra Nossa de Cada Dia”. Para qualquer guerreiro, a maior de todas as virtudes é a coragem. É ela que impulsiona para a superação da inércia e, principalmente, do medo de ser julgado e condenado pelos deuses e homens.
Para um guerreiro da paz, a coragem sem a benevolência gera crueldade, que quando usada com o intuito de ganhar ou manter o poder sobre os outros, apresenta conseqüências extremamente desastrosas. O poder do guerreiro da paz é o poder sobre si mesmo! Tudo o que foi dito acima nos leva a perguntar: afinal, qual é a verdadeira guerra santa? Depois de muito estudo da Filosofia Yorubá e de muita reflexão sobre o tema, creio que posso dizer: a verdadeira guerra santa é aquela que destrói o que precisa ser destruído, a fim de construir o que precisa ser construído. E, assim, a vida se mantém em eterno movimento.
* Maria Stella de Azevedo Santos é Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá
Fonte: jornal A Tarde

terça-feira, 10 de maio de 2011

Governador cria Secretaria e busca investimentos Europeus para a Bahia

Osvaldo Campos*

Em nova missão ao exterior, o governador Jacques Wagner (na foto , já sem a barba), pretende atrair novos parceiros europeus a realizarem investimentos na Bahia. Na agenda, contatos comerciais na Itália e Alemanha com o objetivo de atrair empresas que beneficiem, segundo Jaques Wagner, "a pedra bruta de mármore e ampliem os investimentos no Polo de Camaçari, gerando mais emprego e riqueza para o nosso estado”.
Na reforma administrativa recém implementada, o governo Wagner criou a Secretaria de Relações Internacionais, cujo secretário, Fernando Schimdt vinha ocupando o cargo de Chefe de Gabinete do Governador.
A viagem à Europa será portanto a primeira com a participação do novo secretário, que é pessoa de absoluta confiança de Jacques Wagner. A prospecção inclui negócios em petróleo, gás natural, petroquímica, mineração, agricultura, energia renovável e setor automotivo.
Outro assunto em destaque diz respeito à nova arena esportiva Fonte Nova, cotada para sediar a abertura da Copa do Mundo de Futebol em 2014 e que terá como parceiro internacional a Amsterdan Arena. Encontros vem sendo realizados entre o governo do Estado da Bahia e o consórcio vencedor da licitação pública encarregada de construir e administrar a nova arena visando não só a Copa mais grandes eventos musicais e esportivos que Salvador passará a acolher com a nova infraestrutura.
Também foi destacada a parceria que o Governo da Bahia vem firmando com empresas privadas e ONGs para oferecer uma educação de qualidade. Wagner comentou a implantação dos programas do Instituto Ayrton Senna. Gestão Nota 10 e Circuito Campeão serão implantados em escolas públicas do Alto das Pombas e Calabar, para reduzir os índices de analfabetismo, reprovação e abandono nas unidades. A ação está inserida no âmbito do movimento Todos pela Escola.
O governador também falou da doação de R$ 500 mil que fez ao Instituto Ayrton Senna para programas educacionais, ao aceitar a proposta feita por uma empresa privada (GILLETE do Brasil) para retirar a barba depois de 34 anos (foto).
De acordo com Wagner, o Instituto é reconhecido nacionalmente na área de Educação e possui uma tecnologia pedagógica para melhorar o desempenho das crianças.
Sobre a escolha do Alto das Pombas e Calabar, aonde foi instalada a Base Comunitária de Segurança, afirma que investir em educação é uma maneira segura de também combater a violência.
"O Estado chega com a polícia, para cuidar de quem está fora da lei, e com a saúde, educação, habitação, saneamento e emprego, para cuidar de quem está na lei e quer continuar no caminho correto”.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Trem-bala pode ter consórcio de construtoras do "Castelo de Areia"

Valor Econômico

As cinco maiores construtoras do país - Camargo Corrêa, Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão - todas envolvidas pela Polícia Federal na Operação Castelo de Areia do Metrô de Salvador (foto) - poderão entrar na disputa do trem-bala que vai ligar Campinas ao Rio de Janeiro, passando por São Paulo, formando um único consórcio. Segundo uma fonte do alto escalão do governo ouvida pelo Valor, as empreiteiras já compartilharam estudos detalhados sobre o projeto e avaliam, agora, qual seria a companhia estrangeira que detém a melhor opção tecnológica para participar da concorrência. As empresas não comentam o assunto.
Um mês depois de o governo oficializar o segundo adiamento do leilão do trem-bala, essa movimentação feita pelas grandes empreiteiras mexeu completamente com os planos dos fabricantes de trens de alta velocidade. Segundo essa fonte, passou a haver uma disputa dos fabricantes para se engajar no grupo. A disputa é pesada, já que muitos fabricantes estão interessados em atuar no projeto apenas como fornecedores de equipamentos, e não sócios do consórcio. Esse é o caso de companhias como as espanholas CAF e Talgo e a canadense Bombardier.
A concentração das empreiteiras poderá reduzir o número de concorrentes no leilão, embora o governo não esteja muito preocupado em conseguir um grande número de candidatos. Na disputa pelas gigantes do concreto, diz essa fonte, o consórcio coreano - com a tecnologia da Hyundai Rotem - tem apresentado maior vantagem financeira, oferecendo um preço mais competitivo. Suas principais rivais, no entanto - a francesa Alstom, a alemã Siemens e a japonesa Shinkansen - possuem sistemas mais maduros, do ponto de vista tecnológico.
A apreensão desses fabricantes tem uma razão muito clara. Se esse grupo de grandes empreiteiras de fato se consolidar e então firmar parceria com um fornecedor, só restará um caminho: procurar empreiteiras menores ou simplesmente desistir do projeto.
Quem já percebeu isso é a Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas (Apeop). A associação estudou o projeto a fundo e conseguiu arregimentar 19 empresas do setor para disputar o leilão. Seu desafio, no entanto, é convencer um fabricante de trem de alta velocidade a incorporar o grupo como investidor. "Temos conversado com diversos fabricantes, mas infelizmente a postura deles é de apenas fornecer equipamentos. Sinceramente, se o nosso consórcio não tiver um fabricante como sócio, o projeto fica inviável", diz o presidente da Apeop, Luciano Amadio.
A dois meses da data de entrega de propostas comerciais, as empreiteiras têm pressionado o governo para ceder em mais alguns pontos do edital. Uma das reivindicações trata da redução de impostos ligados à importação de equipamentos, mas segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), já não há mais nada para abrir mão em tributos federais. "Tudo o que tinha para ser cortado já foi cortado, agora só restam impostos estaduais, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)", afirmou o diretor-geral da ANTT, Bernardo Figueiredo.
Das reivindicações apresentadas até agora pelas empresas, o governo concordou em ceder em uma delas, segundo Figueiredo. Pelo edital atual, é o governo quem escolhe para quem vai ceder o conhecimento tecnológico absorvido com o empreendimento. Os fabricantes, no entanto, reclamaram que poderiam ter suas tecnologias repassadas para as mãos de um grande concorrente. "Vamos mudar essa regra do edital. A escolha de quem receberá a transferência de tecnologia será resultado de um consenso entre o governo e o fabricante", disse o diretor-geral da ANTT.
O governo também vai permitir que as empresas mexam no traçado proposto no edital, desde que sejam mantidas as características de locais de acesso às estações e a velocidade de 350 quilômetros por hora. Adiado em novembro do ano passado e em abril deste ano, o leilão do trem que ligará Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro foi marcado para 11 de julho, data de recebimento de propostas. No dia 29, os envelopes serão abertos.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Leão discute BRT em Brasília

Os problemas da mobilidade urbana, em Salvador, foram discutidos anteontem no Ministério das Cidades, em Brasília. Numa reunião tripartite, com o chefe da Casa Civil, João Leão, o secretário de Transportes e Infraestrutura, José Matos e o secretário nacional da Mobilidade Urbana, Luís Carlos Bueno, as vantagens e desvantagens dos sistemas BRT e VLT foram discutidas.
No geral, todos concordam que, diante dos recursos disponíveis e do curto espaço de tempo até a chegada da Copa, o BRT é o caminho recomendável, já contando com o apoio do governo federal e municipal. Quanto ao governador Jaques Wagner, este aguarda a análise das PMI - Propostas de Manifestação de Interesse, que foram entregues ao governo por empresários esta semana.
Segundo o chefe da Casa Civil, João Leão, “convencido de que, para o BRT já existe dinheiro (R$ 576 milhões), e sua implantação não impede um futuro aproveitamento para o metrô ou VLT, o prefeito João Henrique, há 30 dias, mandou dar entrada na Caixa Econômica do projeto do BRT, também submetendo-o à analise da Superintendência do Meio Ambiente. Tudo isso, para evitar maior perda de tempo”, enfatiza Leão.
Por outro lado, diz o secretário, “até a Presidente Dilma está de acordo com o BRT, porque o importante é começar logo as obras, para aliviar o sofrimento dos que dependem do trânsito de Salvador”. Para Leão, o que está faltando é a palavra final do governador. “Ele precisa dizer o que quer. Se for metrô, estamos de acordo; se for VLT, também. Mas que comecemos logo os trabalhos de planejamento e execução”, diz João Leão.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

PMI - Mobilidade Urbana : Abertas as propostas

Foram abertos, nesta terça-feira (3), os envelopes dos participantes da Proposta de Manifestação de Interesse (PMI) de Mobilidade Urbana, lançada pelo governo da Bahia, que denifirá o modelo do sistema de transporte a ser implantado no Acesso Norte, para interligar Salvador e Lauro de Freitas, até a Copa do Mundo. Empresas privadas apresentaram seus projetos preliminares à Secretaria do Planejamento do Estado, que coordenará a escolha do modelo do sistema de transporte ao lado das secretarias de Desenvolvimento Urbano e Fazenda, além da Casa Civil e da Procuradoria Geral do Estado. Dos dez grupos que se habilitaram a participar da PMI, sete apresentaram projetos, sendo dois consórcios e cinco empresas individualmente. Os estudos finais devem ser entregues até o próximo dia 30. Após o parecer da Coppetec Fundação, consultoria responsável pela avaliação do modal e das questões jurídica, tarifária e operacional do sistema de transporte, contratada por R$ 1,5 milhão, haverá consultas e audiências públicas para debater as propostas com a sociedade. Segundo o secretário do Planejamento, Zezéu Ribeiro, a escolha entre o VLT e o BRT será do Estado e ainda está em aberto. "O critério de escolha contempla a previsão de integração com o metrô e a praticidade, para que o cidadão chegue ao destino pagando um bilhete único, no menor tempo e com maior conforto", disse, ao jornal A Tarde. Por outro lado, o ministro das Cidades, Mário Negromonte, afirma que Salvador adotará o BRT como modelo de transporte coletivo. Segundo informações da Tribuna da Bahia, a presidente Dilma Rousseff teria solicitado a Negromonte e ao ministro do Planejamento, Antonio Palocci, que as subsedes da Copa do Mundo mantenham seus projetos originais de transporte. "Já temos garantidos R$ 570 milhões para o BRT", afirmou. Entre as propostas de modais apresentadas, contudo, apenas duas defendem o sistema BRT.
Veja abaixo:
ATP Engenharia: Metrô de superfície;
Camargo Corrêa/ Andrade Gutierrez: Metrô de superfície;
Invepar: Metrô se superfície;
Metropasse: BRT;
Odebrecht/ Setps: BRT;
Prado Vasconcelos: Definição entre VLT e metrô de superfície;
Queiroz Galvão: Monotrilho

terça-feira, 3 de maio de 2011

Seminário do PV discute mobilidade

O auditório do Grande Hotel da Barra, em Salvador, ficou pequeno para abrigar as cerca de 200 pessoas que participaram do seminário Mobilidade Urbana em Salvador: Transporte, Trânsito e Sustentabilidade que o Partido Verde da capital realizou na tarde do último sábado, 30 de abril.
O seminário, aberto ao público e com entrada franca, integra uma série de debates que o PV Salvador está promovendo uma vez por mês, discutindo temas como: Saneamento e Meio Ambiente, Ecossistemas Urbanos, Promoção da Cultura da Paz, Habitação Sustentável, Esporte e Lazer, Educação, Economia Solidária, etc. O objetivo é debater um novo modelo de sustentabilidade para Salvador, visando colher subsídios para a formulação de um programa que irá nortear a posição do partido nas eleições municipais de 2012.
No evento deste sábado, a discussão foi acerca de quais os meios de transporte mais adequados, ecológicos e sustentáveis para a capital baiana. O evento, realizado de forma participativa, contou com quatro debatedores em dois painéis. O primeiro com o secretário estadual extraordinário para Assuntos da Copa 2014 Ney Campello e o arquiteto e urbanista Francisco Ulisses, técnico senior de Transportes da Prefeitura e um dos elaboradores do projeto da Rede Integrada de Transportes de Salvador.
O segundo bloco contou com Horácio Brasil, superintendente do SETPS, e o engenheiro Osvaldo Campos, especialista em transportes e consultor da FIESP.
Para Osvaldo Campos, que foi candidato avereador pelo PSB em 2008, as cidades devem começar a criar restrições ao transporte individual e direcionar investimentos para a melhoria do transporte público de qualidade. Sugeriu a viabilização da linha 2 do Metrô de Salvador, ligando a linha 1 até a cidade de Lauro de Freitas, com a utilização de uma Parceria Público Privada -PPP. Para Horácio Brasil “em quase 40 anos que trabalho na área de transporte e mobilidade, não me lembro de um partido político ter puxado uma discussão como essa. O PV saiu na frente”. Defendeu a implantação do sistema BRT - Bus Rapid Transport, ligando o aeroporto à nova arena esportiva que está sendo construída para a Copa de 2014.
Para o jornalista Augusto Queiroz, que coordenou a organização do seminário, “mais do que a simples discussão acerca dos modais a serem adotados – se VLT ou BRT – precisamos pensar a mobilidade urbana em termos da integração de todas as possibilidades de deslocamento. E priorizando sempre o transporte de massa de qualidade, em detrimento do transporte individual por carro”. Ele chamou ainda a atenção no debate para a ameaça representada pelo projeto de ampliação do aeroporto de Salvador encima de uma área de preservação ambiental permanente: o Parque das Dunas. “Possibilidade que sequer seria levantada num país realmente sério”, pontuou.
Programa amplo
“É gratificante perceber que, num sábado à tarde, conseguimos reunir quase 200 pessoas para debater os problemas da cidade. E pensar que o Salvador na Roda começou com uma reunião de apenas seis pessoas na sede do partido. O PV soteropolitano construirá seu programa para a cidade a partir dessas discussões, de forma ampla, democrática e propositiva”, disse o presidente da legenda em PV Salvador, André Fraga.
“É preciso considerar o uso e ocupação do solo, a integração dos modais, a reestruturação total do tecido urbano. É essencial garantir a participação e envolvimento da sociedade nas discussões com a posse imediata do Conselho Municipal de Transportes. Sem isso continuaremos literalmente parados”, complementou Fraga.
Durante o evento, foi entregue ao partido o Manifesto Massa Crítica Salvador, com propostas de ações para melhorar a mobilidade dentro de Salvador, tendo como foco especial os modais bicicleta e pedestres. Fraga declarou que as propostas contidas no manifesto integrarão o programa do PV para a cidade e convidou os membros do movimento a se integrarem a essa construção.
Também marcou presença no evento do PV o representante do Movimento Nossa Salvador, que integra a Rede de Cidades Sustentáveis, Pablo Florentino. Ele aproveitou o evento para solicitar ao superintendente do SETPS que reforce a formação dos motoristas de coletivos em Salvador, no sentido de promover uma maior integração com os ciclistas na cidade.
Estiveram presentes ainda ao evento o presidente da Associação dos Bicicleteiros da Bahia, Gilson Cunha, o presidente do Instituto dos Arquitetos da Bahia, Daniel Colina, o arquiteto e urbanista Lourenço Mueller, o conselheiro de Juventude da Bahia, Marcelo Tourinho, membros do Movimento Massa Critica Salvador e do Movimento Eu Quero VLT em Salvador, além de militantes, filiados e simpatizantes do Partido Verde.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Por que São Paulo não pode sediar a abertura da Copa

James Akel*

O grande desejo político da cidade de São Paulo de ser sede da abertura da Copa do Mundo de 2014 (no Itaquerão-ilustração) causa tanta estranheza quanto o primário desejo político da cidade de ser sede do que quer que seja nessa Copa. Se não, vamos mostrar fatos contra os quais dificilmente os políticos envolvidos nessa aventura vão poder contraditar.
A Copa do Mundo é normalmente realizada nos meses de junho e julho. A ocupação média dos hotéis na cidade de São Paulo no mês de junho, de 2005 até 2010, é de 66,11%; no mês de julho, também de 2005 a 2010, é de 65,83%.
No detalhamento das médias acima, encontramos desde a média mínima mensal, de 62,10%, até a máxima, de 74,75%.
Considerando-se que, hoteleiramente, um número desse percentual significa que, para ter essa média mensal, o hotel tem que ter ocupação plena durante a semana, questionamos onde estão os quartos de hotel disponíveis na cidade que possam acomodar os tais turistas esportivos que apareceriam para os jogos da Copa de 2014.
São Paulo é uma cidade que vive muito do turismo de negócios. Não é significativo o número de turistas que vêm apenas para passear, indo a teatros, museus ou qualquer coisa parecida. São Paulo é base do turismo de negócios, de feiras, de eventos e de serviços.
As feiras e eventos realizados na cidade são agendados na maior parte das vezes com anos de antecedência. A ocupação plena dos espaços nesse setor é tão grande que a própria Prefeitura de São Paulo, por meio da SPTuris, busca um megaterreno para um novo empreendimento, maior que o Anhembi.
Ninguém, em sã consciência, que deseje o melhor para a cidade pode interromper por dois meses inteiros o complexo de turismo de negócios, de feiras, de eventos e de serviços de cidade que vive e sobrevive exatamente de tal turismo.
Vamos além neste estudo da futura invasão de turistas esportivos na cidade. Todos sabemos que esse tipo de turista, quando viaja, para onde quer que seja que vá se realizar uma Copa do Mundo, é quase um turista mochileiro. Tem como objetivo assistir aos jogos de futebol gastando o menos possível.
Ou seja, não é o tipo de turista que vai cobrir o buraco financeiro enorme causado por possíveis cancelamentos de congressos e de feiras na cidade.
Se o leitor, por acaso, neste momento, achar fantasiosamente que o empresariado hoteleiro vai construir novos hotéis para a Copa, quero informá-lo de que o empresariado hoteleiro, do capitalismo livre, da livre iniciativa, não é burro.
Todo mundo já sabe que os hotéis que foram construídos na África do Sul estão apenas com 20% de ocupação depois do final da Copa.
Ou seja, construir hotel para a Copa não dá futuro a ninguém.
Pelos dados oficiais da ocupação hoteleira da cidade de São Paulo, não há sequer disponibilidade hoteleira para atender a jogos comuns da Copa, quanto mais para a abertura desse evento.
*JAMES AKEL, jornalista, é conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa e autor do livro "Marketing Hoteleiro com Experiências". Foi presidente do Conselho Técnico de Hotéis de São Paulo.

Os desafios que os jogos impõem ao país

Claudio Frischtak, Victor Chateaubriand e Felipe Katz* A infraestrutura do Brasil continua se deteriorando. Talvez o indicador mais sintético seja o nível de gastos no setor: oscilando em torno de 2% do PIB na década, não chegou a 3% no auge do PAC (o ano 2010), considerado o mínimo para repor a depreciação do capital fixo investido. Resultado: congestionamentos crescentes nos sistemas de transporte urbanos e suburbanos, notadamente nas regiões metropolitanas; deterioração da rede aeroportuária, com excesso de demanda e lenta resposta nos principais pontos nodais (Guarulhos, Brasília, Congonhas); piora palpável da qualidade de serviços de telecomunicações; indicadores sofríveis de cobertura da rede de esgoto; e falhas recorrentes nos sistemas de transmissão e principalmente distribuição de energia.
Esta situação é incompatível com as necessidades de um país em rápida transformação, crescentes aspirações das camadas cujo nível de renda e consumo vem se expandindo, e as próprias obrigações do Estado de garantir os serviços básicos à população. Para tanto teríamos de estar alocando cerca de 5% a 6% do PIB, e possivelmente mais - algo próximo a 7% a 8% como os países asiáticos vêm fazendo - para garantir a modernização e universalização de acesso aos serviços, e a competitividade da nossa economia. Neste último aspecto, vale lembrar que custos crescentes de infraestrutura, acompanhados de uma pressão tributária elevada, e ainda baixa produtividade dos fatores na economia brasileira vêm dificultando há alguns anos o Brasil expandir, ou mesmo manter sua posição nos mercados mundiais. Consumimos no presente, poupamos pouco para o futuro, investimos o insuficiente, e nada nos assegura que apenas o dinamismo do mercado interno será suficiente para sustentar no médio e longo prazo um crescimento que se quer inclusivo e equilibrado.
É provável que os investimentos públicos, exclusivos e sob a forma de PPPs, atinjam cerca de 94% do total
A insuficiência nas infraestruturas se manifesta de forma aguda nas cidades: problemas de mobilidade, acessibilidade, poluição hídrica, dentre outros, caracterizam nossas regiões metropolitanas. A escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo em 2014 e a cidade do Rio para os Jogos Olímpicos em 2016 gerou sentimentos contraditórios. Por um lado, grandes expectativas quanto à modernização das infraestruturas das cidades sede desses eventos; por outro, forte preocupação quanto ao desempenho do país como anfitrião. Para muitos, prevaleceu uma política do fato consumado, na medida em que os processos de candidatura tenham tido uma participação marginal do Congresso e a rigor a população não tenha sido consultada, o que é grave dada as implicações para os gastos públicos.
De qualquer forma, uma vez feita a escolha, e os governos - nos três níveis - tenham assumido formalmente os compromissos com a FIFA e o COI, há pouco o que fazer senão assegurar que os gastos sejam realizados judiciosamente, evitando os erros cometidos aqui e alhures. Infelizmente, com pouquíssimas exceções (os jogos de Barcelona em 1992 sendo o caso paradigmático) esses mega eventos deixam frequentemente um legado adverso: gastos inflados, obras rigorosamente não prioritárias, equipamentos subutilizados e pesada herança fiscal. Governo e sociedade civil devem assim garantir que o fenômeno Pan não venha a se repetir. Apenas para relembrar, os gastos realizados foram um múltiplo do programado originalmente. Quando a candidatura do Rio foi ratificada em 2002, previa-se R$ 414 milhões; ao final dos Jogos Pan-Americanos em 2007 tinha-se despendido nada menos do que R$ 3,7 bilhões! Mesmo considerando a inflação no período, obviamente o valor orçado originalmente parece ter sido propositalmente subestimado, enquanto que o realizado refletiu desperdício e má alocação de recursos. Com gastos previstos de R$ 36,4 bilhões ou 1% do PIB, a Copa de 2014 e os Jogos de 2016 não são uma proposta barata. Os investimentos irão possivelmente atingir seu pico em 2013-14, dado os atrasos que já vem se verificando (Tabela 1). A pressão para terminar a tempo as obras e o consequente relaxamento das regras licitatórias sugerem ser altamente provável que os gastos realizados serão superiores, podendo chegar a 1,5% do PIB. Assim, o país estará gastando com esses dois eventos cerca de metade do que despende em infraestrutura num ano ou, tomando apenas os cinco anos críticos (2011-2015), entre 10% e 15% dos gastos anuais no setor.
Uma questão relevante diz respeito à responsabilidade pelos investimentos. A Copa e os Jogos serão eventos basicamente financiados e de responsabilidade do setor público nas suas três instâncias. Ainda que somente a posteriori seja possível estabelecer qual a efetiva participação privada, os orçamentos dos projetos desde logo sugerem que ela será minoritária ou residual. Por um lado, ao menos 54,8% dos investimentos serão de responsabilidade direta dos governos, e no caso dos aeroportos, da Infraero; por outro, 32,8% serão financiados pela Caixa, BNDES e BNB. Ao mesmo tempo, 10,4% serão executados sob a forma de Parcerias Público-Privadas. No todo, é provável que investimentos públicos, exclusivos e sob forma de PPPs, atinjam cerca de 94% do total.
Riscos de atrasos, custos excessivos e corrupção são elevados, e o país pode não cumprir o prometido
Se recursos públicos predominam, há uma preocupação central, além do potencial desperdício envolvido em obras do governo: qual a sua utilização futura. Pela Tabela 2, cerca de 50,3% dos gastos serão alocados para mobilidade urbana (29,3% ligações rodoviárias, 19,5% metroviárias e 1,6% ferroviárias), assim como 17,6% em melhorias aeroportuárias. Restam poucas dúvidas da necessidade desses investimentos; é importante, contudo, assegurar que no caso de mobilidade ao menos tenham um impacto material nas cidades contempladas, e que junto com os investimentos aeroportuários sejam capazes de responder à demanda e levar à redução dos congestionamentos nos próximos anos.
Predominam no restante dos investimentos instalações esportivas e acomodações. Talvez o maior risco resida nessas duas categorias: estádios que nunca irão se pagar, equipamentos que ficarão subutilizados ou esquecidos a maior parte do ano. Quase R$ 10 bilhões estão em jogo, e a experiência indica que o risco na construção, operação e/ou utilização dessas instalações e equipamentos deveria ser compartilhado com o setor privado, que geralmente sabe fazer contas de forma mais precisa do que o governo. Infelizmente, à medida que o tempo passa e a equação financeira não fecha, o setor público será impelido a tomar riscos cada vez maiores, até porque tanto no caso da Copa quanto dos Jogos foi assumido um compromisso soberano pelo Estado brasileiro. A ideia propalada à época em que o país foi escolhido para sediar a Copa de que o setor privado iria bancar os estádios, dentre outras responsabilidades, se provou falsa em retrospectiva.
Este não é um quadro muito róseo desses dois grandes eventos. Sem dúvida os riscos de atrasos, custos excessivos, corrupção e desperdício são elevados, e mesmo o país não conseguir cumprir com os compromissos assumidos. Dado a magnitude dos riscos, como, portanto, justificar esses gastos?
Há fundamentalmente duas maneiras substantivas de racionalizar uma alocação de mais de R$ 36 bilhões para os dois eventos esportivos: primeiro, a noção de que as atenções que tais eventos geram na mídia mundial tornem o país um destino turístico e de investimentos ainda mais atraente, de modo que os efeitos econômicos indiretos acabem por
Há fundamentalmente duas maneiras substantivas de racionalizar uma alocação de mais de R$ 36 bilhões para os dois eventos esportivos: primeiro, a noção de que as atenções que tais eventos geram na mídia mundial tornem o país um destino turístico e de investimentos ainda mais atraente, de modo que os efeitos econômicos indiretos acabem por compensar os gastos. O argumento não é destituido de razão, mas a evidência sugere que os eventos em si não são determinantes, mas sim a capacidade de demonstrar ao mundo a competência na sua execução. A obediência ao cronograma programado, a ausência de escândalos que manchem a reputação do país organizador, a qualidade dos equipamentos e instalações, a disciplina operacional e a eficiência com que as competições são realizadas, assim como os legados urbanos mais aparentes são os principais parâmetros usados para julgar se esses grandes eventos deixarão ao fim e ao cabo uma imagem positiva e transformadora do Brasil. Segundo, muitos vêm a Copa e os Jogos como uma oportunidade única de mobilizar recursos - particularmente federais - para investir em projetos de infraestrutura que de outra forma não seriam financiados. É um sentimento compreensível tanto para governantes como cidadãos que aspiram uma melhor qualidade de vida. Porém apesar de que para muitas intervenções recursos volumosos são imprescindíveis, nossa história está coalhada de exemplos de projetos mal concebidos e/ou executados.
Agora resta vigiar, gritar - com apoio da mídia, das organizações sociais e dos parlamentares mais cônscios e responsáveis - e esperar que os governos não abdiquem de sua responsabilidade com o dinheiro público e do imperativo de seu uso correto, e no beneficio da maioria da população.
* Claudio Frischtak é presidente da Inter.B Consultoria, diretor de país do International Growth Center
Victor Chateaubriand, formado em administração pela Wharton School of Business, é fellow do International Growth Center e analista financeiro da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios
Felipe S. Katz, formado em economia pela PUC-Rio é analista econômico da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios
Notícia veiculada originalmente no jornal Valor Econômico- 02/05/2011