terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Jardinagem urbana e picaretagem

Luiz Mott*
Adoro plantas! Dizem que os taurinos têm o dom de saber plantar e fazer de pequeninos espaços, jardins paradisíacos. No exíguo quintal de minha casa nos Barris, cultivo quase uma centena de arbustos, flores e palmeiras que eu mesmo plantei, inclusive uma gigantesca filha da palmeira imperial do casarão onde viveu Anísio Teixeira em São Lázaro. 
Já escrevi nesse espaço um S.O.S. em defesa da centenária cajazeira ao lado da Misericórdia e alertei os riscos de desaparecimento das principais palmeiras imperiais de Salvador e do inigualável bambuzal do nosso Aeroporto Dois de Julho. Há menos de um mês uma bela touceira de bambu gigante no dique do Tororó estava em chamas, um crime ambiental! 
Faço agora grave denúncia: quem foi o responsável que mandou cortar as três belas e frondosas árvores do raro jasmim manga (pluméria rubra), que embelezavam a entrada da Concha Acústica do TCA? Aliás, essa milionária reforma da Concha deixou muitíssimo a desejar, pois no lugar dos aprazíveis bancos, jardins e dos ditos jasmins, construiu-se uma rampa anacrônica l que descaracterizou completamente o paisagismo original. 

Outro absurdo: a Orla da Barra ficou linda, tornando-se o principal espaço de socialização de soteropolitanos e turistas, porém, desde sua inauguração, até hoje, gastou-se uma fortuna com diversas iniciativas de jardinagem, todas redundando em retumbante fiasco. Primeiro colocaram nas imediações do Farol grandes vasos de ferro, com belas palmeiras que logo morreram devido à maresia. Tentaram mudas adolescentes de jasmim manga e “onze horas”, ambas tiveram vida curta. Gastaram outro tanto com um arbusto de folhas leitosas, novo fiasco. Desfecho: removeram os tais belos vasos - onde estarão? 

E as caras placas de grama em frente ao Farol da Barra do verão passado? Só sobrou pequenina nesga de gramado cercado pela Marinha, o resto virou poeirento chão de terra batida.
Jardinagem urbana não é coisa para amadores. Respeitem nossas plantas e não joguem fora nossos impostos!
*Antropólogo e Professor Catédrático da Ufba

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Metro de Salvador, um modelo de excelência e modernidade para os baianos

Carlos Martins*
O metrô de Salvador, durante 13 anos, tornou-se símbolo de incompetência, de mau uso de recursos, sem vantagens para o caótico trânsito e população de Salvador, nos seus 12 km originais, que o apelidaram de “metrô calça curta”. Mudanças de projeto que custaram mais de um bilhão de reais, nunca foram devidamente explicadas pelos gestores da época.
No entanto, três anos após o governo do estado assumir oficialmente o metrô, a situação inverteu-se. O sistema metroviário de Salvador transformou-se em modelo de “benchmarking”, na contratação e eficácia de obras. Os 12 km da Linha 1 foram rapidamente concluídos, ligando a Lapa a Pirajá. Em 24 meses, o sistema ultrapassou a marca de 18 milhões de passageiros transportados.
Mas os avanços não pararam, e o metrô, patrimônio dos baianos, deixou de ser apenas de Salvador para ganhar a RMS, chegando até Lauro de Freitas, como será em breve com a Linha 2. Em ritmo acelerado, as obras atravessam a Paralela, avenida criada nos anos 60, e que no seu projeto destinava o corredor central para um futuro transporte de massa. Assim prevê o projeto original, que alguns “futuristas do agouro”, insistem em politizar, minimizando uma obra importante para a mobilidade da capital e da RMS.
A linha permitirá que o trajeto entre Acesso Norte e o aeroporto seja percorrido em 27 minutos, passando pelas 12 estações que compõem o trecho. Isso tornará Salvador a terceira capital do país em trilhos – 41 km no total - e a primeira a ter um metrô ligando o aeroporto ao centro. Ainda em fase inicial, o trecho Acesso Norte – Rodoviária da Linha 2 já ampliou em mais 30% o número de usuários.
Além disso, cerca de 700 ônibus metropolitanos serão retirados da malha urbana, dando fluidez ao trânsito, devolvendo sustentabilidade ao sistema de ônibus da capital e consolidando o conceito de Integração Intermodal. A cidade ainda ganhará equipamentos modernos de transbordo, como os novos terminais da Rodoviária, Pituaçu, Mussurunga e Aeroporto. A segunda linha do metrô baiano permitirá, também, a retirada de milhares de veículos particulares que transitam na Paralela, dando aos motoristas a opção do metrô. A linha que chegará ao aeroporto ainda terá destaque para questão ambiental. O paisagismo e urbanismo da obra preveem compensações ambientais, incluindo a substituição da vegetação estrangeira por vegetação típica da mata atlântica local. As lagoas artificiais, construídas para evitar alagamentos na avenida, sofrerão um tratamento adequado, e terão até o retorno de peixes, que já eram escassos.
Uma pista de cooper e uma ciclovia margearão a linha, apoiadas por bicicletários em cada estação, e quiosques de apoio. O projeto prevê, dentro do conceito de parque linear, cinco áreas de lazer, que terão equipamentos esportivos, dependendo unicamente da aprovação pela prefeitura. Passarelas modernas, com elevadores e escadas rolantes, e em consonância com as leis de acessibilidade, e três novos viadutos tornarão a mobilidade do pedestre mais segura e agradável. Portanto, longe de ser um “muro da vergonha”, a Linha 2 será um ponto de integração da cidade.
Além disso, as estações estarão harmonicamente integradas a paisagem e acessibilidade dos seus usuários, permitindo, ainda, a possibilidade de novos negócios e pontos de arte e cultura ao longo do sistema.
Em paralelo ao metrô, os corredores transversais, das linhas Azul e Vermelha, serão elementos indutores de uma expansão da cidade, ligando a orla atlântica à Bahia de Todos os Santos, e permitindo a integração com o metrô e o futuro VLT do subúrbio, assim como o BRT, se a prefeitura desejar.
Se os números já comprovam, a opinião dos baianos sobre o metrô diz ainda mais. Satisfação e aprovação, que demonstram que o metrô veio pra ficar, e será cada vez mais um orgulho de todos os baianos.

*Carlos Martins é secretário de Desenvolvimento Urbano do estado da Bahia

domingo, 8 de janeiro de 2017

Um crime contra a Bahia

António Riserio*
Salvador assiste hoje àquele que é o maior crime urbanístico contra a cidade, desde que Thomé de Sousa comandou sua construção no ano de  1549.
E não vejo ninguém bater na mesa. Nem sequer reclamar. Seguem todos silentes diante do que o governo estadual está fazendo na Avenida Paralela.
A Paralela é, hoje, o retrato mais preciso que conheço desta cidade. Tem de tudo: vendedores de crack, sede da Odebrecht, lojas (não vou dizer “igrejas”) evangélicas, oficinas de carros velhíssimos, revendedora de automóveis importados, condomínios, terreiros de candomblé, etc.
Era uma avenida bonita. Quase 20 km de extensão, com um belo canteiro central, obra de Burle Marx. Lateralmente, havia lagoas e bosques. Mas o governo do Estado da Bahia está destruindo a avenida. Montando ali uma ferrovia murada ligando Salvador e Lauro de Freitas.
Mas o mais grave nem é a destruição do verde. É que teremos uma ferrovia MURADA. Olhem no mapa. A Avenida Paralela passa justamente entre os bairros pobres do miolo da cidade e os bairros privilegiados da beira do mar. Com o MURO, a cidade ficará irremediavelmente apartada. Teremos o nosso MURO DA VERGONHA.
De um lado, vai ficar a cidade pobre tipo Pau da Lima. De outro, a cidade privilegiada tipo Pituba-Costa Azul. A segregação será oficializada – e por um governo que faz de conta que é de esquerda. Nem mesmo um cachorro vira-lata conseguirá passar do Cabula para Piatã. Comparativamente, o Minhocão é obra delicadíssima.
Não posso esperar nada da Secretaria de Estado do Meio Ambiente. Este órgão existe apenas para carimbar oficialmente as ordens do governador. Foi a Secretaria que assassinou a área de proteção ambiental de Pituaçu, deixando que invasões “white collar”  reduzissem o parque ecológico ao tamanho de um dedal. E a destruição do parque de Burle Marx foi autorizada pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente.
Mas onde estão os baianos, que não protestam? Onde estão os ambientalistas que tempos atrás defenderam as lagoas do lugar, virando inclusive manchete na mídia local? Onde estão os ambientalistas que abraçavam a velha igrejinha do Rio Vermelho? Todos calados, comprados, cooptados.
Onde estão os celebrados artistas locais? Onde estão os contestadores da tropicália? Onde estão Capinan e Caetano Veloso? Cadê a axé music? A cidade que se foda, que o importante são as coreografias do próximo carnaval?
Tudo indica que sim. Política e culturalmente, Salvador vive hoje os seus mais tristes e desprezíveis dias.
*Antonio Risério é antropólogo e escritor

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

As cidades e o mundo

Marcos Magalhães*
A primeira infância da internet quis desmanchar no ar o que há muito tempo parecia tão sólido: a importância do local. 
Algumas boas ideias na cabeça e uma conexão confiável bastavam para ligar as pessoas e as empresas ao espaço global. Não importava tanto se estivessem em uma praia esquecida ou no coração de Manhattan. 
Na segunda década do século XXI, porém, o local onde você está se tornou mais importante do que nunca. E as cidades estão prontas para desenhar o perfil econômico do planeta.
No Brasil, as eleições municipais são vistas frequentemente como uma bússola que indica os caminhos da política estadual e da política nacional. A escolha de um prefeito se torna mais importante quando fortalece as chances de outros políticos nas eleições que acontecerão dois anos depois. 
Uma espécie de antessala das decisões que realmente contam para o país. Em todo o mundo, porém, as cidades se tornam cada vez mais protagonistas. Tanto pela conexão com a economia global quanto pela ligação com a própria realidade local.
Duas novas linhas de pensamento mostram a importância estratégica das cidades. 
Do lado mais globalista, o estrategista indiano Parag Khanna, que tem no currículo os cargos de conselheiro geopolítico do governo dos Estados Unidos e de pesquisador sênior da Universidade de Singapura, coloca os grandes centros metropolitanos como polos de uma cadeia global de produção. 
Do lado do “localismo cosmopolita”, como define Jon Rae, diretor da Schumacher College, no sudoeste da Inglaterra, as cidades são atores principais de economias locais mais prósperas e resilientes.
“Nós estamos entrando em uma era”, diz Khanna em seu recente livro “Connectography — Mapping The Future of Global Civilizaton”, “em que as cidades serão mais importantes que os estados e onde as cadeias de produção serão uma fonte de poder maior que a dos militares. Na medida em que as populações, a riqueza e o talento concentram-se em grandes cidades, elas gradualmente tomam o lugar dos países como os principais centros gravitacionais do mundo”.
A mensagem parece atual para grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro e Salvador, que correm o risco de ficarem isolados da disputa mundial por talento e investimentos. 
Os recentes debates sobre as eleições municipais no Brasil passaram bem longe desse tema, é claro. Assim como dos argumentos quase opostos, e quem sabe complementares, levantados pelos integrantes do movimento Cidades em Transição, que tem na Schumacher College e na pequena cidade de Totnes as suas principais raízes. 
O principal lema do movimento é o de estimular “economias cooperativas mais próximas de casa”.
“O local importa”, diz Robin Hopkins, cofundador da Transition Network, uma organização internacional que estimula práticas de fortalecimento da economia local. 
As pequenas cervejarias, que já são responsáveis por 12% do mercado nos Estados Unidos, estão entre seus exemplos. Microempresários cervejeiros de Londres, relata Hopkins, decepcionam os jornalistas que lhes perguntam como vão expandir seus negócios. 
Eles afirmam que não querem crescer. Preferem permanecer pequenos e manter um “ecossistema de fantásticas cervejarias” na capital inglesa.
Hopkins é autor do “Manual da transição”, uma espécie de guia para líderes locais interessados em aderir ao movimento. Suas regras são tão simples quanto universais. 
A primeira delas sugere a mudança da expressão “de algum lugar” para “aqui” e tem como bandeira moedas locais como a libra de Totnes, que circula apenas na cidade e evita que o dinheiro local seja sugado para os grandes centros. 
Ele lembra que dois grandes supermercados ingleses instalados em Totnes vendem 20 milhões de libras por ano em alimentos, vindos de várias partes do mundo. 
Se apenas 10% das vendas fossem de alimentos produzidos na própria região, a economia da cidade receberia um grande estímulo.
O “localismo cosmopolita” não pretende fechar fronteiras — as mesmas que andam perdendo importância na análise globalista de Parag Khanna. Mas reforçar as economias locais. 
O futuro das cidades está em jogo no mundo inteiro, seja pela sua conexão com as grandes cadeias globais de produção, seja pelas maneiras criativas de reinventar as potencialidades locais. Está na hora de o Brasil prestar mais atenção ao tema. 
Os prefeitos que tomaram posse ontem já podem buscar inspiração em cidades inovadoras espalhadas pelo mundo.

Marcos Magalhães é articulista no jornal O Globo

domingo, 1 de janeiro de 2017

Requalificar o Centro Antigo

Paulo Ormindo de Azevedo *
No mês passado, a Prefeitura anunciou um programa para revitalizar o centro antigo de Salvador, que inclui bairros que vão da Sé à Lapinha e do Comercio ao Tororó e Barris.
O abandono da área se evidencia pelo número de ruinas, a demolição de 31 imóveis na Montanha, em 2015, e a falta de agua para inaugurar o Palace Hotel.
Desde a administração de Mario Kertész, esta é a primeira vez que a Prefeitura manifesta interesse pela área, um dos principais atrativos da cidade.
Mas tenho dúvidas que apenas incentivos fiscais e a criação da Vila Cultural da Barroquinha, que não se sabe bem o que é, possam recuperar uma área tão extensa.
Primeiro, pela situação legal das ruinas.
Ninguém sabe a quem pertencem, pois três gerações não fizeram inventários. Segundo, por imaginar que a iniciativa privada vá se interessar por um novo “shopping a céu aberto”.
Não sou pessimista, apenas acho que o enfoque é equivocado.
A recuperação daquela área só é viável com um plano urbanístico envolvendo município, estado e União, que contemple os aspectos físicos, ou de infraestrutura; sociais, com ênfase na habitação; e econômicos, com incentivos aos serviços.
Isto é programa de estado e não de governo municipal.
As 1.500 ruinas podem se converter em 10.000 habitações do programa Minha Casa e Minha Vida.
Ele pode começar com o projeto da Faculdade de Arquitetura/Conder para o Pilar, já pronto.
No artigo “O que o centro antigo precisa”, publicado neste jornal em 3/2/2013, apontei as obras de infraestrutura necessárias: melhorar o acesso ao Centro Histórico com passarelas ligando o Pelourinho ao Desterro e o Carmo à Saúde e galerias e elevadores subterrâneos conectando a estação de metrô do Campo da Pólvora à Baixa dos Sapateiros, ao Terreiro de Jesus e ao Comercio, instalação de escadas rolantes ligando a Preguiça e a Contorno à Pr. Castro Alves e criação de um centro cultural dinâmico no Pelourinho, aproveitamento os cines Jandaia, Excelsior e Pax, este com um estacionamento vizinho subutilizado.
Finalmente, dar uso cultural ao Solar do Saldanha e não apenas burocrático.
*Arquiteto e Professor Titular da Ufba
 SSA: A Tarde, 1º/01/2017