sexta-feira, 26 de junho de 2020

Uma Pausa para Avançar

Fernando Gabeira*
Além da pandemia, por décadas vamos sentir os efeitos da passagem de Bolsonaro pelo poder.
A leitura da História da Europa nos anos 30 mostra uma longa tensão bélica entrecortada por pausas que enchiam de esperança os que sonhavam com a paz. Poucos percebiam, como Winston Churchill, quão importante era aproveitar os momentos de tensão para se preparar para um confronto inevitável.
Guardadas as proporções, o Brasil entra numa pausa com a prisão de Fabrício Queiroz. Jogado na defensiva pelos diferentes processos no Supremo, um contra fake news, outro contra manifestações com bandeiras ilegais, Bolsonaro tende a se acalmar por alguns dias.
Toda a sua energia certamente estará concentrada em se defender do pepino do tamanho de um cometa que ronda seu governo. A presença de Fabrício Queiroz na casa do advogado da família Bolsonaro levou, de novo, não só os problemas de Flávio Bolsonaro, mas a incômoda questão das milícias cariocas para o terceiro andar do Palácio do Planalto.
Dificilmente, nesse período, crescerão as manifestações pedindo o fechamento do Congresso e do STF. Muito menos Bolsonaro, Mourão e o ministro da Defesa devem lançar novas notas afirmando que as Forças Armadas não aceitam julgamentos políticos. Isso agora soaria como um blefe.
Muito possivelmente Bolsonaro perdeu terreno nas Forças Armadas e também na faixa de seu eleitorado que esperava a luta contra a corrupção. Nesta última ele já havia perdido com a saída de Sergio Moro do governo denunciando suas tentativas de intervir na Polícia Federal do Rio. E as perdas se acentuaram quando firmou aliança com o Centrão, uma espécie de seguro contra o impeachment, que nem sempre é honrado pelos contratantes.
Quando a prisão de Queiroz apertou o botão “pausa” a sociedade estava se organizando para deter o golpe e fazer frente à política nefasta de Bolsonaro. Manifestações de rua surgiram aos domingos e manifestos brotaram de vários setores, indicando a possibilidade de uma frente democrática em gestação.
Nesse momento também a pandemia atingia seu auge, ultrapassando a casa de 1 milhão de contaminados e 50 mil mortos. O Brasil tornou-se um país a ser evitado. O fracasso no combate à pandemia, impulsionado pelo negativismo de Bolsonaro, afasta os potenciais visitantes.
A destruição da Amazônia, que pode alcançar 16 mil km2 no prazo de um ano, por sua vez, afasta os investidores. Fundos de pensão responsáveis por investimentos gigantescos podem voltar as costas ao Brasil, por causa da destruição da floresta e a cruel política para os povos indígenas.
Bolsonaro não torna o País inviável apenas simbolicamente, arrasando a cultura e atropelando nosso patrimônio histórico. Ele nos coloca nas piores condições possíveis para superar a profunda crise econômica, agravada pela pandemia. Embora o ministro Paulo Guedes veja um futuro brilhante pela frente, grandes economistas brasileiros, ao contrário, veem no horizonte uma das grandes privações por que passará o Brasil em sua História.
Quem se preocupa com a democracia apenas quando se aquecem os motores dos tanques militares pode ter uma falsa sensação de alívio. A democracia continuará exposta a pequenos golpes cotidianos Além disso, quanto menos margem de manobras Bolsonaro encontrar, mais possibilidade de buscar ações .
Enquanto a sociedade se move, ainda lentamente por causa da pandemia, o confronto com as aspirações golpistas concentrou-se na reação do Supremo Tribunal Federal. Infelizmente, o Congresso recuou para segundo plano, talvez temeroso da agressividade da militância bolsonarista.
É preciso que os deputados e senadores superem a fixação numa salvação individual nas eleições. Os deputados da extrema direita, segundo a PGR, usam verbas parlamentares para mobilizar o fechamento do próprio Congresso. Não há como se esconder atrás das togas negras do Supremo. É necessária uma frente democrática no próprio Congresso.
“Somos poucos”, dirão os deputados. Mas não importa tanto o número, o importante é começar. Se a pausa acionada com a prisão de Queiroz for entendida como um momento de distensão, uma época para simplesmente deixar andar o processo judicial, ela pode trazer surpresas desagradáveis…
Naturalmente, os processos legais têm de ser acompanhados. Mas os danos ao País continuam a ocorrer. E a chegada de momentos mais dramáticos da crise econômica pede a construção de redes de solidariedade.
Diz a OMS que o mundo sentirá por décadas os efeitos da pandemia de coronavírus. No caso brasileiro, além da pandemia, vamos também sentir por décadas a passagem de Bolsonaro pelo poder.
No trabalho de reparo dos estragos e reconstrução do futuro não pode haver pausa. Mesmo porque as desgraças não nos abandonam nem no cotidiano. O mínimo que esperamos de novo, nessa pausa, é uma voraz nuvem de gafanhotos que nos invade pelo sul do País.
Um aumento de chances de vitória é uma razão suficiente para intensificar a luta. Quanto menos nos preparamos para ela, mais difícil será o desfecho. Sem necessariamente estabelecer um paralelo com o nazismo, a História dos anos 30 é uma aula sobre as hesitações da democracia diante de um perigo no horizonte.
*Jornalista

quinta-feira, 25 de junho de 2020

ACARAJÉ, patrimônio cultural da Bahia

Mais do que uma comida rápida de rua, o acarajé é indissociável da cultura do candomblé e da história dos africanos no Brasil. Quitute é elemento central de um complexo cultural

Carolina Cantarino
O ofício das baianas do acarajé é patrimônio cultural do Brasil. Quando anunciado, equívocos em torno do “tombamento do acarajé” e outros mal-entendidos esconderam a valorização de uma profissão feminina historicamente presente no país: as baianas de tabuleiro. O orgulho por esse reconhecimento podia ser visto nos rostos das mulheres negras de novas e antigas gerações presentes durante a cerimônia de diplomação de seu ofício.
As baianas  de acarajé que mantém a tradição usam roupas tradicionais cuja peça mais característica é a grande saia rodada, complementada por outros adereços como os chamados panos da costa, o torso na cabeça, a bata e os colares com as cores dos seus orixás pessoais. Nas ruas de Salvador, de outras cidades do estado da Bahia e, mais raramente, em outras regiões do país, as baianas tradicionais encontram-se sempre acompanhadas por seus tabuleiros que contêm não só o acarajé e seus possíveis complementos, como o vatapá e o camarão seco, mas também outras “comidas de santo”: abará, lelê, queijada, passarinha, bolo de estudante, cocada branca e preta. Os tabuleiros de muitas baianas soteropolitanas se sofisticaram: revestidos por paredes de vidro, muitas vezes contêm caras panelas de alumínio junto às colheres de pau.
O acarajé, o principal atrativo no tabuleiro, é um bolinho característico do candomblé. Acarajé é uma palavra composta da língua iorubá: “acará” (bola de fogo) e “jé” (comer), ou seja, “comer bola de fogo”. Sua origem é explicada por um mito sobre a relação de Xangô com suas esposas, Oxum e Iansã. O bolinho se tornou, assim, uma oferenda a esses orixás.
Mesmo ao ser vendido num contexto profano, o acarajé ainda é considerado, pelas baianas, como uma comida sagrada. Para elas, o bolinho de feijão fradinho frito no azeite de dendê não pode ser dissociado do candomblé. Por isso, a sua receita, embora não seja secreta, não pode ser modificada e deve ser preparada apenas pelos filhos-de-santo.
“Pode parecer que estamos dando importância maior ao acarajé do que ao ofício das baianas do acarajé, mas este fato tem um sentido: neste complexo cultural, o acarajé é o elemento central. O ofício não teria a importância que tem se o acarajé fosse apenas um dos alimentos tradicionais”, afirma Roque Laraia, antropólogo da Universidade de Brasília e membro do Conselho Consultivo do Iphan, em seu parecer sobre a proposta de registro do ofício das baianas do acarajé. O inventário que instruiu o processo de registro foi realizado pelo Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular.
Raul Lody e Elizabeth de Castro Mendonça foram os antropólogos que realizaram a pesquisa que consistiu na realização de entrevistas; levantamento bibliográfico; registros audiovisuais e, dentre outras coisas, visita a pontos característicos de baianas do acarajé na cidade de Salvador tais como Bonfim, Pelourinho, Barra, Ondina, Rio Vermelho e Piatã. Brotas também foi um dos bairros visitados devido à presença de um “baiano de tabuleiro”, evangélico.
As baianas sofrem, cada vez mais, com a concorrência da venda do acarajé no comércio de bares, supermercados e restaurantes baseados, inclusive, no marketing do bolinho de acarajé como fast food. Essa apropriação do acarajé contraria o seu universo cultural original e a sua venda como “bolinho de Jesus” pelos adeptos de religiões evangélicas – que postam Bíblias em seus tabuleiros - tem causado polêmica.
“Se você tem uma religião que é contrária ao candomblé, por que vender acarajé e não qualquer outro quitute?” indaga Dona Dica diante do seu tabuleiro no Largo Quincas Berro D’Água, no Pelourinho, ressaltando que o acarajé, para a maioria das baianas de tabuleiro, filhas-de-santo, é indissociável do candomblé. Essa indistinção não deixa de ser, também, uma estratégia de diferenciação de seus produtos, num contexto de concorrência cada mais acirrada que é Salvador, uma cidade que atrai muitos turistas por ser considerada como o locus de africanismos no Brasil, a partir dos quais uma inegável comercialização da cultura negra tem se constituído.
Mas se para essas baianas as mudanças em relação ao aspecto religioso são inaceitáveis, outras transformações são bem vindas. “No passado era muito ruim porque a gente tinha que descascar o feijão e quebrá-lo na pedra. Hoje em dia não se tem esse sofrimento porque as meninas usam o moinho elétrico ou mesmo o liqüidificador”. Essa é a opinião de Arlinda Pinto Nery, que trabalhou com seu tabuleiro durante mais de 50 anos e aprendeu o ofício com sua mãe.

Dona Arlinda faz parte da Associação das Baianas de Acarajé e Mingau do Estado da Bahia que existe há 14 anos e conta com dois mil associados dentre baianas e baianos do acarajé e vendedores de outros tipos de comida como mingau, pamonha e cuscuz. O trabalho da associação é voltado para a profissionalização da atividade, que já conta com um selo de qualidade: através de parcerias com o Sebrae e o Senac, os associados têm acesso a cursos sobre manipulação de alimentos, normas de higiene e sobre finanças, para que possam administrar melhor os seus ganhos.

As mulheres de tabuleiro de ontem e de hoje

A comercialização do acarajé tem início ainda no período da escravidão com as chamadas escravas de ganho que trabalhavam, nas ruas, para as suas senhoras (geralmente pequenas proprietárias empobrecidas), desempenhando diversas atividades, dentre elas, a venda de quitutes nos seus tabuleiros. Ainda na costa ocidental da África as mulheres já praticavam um comércio ambulante de produtos comestíveis, o que lhes conferia autonomia em relação aos homens e muitas vezes o papel de provedoras de suas famílias.

O comércio de rua nas cidades brasileiras permitiu às mulheres escravas ir além da prestação de serviços aos seus senhores: elas garantiam, muitas vezes, o sustento de suas próprias famílias, foram importantes para a constituição de laços comunitários entre os escravos urbanos e também para a criação das irmandades religiosas e do candomblé: muitas filhas-de-santo começaram a vender acarajé para poder cumprir com suas obrigações religiosas que precisavam ser renovadas periodicamente.

Devido a essa liberdade de movimento é que as escravas de tabuleiro eram vistas como elementos perigosos, tornando-se, por isso, alvos de posturas e leis repressivas.

A venda do acarajé permaneceu como uma atividade econômica relevante para muitas mulheres mesmo com o fim da escravidão. Hoje, atrás das baianas existem famílias inteiras dependendo dos seus tabuleiros: 70% das mulheres pertencentes à Associação das Baianas de Acarajé e Mingau do Estado da Bahia são chefes de família. A rotina dessas mulheres é caracterizada pela compra dos ingredientes necessários para o preparo do acarajé, um trabalho diário e árduo: precisam levantar cedo, ir à feira, buscar produtos de qualidade a preços acessíveis. O preço do camarão e do azeite de dendê são os que mais variam. Muitas ainda enfrentam problemas para adquirir tabuleiros novos ou mesmo para guardá-los, deixando-os, muitas vezes, na praia.

“Às vezes nos sentimos órfãs porque trabalhamos sozinhas com nosso tabuleiro, de sol a sol, expostas ao frio, ao calor e mesmo à violência. Mas somos mulheres negras e perseverantes: se não vendemos hoje, venderemos amanhã. Somos um símbolo de resistência desde a escravidão”, lembra Maria Lêda Marques, presidente da Associação que, juntamente com o terreiro Ilê Axé Opô Afonjá e o Centro de Estudos Afro Orientais da Universidade Federal da Bahia, fizeram o pedido de registro junto ao Iphan

sábado, 20 de junho de 2020

Um desastre de gerações

O governo de Jair Bolsonaro, ao submeter a saúde e a educação do Brasil a seus propósitos deletérios, compromete o futuro de gerações. Essas duas áreas, mais do que quaisquer outras, são a essência da construção da cidadania. Um país de doentes e semiletrados jamais alcançará um patamar de desenvolvimento considerado satisfatório.
A degradação do Ministério da Educação talvez seja o maior símbolo de um governo cujo espírito é essencialmente destrutivo. O presidente Bolsonaro, que vê comunistas em toda a parte, entende que é preciso arruinar o sistema educacional do País porque este, supostamente, está dominado por doutrinadores de esquerda. Por isso escolheu a dedo seus ministros da Educação.
O primeiro foi Ricardo Vélez Rodriguez, que durou exatos 97 dias no posto. Assumiu o cargo dizendo que “Jair Bolsonaro prestou atenção à voz entrecortada de pais e mães reprimidos pela retórica marxista que tomou conta do espaço educacional”. Sua curta gestão foi marcada por tropeços, mal-entendidos e descontrole, e Vélez Rodriguez acabou demitido por Bolsonaro porque, segundo o presidente, “não tinha essa expertise com ele”. Ou seja, Bolsonaro levou pouco mais de três meses para perceber o que todos já sabiam no instante em que o nome de Vélez Rodriguez foi anunciado – que ele não tinha a menor tarimba para ser ministro da Educação.
Tendo uma segunda chance para acertar em área tão sensível, Bolsonaro dobrou a aposta na mediocridade e no destempero e colocou no Ministério o economista Abraham Weintraub. Ao longo dos 14 meses de sua passagem pela pasta, Weintraub fez exatamente o que o presidente esperava: transformou o Ministério da Educação em cidadela da guerra imaginária do bolsonarismo contra o “marxismo cultural”.
Enquanto se empenhava em desorganizar a educação, Weintraub assombrava o País com suas seguidas grosserias contra universidades, professores e até governos estrangeiros – isso sem falar dos espantosos erros de português em suas diatribes nas redes sociais. Era, portanto, a expressão mais bem acabada do bolsonarismo – tanto que o presidente, em meio à saraivada de críticas ao ministro, disse que, “no meu entender, ele (Weintraub) está sendo excelente” e, “se tem jornalistas criticando, é porque está indo bem”. 
Weintraub fez tão bem seu trabalho, conforme as expectativas de Bolsonaro e dos bolsonaristas, que se indispôs com a República inteira, especialmente com o Supremo Tribunal Federal (STF) – de cujos ministros pediu a prisão, chamando os de “vagabundos” durante infame reunião ministerial. A dura reação do STF contra Weintraub obrigou Bolsonaro a afinal demitir seu fidelíssimo sabujo, para tentar reduzir sua já extensa lista de problemas com a Justiça e com outros Poderes.
Ou seja, Weintraub não foi exonerado por sua gritante incapacidade de exercer a nobre função de ministro da Educação, tampouco por ter tratado a comunidade acadêmica e científica como inimiga; ele perdeu o emprego em razão dos cálculos políticos do acossado presidente. Por isso, nada indica que o próximo ministro venha a ser muito melhor do que Weintraub, porque é improvável que o presidente desista de sua guerra ao intelecto e à razão – sabotando os esforços de milhares de educadores para dar aos jovens brasileiros condições mínimas de participação ativa na vida nacional.
Essa irracionalidade militante do bolsonarismo se reflete também na área de saúde. Temos um presidente que afronta a ciência, estimulando comportamento irresponsável dos seus concidadãos em meio a uma pandemia e recomendando o consumo de remédios sem eficácia comprovada, mas com graves efeitos colaterais. Temos um chefe de governo que demitiu dois ministros da Saúde justamente porque estes se recusaram a cumprir suas ordens irresponsáveis – o atual, um general, aceitou até mesmo manipular números da pandemia para que seu comandante pudesse dizer por aí que o total de mortos é muito menor do que os governos estaduais informam e que o País já deveria ter “voltado ao normal”.
Bolsonaro, em resumo, baseia-se nas fake news que circulam furiosamente nas redes bolsonaristas para nortear a política oficial de saúde.
Enquanto isso, o número de casos confirmados de covid-19 no Brasil passou de 1 milhão.

*

Bolsonaro repete Dilma

Osvaldo Campos Magalhaes*
Para viabilizar a chegada ao poder e evitar uma nova derrota de Lula na disputa pela presidência da República, o Partido da Ética e da Esperança foi transformado por ZéDirceu e Lula numa Organização Criminosa. O assassinato do prefeito petista de Santo André, Celso Daniel, revelava o que viria a acontecer na esfera federal. Ao invés de se aliar a partidos comprometidos com a Ética, o PT optou por cooptar a escória da política brasileira. Enquanto o cenário internacional permitiu, bancado principalmente pela grande demanda da China por commodities, a economia brasileira cresceu gerando recursos para um excelente programa de distribuição de renda que retirou mais de 20 milhões de brasileiros da miséria. Mesmo com o escândalo do Mensalão, que levaria à condenação os principais dirigentes do PT, o excelente quadro econômico do país confere índices de aprovação superiores a 80% a Lula, que não consulta o partido e opta por escolher uma candidata sem tradição dentro do PT e sem qualificações e preparo para exercer a presidência e dar continuidade ao excelente trabalho realizado no seu governo. Com nomes muito mais qualificados dentro do PT, como Patrus Ananias e Tarso Genro, Lula opta por uma candidata que na sua análise séria fácil de controlar e manobrar. Cometendo um segundo erro, ao entregar a vice presidência ao PMDB e a um político ardiloso e maquiavélico, Lula preparou o terreno para o surgimento das forças políticas reacionárias e fascistas. Com a mudança no cenário internacional provocada pela crise do sistema bancário norte americano, de 2008, a partir de 2011, no governo Dilma, foi adotada uma política de incentivo ao consumo, de congelamento dos derivados de petróleo e redução artificial das taxas de juro. No segundo mandato a política econômica entra em colapso, com o crescimento da inflação, da taxa de desemprego e , pela primeira vez na história, dois anos seguidos de recessão. Aproveitando-se da fragilidade do governo, da incapacidade de negociação política de Dilma, o vice presidente com o apoio de seu aliado Eduardo Cunha, articula o impeachment da presidente Dilma. Com a insatisfação popular resultante do aumento das tarifas públicas, do alto índice de desemprego e da volta da inflação, fica fácil para Temer viabilizar o impeachment. O movimento de insatisfação popular faz surgir um vigoroso crescimento de grupos fascistas , fortalecendo a extrema direita, que resultaria na viabilização da candidatura de Jair Bolsonaro, que se fortalece nas mídias sociais como o candidato anti Sistema. Consegue eleger a segunda maior bancada no Congresso e inexpressivos candidatos ao governo em vários Estados da Federação. Com a indicação de qualificados quadros técnicos para as áreas de infraestrutura e economia o governo consegue reverter a tendência de estagnação econômica e inicia um grande programa de desestatização, criando forte expectativa de crescimento econômico, com queda da inflação e das taxas de juros. Contudo, setores estratégicos como educação, relações exteriores, cidadania e direitos humanos, turismo e cultura são entregues a Ministros despreparados sem a devida qualificação para liderarem setores tão importantes, gerando desgastes na imagem do governo. Assim como Dilma, que enfrentou a grave crise econômica de 2008, o governo Bolsonaro é atingido pela crise provocada pela Pandemia do Covid 19. Ambos os presidentes subestimam os efeitos das crises, adotando posturas equivocadas e sofrendo sérios desgastes nas avaliações de desempenho dos respectivos governos. Contudo, o mais grave diz respeito aos indicadores econômicos, com a volta de uma grande recessão econômica com expressiva taxa de desemprego. Bolsonaro se mostra tão despreparado quanto a presidente Dilma, e, ameaçado por um processo de impeachment abandona as promessas de campanha, distribuindo cargos a deputados do Centrão, fortalecendo também a presença de representantes das forças armadas no governo, incentivando grupos de extrema direita e flertando com um novo golpe militar. Sem a Guerra Fria que existia em 64 e com a provável derrota do aliado Donald Trump, a hipótese do Golpe Militar se mostra completamente inexequível.
*Engenheiro Civil e Mestre em Administração (UFBa), é membro do Conselho de Infraestrutura da FIEB

Bolsonaro já tem o seu Tchau Querida


Reinaldo Azevedo*
O governo Bolsonaro acabou. A reforma da Previdência, único marco que ficará destes dias, durem quanto durar, é, na verdade, herança do governo Temer, que só não conseguiu aprovar o texto porque teve de enfrentar o lavajatismo golpista e de porre de Rodrigo Janot. Isso à parte, sobra pregação golpista. E só.
Quanto tempo o “mito” ainda fica por aí? Não sei. Mas é “um cadáver adiado que procria”, para lembrar verso de Fernando Pessoa em caso bem mais nobre. E qualquer coisa que venha à luz, nessas circunstâncias, será necessariamente ruim.
Não temos mais um presidente, mas um refém do fundão do centrão. À medida que a sociedade vai saindo da clausura a que a condenou o coronavírus, cresce o preço político para manter o corpo na sala. Até a hora em que os próprios apoiadores resolvem enterrar o malcheiroso.
Lembram-se do “tchau, querida” de Lula, ao se despedir de Dilma, naquela gravação feita e divulgada ilegalmente por Sergio Moro? Esqueçam o mérito. Fixo-me nas palavras. Elas se transformaram numa espécie de emblema da derrocada do governo. Era também uma senha entre os que defendiam o impeachment.
Bolsonaro já tem os dois vocábulos imortais que servem para carimbar seu fim. E saíram de sua própria boca, em um dos habituais acessos de fúria. Falando a seguidores no Alvorada, deu a entender que, a partir daquele momento, passava a ter o comando das vontades do STF. Vociferou para o TIH (Tribunal da Ironia da História): “Acabou, porra!”.
Pois é... Acabou, porra!
A partir de agora, não há mais como o presidente se ocupar do governo. Enquanto estiver por aí, vai ter de pagar, às custas do futuro do Brasil, o preço para que não se formem os 342 votos na Câmara que o empurrariam para julgamento, e condenação certa!, no Senado por crime de responsabilidade.
Aqui e ali, as pessoas se espantam: “Caramba! O Fabrício Queiroz foi se homiziar justamente no sítio de Frederick Wassef, advogado dos Bolsonaros, que tinha estado no Palácio do Planalto no dia anterior, a convite do presidente, na posse de Fábio Faria, o ministro que simbolizaria a disposição para o diálogo?”.
Meus caros, vocês queriam o quê? De Goethe a Max Weber, estamos diante de uma derivação das chamadas “afinidades eletivas”. A Operação Anjo, no âmbito da qual Fabrício foi garfado, é uma referência ao apelido de Wassef entre os Bolsonaros: anjo. Eles todos devem saber por quê.
Queiroz foi preso no dia seguinte àquele em que Bolsonaro negou a democracia três vezes. O dia 17 de junho entrará para a história. Logo de manhã, o presidente anunciou às portas do Alvorada, referindo-se a magistrados de tribunais superiores: “Eles estão abusando. Está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar”. À noite, foi ainda mais sombrio: “É igual uma emboscada. Você tem de esperar o cara se aproximar”.
Na sequência, foi arriar a bandeira em companhia do comandante do Exército, Edson Leal Pujol, que caía, ele sim, numa emboscada. Entre uma ameaça e outra, fez a mais grave de todas as afirmações desde que assumiu. E justamente na posse do novo ministro.
Nas barbas de Rodrigo Maia e Dias Toffoli, presidentes, respectivamente, da Câmara e do STF, o mandatário evocou as forças do caos: “Não são as instituições que dizem o que o povo deve fazer. É o povo que diz o que as instituições devem fazer”. Essa é a divisa dos tiranos, não dos democratas. “Povo”, para Bolsonaro, ele já deixou claro, se resume às suas milícias digitais e àqueles que comungam de seus, vá lá, valores, que ele chama “conservadores”, numa distorção miserável do sentido da palavra.
É o passado policial de Bolsonaro que põe fim a seu governo, ainda que o cadáver fique por aí. Mas o que já o impedia de governar é a sua absoluta incompreensão do que é a democracia. Sim, novas ameaças de autogolpe virão nos próximos dias. É de sua natureza.
Bolsonaro quer que acreditemos que os generais podem botar os tanques nas ruas para unir a história das Forças Armadas à de patriotas como Fabrício Queiroz.
*Reinaldo Azevedo. br /> Jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.

sexta-feira, 19 de junho de 2020

MORRE JOÃO CARLOS TEIXEIRA GOMES, JOCA, O GRANDE PENA DE AÇO

Fernando Alcoforado*
Faleceu ontem, 18/06/2020, o jornalista, escritor e professor da UFBA, João Carlos Teixeira Gomes. Joca, o Pena de Aço, como era conhecido será cremado hoje, 19, no Bosque da Paz, em cerimônia restrita a pequeno grupo. Poeta, escritor, ensaísta, professor, membro da Academia Baiana de Letras, onde ocupava a cadeira de número 15, Joca fez parte do grupo conhecido como Geração Mapa, ao lado do cineasta Glauber Rocha, do escritor João Ubaldo Ribeiro, do pintor Calazans Neto e do também professor e jornalista Florisvaldo Matos, entre outros.
No Jornal da Bahia, Joca, o Pena de Aço, que ajudou a fundá-lo, ocupou sucessivamente os cargos de repórter, secretário, chefe de reportagem, redator-chefe e editorialista. Joca foi um batalhador pela liberdade da imprensa contra o arbítrio, contra a ditadura militar. Como redator-chefe do Jornal da Bahia, travou uma luta de vida ou morte contra Antônio Carlos Magalhães (ACM), representante da ditadura militar na Bahia, desde o primeiro governo dele durante o regime militar que durou muitos anos. Ele escreveu inclusive um livro, 'Memórias das Trevas', em que conta episódios lamentáveis da vida de ACM.
Joca, o Pena de Aço, também foi colaborador fixo do jornal  ATARDE, publicando artigos quinzenais nas páginas de Opinião. Foi secretário de Comunicação Social do Governo de Waldir Pires em meados dos anos 1980, e diretor do Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia. Publicou, entre outros, um livro sobre Gregório de Mattos: Gregório de Mattos, o Boca de Brasa, bem recebido por crítica e público. Foi autor também de Camões Contestador e Outros Ensaios e de Glauber Rocha – Esse Vulcão. Participou, como colaborador, dos livros Dezoito Contistas Baianos, Da Ideologia do Pessimismo à Ideologia da Esperança, A Obsessão Barroca da Morte de Manuel Bernardes e Quevedo. E tem três livros de poesias: Ciclo Imaginário, O Domador de Gafanhotos e A Esfinge Contemplada.
Minhas condolências aos familiares desta grande figura humana, Joca, o Pena de Aço,  que fará muita falta em nosso País neste momento grave que o Brasil atravessa de ameaça à democracia e à liberdade de imprensa.
*Engenheiro, Doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional - Universidade de Barcelona  

Bolsonaro no mesmo caminho de Dilma

Osvaldo Campos Magalhaes*
Para viabilizar a chegada ao poder e evitar uma nova derrota de Lula na disputa pela presidência da República, o Partido da Ética e da Esperança foi transformado por ZéDirceu e Lula numa Organização Criminosa. O assassinato do prefeito petista de Santo André, Celso Daniel, revelava o que viria a acontecer na esfera federal.
Ao invés de se aliar a partidos comprometidos com a Ética, o PT optou por cooptar a escória da política brasileira.
Enquanto o cenário internacional permitiu, bancado principalmente pela grande demanda da China por commodities, a economia brasileira cresceu gerando recursos para um excelente programa de distribuição de renda que retirou mais de 20 milhões de brasileiros da miséria.
Com índices de aprovação superiores a 80%, Lula não consulta o partido e opta por escolher uma candidata sem tradição dentro do PT e sem qualificações e preparo para exercer a presidência e dar continuidade ao excelente trabalho realizado no seu governo. Com nomes muito mais qualificados dentro do PT, como Patrus Ananias e Tarso Genro, Lula opta por uma candidata que na sua análise séria fácil de controlar e manobrar.
Cometendo um segundo erro, ao entregar a vice presidência ao PMDB e a um político ardiloso e maquiavélico, Lula preparou o terreno para o surgimento das forças políticas reacionárias e fascistas.
Com a mudança no cenário internacional provocada pela crise do sistema bancário norte americano, em 2008, Dilma prefere adotar uma política de incentivo ao consumo, de congelamento dos derivados de petróleo e redução artificial das taxas de juro. No segundo mandato a política econômica entra em colapso, com o crescimento da inflação, da taxa de desemprego e , pela primeira vez na história, dois anos seguidos de recessão. Aproveitando-se da fragilidade do governo, da incapacidade de negociação política de Dilma, o vice presidente com o apoio de seu aliado Eduardo Cunha, articula o impeachment da presidente Dilma. Com a insatisfação popular resultante do aumento das tarifas públicas, do alto índice de desemprego e da volta da inflação, fica fácil para Temer viabilizar o impeachment. O movimento de insatisfação popular faz surgir um vigoroso crescimento de grupos fascistas , fortalecendo a extrema direita, que resultaria na viabilização da candidatura de Jair Bolsonaro, que se fortalece nas mídias sociais como o candidato anti Sistema. Consegue eleger a segunda maior bancada no Congresso e inexpressivos candidatos ao governo em vários Estados da Federação.
Com a indicação de qualificados quadros técnicos para as áreas de infraestrutura e economia o governo consegue reverter a tendência de estagnação econômica e inicia um grande programa de desestatização, criando forte expectativa de crescimento econômico, com queda da inflação e das taxas de juros.
Contudo, setores estratégicos como educação, relações exteriores, cidadania e direitos humanos, turismo e cultura são entregues a Ministros despreparados sem a devida qualificação para liderarem setores tão importantes, gerando desgastes na imagem do governo.
Assim como Dilma, que enfrentou a grave crise econômica de 2008, o governo Bolsonaro é atingido pela crise provocada pela Pandemia do Covid 19.
Ambos os presidentes subestimam os efeitos das crises, adotando posturas equivocadas e sofrendo graves desgastes nas avaliações de desempenho dos respectivos governos. Contudo, o mais grave diz respeito aos indicadores econômicos, com a volta de uma grande recessão econômica com expressiva taxa de desemprego. Bolsonaro se mostra tão despreparado quanto a presidente Dilma, e, ameaçado por um processo de impeachment abandona as promessas de campanha, distribuindo cargos a deputados do Centrão, fortalecendo também a presença de representantes das forças armadas no governo, incentivando grupos de extrema direita e flertando com um novo golpe militar.
Com a provável derrota do aliado Donald Trump, diferentemente de 64, não terá o apoio Norte Americano.
*Engenheiro Civil e Mestre em Administração (UFBa).