quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Vi esta cidade crescer


Almir Santos*
Na minha primeira Geografia Atlas, da Editora FTD, Salvador tinha pouco mais de 300 mil habitantes.
Sou do tempo dos bondes que se arrastavam, lentamente, pelas poucas linhas que existiam. Menos de 40.
Pavimentação, geralmente, a paralelepípedos ou pedras irregulares, também chamadas cabeça de nego, era privilégio de poucos bairros, como: Barra, Barra Avenida, Graça, Canela, Campo Grande, Tororó, Nazaré, Barris. Santo Antônio, Barbalho, Soledade, Lapinha Campo Santo.
Nesses bairros, a linha férrea dos bondes era implantada em ruas pavimentadas ou calçadas, como se dizia antigamente. Asfalto era uma coisa rara.
As demais as linhas, implantadas em leito natural, eram muito irregulares e causavam muitos acidentes.
As linhas que utilizava para ir à escola para o lazer 14-Rio Vermelho, 16-Amaralina e 36-Segundo Arco só tinham pavimento até a Avenida Leovigildo Filgueiras, Garcia. O resto era quase tudo sobre a terra.
Algumas, entretanto, tinham pequenos trechos sem pavimentação como 18-Ribeira, 19-Ribeira, 20-Ribeira via Caminho de Areia e Brotas.
Era um transporte folclórico. Os passageiros, condutores e motorneiros se conheciam pelo nome.
Os pontos de parada eram próximos. Basta dizer que no centro da cidade havia pontos no Terreiro de Jesus, Circular (hoje Coelba), Belvedere, Praça Municipal, Rua Chile, Largo do Teatro (Praça Castro Alves) São Bento etc.

Vi bondes circulando pelas estreitas ruas do centro, Rua do Liceu, do Saldanha, do Tijolo e da Barroquinha.
Automóvel só para quem tinha muito dinheiro. Sabiam-se a placas dos carros e os respectivos proprietários. Por exemplo: n.º 1 pertencia a Navarro Lucas, 5 Raul Farias, 11 Antônio Balbino, 12 José Silveira, 13 Fileto Sobrinho, 22 Arnaldo Silveira, 44 Álvaro Silveira, 50 Luiz Eugênio, 70 Miguel Vita, 99 e 100 Companhia Linha Circular.
Poucos eram os taxis, os chamados carros de praça. Seu Candinho, o nosso preferido, tinha a placa 1448.
Ao todo, a frota de Salvador era composta de menos de mil veículos.
Vi esta Cidade crescer.
Imponentes eram os prédios do Palace Hotel, Secretaria de Agricultura, Jornal A Tarde, na Cidade Alta e do Instituto de Cacau, na Cidade Baixa.
Vi serem erguidos o edifício SULACAP e o Oceania na Barra
Mais tarde sugiram na Barra Avenida o Eldorado e na Graça, o Catarina Paraguaçu, monumentais para a época.
Timidamente, surgiu o Edifício Cruz na Rua Portugal, onde funcionou a sede da Construtora Odebrecht e o Edifício Martins na Rua da Espanha.
A cidade baixa foi se transformado aos poucos e perdendo a sua paisagem colonial. Surgiram os Edifícios Paraguaçu, Belo Horizonte, Nélson Farias, Guarabira, Cidade de Aracaju, Larbrás, Suerdieck, Cidade do Salvador em nome do progresso, mas sem ser observada uma ocupação racional.

Restaurantes, bares, botecos e pastelarias eram pouquíssimos. O Colon na Praça Riachuelo, O Conquistador na Barra, da Galinha de Ouro do Manuel, são os de lembrança mais remota.
Café da manhã, almoço, jantar eram rituais bonitos quando a família se reunia, diariamente. Por isso, pouco se usavam restaurantes.
Tomei gasosa de limão ou de morango na Pastelaria Centro Popular na Sé. Havia também O Perez, O Triunfo e O Centro Universal.
Lembro-me dos botecos Danúbio Azul, na Rua d´Ajuda, famoso pela sua bebida Príncipe Maluco, e do Center-Forward, na Rua Cezar Zama. Ambos muito simples. Bebia-se em pé.
Certamente, todos os bares e restaurantes, pastelarias e botecos da cidade, juntos, caberiam no Largo de Santana no Rio Vermelho.
Vi esta Cidade crescer.
Vi a chegada de novos bondes. Vinte e cinco deles com bancos estufados forrados em couro verde.
Vi a extinção gradativa dos transportes por bondes e o crescimento dos ônibus, carinhosamente chamados de marinetes pelos baianos, pelo fato do lançamento do primeiro ônibus em Salvador coincidir com a passagem por aqui de um poeta futurista italiano chamado Marinetti.
O transporte por ônibus não conseguiria sobreviver por muito tempo. Era um dono de um único ônibus que obtinha uma licença para operar em uma determinada linha, mas não tinha bom resultado, até que foi se firmando aos poucos. Inicialmente, na cidade baixa.
Vi esta Cidade crescer.
Vi o Quarto Centenário de Salvador. Vi a encenação do Auto de Graça e Glória da Bahia dirigido por Chianca de Garcia, para comemorar o evento.
A Construção a Estrada Amaralina – Aeroporto, pavimentação da Avenida Amaralina, o prolongamento da Rua Osvaldo Cruz, do primeiro trecho da Avenida Centenário em pista simples.
Vi a inauguração do Fórum Rui Barbosa.

A inauguração do Hotel da Bahia. Vi o Campo da Graça e a inauguração do Estádio da Fonte Nova.
Vi a criação do SMTC-Serviço Municipal de Transportes Coletivos, inicialmente, operando com uma frota de ônibus Volvo a diesel na Avenida Vasco da Gama, que recebera uma total pavimentação numa faixa de 7 metros
Vi a extinção em massa de todas as linhas de bondes da Cidade Baixa para a implantação dos ônibus elétricos. Eram 50 ônibus FIAT - Alfa Romeu, mas a subestação só tinha a capacidade de operar 25, por isso quando um quebrava um novo entrava em operação e assim a frota foi sendo sucateada. Um absurdo!
Vi a encampação da Companhia Linha Circular, que operava os bondes e vi o seu crepúsculo.
Vi esta Cidade crescer.
Vi o carnaval, sentado, tranquilamente, em cadeiras colocadas na Avenida Sete, por onde desfilavam os carros alegóricos dos grandes clubes, os blocos, os caretas e os carros com foliões
Vi o transporte por ônibus ser definitivamente implantado.
Vi o asfalto chegar, definitivamente, e atender a todas as linhas operadas por ônibus.
Vi a construção do Centro Administrativo da Bahia – CAB desde a primeira secretaria implantada a SEPLANTEC. Depois, foi a Secretaria dos Transportes.
Vi surgir o primeiro grande Shopping com 150 lojas, hoje ampliado para mais de 600.
Vi a proliferação de shoppings e o crescimento vertical da cidade.
Aos poucos fui perdendo a conta de quantos novos edifícios iam sendo construídos. Os sobrados coloniais da Cidade Baixa dando lugar a prédios de 10 andares.

Os palacetes do Corredor da Vitória e da Graça dando lugar a prédios de 20, 30 andares. A Ondina, a Valdemar Falcão perdendo o verde e sendo ali implantados, prédios de até 40 andares. Vi a cidade se verticalizar.
Vi surgirem os bairros Caminho das Árvores, Itaigara, o Imbuí, o Costa Azul o Costa Verde, Patamares, Cajazeiras, Mussurunga, Castelo Branco e tantos outros novos bairros.
Vi o rasgar de grandes avenidas. Vale de Nazaré, Bonocô, Contorno, Vale do Camurujipe, Lucaia, Garibaldi, Vale do Canela, Paralela. Vi túneis perfurando as elevações e encurtando distâncias.
Vi a população aumentar aproximadamente 10 vezes e a frota de veículos aumentar 1000 vezes.
Até onde vamos?
Vi esta Cidade crescer e continuo vendo.
*Engenheiro Civil, poeta, escritor e amante de Salvador


domingo, 18 de fevereiro de 2024

Ponte Velha


Paulo Ormindo de Azevedo*
 

Há uma ponte com esse nome em Florença, na Itália. Foi construída pelos romanos, há 2000 anos, para a passagem de carroças. A ponte Salvador-Itaparica se construída teria a mesma função. Já não se fazem pontes em canais de navegação, e muito menos para carruagens. Ela é a culminação da cultura do automóvel, um modal ultrapassado. A velocidade média e sua taxa de ocupação, hoje, nas grandes cidades do mundo inteiro é inferior à das carruagens do século XIX. Por que não pensar em outras soluções? 

Quando o Estado está elaborando um novo plano ferroviário e o governo federal promete um trem rápido de passageiros para Feira de Santana, por que não pensar o mesmo para Itaparica entrando pela contra costa e prosseguindo até Ilhéus? O consorcio chinês da ponte, de empresas ferroviárias, adoraria essa mudança.

 A trajetória da ponte torta é de 1970 e por falta de imaginação é a mesma do ferry boat que não funciona. Na época Salvador tinha um milhão de habitantes, hoje tem 2,5 milhões. Por que ela não se articula diretamente com a BR 324 e Via Metropolitana, sem congestionar mais Salvador? Simulação da Academia Baiana de Engenharia provou que a Via Expressa não tem condição de escoar o fluxo da ponte, que extravasará para a rede urbana. Como ficará o Comércio, a Av. Paralela e a Estrada do Côco depois dessa ponte, que ligará o Sudeste com o Nordeste? 

 Essa é uma ponte velha, obsoleta, que ameaça a operação, a médio prazo, do porto de Salvador e da BTS pelos grandes navios que não param de crescer. Ponte que inviabilizará o Estaleiro da Enseada, o desenvolvimento do Recôncavo e a construção de um hub-porto em Salinas, com 21m de calado em águas abrigadas, que poderia ser um dos terminais da ferrovia transcontinental, FIOL, que articularia as redes ferroviárias do Chile, Peru, Bolívia, Paraguai e Planalto Central Brasileiro drenando toda a produção mineral e agrícola desses países para o Atlântico, através da BTS.  

 Se a questão é quitar um compromisso político desgastante, porque então não pensar num túnel para carros e trens? Existem cerca de 200 túneis submarinos em todo o mundo. Esses túneis evoluíram muito e baratearam. Não rompem mais a rocha, são aduelas pré-fabricadas de concreto que são articuladas no fundo do mar. Em 2013, foi inaugurado um túnel desse tipo entre a Europa e a Ásia, na Turquia, com 13,5 km de extensão. Outro está sendo iniciado ligando a Alemanha à Dinamarca, com 18 km de extensão. Depois de muitos estudos, a ponte que ligaria Santos a Guarujá foi preterida por um túnel desse tipo. 

Esta ponte é uma quimera que já dura 16 anos e ainda não tem orçamento definitivo. Se algum dia ela for construída só servirá para congestionar e desfigurar Salvador, Vera Cruz e a BTS. Existem soluções mais inteligentes que o governo atual precisa considerar.

*Arquiteto e Urbanista - Professor Catedrático da UFBa.

Publicado no jornal A Tarde, 18/02/2024

sábado, 20 de janeiro de 2024

Erros na infraestrutura de transportes comprometem o desenvolvimento da Bahia.


Osvaldo Campos Magalhaes*

Grandes equívocos vem sendo cometidos pelos governos estadual e federal no setor de logística de transportes na Bahia. Durante o governo FHC, na privatização das ferrovias, a malha ferroviária baiana, com pouco mais de 1.500 km, foi privatizada junto à malha dos estados de Minas Gerais, Espírito Santo. Não foram estabelecidas metas de produtividade e investimentos para o trecho baiano e sim metas globais. A empresa vencedora da licitação, Ferrovia Centro Atlântica, subsidiária da Companhia Vale do Rio Doce, optou por realizar investimentos e melhorias operacionais nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, onde a CVRD movimentava milhões de toneladas de ferro, o que resultou na desativação quase completa da malha ferroviária baiana. Depois de 28 anos da concessão, a Vale busca a renovação do contrato o que perpetuaria o estado de abandono das ferrovias na Bahia.


No segundo governo Lula, quando foi realizada a maior concessão rodoviária do Brasil, envolvendo trechos da BR 324 entre Salvador e Feira de Santana, e da BR 116 entre Feira de Santana a Cândido Sales, com quase 600 km dê extensão, optou o Ministério dos Transportes por estabelecer como fator decisivo a menor tarifa a ser cobrada. Também não foram fixadas metas de investimentos compatíveis com a importância do trecho rodoviário concessionado. Como resultado, nenhuma das grandes empresas brasileiras atuantes no setor rodoviário participou do leilão, que foi vencido por uma empresa espanhola, sem tradição no setor de transportes, que ainda ofereceu um deságio expressivo na tarifa de pedágio de referência. Depois de quase quinze anos de privatizada, as rodovias receberam poucos investimentos, e a concessionária nunca atingiu as precárias metas fixadas no edital. A empresa espanhola ISOLUX, vendeu a alguns anos para um fundo canadense a concessão, tendo sido autorizada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, mesmo estando com o contrato inadimplente.


Quando assumiu o Governo do Estado da Bahia em 2006, quebrando um longo domínio do grupo carlista no estado, Jacques Wagner, decidiu escampar a proposta da Bahia Mineração, empresa com grandes reservas de minério de ferro na região de Caetité, de construir uma ferrovia de bitola larga, ligando a região produtora de minérios até um Porto de águas profundas, a ser construído próximo à cidade de Ilhéus.

Durante o governo Paulo Souto, a Superintendência de Transportes tinha elaborado um ambicioso e inovador Programa Estadual de Logística de Transportes - PELTBAHIA, que tinha como seu mais emblemático projeto, uma ferrovia ligando a região de Luiz Eduardo Magalhães até a cidade de Brumado e a completa requalificação, em bitola larga, do trecho entre Brumado e o Complexo Portuário da Bai de Todos os Santos.


A opção por um Porto de águas profundas na região de Ilhéus se mostrou equivocada, considerando ser a Costa do Cacau uma região de mata atlântica vocacionada para o turismo e a preservação ambiental.

Às dificuldades para se obter licenças ambientais para o Porto e o grande atraso na construção da ferrovia, envolvida em graves denúncias de corrupção vem provocando sucessivos atrasos no cronograma da obra de infraestrutura.


Outro gigantesco equívoco do governo estadual é o projeto da ponte rodoviária ligando Salvador a Itaparica.
Projeto inicialmente apresentado ao governo por uma grande empreiteira baiana, vem sendo muito questionado por representantes da sociedade civil.
Além de não contemplar o modal ferroviário, o projeto já licitado, que teve um consórcio chinês como vencedor, acabou tendo suas especificações modificadas, com a diminuição das faixas de rodadagem e diminuição da altura do vão central.
*Engenheiro Civil e Mestre em Administração. Foi Superintendente de Transportes do fGoverno da Bahia entre 2001 e 2006. Integra o Conselho de Infraestrutura da Fieb.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Empréstimo vai viabilizar Arena Multiuso em Salvador

Construção de Arena Multiuso de Salvador foi assegurada com o empréstimo obtido pela Prefeitura de Salvador com o Banco Santander, vencedor de um licitação realizada pela Secretaria da Fazenda do Município.Climatizado e com capacidade para receber mais de 12 mil pessoas em eventos esportivos e shows nacionais e internacionais, o espaço será implantado na Boca do Rio, integrado ao Parque dos Ventos e ao lado do Centro de Convenções.

Um contrato de empréstimo com o Santander no valor de R$300 milhões para investimentos em obras e intervenções urbanísticas na capital baiana foi assinado pelo prefeito Bruno Reis (União) nesta terça-feira (9), em São Paulo. A assinatura foi realizada na sede da instituição financeira no país e contou com a presença da secretária da Fazenda, Giovanna Victer, além do além do head de Governos do banco espanhol, Marcio Giannico, da superintendente Nacional de Governos, Lilian Maria Barbosa Herrera, e do diretor Mercado de Capitais e Dívida Estruturada, Sandro Kohler.

Para obter a linha de crédito, o município realizou um chamamento público após aprovação do Projeto de Lei na Câmara Municipal. Ao todo, cinco instituições financeiras participaram da sessão, realizada em outubro, na sede da Secretaria Municipal da Fazenda (Sefaz). O banco Santander venceu a licitação após apresentar as melhores condições de pagamento. A proposta da instituição espanhola prevê 12 meses de carência e amortização em 108 parcelas mensais.

De acordo com a prefeitura, a operação é a primeira no país sob as novas regras da STN, que regulamentou esse tipo de empréstimo com garantia da União em junho de 2023. Os recursos obtidos por meio do financiamento serão utilizados para realizar obras e grandes intervenções urbanísticas por toda cidade, requalificar parte da orla de Periperi, Escada e Praia Grande, no Subúrbio Ferroviário, construir a Arena Multiuso, climatizada e com capacidade para cerca de 16 mil pessoas, na orla da Boca do Rio, e promover melhorias habitacionais na comunidade do Pé Preto. 

“Esse financiamento vai nos permitir seguir investindo especialmente nas áreas mais carentes da cidade, como no Subúrbio Ferroviário. Nossa gestão investe mais de 80% dos recursos nas regiões mais pobres para melhorar a vida de quem mais precisa. Temos diversos projetos que vamos tirar do papel, entre eles a Arena Multiuso, com capacidade para até 16 mil pessoas. Salvador estava carente de um equipamento desta magnitude desde a demolição do Balbininho. Com o centro de convenções municipal e essa arena multiuso, vamos ter dois equipamentos para competir pela atração de grandes eventos”, explicou Bruno Reis.

A secretária Giovanna Victer ressaltou que a contratação só foi possível porque o município alcançou patamares de credibilidade e de condições de capacidade de pagamento que se destacam no país. “A assinatura deste contrato reflete os esforços de planejamento e gestão financeira responsáveis e eficientes. As condições ofertadas foram competitivas e permitem a antecipação de investimentos para promover bem estar do cidadão soteropolitano”, destacou a secretária, ao ressaltar que Salvador é reconhecida pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) como boa pagadora no índice de Capacidade CAPAG.

Fonte: Jornal A Tarde- 09/01/2024

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

OS DINOSSAUTOS ESTÃO CHEGANDO

Manuel Ribeiro*

E Claro que o carro elétrico está sendo produzido para por fim ao consumo de energia fóssil dos atuais automóveis e assim obter uma redução das emissões do dióxido de carbono, certo? Não necessariamente. Energia não se cria, transforma-se. A energia que carrega o carro elétrico vem de onde? Da tomada que, por sua vez, recebe a energia de diversas fontes. Na Europa de gás fóssil, nos Estados Unidos pode vir do xisto e no Reino Unido e na China pode pode vir do carvão. Em muitos casos será trocar seis por meia dúzia. Para a mudança de uma parte importante da matriz energética gasta-se globalmente uma fortuna para ficarmos no mesmo lugar. Isto sem falar no descarte das baterias. Ainda não soube de nenhum Decreto ou Portaria dos órgãos ambientais do Brasil para que os importadores ou fabricantes de carros elétricos apresentem projeto e compromisso de realizar a coleta reversa das baterias e a sua destinação final de forma ambientalmente correta. Se não bastasse o que está escrito acima, não acredito em carro elétrico como carro com a atual tecnologiaAcho que será um fiasco e em breve estaremos preocupados com o destino a ser dado a suas carcaças e baterias. A ilusão oferecida ao consumidor é a inteligência artificial para pilotar, versão piloto automático de avião para autos, e multimídia. Coisas que são acessórias a um veículo urbano pessoal (sofisticação e brinquedo). Até hoje qualquer um sai por aí dirigindo um fusca velho desconfortavelmente sem qualquer problema para sair e chegar com segurança 500km depois. Como automóvel, que deveria ser o "core" do projeto, o carro elétrico lembra-me um dinossauro: muito pesado em função de suas baterias, com uma inércia enorme demandando potência adicional para arrancar, um sistema de frenagem complicado para parar e, com toda a tecnologia embarcada, pode ficar no caminho por falta de uma reles tomada. Os 500 km, vencidos pelo Fusca facilmente, merecerá planejamento para o carro elétrico ser carregado no caminho e garantir a autonomia (paradoxal, não?). No Brasil, país onde existe a maior incidência de raios, a proteção do carro elétrico parece não ser das melhores. Segundo publicado, um raio que caiu próximo a um magnífico Tesla, desregulou tudo, inclusive o sistema de carregamento das baterias. Conclusão: reboque e revisão total. Por ser um DINOSSAUTO, falta flexibilidade indispensável para utilização em condições de imprevisibilidade. 

Por último uma questão econômica. Você compraria um carro elétrico de segunda mão com as baterias já parcialmente gastas? A tendência é que as concessionárias não aceitem o veículo usado como parte do pagamento como já acontece na Europa. O descarte das baterias, se não houver a coleta reversa e destinação final garantidas, terá um valor alto, porém desconhecido. Sob o aspecto econômico, a vida dos dinossautos dependerá da aceitação pelo público dos contratos de assinatura. Comprar dinossauto, na minha opinião, é, e será, um péssimo negócio.

*Engenheiro, foi presidente da CONDER

Metrô ultrapassa 100 milhões de passageiros em 2023


Segundo os dados da Companhia de Transporte do Estado da Bahia (CTB), a movimentação de passageiros no metrô de Salvador conseguiu se recuperar da pandemia de Covid-19, e em 2023 voltou a ultrapassar a marca de 100 milhões de pessoas. 
Em 2023, o sistema metroviário de Salvador e Lauro de Freitas recebeu 101.684.054 passageiros, o segundo maior número da sua história, atrás apenas dos 106 milhões de pessoas registrados em 2019, último ano antes da pandemia de Covid-19. 
Com a chegada da Covid-19, os números de movimentação de passageiros, que vinham aumentando ano após ano, caíram para 61 milhões em 2020. A recuperação foi lenta, mas à medida que as vacinas foram sendo aplicadas na população, atingindo a 72 milhões em 2021 e 94 milhões em 2022. Para 2024, a expectativa do governo do estado, é de que o número de passageiros no metrô de Salvador ultrapasse os 106 milhões de 2019, estabelecendo um novo recorde de movimentação no sistema, especialmente devido à inauguração completa do tramo 3, que conecta com as estações Campinas de Pirajá e Águas Claras. 
O próximo trecho do Metrô de Salvador a ser ampliado, contando com recursos do Governo Federal, será a linha 1. 
Estudos já estão sendo desenvolvidos para ampliação até o Campo Grande e posteriormente a Barra, segundo promessa do Ministro da Casa Civil, o baiano Rui Costa.

(Portal A Tarde)

domingo, 24 de dezembro de 2023

A MANSA MANADA ALGORITMICA


Paulo Ormindo de Azevedo*

Sorrateiramente estamos todos sendo controlados na escola, no trabalho, no consumo, nas artes, no lazer e nas relações afetivas pelo Senhores dos Algoritmos, os Big-Techs globais. Sou um analfadigital convencido, como o personagem do filme Eu, Daniel Blake, que revoltado com a burocracia do serviço de saúde inglês andava grafitando seu nome nos muros, pois não queria ser apenas um login e uma senha. Acabou morrendo numa agência do SUS inglês porque o coração não esperou que ele terminasse o curso de internet que foi obrigado a fazer para poder pedir a aposentadoria.

Quero conversar com pessoas, mas elas estão todas hipnotizadas por seus celulares, nos consultórios médicos, nas agências de banco e de serviços públicos, nos restaurantes. É até perigoso tentar conversar com essas pessoas, pois se for mulher posso ser acusado de assédio sexual e se for homem posso ser confundido com um assaltante.

Na internet não posso acreditar nem no que vejo, quanto mais no que leio e ouço. Não dialogo nas redes sociais, nem respondo mensagem da internet que já vem com as respostas prontas, e do zap, com imogis. Há casos hilários e dramáticos de pessoas que se apaixonaram por avatares e entraram em depressão quando foram abandonadas por eles. Como posso confiar na internet que em consultas me pergunta se eu sou um robô.

Não sou daquelas pessoas entusiastas do G5, que sonham ter um carro Tesla, que o conduz à revelia, passando por áreas perigosas, pois aquele é o caminho mais curto e econômico e Elon Musk é um gênio. Ou da Inteligência Artificial, IA, infalível, que vai aliviar o povo de pensar. Será que ninguém percebe que a IA é uma quimera, como diz o cientista Miguel Nicolelis, que não cria nada, é apenas a moda estatística dos lugares comuns e do plágio manipuladas pelas trilionárias Big-Techs, que prometem uma utopia para impor a distopia?

Quero voltar a receber cartões de Natal de amigos que há muito não tinha notícia. Quero me relacionar com pessoas inteligentes, jogar conversa fora, rir e contar piadas e não apenas ser linkado por algoritmos que devassam minha privacidade e querem me empurrar serviços e produtos que não preciso.

Estamos todos fadados a ser Forrest Gump, aquele jovem abilolado do filme homônimo de 1994, sentado num ponto de ônibus no Alabama querendo se relacionar com outras pessoas que nem lhe ligam. Alienado, ele sonha ter sido condecorado por Nixon e abraçado por Elvis Presley.

Prefiro ser humano, com todos meus defeitos e inseguranças, que ser um robô teleguiado para honra e glória da indústria consumista e do estado pseudodemocrático. Os que aceitam passivamente a manipulação dos algoritmos são alienados e não sabem, mas povo marcado é gado feliz, como diz Zé Ramalho. Abaixo a coisificação humana digital.

*Arquiteto e Urbanista, Professor Titular da UFBA . Publicado em A Tarde, 10/12/2023

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

O Resumo da Ópera


Paulo Ormino*
Pela enésima vez é anunciado o início da ponte Salvador-Itaparica. A nota diz apenas que vai começar a sondagem, orçada em R$160 milhões, para ver a profundidade das estacas numa trajetória já condenada pela Academia de Engenharia da Bahia. Só então se poderá saber o custo da ponte, cujo orçamento inicial quase dobrou antes de começar. Diz a mesma fonte que ainda vai ser preciso a dragagem do porto, orçada em R$120 milhões, e construção dos canteiros de obras de Salvador, Vera Cruz e São Roque, não orçados, obras que levarão pelo menos dez meses embolando com o calendário eleitoral.
A sangria do estado para essa ponte não vai parar com sua inauguração. A partir daquele momento vamos ter que pagar uma contrapartida à concessionária cujo cálculo vai depender da demanda de tráfego na ponte. Quanto mais baixa for a arrecadação do pedágio maior será a contrapartida do estado. Hoje sua demanda é muito baixa, a ponto de não estar prevista a duplicação da Ponte do Funil, que só tem duas faixas de rodagem. Como a ponte terá seis faixas, quatro ficarão ociosas e a concessionária tem direito a uma compensação pela perda de pedágio. O Tribunal de Contas do Estado deve ficar atento a essa conta.
Depois de dez anos de marchas e contramarchas, o panorama mudou. É muito importante discutir esta questão quando o estado resolve repor os trilhos no subúrbio e reestruturar sua malha ferroviária para levar trens de passageiros até Feira de Santana, podendo levá-lo também a Itaparica pela conta-costa, beneficiando o Recôncavo onde existem 19 terminais marítimos, o CIA, uma refinaria, um estaleiro e quatro cidades históricas. Esse ramal poderá ainda viabilizar a criação de um hub-porto em Salinas da Margarida com 22 metros de calado em águas abrigadas, que seria o terminal da ferrovia transcontinental sonhada por Vasco Neto, mas agora revista para chegar no Pacífico na divisa do Chile com o Peru, integrando as redes ferroviárias desses dois países, da Bolívia, do Paraguai e do Brasil e escoando a imensa produção mineral e graneleira desses países para o Atlântico, pela Bahia.

A ponte perdeu sentido e se realizada inviabilizaria o Pela enésima vez é anunciado o início da ponte Salvador-Itaparica. O último anúncio foi na semana passada. A nota diz apenas que vai começar a sondagem, orçada em R$160 milhões, para ver a profundidade das estacas numa trajetória já condenada pela Academia de Engenharia da Bahia. Só então se poderá saber o custo da ponte, cujo orçamento inicial quase dobrou antes de começar. Diz a mesma fonte que ainda vai ser preciso a dragagem do porto, orçada em R$120 milhões, e construção dos canteiros de obras de Salvador, Vera Cruz e São Roque, não orçados, obras que levarão pelo menos dez meses embolando com o calendário eleitoral.

A sangria do estado para essa ponte não vai parar com sua inauguração. A partir daquele momento vamos ter que pagar uma contrapartida à concessionária cujo cálculo vai depender da demanda de tráfego na ponte. Quanto mais baixa for a arrecadação do pedágio maior será a contrapartida do estado. Hoje sua demanda é muito baixa, a ponto de não estar prevista a duplicação da Ponte do Funil, que só tem duas faixas de rodagem. Como a ponte terá seis faixas, quatro ficarão ociosas e a concessionária tem direito a uma compensação pela perda de pedágio. O Tribunal de Contas do Estado deve ficar atento a essa conta.

Depois de dez anos de marchas e contramarchas, o panorama mudou. É muito importante discutir esta questão quando o estado resolve repor os trilhos no subúrbio e reestruturar sua malha ferroviária para levar trens de passageiros até Feira de Santana, podendo levá-lo também a Itaparica pela conta-costa, beneficiando o Recôncavo onde existem 19 terminais marítimos, o CIA, uma refinaria, um estaleiro e quatro cidades históricas. Esse ramal poderá ainda viabilizar a criação de um hub-porto em Salinas da Margarida com 22 metros de calado em águas abrigadas, que seria o terminal da ferrovia transcontinental sonhada por Vasco Neto, mas agora revista para chegar no Pacífico na divisa do Chile com o Peru, integrando as redes ferroviárias desses dois países, da Bolívia, do Paraguai e do Brasil e escoando a imensa produção mineral e graneleira desses países para o Atlântico, pela Bahia.
A ponte perdeu sentido e se realizada inviabilizaria o enorme potencial econômico e turístico da BTS e do Recôncavo e provocaria um impacto brutal em Salvador e na ilha de Itaparica, que se transformaria num grande terminal rodoviário para bitrens que não podem entrar em Salvador, transformando-a numa grande favela, como São Gonçalo na Baía da Guanabara. A ponte não entrou no debate sucessório, no PDDU de Salvador e agora no PAC. Diante de tantas incertezas, os chineses parecem estar botando as barbas de molho e apostando no plano ferroviário do estado, na via transcontinental como alternativa ao canal da Guatemala, e na construção de um hub-porto internacional na BTS. enorme potencial econômico e turístico da BTS e do Recôncavo e provocaria um impacto brutal em Salvador e na ilha de Itaparica, que se transformaria num grande terminal rodoviário para bitrens que não podem entrar em Salvador, transformando-a numa grande favela, como São Gonçalo na Baía da Guanabara. A ponte não entrou no debate sucessório, no PDDU de Salvador e agora no PAC. Diante de tantas incertezas, os chineses parecem estar botando as barbas de molho e apostando no plano ferroviário do estado, na via transcontinental como alternativa ao canal da Guatemala, e na construção de um hub-porto internacional na BTS.*Arquiteto e urbanista. Professor Titular da UFBA

domingo, 26 de novembro de 2023

O progresso é concreto


Paulo Ormindo de Azevedo
*

Este era o slogan de uma usina de concreto e se transformou no lema dos administradores públicos. Lobby mau só mete medo às criancinhas, mas seria melhor que não se escondesse para sabermos quanto pagamos e a quem, como nos States. Os lobos das construtoras de escondem no subsolo dos gabinetes governamentais e atacam durante a noite para que elas continuem petrificando nossa cidade. 

São elas as responsáveis por Salvador ser a cidade mais “viadutizada” do planeta. Temos viadutos que não passam um carro, como os da Fonte Nova; que alagam, como o da Federação; e o Viaduto do Aeroporto, que é saída de metrô e ponto de ônibus e táxis. Temos ainda o único subway, ou underground, aéreo do mundo, a Linha 1 do metrô. Viadutos são vias bloqueadas que não permitem escolhas. A Rótula do Abacaxi foi transformada em uma chicana de pilares. Enquanto o viaduto da Av. Barros Reis está vazio, se forma um engarrafamento no chão para que os motoristas possam retornar à Av. ACM, subir para o Cabula, ou descer para a Cidade Baixa. 

O concreto tem muitas utilidades, serve para impermeabilizar o solo e encostas e construir ponte, viadutos e espigões de 40 andares que engarrafam as ruas. O material poderia ser oficializado como uma moeda regional, como já foi o sal. O Estado e a Prefeitura ao invés de pagar “salários”, como em Roma, pagaria “concretários” a seus funcionários. Operários iriam à Usina Central da Fazenda pegar seu carrinho de mão de concreto para cimentar suas casas e empresários contratariam “n” caminhões betoneiras para construírem seus espigões. 

O verde público foi extinto pelo metrô e o BRT e o privado do Caminho das Árvores transformado no Caminho do Cinzento. Há alguns anos foi lançado o Loteamento Horto Florestal, com TAC de preservação das árvores e só se permitir casas em lotes florestados. Mas a Odebrecht reservou uma gleba vizinha ao loteamento e lançou duas torres que tinham como reclame a vista e o ar puro do horto. A prefeitura recentemente resolveu fazer o milagre da multiplicação dos peixes, ou melhor dos IPTUs, permitindo a construção de espigões onde hoje são casas e árvores. Fez o mesmo no Buração, para não se poder mais bronzear. Em Salvador as indústrias do concreto, dos viadutos, dos espigões e do IPTU são irmãs. 

Por que ao invés de concretar não se faz uma passarela verde ligando o Unhão à Vila Brandão ou um parque em Cajazeiras? 

São Paulo, que é mais arborizada que Salvador, tombou os Jardins Paulistanos, que são bairros de casas burguesas, mas servem como pulmão da cidade. No Cine Paseo vi vídeos de moradores do Horto Florestal e da Praia do Buracão apelando para a população se posicionar contra a destruição do verde e sombreamento das praias. O Movimento Salva Verde me pede para ajudá-lo nessa campanha, o que faço com a maior convicção e prazer. O verde é progresso, o atraso é concreto! 

*Arquiteto e Urbanista, Professor Emérito da Ufba

terça-feira, 21 de novembro de 2023

Risério, 70 anos

Cachorros e gatos no quintal, a areia da praia ao lado, sandálias havaianas e a serenidade de Itaparica, a principal cidade da ilha do mesmo nome, virada de costas pra Salvador, a metrópole da Bahia. E um notebook por perto, pra escrever. Só sai dali pra cumprir copiosa agenda de palestras, debates e outros eventos culturais Brasil afora.

Ao lado da companheira Sara Victoria, designer e escritora, é assim que vive hoje, aquele que é o mais polêmico e brilhante , intelectual da Bahia, por conta de uma produção teórica invejável e de trabalhos práticos de grande efeito. Vive atualmente bem próximo de onde morava outro brilhante intelectual baiano, o escritor João Ubaldo Ribeiro. Atuando como escritor e colaborador de jornais, o antropólogo, ensaísta e historiador baiano Antônio Risério tem colecionado polêmicas, especialmente quando trata de questões raciais. Em janeiro do ano passado, foi alvo de ataques vindos de intelectuais e militantes de esquerda, quando escreveu um artigo para a Folha de S. Paulo intitulado Racismo de Negros Contra Brancos Ganha Força com Identitarismo.

Nascido em Salvador em 21 de novembro de 1953, é poeta, escritor, jornalista e antropólogo. Fez política estudantil, membro da Política Operária (Polop) foi preso pela ditadura militar em 1968, mergulhou na viagem da contracultura, editou revistas de poesia experimental na década de 70 e escreveu para a imprensa brasileira: Código, Muda, Bahia Invenção. Em dezembro de 1989, Risério criou o suplemento quinzenal do Jornal da Bahia, Fetiche, editando nove números.

Em 1995 defende dissertação de Mestrado em Sociologia com especialização na Antropologia pela Universidade Federal da Bahia. Participou das campanhas políticas dos políticos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Teve suas parcerias poético-musicais gravadas por diversas estrelas da Música Popular Brasileira, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Alfredo, Diana Pequeno, Morais Moreira, J. Veloso, MPB 4, Arnaldo Antunes, Gereba, Lazzo Matumbi, Paulinho Boca de Cantor, Chico Evangelista,

Antonio Risério tem aproximadamente, trinta títulos publicados, dentre os seus livros, destacam-se: ‘Carnaval Ijexá’ – notas sobre os blocos e afoxés do novo carnaval afro-baiano, 1981; ‘O poético e o político’ (em parceria com Gilberto Gil), 1988; ‘Caymmi um utopia de lugar’, 1993; ‘Cores Vivas’; ‘Textos e Tribos – poéticas extraocidentais nos trópicos brasileiros’, 1993; ‘Avant-garde na Bahia’, 1996;  ‘Fetiche’, 1996; ‘Oriki Orixá’, 1996; ‘Ensaio sobre o texto poético em contexto digital’, 1998; ‘A via Vico e outros Escritos’, 2000; ‘Adorável Comunista’, 2002; ‘Uma história da cidade da Bahia’, 2004; ‘A Banda do Companheiro Mágico’, 2007; ‘Uma História do Povo de Sergipe’, 2010; ‘A Cidade no Brasil’, 2012; ‘Edgard Santos Reinvenção da Bahia’, 2013; ‘Mulher, Casa e Cidade’, 2015; ‘A Casa no Brasil’, 2019; ‘Bahia de Todos os Cantos’, 2020; ‘Uma cidade, uma rua, uma igreja’.
 
Em recente livro escrito por Antônio Risério, “Sobre o relativismo pós-moderno e a fantasia fascista da esquerda identitária" Riserio provocou grandes polêmicas. Rompendo a espiral de silêncio reinante nos ambientes intelectual e acadêmico, o antropólogo baiano Antonio Risério faz ataques severos a movimentos de minoria que, traindo sua origem, teriam se convertido em guetos fechados e avessos a qualquer forma de divergência, perseguindo de forma brutal e truculenta todos aqueles que ousam criticá-los. Segundo o autor, o que era para ser inclusivo tornou-se excludente. Risério identifica nesse processo a emergência de um verdadeiro fascismo identitário, incapaz de compreender a complexidade da sociedade brasileira além dos clichês do cercadinho ideológico de uma certa esquerda.
Por conta dessa posição, Riserio vem sofrendo perseguições e até ameaças de morte. Apesar de todos ataques segue escrevendo, debatendo e realizando projetos, agora, completando sete décadas de produtiva existência.

Ciclovia que brilha com obra de Van Gogh

Holanda, conhecida por ser o país das bicicletas, não para de surpreender quando o assunto é ciclovia e incentivos ao uso de bikes. Na cidade de Eindhoven, localizada ao sul de Amsterdã, existe uma ciclovia especial, inspirada no famoso quadro “A Noite Estrelada”, do pintor holandês Vincent Van Gogh. Feita com um material especial, a ciclovia brilha no escuro, criando um efeito que é de cair o queixo.

O projeto, que une arte e tecnologia à cultura do ciclismo, foi feito com peças de um material que traz pequenas luzes LED.

Dessa forma, quando está escuro, o chão brilha, criando o efeito surpreendente. “Eu queria criar um lugar em que as pessoas pudessem ter uma experiência especial. A parte técnica combinada com experiência, isso é o que a poesia tecnológica significa para mim“, explicou Daan Roosegaarde, artista responsável pelo projeto da ciclovia.

A rota escolhida para a intervenção, feita em apenas alguns metros da ciclovia, é conhecida por passar por locais que marcaram a vida de Van Gogh, como Zundert, cidade em que o pintor nasceu e foi criado. O ano de 2025 será marcado pelas comemorações do 135° aniversário da morte de Van Gogh e a ciclovia é apenas uma das novidades inspiradas na obra do artista que estão por vir.

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Devolva-nos essa velha vida



Tasso Franco*
Houve uma  época nesta cidade da Bahia em que a vida noturna era pulsante, quer no centro histórico; quer nos bairros para dançar e farrear; vadiar e acasalar; flanar sem medo de ser feliz. Quem é antigo como eu lembra do Rumba Dancing, do Tabaris, do Varandá, do Maria da Vovó, no Anjo Azul, do Cacique, do XK, Braseiro da Ladeira da Praça, do Oceania, do chope La Fontana na Carlos Gomes. 
Havia até um pouso da madrugada no Largo de Amaralina que sequer tinha portas, o Gereré; e no Cosme de Farias, em Semirames, brincava-se com os copos e a prosa até as madrugadas; na Boa Viagem e na Ribeira, nos divertíamos no Caçuá e no Tainheiros. A Barra era um paraíso desde a Maria Fumaça aos clubes chiques e populares com seus bailes nos finais de semana, na Associação Atlética, no Palmeiras, no Democratas, no Amazonas e, de quebra, nas madrugadas descer a terceira escada rumo as areias da praia e ao amor. 
Pensar sobre o tempo e todo esse retrocesso imaginando que teríamos continuidade com outras formas de viver a cidade às noites é um passatempo desagradável já que, nesse alvorecer do século XXI, vivemos enjaulados. Há grades em nossas casas por todos os lados nas residências dos ricos, dos pobres, dos remediados, das autoridades, dos juízes, dos parlamentares, dos templos religiosos, nos colégios, universidades, ninguém escapa dessa vigilância permanente acrescida de cães e câmeras. 
Até imagens de santos vivem em nichos enjaulados e furta-se os dízimos na Irmandade do Senhor do Bonfim a ponto de Sua Eminência, o cardeal, intervir nomeando um monsenhor probo. Esse é o ambiente na Cidade da Bahia que já foi de paz e amor, do pombo Correio, do caminhar sem lenço nem documento nas dunas do Abaeté e nas areias das praias. 
Dorival Caymmi teria sido um profeta desse novo tempo? “Ai, ai que saudade eu tenho da Bahia/ Ai, se eu escutasse o que mamãe dizia/ "Bem, não vá deixar a sua mãe aflita/ A gente faz o que o coração dita/ Mas esse mundo é feito de maldade e ilusão.”
É isso, agora, proíbe-nos de sairmos às noites, de tomarmos um chopinho a beira orla, curtir o largo da Dinha, degustar o sorvete na balaustrada da Ribeira diante de tanta maldade e balas perdidas a voar Na década de 1970, Vinicius de Moraes e Toquinho cantavam: “É bom passar uma tarde em Itapuã/Ao sol que arde em Itapuã/ Ouvindo o mar de Itapuã/ Falar de amor em Itapuã/ Depois sentir o arrepio/ Do vento que a noite traz/ E o diz-que-diz-que macio/ Que brota dos coqueirais/ E nos espaços serenos/ Sem ontem nem amanhã/ Dormir nos braços morenos/ Da lua de Itapuã.” Devolva-nos essa velha vida senhores e senhoras autoridades das gravatas, togas e colarinhos engomados. Juro que tenho saudade desse tempo da cidade inteira e não pela metade, do meio turno. Viramos repartição pública. 
Hoje, é-nos proibido dormir nos braços morenos da lua de Itapuã, das dunas do Abaeté, do luar da praia de Tubarão, da colina do Monte Serrat e até do largo onde fica a Basílica do Senhor do Bonfim. Resta-nos, oh! que tristeza, o sol se pondo em Cacha Pregos vendo-se da encosta do Farol da Barra e, logo em segunda, o caminho de casa como cordeiros de Deus. 
A cidade perdeu o seu glamour dos luares, do seu encanto das noites, e olhar a beleza da lua cheia só é permitido das janelas das casas e apartamentos, das cornijas das igrejas ainda, arriscados, a seremos atingidos por alguma bala perdida que zunindo no espaço não tem endereço certo. 
Eu, o andarilho desta cidade, limito-me a flanar apenas no quadrilátero do centro histórico e quando vou a algum sitio na minha vizinhança, para algum serviço, no Calabar, na Sabina, no Alto das Pombas, fico atormentado.
Era cliente há decênios da borracharia da entrada do Calabar de longos anos e, hoje, evito-a; freguês da oficina do mestre Botafogo, na Sabina, que também evito. E o que dizer de andar pela Capelinha do São Caetano, pela Valéria, Saramandaia, São Bartolomeu, Avenida Peixe, Pedrinhas, Rua Direita do Uruguai, praça da Revolução, em Periperi, no Boca de Galinha da Plataforma que tanto gostava, nem pensar. 
Fui expulso (eu e todos os outros estranhos a esses sítios) desses bairros porque não nos enquadramos dentro do código estabelecido pela bandidagem, aquele que vale, uma vez que o código Hamurabi, dos togados, não serve para nada. 
Quando escrevia Dom Quixote em seu prólogo na dúvida do que colocaria no papel, Cervantes foi visitado por um amigo que lhe fez muitos questionamentos e acordou para o escrito dando um tapa na testa. Estamos assim, vivendo em pensamentos e precisando de um tapa desses a darmos nas autoridades, um tapa na consciência. 
Somos, pois, os baianos da capital, da Cidade da Bahia outrora de paz e amor, plena, inteira, cheia, noite e dia, agora, apenas pássaros que somos regulados pelo tempo e, ao escurecer, ao sol se por no horizonte, irmos para casa e dormir. Vivemos numa cidade pela metade do raiar ao por do sol. 
*Escritor e Jornalista

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Os Tesouros da Baía

 Histórias submersas da Baía de Todos os Santos mostram o passado fora dos livros e atraem piratas.

Fernanda Santana*

Embaixo d’água, um dos conhecimentos básicos que mergulhadores, exploradores e arqueólogos subaquáticos compartilham é saber diferenciar sucata de história. No fundo do mar, qualquer rastro de ferrugem pode indicar uma arqueologia perdida, sobretudo na Baía de Todos-os-Santos (BTS), um dos principais sítios arqueológicos subaquáticos brasileiros. 

O tempo e a falta de manejo deterioram parte da história contada por esses sítios, caracterizados por abrigar vestígios materiais da ação humana. As embarcações que daqui saíram ou tentaram aportar, mas naufragaram, trazem informações sociais, históricas e comportamentais do seu tempo. Das 18 localizadas pelo projeto Observabaía, ligado à Universidade Federal da Bahia (Ufba), cinco estão em alto risco de vulnerabilidade. Em 1998, o historiador José Góes de Araújo calculou mais de 150 embarcações naufragadas na BTS. 

Como o patrimônio subaquático não é visto, raramente é lembrado. E, no esquecimento, a dilapidação fica mais fácil. “Essas histórias ficaram subalternas, não são as histórias dos livros. Quem eram os tripulantes? Para onde iam, o que representava chegar num porto de Salvador no século 19 e procurar seus amigos?”, questiona Rodrigo Torres, doutor em arqueologia pelo Nautical Archaeology Program da Universidade do Texas (EUA). 

A história dos documentos, segundo ele, é a dos burocratas. A dos sítios arqueológicos subaquáticos, “fonte primária insubstituível”. A BTS, como a costa do Recife e Rio de Janeiro, é um polo de naufrágios. Isso tem explicação. A Baía que margeia Salvador na sua porção oeste e o Recôncavo Baiano ao leste foi a maior rota de produtos do Brasil Colonial. 

Os colonizadores buscavam estar à margem de ambientes seguros e navegáveis como baías. Isso porque tinham um modelo agroexportador e queriam tempo para se proteger de ataques. A BTS “favoreceu uma ocupação mais estável”, explica Caio Adan, historiador, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) e coordenador do Centro de Estudos do Recôncavo.

A falta de preservação desse patrimônio soterra um passado que acontecia por intermédio das águas e que pode não ter sido contado. Os mergulhos começam um dia antes de o barco sair da costa. É preciso preparar o barco, combustível, cilindro e comida.


O investimento de uma saída de mergulho custa, em média, R$ 400 por pessoa. “Eu só posso falar que eu procuro, não posso dizer que achei”, brinca Mário Cortizo Andion, rebatizado popularmente como Mário Mukeka, 67, mergulhador, sobre os tesouros submersos que movem o imaginário de outros mergulhadores que descem cotidianamente à Baía.Como ninguém está oficialmente procurando, ninguém encontra, também oficialmente, nada. Moqueca é filho de piloto de avião, mas preferiu o mar. Isso depois de, em 1990, encontrar uma idosa, na Ladeira de São Bento, em Salvador, que o indicou a existência de centenas de moedas de ouro no mar de Amaralina. A praia está fora da Baía, que depois Mário conheceria de ponta a ponta. “Já mergulhei na BTS mais de cinco mil vezes”, calcula o mergulhador, que sempre viveu do mar, mas em atividades de guia Desde a infância, quando veraneava em Itaparica, ou no dia a dia, no Porto da Barra, Moqueca mergulhava sem equipamento para encontrar tesouros. “A busca de coisas do mar nunca me rendeu dinheiro, mas eu sempre trabalhei do mar”, diz Moqueca, que nunca encontrou as moedinhas douradas prometidas pela senhora desconhecida. “Todo mergulhador tem um pouco de pirata, mas a gente fala que não. Você está andando por aí, tropeça num baú antigo de ouro e vai procurar o dono?”, pergunta um mergulhador, que pediu para não ser identificado. Há mergulhadores que acreditam num mundo de riquezas ainda por desbravar.

O movimento das marés, assim como soterra naturalmente naufrágios, pode revelar outros, e sabe lá o que pode surgir. “Se alguém achou, está de bico calado, porque quem vai falar?”, pergunta outro mergulhador. A Marinha do Brasil respondeu que não há registro de roubo de patrimônio na BTS na Ouvidoria da Capitania dos Portos da Bahia sobre, nem projeto em andamento para preservação em sítio ou pedidos de exploração em sítios. A Marinha é responsável por fiscalizar e autorizar atividades de pesquisa e exploração. Um dos canais de comunicação dos mergulhadores e caçadores com as riquezas do mar são os pescadores. Quando lançam a rede no mar e o retorno levanta suspeita - por exemplo, se vem uma louça no lugar de um peixe -, eles ligam para mergulhadores conhecidos. Quem hoje mergulha no mar da BTS logo é avisado que, o que for encontrado no mar, lá deve ficar. “Antigamente, era muito aquele negócio de achar tesouro. Hoje a gente fala que temos que deixar tudo ali”, conta Marcos de Paula, dono de uma empresa de mergulho localizada no Comércio. A arqueologia da BTS pode ser visitada por não mergulhadores. Para isso, há duas possibilidades: um curso de uma semana, em que você sai habilitado para mergulhar em qualquer parte do mundo; ou um batismo, em que o professor dá indicações básicas para mergulhos de até 12 metros de profundidade. “Os naufrágios mais visitados são esses mais rasos. Temos aqui na BTS de quatro a nove metros de profundidade”, diz Marcos. Fora d’água, em Salvador, o público pode conhecer materiais retirados do mar no Museu de Etnologia e Arqueologia e no Museu Náutico da Bahia, na Barra, onde estão expostas cinco vitrines de artigos retirados do Galeão Sacramento, um navio que bateu no Banco de Santo Antônio e naufragou. Em novembro de 2020, , um passo foi dado para criar novos pontos de mergulho em naufrágios e incentivar o turismo náutico. Depois de quatro anos sem fazer a travessia Salvador-Itaparica (maior ilha da BTS), o ferry-boat Agenor Gordilho foi afundado. A ideia de criar afundamentos divide opiniões, mas existe um consenso entre os pesquisadores que estudaram invasões na BTS. Estruturas artificiais podem servir como focos de proliferação para espécies exóticas, explica Francisco Barros, oceanógrafo, doutor em Ecologia Marinha pela Universidade de Sidney e professor da UfbaNa foz do Rio Paraguaçu, pode estar soterrado um dos grandes afundamentos que se têm registro histórico na BTS. Foi o historiador José Góes quem apontou nesta direção: o navio holandês teria sido parado pela lama e afundou. “Muitas histórias deixam de ser contadas, por falta de uma maneira organizada. Como se reconstruirá essa história apagada?”, pergunta Carlos Caroso, antropólogo e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Um dos desafios é fazer com que a cultura e natureza não estejam em confronto. “A BTS é um museu aberto”, diz Caroso. Mas, essas riquezas históricas vão muito além dos naufrágios. As bordas da Baía eram habitadas por tupinambás que também usufruíam da BTS - para pescar e se locomover. “O que é contado dessas histórias indígenas? Porque ainda pode existir muita coisa lá embaixo”, acredita Caroso.   

SAMBAQUIS
Os tupinambás viviam nos entornos da Baía e técnicas ainda hoje utilizadas por pescadores foram herdadas desse povo que tinha estreita relação com o mar. Uma delas é a camboa, armadilha de palhas de piaçava que, transformadas em esteiras, aprisionam o pescado. A materialidade dessas vivências está gravada na Baía por meio dos sambaquis, sítios arqueológicos construídos por populações pesqueiras que ocuparam ambientes costeiros entre 600 e sete mil anos atrás. “Os sambaquis são acúmulos de restos alimentares como conchas, ossos de peixes, frutos e sementes'', explica Carlos Costa, doutor em Arqueologia pela Universidade de Coimbra e professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB). O arqueólogo Valentin Calderón identificou pelo menos quatro sambaquis na região da BTS. Depois, pesquisadores de universidades públicas identificaram mais quatro. Dos oito, apenas três foram escavados. Faltam pesquisas dedicadas a investigar esse outro lado da história. Não por falta de interesse, mas de  sambaquis, como em Periperi, Ilha de Cajaíba, Ilha das Vacas, dos Frades, Santo Amaro, Santiago do Iguape etc”, completa Costa. Mais descobertas sobre esses sambaquis, opina ele, "poderiam permitem saber um pouco do modo de vida das populações antes da ocupação colonial na Bahia". No futuro, os vestígios das vidas de quem vive nos entornos se misturarão mais uma vez à Baía.

*Reporter do Correio da Bahia.