domingo, 27 de maio de 2012

Morrer na contramão atrapalhando o tráfego

Abram Szajman*
Nos idos de 1940, quem tomasse o bonde na avenida Paulista encontrava sentado, em um dos bancos, o prefeito Prestes Maia. Em outro, o professor Anhaia Melo. Os dois maiores urbanistas de São Paulo eram coerentes, usavam o mesmo transporte coletivo que defendiam como prioritário para a cidade. 
Na década seguinte, como se sabe, a implantação da indústria automobilística inverteu essa lógica: o transporte sobre trilhos foi abandonado e as maiores cidades brasileiras se espraiaram, destinando ao automóvel uma parcela cada vez maior do espaço público. Estabeleceu-se, desde então, uma feroz batalha entre o homem e o carro, que está sendo vencida pelo último. 
À poluição do ar e às vítimas de acidentes de trânsito se soma a degradação da qualidade de vida, já que praças, jardins, ciclovias e calçadas recebem muito menos atenção das autoridades do que vias pavimentadas, túneis, viadutos e estacionamentos. 
As garagens cada vez maiores encarecem as construções e avançam até sobre o playground das crianças nos prédios residenciais. A expansão imobiliária é pautada em função da circulação de veículos -em detrimento dos pedestres- e o poder público, em vez de proibir o estacionamento nas ruas (como em Tóquio), o transforma em fonte de recursos por meio da zona azul. 
Em São Paulo, há 7 milhões de veículos. Aqui, todos os dias, a maioria dos habitantes enfrenta de duas a quatro horas de trânsito. A briga por espaço em vagões com nove pessoas espremidas por metro quadrado causa atrasos, brigas e depredações. Nas duas últimas décadas, enquanto explodiam as vendas de automóveis e motocicletas, o transporte público permaneceu asfixiado pela falta de corredores de ônibus e de linhas do metrô. 
Obras viárias que tomam do orçamento público, nas três esferas do governo, recursos que poderiam ser mais bem aplicados em saúde e educação, além de serem permanente foco de suspeita de superfaturamento e corrupção, revelam-se inúteis frente aos congestionamentos. 
Isto porque os automóveis ocupam 80% de todo o espaço viário, transportando a média de 1,5 pessoa cada um -o que exige 50 carros para levar as mesmas 75 pessoas que caberiam confortavelmente num ônibus ou vagão de trem ou metrô. 
Fator de inegável progresso ao tempo em que foi instalada, principalmente pela quantidade e qualidade dos empregos diretos e indiretos então gerados, a indústria automobilística se hipertrofiou no Brasil, transformando-se na espinha dorsal de um modelo mal copiado dos EUA, país que soube preservar suas ferrovias, por exemplo. 
Isso sem falar da Europa, em cujas cidades os carros convivem respeitosamente com bondes e bicicletas. 
No momento em que nosso país atrai as atenções do mundo como sede da Rio+20, da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016, é chegada a hora de, corajosamente, começarmos a substituir esse paradigma ultrapassado e socialmente injusto. 
As eleições municipais se aproximam. Podem e devem debater medidas de restrição ao automóvel -como o pedágio urbano e a introdução ou ampliação do rodízio- e de estímulo ao transporte coletivo, inclusive táxis, que podem ser barateados, pois hoje são mais caros aqui do que em outros países. 
É preciso, sobretudo, reverter o modelo de dispersão urbana que espalhou indústria, serviços e habitações em função do carro e não do transporte público -no passado, fábricas e bairros operários se alinhavam ao lado da via férrea. 
Devemos abandonar a cultura egoísta que transformou o automóvel em símbolo de status e no governante oculto, a manobrar os cordéis dos que se elegem com os votos das pessoas, mas governam para motores e pneus. Só assim o ser humano deixará de morrer na contramão atrapalhando o tráfego, como profetizou a canção de Chico Buarque. 
*ABRAM SZAJMAN, 72, é presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP)

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Templos para o Consumo


Luiz Fernando Janot*
Com a consolidação da sociedade industrial, a partir da segunda metade do século XIX, diversas cidades europeias passaram por um processo radical de urbanização para se adequarem às transformações econômicas e sociais que ocorriam naquela época. Paris foi a cidade que melhor representou esse momento com a construção de um espetacular conjunto de avenidas, praças, parques, monumentos, belos edifícios residenciais e uma grande variedade de lojas e magazines sofisticados. Até hoje essa valiosa imagem se mantém conservada e despertando admiração nos que lá vivem ou que visitam a cidade. Trata-se, sem dúvida, de uma época significativa para a evolução urbana das cidades e a valorização das suas áreas centrais.

Com o passar do tempo, novos modelos de ocupação urbana começaram a aparecer, especialmente nas cidades americanas. Nova York, durante a primeira metade do século XX, se tornou o paradigma da cidade verticalizada e símbolo de uma modernidade renovadora. No entanto, com a popularização do automóvel e a construção de autoestradas, uma parte considerável da próspera classe média americana optou por morar em aprazíveis bairros residenciais na periferia e se locomover diariamente para trabalho localizado no centro da cidade. Essa tendência levou grupos empresariais a construírem, às margens das rodovias, diversos supermercados e centros comerciais para atender à demanda cotidiana dessa população itinerante. Da mesma forma surgiram os primeiros shoppings periféricos. Em geral, eram edificações desprovidas de qualquer preocupação estética que se assemelhavam a grandes caixas retangulares fechadas enfatizando apenas o caráter utilitário do empreendimento. Com o passar dos anos, esse despojamento inicial foi sendo substituído por projetos mais aprimorados para atrair novos consumidores.

No Rio, essa tipologia de estabelecimento comercial despontou, nos anos 1980, na Barra da Tijuca, onde o planejamento urbano privilegia os grandes espaços privados de uso coletivo como alternativa aos espaços públicos tradicionais. À medida que esse modelo foi se incorporando aos hábitos de vida da população, os empreendimentos se multiplicaram e aquele vasto território se transformou na maior concentração de shoppings da cidade. Do dia para a noite, esses equipamentos deixaram de ser exclusivos para compras e se tornaram, também, espaços para o lazer e o entretenimento. Ao fazer desse comportamento uma rotina, talvez uma parte significativa da população carioca esteja virando as costas para o valioso patrimônio natural e cultural que a cidade do Rio de Janeiro possui. Ou será que a exuberância do Rio já não é mais suficiente para contrapor a sofreguidão consumista que enclausura nos shoppings uma parcela considerável da sociedade? A resposta para essas questões exige uma reflexão apurada, principalmente quando se entende que o espaço público é, por natureza, o lugar ideal para o convívio democrático entre as diferentes camadas que constituem a sociedade.

É verdade que, nos últimos anos, a noção de cidade vem passando por uma radical transformação. Hoje, já existe um contingente significativo de pessoas que consideram absolutamente normal viver enfurnadas em shoppings e em megacondomínios multifuncionais sem contato direto com a cidade. São pessoas que, além de adotar um comportamento segregacionista, não medem as consequências negativas que a privatização dos espaços públicos causa nas cidades brasileiras. Todavia, não se pode negar que a proliferação dos shoppings se deve, também, à paranoica procura por segurança e a sua caracterização como uma espécie de território protegido dos conflitos da cidade.

Atualmente, no Rio, se nota a presença de grandes shoppings em bairros pobres que sequer possuem rede de esgoto e ruas asfaltadas. O contraste perverso entre esses locais sem infraestrutura e os bem cuidados ambientes dos shoppings contribui para a valorização dos espaços privados e a desvalorização dos espaços públicos. Para os moradores dessas áreas da periferia, os shoppings são vistos como verdadeiros templos para o consumo. Em sociedades com fortes desigualdades sociais, como a nossa, a cultura do consumismo desenfreado exacerba um estilo de vida que não está ao alcance de todos e, consequentemente, provoca frustração e discriminação social. Para que o Rio consiga se tornar, de fato, uma cidade sustentável e possuidora de uma urbanidade solidária nos espaços públicos é indispensável rever certos conceitos urbanísticos que estimulam a construção indiscriminada de shoppings em qualquer lugar da cidade.

LUIZ FERNANDO JANOT é arquiteto urbanista.
E-mail: lfjanot@superig.com.br.

domingo, 20 de maio de 2012

Reflexões sobre a cidade


Antonio Risério*

Acabo de ler o novo livro de Edward Glaeser, Triumph of the City: How Our Greatest Invention Makes Us Richer, Smarter, Greener, Healthier and Happier. É excelente. Nossos ambientalistas deveriam ler. Trata-se de um elogio enfático e eloquente da vida citadina, desmontando fantasias silvestres. Mas não vou resenhar aqui o escrito de Glaeser (que, para quem não sabe, ensina economia em Harvard). Passo, apenas, algumas anotações que fui fazendo ao longo de sua leitura.
Glaeser abre Triumph of the City com as mesmas palavras com que começou um livro anterior - Cities, Agglomeration and Spatial Equilibrium. São informações interessantes. Mais de 240 milhões de norte-americanos vivem juntos em apenas 3% da extensão territorial dos EUA - sua porção urbana. Num planeta de vastos espaços, a humanidade caberia inteira no Texas (e com cada um de nós tendo sua própria casa). Ou seja: a espécie é urbana. Escolheu a cidade como modo de vida. E o fluxo continua. Cada vez mais gente se aglomera em áreas metropolitanas. Em megacidades. Cidades são campos magnéticos de conexões humanas e centros de inovação técnica e mental, como enfatiza o Peter Hall deCities in Civilization. Mas a história dessas entidades não tem sido exatamente fácil. Hoje, nos países mais ricos do Ocidente, as cidades "sobreviveram ao fim tumultuário da era industrial" e, apesar da crise que agora atravessam em grande parte das terras do hemisfério norte, estão firmes e fortes. Já nos lugares mais pobres do planeta, cidades se expandem sem parar, porque "a densidade urbana é o mais claro caminho da pobreza à prosperidade". Apesar dos avanços tecnológicos que determinaram a "morte da distância", o mundo, ao contrário do que pensa Thomas L. Friedman, não é flat. É "pavimentado". Mas, como bem sabemos a partir de nossas experiências pessoais, às vezes os caminhos da cidade são pavimentados em direção ao inferno. "A cidade pode vencer, mas com frequência seus cidadãos parecem perder". O futuro vai depender do modo como aprendemos as lições que as cidades nos dão. Se aprendermos corretamente, "nossa espécie urbana irá florescer no que pode ser uma nova idade de ouro da cidade". De qualquer sorte, numa trajetória milenar até aqui, a cidade triunfou.
Cidades decaem. Exemplo disso é Detroit, amargando as consequências sempre nefastas da monocultura - no caso, a indústria automobilística. Mas cidades, também, dão a volta por cima. Como Nova York, que experimentou um período de declínio econômico em meados do século que passou. Mesmo entre 2009 e 2010, com a economia norte-americana passando maus bocados, os salários, em Manhattan, aumentaram quase 12%. Nova York soube se reinventar. Passou do fabrico de coisas à produção de ideias. No exemplo de Glaeser, a fabricação de tecidos caiu, mas a cidade conta com Calvin Kleins e Dora Karans produzindo desenhos que, não raro, serão executados do outro lado do planeta. "A ascensão, queda e ascensão de Nova York nos leva ao paradoxo central da metrópole moderna - a proximidade se tornou ainda mais valiosa à medida que caiu o custo das conexões através de grandes distâncias. A história de Nova York é única em sua grandeza operística, mas os elementos-chave que conduziram à ascensão espetacular, ao triste declínio e ao notável renascimento da cidade podem ser encontrados também em outras cidades, como Chicago, Londres e Milão". Glaeser toca com insistência nessas teclas. A proximidade é fundamental. Contatos interpessoais intensificam a transmissão de informações e incrementam a criatividade. Nova York deu a volta por cima porque, como Bangalore na Índia, soube tirar partido das rendas cada vez maiores que são geradas pela produção de informação e de ideias, pela capacidade de inovar - o que, por sua vez, se faz melhor quando as pessoas vivem em espaços densamente habitados, em proximidade física e comunicação direta umas com as outras.
Felizmente, diz Glaeser, a Índia não vai pelo caminho sonhado por Gandhi. Assim como Euclydes da Cunha via a autenticidade nacional brasileira nas lonjuras do sertão, o Mahatma dizia que a verdadeira Índia não estava em suas poucas cidades, mas em suas milhares e milhares de vilas. E que o crescimento do país dependia destas. "O grande homem estava errado", sentencia Glaeser. O crescimento da Índia depende quase exclusivamente de suas cidades. Para Glaeser, existe uma correlação near-perfect entre urbanização e prosperidade.
Glaeser defende que políticas públicas devem ajudar pessoas pobres - e não lugares pobres. Seu exemplo: Nova Orleans, cidade de desempenho medíocre no cuidado com seus pobres. Depois da passagem do Katrina, quiseram gastar bilhões de dólares na reconstrução da cidade. Glaeser considera insensata a aplicação de bilhões de dólares em infraestrutura urbana, num lugar que necessitava terrivelmente de dinheiro para educar suas crianças. "A grandeza de Nova Orleans veio sempre de seu povo, não de suas construções". Teria sido melhor distribuir 200 bilhões de dólares entre a gente da cidade: cada pessoa ficaria com 400 mil dólares para gastar em moradia ou educação, lá ou em qualquer outro lugar. Por que "em qualquer outro lugar"? Pelo simples motivo de que, bem antes do Katrina, as pessoas já estavam abandonando Nova Orleans. Desde 1960. Mais: as crianças que deixaram a cidade, depois do Katrina, passaram a ter rendimento escolar superior ao das que fricaram.
A característica mais saliente de uma cidade em declínio é que ela possui muitas moradias e muita infraestrutura, em comparação com a força de sua economia.
Uma afirmação discutível: cidades não tornam as pessoas pobres - elas atraem pobreza (penso que as duas coisas acontecem: de uma parte, produção - de outra, atração e concentração da pobreza). Ao mesmo tempo, é certo que o poder de atrair pobreza é uma prova da pujança da cidade. No exemplo de Glaeser, o fluxo de gente humilde ou excluída para o Rio ou para Rotterdã demonstra a força urbana, não a fraqueza dessas cidades. "Estruturas urbanas podem durar séculos, mas populações urbanas são fluidas. Mais de um quarto dos moradores de Manhattan não vivia lá cinco anos atrás. Pessoas pobres vêm constantemente para Nova York, São Paulo e Mumbai à procura de algo melhor - um fato da vida urbana que deveria ser celebrado". Veja-se o que Glaeser diz do Rio: "Já se passaram quarenta anos desde que o Rio era a capital do Brasil e, durante esse período, sua importância política e econômica decresceu, mas a cidade permanece como o lugar mais prazeroso de uma nação prazerosa. Belas construções antigas e grande beleza natural são a ossatura física na qual os nativos do Rio, os cariocas, criam um espaço urbano excitante. Espaço que é meca para turistas, mas onde os cariocas parecem sempre se divertir mais do que eles". Mais: "A população de uma cidade diz o que a cidade nos oferta. Salt Lake City é cheia de mórmons porque é um bom lugar para se ser um mórmon. Londres tem muitos banqueiros porque é um bom lugar para administrar dinheiro. Cidades como o Rio são repletas de pessoas pobres porque são lugares relativamente bons para gente pobre. Afinal, mesmo sem dinheiro, você ainda pode desfrutar a praia de Ipanema". Mais que isso: favelas podem funcionar como trampolim para uma prosperidade classemediana. No caso, Glaeser cita o exemplo da jovem mulata carioca Leila Velez, que criou o Instituto de Beleza Natural, montou uma rede de salões de beleza e uma fábrica de cosméticos, a Cor Brasil.
Nos termos de Glaeser, o grande paradoxo da pobreza urbana é que, se uma cidade melhora a vida da gente pobre, por meio dos sistemas públicos de educação e transporte, esta cidade vai atrair ainda mais pobres.
Historicamente, diz Glaeser, as pessoas eram pobres demais para deixar que seus gostos, em matéria de entretenimento, fossem decisivos na escolha da cidade onde morar. Nem as cidades eram lugares tão prazerosos assim. À medida que as pessoas se foram fazendo mais ricas, passaram cada vez mais a escolher cidades com base em estilo de vida - "e a cidade do consumo nasceu". Outra coisa: há uma significativa massa de solteiros nas grandes cidades, convertendo-as em marriage markets, onde é mais fácil encontrar um par.
Novas ou velhas, as cidades contemporâneas bem sucedidas atraem pessoas inteligentemente empreendedoras porque, em parte, são parques temáticos urbanos.
Antonio Risério é poeta e antropólogo. Fale com Antonio Risério: ariserio@terra.com.br

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Fernando Conceição lança romance Diáspora


 Diáspora,  o primeiro romance escrito pelo jornalista e professor da Ufba  Fernando Conceição, foi lançado nacionalmente na última segunda-feira em Salvador. O livro que é resultado da premiação em dois editais da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia – criação literária, em 2008, e demanda espontânea 2011, está a cargo da Editora Casarão do Verbo.  A temática central do romance é a disputa pelo poder político. Toda a trama é conduzida através dos choques provocados pelos entrelaçamentos entre as relações de poder e as relações raciais no Brasil contemporâneo. A narrativa se utiliza de uma possível disputa eleitoral pelo cargo majoritário da cidade de Salvador, na Bahia, entre um candidato negro e um não-negro (judeu).
Lançado num momento em que muito se discute sobre a ausência de representatividade do negro nos espaços de poder no País, principalmente em Salvador, cidade com população formada por maioria negra, a obra certamente trará contribuições para o debate.
 Primeiro leitor a ter acesso ao livro, o também escritor e crítico André Setaro, pontua que a obra anuncia uma “diáspora de ideias e provocações” e ressalta o estilo inquietante do texto, “a escrita não é uma escrita para deixar o leitor na passividade da leitura”, afirma o escritor. Setaro antecipa para os leitores que cada capítulo contém uma verdade captada na experiência de vida do autor.

“Obra de ficção, porém, sem deixar de conter, nela, os percalços de uma existência”, observa. Segundo ele, o romance “é um libelo contra a hipocrisia, o arrivismo, o oportunismo, o egoísmo, e um retrato severo das idiossincrasias do ser humano que, vítima das circunstâncias, sofre não apenas o maltrato do meio social excludente como também das pessoas hipócritas e que usam, sempre, no convívio social, uma ‘persona’”.

Durante o lançamento ocorreu um debate sobre  os 124 anos da abolição e o papel do negro na literatura. Participaram Ana Célia Silva, doutora em Educação e autora de diversas obras sobre a representação social do negro no livro didático; Florentina Silva de Souza, pesquisadora e doutora em Estudos Literários; e do escritor e poeta José Carlos Limeira.

* Na foto, Fernando Conceição e Osvaldo Campos, Editor deste blog.Texto publicado na Tribuna da Bahia

terça-feira, 15 de maio de 2012

Vilas ou Metrópoles?

  
 Lourenço Mueller*
Há dois anos esteve aqui para falar de suas “ecovilas” a ambientalista May East, que talvez até hoje não tenha conseguido se desvencilhar de sua condição de ex-roqueira, com bem mais visibilidade do que ecochata, coisa que todos nós, que escrevemos sobre meio ambiente, somos aos olhos do público. Entrevistei-a, o que fez também a jornalista Emanuella Sombra, que publicou matéria sobre o ativismo ecológico desta hoje senhora de intensos olhos azuis e cabeça verde. A revista Veja publicou agora uma entrevista com o economista americano Edward Glaeser, sobre as vantagens das grandes cidades.
Fiz um exercício de comparação entre estes dois discursos especializados, o primeiro (“Para ativar um discurso preciso vivê-lo”, diz May). Produzido por alguém que vive a experiência objetivamente, defendendo os pequenos núcleos autossustentáveis, e o segundo (““ não são os grandes centros que tornam as pessoas mais pobres, mas os mais pobres é que são atraídos pela vida urbana”) desdobrado por um professor de Harvard estudioso da megametrópoles, da sua extrema capacidade de produzir riquezas e, ao mesmo tempo ensandecer os homens.
Insolitamente acho razão em ambos, ou seja, as duas cidades podem ser viáveis, a anã e a gigante. Transferir para as metrópoles o bucolismo possível em pequenas vilas é o sonho recorrente de habitantes cosmopolitas estressados; já moradores de cidades médias são obrigados a viajarem para os grandes centros quando se deparam com demandas que precisam ser satisfeitas: como diz Glaeser – e ele dá o parâmetro de 1 milhão de habitantes para cidades grandes – “só lugares com alta concentração de gente justificam investimentos em grandes museus, teatros, hospitais, escolas e universidades.”.
Ao equacionar estas duas dimensões do urbano tentemos não cair no vício maniqueísta de verticalizar ou não discussão de todo desprovida de consistência teórica e eivada de preconceitos ideológicos ou erros urbanísticos na interpretação daqueles que pretendem ter sempre a última palavra no assunto, sem ouvir ninguém; “pão ou pães é questão de opiniães” brinca Guimarães Rosa.
Certas cidades, como algumas pessoas, são parasitas. Os humanos pongam nos amigos e parentes mais prósperos ou nas tetas do serviço público; aqui fingem que trabalham quando na verdade o que obram são pequenas tarefas burocrático-administrativas com rigoroso controle de frequência e pouquíssima produtividade. Já o parasitismo urbano é um raciocínio mais complicado porque de natureza fundiário-imobiliária: ou são proprietários que seguram suas terras até que a infraestrutura chegue e as valorize ou são incorporadores que se aproveitam de núcleos já consolidados para incrementar novas habitações – as mesmas coisas: sem planejamento prévio do entorno, arrebentam-se as condições de conforto ambiental a médio e curto prazo.
Salvador incha a uma velocidade de 50.000 habitantes por ano, ou seja, uma cidade média que não precisaria estar localizada dentro de Salvador.
Tenho escrito que o urbanismo devia  saborear a garantia dos bons conhaques VSOP (very special old pale), mas assim: visionário, sustentável (auto), objetivo e participativo. Reconheço na proposta da ambientalista essas qualidades. O discurso de Edward Glaese também cumpre essas premissas ao argumentar que a verticalidade não pode ser simplesmente execrada: estranho perceber certos escribas defendendo as torres por simples compromisso com alguns incorporadores que visam apenas o lucro, ou notar altas doses de conservadorismo entre outros, que condenam as torres, mesmo morando nelas ou vendendo casas históricas a construtoras para serem transformadas em torres.
Em minha utopia pessoal penso numa solução mista entre os dois modelos, originando uma série de cidades médias temáticas, especializadas em cada uso e articuladas entre si, com densidades controladas e ocupação do solo planejada, ´minimizando o transporte individual motorizado e com muito verde entre elas, formando a metrópole.
*Arquiteto e urbanista

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Beabá da Bahia e de qualquer metrópole


Lourenço Mueller*
Os homens tem que encontrar formas, ou formatos – até prefiro esta palavra em seu contexto digital – de repensar as grandes cidades, porque se assim não for, elas vão sendo destruídas ou se autodestruirão progressivamente. Há um movimento mundial nas metrópoles, chamado de gentrification, que remete às superável as centralidades originais, seus centros antigos, sua gênese urbana: uma tendência de retorno dos habitantes distanciados espacialmente ao coração de suas cidades.
E na outra ponta do processo há uma inevitável necessidade de crescimento, de alocação de população nessas cidades grandes. Quase não se fala em planejamento: esta disciplina está cheirando a mofo ou virando utopia. Um mínimo de atenção aos seus métodos ou conceitos poderia, pelo menos, salvar as cidades da provável exclusão da memória representada pelos seus ícones arquitetônicos e traçados urbanísticos de época.
Muitas dissertações de mestrado ou teses de doutorado têm sido feitas sobre o rasgamento de Paris de Haussmann e Napoleão III no meio do século 19 que, por razões mais imobiliárias que defensivas reconfigurou a “cidade luz”, hoje tão elogiada capital das grandes avenidas e bulevares. Mas este urbanismo de “cirurgia”, plagiado mundialmente, que destrói logradouros mudando seu desenho de forma irrecuperável, nem sempre com a qualidade de traçado e desenho haussmannianos, é esse um urbanismo inteligente?
O pequeno grande livro que ora comentamos (Valadares, José. Beabá da Bahia. Guia turístico. Salvador: Edufba, 2012) com a coordenação editorial e prefácio de Fernando da Rocha Peres, e ilustrações de Carlos Thiré, lançado no dia 24 pp no Museu de Arte da Bahia, em oportuna cerimônia promovida por sua diretora, Sylvia Athaide, vem mostrar e demonstrar que cidades como Salvador, donas de acervo arquitetônico e traçado que representam o cenário real de épocas passadas e o comportamento distinto de seus habitantes, têm mais a perder do que a ganhar com aquele tipo de intervenção. E mais, que a busca obsessiva pelo turismo de massas pode ferir definitivamente uma cultura insubstituível, macular uma atitude cordial característica e transformar valores autênticos num pastiche televisivo típico da cariocada redeglobalizante.
Esse livrinho prevê, com a antecedência de mais de meio século e uma linguagem simples, baiana da gema, tendências da Salvador contemporânea. Ele começa por resgatar o termo baiano com natural referência à cidade da Bahia, que o pedantismo semântico apelidou de Soterópolis e fez com que herdássemos o codinome abominável de so-te-ro-po-li-ta-no, que rima com pelicano, uma ave bizarra com pro lapso de bico. Prefiro o neologismo poético Salvadolores, e seu derivado crítico-toponímico salvadolorido para seus sofridos e desrespeitados munícipes. Destaco de pronto o roteiro sugerido ao turista, que logo desenha a morfologia do centro histórico mandando-o descer e subir ladeiras e “... sentindo o cheiro de antiguidade que exala de cada saguão. Ninguém o atacará, os cachorros não mordem...” O que morde hoje em dia é o abandono, o descaso dos governos com o coração da cidade, apesar da existência de um programa eficiente montado por dedicados técnicos. E comenta: “É tão dramática a Bahia colonial noturna! Só assim é que se começa a gostar de uma cidade que tem caráter e passado”.
Valladares escreveu, mais do que um guia turístico, uma crônica de costumes, e fala de quase tudo – desde a história simplificada à arquitetura de igrejas e conventos, palácios e solares, omitindo apenas a arquitetura militar, as tão marcantes fortificações da cidade.
Até glosa com a percepção popular das estátuas: “Diz o povo, numa tentativa de interpretar a atitude dos monumentos, que Castro Alves pede uma esmola com o braço estendido, ao que lhe responde o barão do Rio Branco com a mão no bolso que não tem trocado, enquanto o Cristo Redentor da Avenida Oceânica lamenta a falta de caridade...” Que linda ingenuidade de outros tempos, a mão no bolso de todos nós é o que há hoje em dia.
Comprem o livrinho
* Arquiteto, Urbanista e Professor

domingo, 13 de maio de 2012

Guia turístico da Bahia editado em 1951 foi relançado

 Marcos Dias
Salvador tinha menos de 500 mil habitantes na época da publicação do guiaDivulgação / Reprodução

Salvador tinha menos de 500 mil habitantes na época da publicação do guia
“No tempo da escravatura, circulava a sentença: — Bahia, inferno dos pretos, purgatório dos brancos, paraíso dos mulatos. Ainda continua válida. A única diferença a observar é que o purgatório se acha muito despovoado”.
A observação do baiano José Valladares (1917-1959) sobre o preconceito na Bahia, no livro Beabá da Bahia – Guia Turístico, publicado originalmente em 1951, traduz  em muito o estilo do autor no que tem de ironia e precisão. Agora, 61 anos depois, suas considerações  sobre a história, artes e aspectos “pitorescos” da Bahia  podem ser revistos por causa da reedição do livro pela Edufba.
O lançamento aconteceu no dia 24, no Museu de Arte da Bahia. A mesa de apresentação foi composta pelo arquiteto Lourenço Müller, a diretora da instituição, Sylvia Athayde, e o poeta e historiador Fernando da Rocha Peres, que também assina o prefácio.
Para Peres, trata-se de um livro que não é mais um guia turístico, mas deveria integrar  uma “bibliografia baiana” para os que interessam-se pela evolução urbana da cidade. As ilustrações do carioca Carlos Thiré (1917-1963), em sua opinião, fazem do livro “um camafeu, com delicadeza única”.
Museu - Pioneiro na museologia na Bahia, professor de Estética e História da Arte na Ufba, José Valladares fez mestrado na Universidade de Nova York (EUA),  especializou-se no barroco e fundou e dirigiu o Museu de Arte da Bahia de 1930 a 1959, a partir de uma coleção de Jonathas Abbott, ainda no MAB.
A reedição contou com revisão das filhas de Valladares, Julia e Diana, nascidas em Salvador, mas que moram no Rio de Janeiro desde 1966.
“Muitas coisas que o meu pai escreveu estão escondidas na reformulação urbana da cidade. Se alguém pegar o livro e sair visitando os antigos caminhos, vai ser uma viagem interessantíssima. Depois das avenidas de vale, é uma outra Salvador. A de hoje tem muito pouco a ver com aquela”, afirma Diana.
Ela destaca um dos aspectos que seu pai recomenda no livro:  que os baianos deveriam ter muito cuidado com o turismo para não desvirtuar a cidade em nome dos turistas.
Besteiras - Para Peres, é necessário sensibilidade para promover o turismo: “O livro pode inspirar para que não façam besteiras, ou que não continuem fazendo, como por exemplo tentar construir um palco retrátil no Pelourinho.”
O livro foi escrito durante o governo de Octávio Mangabeira (1947-51), quando a cidade tinha 425 mil habitantes e o turismo estava sendo  discutido como alternativa econômica. 
Mesmo assim, a sensibilidade do autor já reconhecia: “O grande intérprete da música da Bahia é Dorival Caymmi”. No Roteiro Para o Visitante Apressado, Valladares recepciona o leitor na Praça Municipal, e propõe um delicioso tour. “A Bahia colonial, no que tem de melhor, está em volta, no raio de um quilômetro. Desça ladeiras, suba ladeiras”.
E caso o turista deseje conhecer bairros “modernizados”, alertou: “As edificações modernas são  na sua quase totalidade de mau gosto, quando não de gosto hilariante. Diversas custaram uma fortuna”.
Na época, segundo Peres, o turismo era espontâneo: “As pessoas não eram induzidas com propagandas enganosas. Hoje, a questão da Copa do Mundo no Brasil e na Bahia é uma propaganda enganosa. Até agora, de visível,  só há a reconstrução da Fonte Nova. Acham que com um belo logotipo e um belo marketing está tudo resolvido”.


Serviço:
Lançamento de beabá da bahia - Guia Turístico, de José valladares
Edufba

Verticalizar ou planejar?



Paulo Ormindo*
Um artigo e uma entrevista do escritor Antônio Risério deflagrou neste mesmo jornal uma polêmica sobre a verticalização de nossa orla marítima proposta pela Lei de Uso do Solo Urbano, recentemente sancionada pelo prefeito, mas já contestada pelo MPE. Em primeiro lugar, é preciso contextualizar a verticalização. Mesmo nos Estados Unidos a verticalização das cidades se restringe ao centro financeiro e comercial conhecido como downtown.
Quando a Dama de Ferro desregulou praticamente tudo na Inglaterra, surgiram alguns espigões na city londrina, mas diante da reação do público e inclusive do príncipe Charles, as municipalidades inglesas voltaram atrás. Do mesmo modo os urbanistas parisienses, diante das pressões das grandes corporações infra estruturou previamente uma área de expansão de Paris, La Defense, onde foram reunidos todos os espigões da capital, preservando o restante da cidade.
A urbanidade pressupõe um bom relacionamento entre moradores e os espaços públicos e isso pressupõe construções de até cinco ou seis pavimentos, como ocorre nas cidades europeias e num marco do urbanismo contemporâneo, que é Brasília. Aquela distância permite a mãe acompanhar o filho brincando no passeio ou playground. Este é o ponto defendido pelo teórico Jan Gehl em Cities for People e exaltado no clássico, Morte e Vida das Grandes Cidades, da norte-americana Jane Jacobs.
A verticalização indiscriminada das grandes cidades do Terceiro Mundo se deve à especulação Imobiliária, à violência urbana e à falta de controle da sociedade sobre as cidades. Mesmo num país como a América do Norte, onde o capital é tudo, a cidadania de Miam e não permitiu a destruição do distrito art déco , constituído por pequenos hotéis e condomínios de quatro andares, apesar da hipervalorização do solo diante da praia. Seus cidadãos sabem que este distrito vale muito mais para a economia urbana que uma dúzia de espigões para velhos. Por falta desta consciência estamos matando a galinha dos ovos de ouro que é a Soterópolis.
Não é verdade que a verticalização preserva o verde. Ainda quando a taxa de ocupação dos espigões seja de 50%, as garagens ocupam 100% do lote, criando uma muralha de quatro ou cinco pavimentos, impedindo a ventilação, o verde e o socorro dos bombeiros em caso de incêndio. Ao contrário, bairros de gabarito mais baixo preservam o verde em seus quintais e o ar puro para toda a comunidade. O que seria da cidade de São Paulo sem o pulmão verde dos famosos jardins?
Há sem dúvida uma grande crítica a um modelo de expansão urbana horizontal vigente nos EUA desde os anos 30 e mais recentemente na Austrália, conhecido como suburbia  e que deve à popularização do carro e construção de uma enorme rede de estradas. São loteamentos de baixíssima densidade populacional, que envolvem as grandes cidades, ocupando áreas anteriormente ocupadas pela agricultura e/ou pecuária. Áreas com lotes de no mínimo um acre ( 4.050 metros quadrados) sem praticamente nenhum serviço urbano. Não há viabilidade para o transporte coletivo e cada proprietário tem que construir uma fossa séptica e um poço artesiano. Este modelo de subúrbios, que explodiu depois da II segunda Grande Guerra, criou uma enorme dependência desses países do petróleo. Já na década de 50 do século passado, mais da metade da população americana morava nesses subúrbios.
Não é este, felizmente, o modelo de desenvolvimento urbano vigente no Brasil. Não possuímos autopistas como eles, nem suburbias.  O que nos falta é planejamento. Não podemos discutir verticalização sem definir previamente densidades demográficas, sem saber onde e para que. O próprio Lúcio Costa, autor do plano de Brasília, admitiu a verticalização da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, mas com edifícios afastados entre si 30 ou mais metros. Mas isto é possível em nossa orla com lotes de 360 metros quadrados? Ou estaremos criando uma barreira de 60 metros de altura obstruindo a brisa do mar e a vista dos milhares de habitantes que estão atrás?
* Arquiteto e professor titular da Ufba

A Copa em Salvador


* Aldo Rebelo
Quando voltou da Inglaterra com uma bola na mala e organizou uma pelada no Campo da Pólvora, no alvorecer do século XX, o bancário baiano Zuza Ferreira não apenas lançou as bases do futebol na Bahia: fundou uma nova paixão, de muitas crenças, como a dos orixás, e de vários blocos, como o Carnaval. Mesmo na imensidão do que é hoje o “País do Futebol”, há poucos lugares onde o jogo de bola seja embalado por tanta devoção como na Bahia, e Salvador em particular.
Era natural e justo, portanto, que a cidade fosse escolhida como uma das 12 sedes das seleções que vão disputar a Copa do Mundo. Em 1950, a capital baiana não pôde receber nenhuma partida porque o extinto campo da Graça era muito acanhado. A Fonte nova só foi inaugurada em 1951 e agora ressurge como um dos mais modernos estádios do Brasil.
Entre 13 de junho e 5 de julho, Salvador terá seis jogos da Copa – dois deles pelas quartas de final e no último, dependendo de uma série de combinações, poderá ver a Seleção Brasileira. O ritmo acelerado das obras não deixa dúvidas de que o antigo Estádio Octávio Mangabeira estará apto a receber já a Copa das Confederações em 2013 e, a julgar pela capacidade dos baianos de organizar grandes eventos, como um Carnaval de dois milhões de pessoas, é justo esperar que a etapa da Copa em Salvador seja uma das mais bem-sucedidas da edição de 2014.
Se a Copa do Mundo é o grande momento do futebol, a Bahia é o cenário perfeito. Impressiona o amor dos baianos pelo futebol, expresso, por exemplo, no comparecimento aos estádios. Ao contrário de alguns estados, onde a frequência está em queda, na Bahia os torcedores da Boa Terra são responsáveis por recordes que testemunham a paixão pelas suas agremiações. Os clássicos entre Bahia e Vitória – que neste domingo, 13 irão disputar mais um título – arrastam e emocionam, como os trios elétricos, milhares de pessoas de todos os cantos. Tradição que vem lá do final da década de 50 do século passado, quando, depois de derrotar duas vezes o Santos de Pelé, uma por 3 x 2, outra por 3 x 1, o Bahia sagrou-se o primeiro Campeão Brasileiro de Futebol.
A Copa da Fifa 2014, em Salvador associa perfeitamente as características principais desse torneio: promover a grande festa do futebol e deixar uma série de benefícios para a população dos locais onde é realizada. A agência Ernst & Young e a Fundação Getúlio Vargas estimam que entre 2010 e 2014 serão movimentados R$ 142,39 bilhões adicionais no Brasil. Levantamento da consultoria Value Partners mostra que os investimentos vão agregar R$ 183,2 bilhões ao PIB até o ano de 2019.
No caso de Salvador, além de ganhar um estádio moderno, a cidade receberá investimentos que eram necessários há muito tempo, mas enfim foram associados à Copa, o que significa melhorar os meios de mobilidade urbana, aumentar a rede hoteleira, multiplicar as alternativas de lazer. Enfim, Salvador tem tudo para fazer uma grande Copa e receber o legado social proporcionado pelo esporte que galvaniza sua população desde quando Zuza Ferreira voltou da Europa com uma bola na mala.
Os baianos talvez sintetizem com peculiaridades as observações do sociólogo Gilberto Freyre sobre o caráter dionisíaco do futebol no Brasil, quando o comparou à dança e à capoeira: “Isto pela influência, certamente, dos brasileiros de sangue africano, ou que são marcadamente africanos em sua cultura: eles são os que tendem a reduzir tudo à dança – trabalho ou jogo...” Eis o corpo e alma da Bahia, tanto no campo como na arquibancada.
*Ministro do Esporte da República Federativa do Brasil

sábado, 12 de maio de 2012

No centenário do porto, 2013, Salvador irá ganhar uma moderna Estação Marítima

 A ordem de serviço para o início imediato das obras do Terminal Marítimo de Passageiros de Salvador foi assinada na manhã de sexta-feira (11) pelo Ministro dos Portos Leonidas Cristino9 Partido Socialista Brasileiro) governador Jaques Wagner. A solenidade foi realizada no local das obras, entre os Armazéns 1 e 2, no Porto de Salvador, no Comércio.

Durante o evento, também foi lançado o edital de licitação para a obra de ampliação do quebramar do Porto de Salvador, com mais 405 metros ao norte. A assinatura foi realizada às 11h. O ministro Leônidas Cristino, da Secretaria de Portos da Presidência, presidiu a solenidade ao lado do governador.
Previsto para estar totalmente concluído em maio de 2013, o Terminal Marítimo de Passageiros de Salvador terá uma vista panorâmica para a Baía de Todos os Santos, com centro gastronômico e de lazer numa área de 3.400 metros quadrados, onde atualmente funcionam os galpões 1 e 2.
O projeto prevê o embarque e desembarque com espaço para check-in e check-out, alfândega, área de despacho de bagagens, espaço de convivência, restaurante e local para instalação dos postos de órgãos ligados à atividade portuária.
Além disso, terá mais 5.600 metros quadrados para estacionamento de carros de passeio, ônibus, vans e táxis.
O projeto, no valor de R$ 30,21 milhões, provenientes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC-Copa), será executado pela Chroma Engenharia, Incorporações e Construções Ltda, vencedora da licitação.
O programa da Fundação Mário Leal Ferreira prevê ainda intervenções gerais no bairro do Comércio. A necessidade do terminal ficou mais evidenciada com a aproximação das etapas de eventos importantes que o Brasil receberá até 2016, como as copas das Confederações e do Mundo, os Jogos Olímpicos, as Paraolimpíadas e a Copa América.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

A Magia de Itapuã

 
Almir Santos*
A música tem muitos poderes. Transporta-nos a tempos remotos, lembra lugares e pessoas.
Nisso Caymmi é mestre. Quando diz “assim adormece esse homem que nunca precisa dormir pra sonhar, porque não há sonho mais lindo do que sua terra, não há”, vejo a praia de Itapuã, suas areias,  as velas dos barcos, as redes de xaréu, seus coqueiros, a lua cheia. Suas canções me fazem ver a lagoa do Abaeté, suas dunas, suas lavadeiras, a jangada que saiu com Chico, a estrela d’alva, o peixe bom e até a sereia rainha do mar...
Lembro-me perfeitamente primeira vez que fui a Itapuã. Uma moqueca na casa de Seu Miguel que estava lá veraniando, um amigo de meu pai, no carro de meu tio Vadinho. Um Ford 41 cinza. A estrada era toda de terra, uma senhora viagem.
Veio o progresso. Em 1949 o asfalto. Foi iniciada a construção de sua estrada, ligando Amaralina ao Aeroporto, via Itapuã, que seria inaugurada em 1952. Aos poucos as dunas iam dando lugar a casas e prédios. Uma pena!
Apaixonei-me por Itapuã. Lá moraria por mais de duas décadas. Desfrutei de suas águas, de suas areias. Deliciei-me com  águas de coco, acarajés e  cervejas geladas. Dei muitas braçadas no mar, sabia de todas as pedras especialmente na Praia de Placaford. Conheci gente, paquerei, amei, cantei no coro da Igreja, participei de suas lavagens.
Fiz serestas nas areias brancas do Abaeté.
Continuo apaixonado, matando saudades de um passado cujas páginas do tempo não podem mais voltar.
*Engenheiro Civil e amante das Histórias de Salvador
  

Metas para o desenvolvimento sustentável

Oded Grajew*
O atual modelo de desenvolvimento tem se mostrado totalmente insustentável. 
Estamos esgotando os recursos naturais (já extraímos do planeta 50% a mais do que ele á capaz de repor), matando nossos rios e mares, poluindo o ar, estrangulando as vias de circulação, baixando a qualidade de vida nas cidades e aumentando a desigualdade social mundial.
A maioria dos cientistas e as evidências nos alertam que o aquecimento do planeta e as mudanças climáticas consequentes são uma real ameaça à sobrevivência da espécie humana. Este modelo insustentável de desenvolvimento foi uma escolha de governos e sociedade que privilegiou o estabelecimento de indicadores econômicos e de metas de crescimento para a economia . A avaliação de governos e países é feita prioritariamente pela variação do PIB, os números da bolsa e das moedas são anunciados a cada meia hora pelas rádios e TVs e a cada minuto pela internet. Na contabilidade que acompanha o crescimento econômico, não medimos, por exemplo, a diminuição e o esgotamento do patrimônio ambiental que alimenta nossa vida. Temos de definir um conjunto de indicadores baseados em outros princípios e valores que nos permitam ter a visão de um novo modelo de desenvolvimento e estabelecer metas que nos conduzam na direção de uma sociedade justa e sustentável. A escolha dos indicadores é fundamental, pois só podemos agir de forma consequente e cuidar daquilo que podemos conhecer e medir, até para agir preventivamente. Uma série de iniciativas pode fazer do Brasil exemplo no estabelecimento de novos indicadores e metas para o desenvolvimento sustentável A Rede Nossa São Paulo criou o Irbem (Indicadores de Referência para o Bem Estar nos Municípios), um conjunto de indicadores de percepção que acompanha a qualidade de vida nos municípios . Foi também em São Paulo que foi introduzida, na lei orgânica do município, a obrigatoriedade de todo prefeito apresentar um plano de metas para a sua gestão que contenha todas as promessas de campanha. Todas as metas devem contemplar o desenvolvimento sustentável da cidade. Outras 27 cidades seguiram o exemplo e introduziram a mesma legislação, entre elas mais recentemente Rio e Belo Horizonte . No final do ano passado, uma série de organizações lançou o programa Cidades Sustentáveis, que visa comprometer candidatos e futuros prefeitos a estabelecer um plano de metas baseado em um conjunto de indicadores prioritários para a sustentabilidade urbana.   Está em tramitação no Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional (PEC 52/2011) apresentada pela sociedade civil que compromete presidentes, governadores e prefeitos em todo o Brasil a apresentar um plano de metas para o desenvolvimento sustentável. Ao aprovar essa emenda, se possível até a Rio+20, o Congresso Nacional terá dado uma enorme contribuição para o desenvolvimento sustentável do país. Maiores informações sobre essas iniciativas estão no site www.nossasaopaulo.org.brA escolha de indicadores e de metas a serem alcançadas é uma escolha política. É a escolha do modelo de desenvolvimento e da sociedade que queremos. Para termos um desenvolvimento sustentável, que tenha como fundamento a construção de uma sociedade justa e que assegure qualidade de vida para todos, para a atual e as futuras gerações, é fundamental repensarmos nossas prioridades e redirecionarmos nossos olhares. Depende de todos nós e de cada um.
* ODED GRAJEW, 67, empresário, é coordenador-geral da secretaria executiva da Rede Nossa São Paulo e presidente emérito do Instituto Ethos. É idealizador do Fórum Social Mundial e integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES)

PV apoia o Pedágio Urbano em São paulo


Por Raphael Di Cunto | De São Paulo
Marisa Cauduro/Valor / Marisa Cauduro/Valor
Eduardo Jorge: este recurso novo é vital para a expansão do transporte público em quantidade e qualidade
O PV oficializará hoje, em ato na Câmara Municipal de São Paulo, o apoio à candidatura do ex-governador José Serra (PSDB) a prefeito, ao mesmo tempo em que divulgará um manifesto com as propostas do partido para a cidade - entre elas, um plebiscito para decidir sobre a implantação do pedágio urbano no centro, tema que desagrada grande parte do eleitorado A primeira versão do texto, ao qual o Valorteve acesso com exclusividade, foi feita pelo secretário de Verde e Meio Ambiente da cidade, Eduardo Jorge (PV), que o partido tenta emplacar como vice de Serra. Ex-petista, Jorge é titular da Pasta desde a gestão do tucano na prefeitura, iniciada em 2005, e foi mantido quando o prefeito Gilberto Kassab (PSD) assumiu devido à renúncia de Serra para concorrer ao governo de São Paulo. Segundo Jorge, o manifesto tem bandeiras que o PV irá defender, independente de estar coligado a outro partido. São 11 pontos, como gasto mínimo de 30% do orçamento em Educação universalização do saneamento básico, reurbanização do centro da cidade, a manutenção dos programas de revitalização das favelas, respeito às Áreas de Preservação Permanente (APPs) e a descentralização política da prefeitura. Procurado pelo Valor para comentar a contradição de pertencer a um governo que centralizou as decisões, com o enfraquecimento das subprefeituras, mas defender posicionamento contrário, Jorge disse que "ninguém pode fazer tudo". "Parafraseando nosso presidente, nunca na história de São Paulo outro governo teve coragem de investir mais de 50% do orçamento em saúde e educação como este tem feito", argumentou.A proposta mais polêmica do manifesto, e que enfrenta maior resistência na população, é o pedágio urbano, cuja taxa iria para a Secretaria de Transportes. "Este recurso novo é vital para a expansão do transporte público em quantidade e qualidade, para evitar que a cidade pare e para reduzir o impacto da poluição dos veículos na saúde humana e no aquecimento global", escreveu Jorge. Ao Valor, o secretário afirmou que o plebiscito permitirá que a população analise o tema com base em dados, e não em preconceito. "Vai ter um grupo contra o pedágio, mas que terá de falar qual a solução para São Paulo não parar", avaliou. O ambientalista admite, porém, que o tema é impopular. "Na campanha anterior, os quatro candidatos melhor posicionados, que tiveram 95% dos votos, eram contra o pedágio", lembra. Desta vez, o pedágio urbano teve a adesão da ex-vereadora e apresentadora de televisão Soninha Francine (PPS) - que também concorreu em 2008 - e do vereador e cantor Netinho de Paula (PCdoB). Os outros candidatos, como o ex-deputado federal Celso Russomano (PRB) - segundo nas pesquisas -, o deputado federal Gabriel Chalita (PMDB) e o ex-ministro da Educação Fernando Haddad (PT) se posicionaram contrários. Prestes a receber o apoio do PV, o ex-governador José Serra disse ontem que o pedágio urbano não é factível no momento. "É preciso um sistema de transporte coletivo muito mais desenvolvido, com duas a três vezes a malha ferroviária de hoje, para fazer esse tipo de restrição", afirmou. O tucano minimizou a possibilidade de as propostas do aliado afastarem os eleitores. "O PV tem direito de defender esta bandeira, que tem até as suas justificativas, mas não me parece adequada agora", comentou. Além do PV, a candidatura do ex-governador espera anunciar o apoio do DEM na próxima semana. A direção do partido esteve com a cúpula do PSDB na noite de terça-feira e, diante do apoio dos tucanos à candidatura do líder do DEM na Câmara dos Deputados, ACM Neto, à Prefeitura de Salvador, informou que há disposição de ajudar os tucanos em São Paulo. O PP, do deputado federal e ex-prefeito Paulo Maluf, também caminha para um acordo, segundo Serra, que já tem a adesão do PSD, do prefeito Kassab. Embora a contragosto da bancada do PSDB, o partido deve compartilhar a chapa de vereadores com o PSD. Já o PV rejeitou a coligação proporcional com a avaliação de que elegerá mais vereadores sozinho.

sábado, 5 de maio de 2012

A Bahia e a Unasul


Osvaldo Campos Magalhães*
No dia 24 de abril a FIESP promoveu em São Paulo a apresentação da Agenda de Projetos Prioritários consolidados pela União das Nações Sul-Americanas -UNASUL, através do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento. No evento, denominado “Fórum de Infraestrutura da América do Sul - 8 Eixos de Integração”, foram apresentados os 88 projetos individuais, integrados em 31 projetos estruturantes.  A maioria dos projetos é de transporte – apenas dois são de energia – e deverão representar investimentos estimados em 21 bilhões de dólares. A meta é que os projetos sejam concluídos até 2022.
O principal objetivo do evento realizado pioneiramente pela FIESP, e que será replicado em outras cidades da América do Sul, foi o de divulgar os 88 projetos para o setor empresarial brasileiro, visto que , a maioria deles será realizada através das diversas modalidades de parcerias público privadas, já institucionalizadas nos diversos países integrantes da UNASUL.
Lembremos que a Comunidade Sul-Americana de Nações, foi criada em 2003 e posteriormente denominada União das Nações Sul-Americanas. Por decisão dos Chefes de Estado e de Governo da América do Sul, foi criado, em 2009, o Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN). Finalmente, em 2011, entrou em vigor o Tratado Constitutivo da UNASUL, ano em que, sob a presidência brasileira do foro, foi aprovada a Agenda de Projetos Prioritários de Integração (API).
Conforme enfatizado pelo Ministro das Relações Exteriores Antônio Patriota durante o evento na FIESP “a América do Sul é a prioridade da política externa do Brasil e o projeto sul-americano em que estamos engajados reflete uma visão de Estado”.
É certo, que os projetos definidos como prioritários pela COSIPLAN, representam apenas 11,8% do Portfólio de projetos de infraestrutura da UNASUL, que atingem o montante de 116 bilhões de dólares e compreendem nove eixos de integração.
O que não se justifica é que o único eixo de desenvolvimento e integração da América do Sul que não foi contemplado na sua Agenda de Projetos Prioritários foi justamente o que contempla a Bahia e o Nordeste brasileiro. Denominado de eixo “Interoceânico”, prevê como sua obra mais emblemática a ligação ferroviária entre portos do oceano Pacífico com os portos do oceano Atlântico localizados no litoral do Estado da Bahia. Ainda mais estranho é que a Ferrovia de Integração Leste-Oeste é um dos projetos prioritários do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, e já está sendo construída, apesar dos contínuos obstáculos criados pela burocracia estatal brasileira, e, certamente estará concluída antes de 2022, dentro do horizonte definido pela UNASUL para sua Agenda de Projetos Prioritários.
A ligação ferroviária entre o Pacífico e o Atlântico existe na América do Norte há mais de um século, e, possibilitou a integração física e o impressionante desenvolvimento econômico do Canadá e dos Estados Unidos no século XX. Na América do Sul, foi planejada pioneiramente pelo engenheiro baiano Vasco Neto e, incorporada ao planejamento estadual baiano através do PELTBAHIA, ainda em 2001. Lembremos que os grandes mercados consumidores dos produtos brasileiros se encontram na ÁSIA, e que os custos logísticos para a exportação de grãos do oeste baiano e do Brasil central seriam extremamente beneficiados pela concretização do eixo “Interoceânico”.
Com a decisão do COSIPLAN, sob a presidência brasileira, de excluir dos projetos prioritários de integração e desenvolvimento da América do Sul o eixo denominado “Interoceânico”, o que se constata, mais uma vez, é que o Nordeste fica relegado a segundo plano em termos políticos e econômicos e que irá perder esta oportunidade única, que irá implantar, em uma década, projetos de infraestrutura para melhorar a conexão entre as quase 400 milhões de pessoas que vivem na porção sul das Américas e suas respectivas economias.
Com a reunião programada para acontecer em Salvador nos próximos dias entre os Secretários de Planejamento do Nordeste, para discutir justamente projetos de infraestrutura de transportes, este certamente será uma das principais questões a serem analisadas.
*Osvaldo Campos Magalhães, é membro do Conselho de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado da Bahia – Email: magalhaes.oc@gmail.com