sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Pelo direito à cidade

Angela Gordilho*
 As cidades estão pedindo socorro e os cidadãos gritam por mudanças!
O clamor das muitas vozes que tomam as ruas das cidades brasileiras nesse novo tempo sinalizam, entre outras tantas questões, que estamos avançando para fortalecer os movimentos pela reforma urbana. As primeiras iniciativas , surgidas no início dos anos 60, com os arquitetos, foram estancadas por um longo período de autoritarismo, renascidas a partir dos anos 80 pelo movimento popular, culminando na formulação da Lei Federal No. 10.257, o Estatuto das Cidades, de 2001, e sendo agora retomada pela sociedade civil.
Muito se conquistou desde então: temos leis inovadoras, políticas inclusivas, instrumentos participativos, além de recursos, afinal somos a 6ª. maior economia do mundo, preponderante país emergente, diante de uma profunda crise econômica mundial. Entretanto não conseguimos aplicar efetivamente essas conquistas na construção democrática das cidades. Tampouco tirar o melhor proveito dessa situação vantajosa, para investimentos sociais promissores de inclusão e melhores cidades.
Ao invés disso, vemos surgir de forma autoritária, megaprojetos de custos excessivos, que privatizam os espaços públicos, configurando cidades seletivas pela exclusividade de acessos e consumo urbano. Esses grandes investimentos são definidos sem que haja a necessária discussão da cidade, das suas demandas e das melhores opções alternativas de aplicações dos recursos públicos para benfeitorias coletivas. Na ausência de um planejamento mais democrático, o “planejamento invisível” dos interesses particulares vai se realizando com mais vigor.
Contudo, a guinada por mudanças está na ordem do dia: na mobilidade, são exigidas ciclovias, transportes públicos eficientes, áreas verdes e patrimônio ambiental preservados e multiplicados; as periferias clamam por existirem com mais dignidade, com urbanização adequada e inseridos no corpo da cidade de todos; na construção de novas habitações de interesse social, avançamos na aplicação de subsídios, mas retrocedemos na implantação de grandes e monótonos conjuntos, sem arquitetura adequada, distantes de equipamentos coletivos, serviços e trabalho; dentre tantas outras, queremos  definições que viabilizem o direto à cidade.
Nesse contexto, nós arquitetos, urbanistas e engenheiros, profissões com funções de projetar e construir espaços, no âmbito do complexo trabalho transdisciplinar de pensar e fazer a cidade, nos sentimos impotentes para invenção e uso de nossas técnicas mais adequadas. Entretanto nesse momento, fortalecidos pelo vontade coletiva que se insinua para definição de outras prioridades, nos dispomos a atuar juntos com moradores e gestores nas melhores inciativas para as mudanças necessárias.
Contribuindo para isso, a Universidade Federal da Bahia por meio da Faculdade de Arquitetura, do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo e do LabHabitar, em parceria com a Escola Politécnica, toma a dianteira, lançando um novo programa de Residência, semelhante ao que já ocorre na medicina, para viabilizar Assistência Técnica em Habitação de Direito à Cidade, com o ingresso da  sua primeira turma, no próximo semestre letivo que se inicia. Este projeto, gestado coletivamente nos últimos anos, finalmente põe em prática a Lei Federal No. 11.888/2008, de Assistência Técnica Pública e Gratuita para Habitação de Interesse Social. Inaugura-se esse curso, com perspectivas que se amplie como atividade continuada, em rede nacional. Para isso, o apoio de instituições de interesse público, de municípios aderentes e de movimentos pela moradia digna, é fundamental, como base de sustentação, aprimoramento e replicação.
Queremos, com essa extensão da universidade, capacitar profissionais e cidadãos para viabilizar projetos inovadores de inserção urbana e inclusão social,  aprendendo com a cidade, em um amplo e permanente diálogo que defina novos compromissos na construção dos espaços onde vivemos.
Que esses novos tempos fortaleçam tal iniciativa, na conquista de cidades melhores e mais justas!
*Arquiteta com Doutorado pela FAU-USP, trabalha com as questões relativas ao habitar contemporâneo, área onde publicou vários trabalhos.   Professora da Ufba, onde ensina Ateliê de Projetos Urbanos na graduação e Teorias Urbanas na pós.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Salvador e a Centralidade

Armando Avena*
Salvador precisa repensar seu modelo de urbanização e elaborar um Plano Diretor Urbano moderno e despido dos velhos conceitos e das  velhas ideologias. Uma das questões a serem analisadas diz respeito a implantação de um novo modelo de centralidade. Atualmente, o que se verifica em Salvador é o fortalecimento e a ampliação da área central do Iguatemi e adjacências, com o raio de influencia atingindo a Av. Paralela, e de tal maneira que toda a cidade gira em torno dessa centralidade tanto no aspecto comercial quanto no aspecto habitacional. Enquanto isso, outras áreas como o Centro Histórico e a Calçada perdem sua centralidade de forma acelerada e áreas como o Comércio e a Barra lutam para manter algum nível de centralidade. Ou seja, o problema que hoje salta aos olhos em Salvador é a excessiva concentração em apenas um centro principal, a região do Iguatemi, e a perda crescente de importância dos subcentros e centros de vizinhança, de modo que a excessiva concentração do centro de compras, serviços e negócios em uma única área termina por causar transtornos e exigir cada vez mais investimentos, já que grande parte da população se desloca diariamente para essa área. Esse é um aspecto que necessita ser objeto de planejamento, pois nas modernas cidades do mundo o que se verifica é a disseminação de centralidades e o fortalecimento de sub centros que oferecem habitação, atividade comercial, serviços e atividades culturais de maneira que a população que aí reside não precisa ser deslocar diariamente para o centro da cidade. Na verdade, Salvador precisa fortalecer seus sub centros urbanos tanto na orla Atlântica, quando na orla da baía e no miolo da cidade. Tomemos, por exemplo, o Rio Vermelho, a Pituba ou a Barra que já são subcentros por excelência e que, se fortalecidos em sua infraestrutura, atenderão à sua população sem que ela precise deslocar-se para a área central da cidade. E se subcentros como esse forem criados em toda a extensão da orla de Salvador, a começar pela península de Itapagipe, passando pela Calçada, Ondina, Armação, Patamares, Itapuã e muitas outras áreas, será possível criar uma cidade muita mais equilibrada sob o ponto de vista de sua arrumação urbana. Em muitos casos para que a orla possa se ter vários sub centros ou centros de vizinhança será necessário adensar as áreas aumentando a população residente e isso precisa ser feito com a verticalização, mas uma verticalização original que, por exemplo, não construa um paredão de prédios altos, mas concentre em locais especificados esse tipo de edificação de modo que haja prédios na orla, mas não de modo contínuo e sim em espaços definidos. O fato é que Salvador precisa repensar sua urbanidade, retomar e fortalecer suas centralidades naturais e criar outras que possam dar mais harmonia a essa bela cidade.
*Economista,e Professor, foi Secretário de Planejamento do Governo da Bahia 
**Artigo publicado no jornal A Tarde. http://www.atarde.com.br 09/02/2014