quarta-feira, 27 de março de 2013

Voando sobre a Baía de Todos os Santos

Eduardo Atayde*
Se a ponte Salvador-Itaparica vai ser construída, ainda não sabemos, mas os debates estão na ordem do dia. Liderando as ações, o governo do estado acendeu o maçarico contratando a empresa internacional de consultoria McKinsey, referência no mundo, para fazer levantamentos sócio-econométricos a fim de lastrear o planejamento sobre a área de influência econômica da Baía de Todos os Santos (BTS), que vai muito além da área molhada 

A BTS é uma Área de Proteção Ambiental (APA) de uso sustentável, estabelecida pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC (Lei 9.985). Na prática, as APAs parecem funcionar hoje como carros velhos em museus, serviram no passado mas não atendem mais a realidade corrente. A BTS, que começa a sofrer as dores do crescimento com a visibilidade internacional como berço da civilização de uma das maiores economias do mundo, precisa avançar com inteligência nova para garantir a sua preservação - uma imperiosa necessidade - transformando-a em PIB sustentável. 
Pressionada por crescentes empreendimentos que esbarram nos emaranhados de legislações de três níveis (federal, estadual e municipal), e submetida a burocracias trinas, licenças múltiplas, preservações e impactos, direitos, deveres e judicializações - a bela baía está em crise. Especialistas em sobrepujar crises, os japoneses usam dois ideogramas para traduzir esta palavra: perigo e oportunidade. Desenvolver-se sustentavelmente é o único caminho para a baía ameaçada.

Vultosos investimentos como a ponte, o estaleiro do Paraguaçu, a renovação da Refinaria Landulfo Alves, o terminal de regaseificação da Petrobras, novos portos privados, ampliação dos velhos portos e o despertar para investimentos imobiliários e suas marinas, com dinheiros de fundos internacionais - precisam estar submetidos a um plano global de gestão da BTS guiados pelos princípios da sustentabilidade de resultados, com monitoramentos de última geração, como fazem baías ao redor do mundo, visando manter a qualidade do ambiente que serve a todos, especialmente à população. 
A Agência de Gestão da BTS, proposta ao governo do estado pela Associação Comercial da Bahia e o Rotary BTS, volta à ordem do dia. Sem governança inovada e parceria público-privada, já experimentada em outras baías do mundo, o custo do desenvolvimento da BTS será cada vez maior. Princípios da sustentabilidade de resultados revelam que, dentre todos, o custo da ignorância é o mais pesado. Apostando no incremento da qualidade dos transportes na baía e nos incentivos de R$ 7,3 bilhões do governo federal para aviação regional, o Rotary BTS abre uma nova proposta: aviões anfíbios partindo do Forte de São Marcelo ou da Ribeira (como antigamente), voando sobre a BTS e pousando em Pedra do Cavalo, Feira de Santana. Voos diários de 20 minutos de duração entre Feira e Salvador ficarão lotados, afirmam potenciais usuários consultados, indicando outras localidades como Itaparica, Paraguaçu, Morro de São Paulo e Boipeba, a serem servidas.


* Eduardo Athayde é diretor da ACB e do Rotary BTS - eduathayde@gmail.com

segunda-feira, 25 de março de 2013

Como a Holanda incentivou o ciclismo

A cidade imovel

Lourenço Mueller*
A cidade não se move, não apenas pela insuportável incompetência  de quem tem lidado e lida com mobilidade, nos dois sentidos, o da operacionalidade do sistema viário, ao proibir hábitos arraigados - como estacionar ao longo das vias -  sem dar alternativas e o do planejamento de transportes e trafego e aí eu nem vou dizer o que falta porque falta tudo, sobretudo um conceito de cidade contemporâneo. Falo de outra natureza de imobilidade. 
A cidade é uma conjuntura social expressa em varias dimensões ,entre as quais uma dimensão física constituída pelas suas redes de infraestrutura e seu habitat. Este em boa parte eh formado por habitações populares e/ou informais não licenciadas e por construções regulares, com projeto de arquitetura aprovado na municipalidade. E desta que vamos falar. Se há  estruturas organizadas responsáveis pela ocupação legalizada da cidade são a prefeitura e a associação patronal dos incorporadores e construtores de imóveis , a ADEMI; esta instituição já teve seus ícones na direção, construtores de nomes conhecidos e realmente atuantes no que se chama ' mercado imobiliário' , que ajudaram a formar sua imagem de respeitabilidade. Os critérios de escolha dos presidentes mudaram radicalmente nas ultimas gestões e recairam em pessoas de pouca ou nenhuma expressão na área de incorporacão e construção, razão pela qual tem atuado mais como facilitadores intermediários meramente mercantilistas; assim, contradizem a história dos que defendiam acima de tudo os interesses de classe dos associados colocando em segundo plano seus eventuais projetos pessoais.
Entretanto, o poder de interferência nas legislações urbanísticas da prefeitura aumentou na inversa proporcionalidade de competência dos seus dirigentes, apoiados por burocratas corruptos ao longo da ultima gestão municipal. Hoje o ministério publico precisa ser acionado a toda hora por movimentos sociais (ex) que ainda se preocupam com esta cidade, liderados por profissionais que perdem horas preciosas de suas vidas com o aborrecido trabalho de denuncia desses desmandos, muitas vezes não podendo 'dar nome aos bois' porque os atores dessa escorcha  às leis e ao patrimônio territorial e paisagístico são muito espertos para não deixar rastros visíveis de suas atividades ilegais. 
Certamente o MP e a policia tem poderes e competência para rastrear essas pegadas invisíveis. 
Embora já começando a tardar nas ações corretivas dessas malfeitorias que estão dificultando o empreendedorismo dos que realmente operam na construção física da cidade, o novo prefeito ainda goza da boa vontade dos eleitores mais informados, cônscios de que 'Roma não se fez num dia'. Não sejamos tão ingênuos: quem esta no poder tem que fazer concessões mas a percepção da cidade apenas como uma mercadoria poderá transformar a jovem liderança política municipal num fantoche de pessoas sem escrúpulos, bem capazes de vender Salvador por trinta ricos dinheirinhos. 
Lançamentos imobiliários foram reduzidos em cerca de 70% (dado de fonte do próprio mercado imobiliário) e já há desemprego para trabalhadores ( arquitetos, operários e profissionais qualificados) além do que a tibieza e o conservadorismo de certa parte do empresariado baiano permitiu que grupos de outros estados, notadamente paulistas e pernambucanos, 'jogassem na nossa área ' (Agora cariocas também, no caso do conjunto da praca Cayru) .
Nada contra, dêsde que as coisas sejam transparentes. Mas não são. Quanto ao órgão representativo da classe de arquitetos, o IAB, discute babilonicamente o sexo dos anjos, se exclue de grupos mais proativos como " A cidade também é nossa " e se omite em questões como essa de criticar uso e ocupação do solo e comportamento dos eternos agentes privilegiados da construção física da cidade. Nao sou saudosista mas não posso deixar de lembrar alguns heróis arquitetos que construíram uma sede própria do nada (os 'cinco baixinhos' nas palavras de Pena Costa, o querido AryPC) e o fizeram pensando na entidade recem criada e não em si mesmos. São omissões imperdoáveis para as poucas entidades que poderiam, com seu peso representativo, coibir equívocos na gestão urbana. Mas preferem talvez estar bem com os poderosos do que ser a voz dos seus afiliados, a maioria descontente com suas representações de classe, é só perguntar...
* Arquiteto e Urbanista

quarta-feira, 20 de março de 2013

Impasse e Oportunidade

Osvaldo Campos Magalhães*
O impasse nas negociações entre o Governo do Estado e a Prefeitura do Município, objetivando a transferência da gestão e da ampliação do Metrô, pode abrir uma janela de oportunidade para a melhoria do sistema de transportes públicos de passageiros em Salvador.
A população da cidade convive com um dos piores serviços públicos de transportes de ônibus do Brasil, resultado de décadas de total submissão do executivo municipal da cidade aos interesses das empresas prestadoras dos serviços, representadas pelo SETEPS.
As negociações entre o governador Jacques Wagner e o Prefeito ACM Neto haviam avançado, com a concordância do executivo estadual em assumir o Metrô, desde que o município transferisse o primeiro trecho já concluído, que liga a Piedade até o Shopping Bela Vista, bem como, as estações da Lapa e Mussurunga. O executivo municipal, em contrapartida, solicitou que o Governo da Bahia assumisse o deficitário sistema de trens do subúrbio, recebido por João Henrique da CBTU, com dívidas de mais de R$ 200 milhões.
O impasse nas negociações surgiu na definição do valor das tarifas de integração entre o sistema de Metrô e o sistema de transportes urbanos de ônibus. O Governo da Bahia propôs o pagamento de R$ 0,95 por trecho, sobre uma tarifa única de R$ 3,50 por passageiro. A Prefeitura de Salvador propôs o valor de R$ 1,40. Na visão do Secretário Ruy Costa, que representa o Governo do Estado nas negociações, o Metrô, só será atraente para o futuro parceiro privado, com a integração entre os dois sistemas. Já para o Secretário Aleluia, representante do município, a proposta do Governo da Bahia provocaria um desequilíbrio financeiro para o sistema de ônibus, que implicaria em aumento do preço da passagem, face à incapacidade da PMS subsidiar o sistema.
Caso o impasse permaneça, inviabilizando a desejada transferência do Metrô, surge então, uma oportunidade única, para a nova gestão do município de Salvador.
Após décadas de operação, o sistema de transportes de passageiros por ônibus, em Salvador, deverá ser finalmente licitado, resultado de pressões do Ministério Público Estadual. Várias audiências já haviam ocorrido no final da gestão do ex-prefeito João Henrique, tendo sido preparado Edital que previa a divisão da cidade em três regiões, e a possibilidade de formação de consórcio entre as diversas empresas para operarem o sistema, que incluiria também a gestão das Estações de Transbordo e Terminais Rodoviários.
Com a eleição de ACM Neto, foi criado um grupo de trabalho, que ficou de revisar o Edital proposto pela gestão passada e apresentar uma nova proposta, com a realização de nova consulta pública.
Surge então uma alternativa para a Prefeitura de Salvador, caso as negociações com o Governo do Estado fiquem inviabilizadas. Realizar uma licitação para a exploração e integração de todo o sistema de transportes de Salvador, que, além dos ônibus, incluíssem os Planos Inclinados, Trem de Subúrbio, Elevador Lacerda e o sistema de Metrô.
O projeto poderia ser preparado com a consultoria e financiamento do IFC, departamento do Banco Mundial.
No evento “Transformando os Transportes”, realizado em Washington DC, nos dias 18 e 19 de janeiro, o presidente do Banco Mundial Jim Yong Kim, que esteve em Salvador este ano, disse que o transporte urbano é uma prioridade para o Banco. Afirmou ainda que os prefeitos não deveriam deixar de utilizar os serviços do quadro técnico da entidade, que poderia ser chamada também de Banco do Conhecimento, já que dispõe de mais de uma centena de PHD´s, que atuam também como consultores.
Poderia ser utilizada a modalidade de concessão, Parceria Público Privada, em uma licitação internacional, que seria bastante atraente, em função da dimensão dos serviços e os valores envolvidos, possibilitando trazer para Salvador as melhores práticas mundiais em sistemas de transportes públicos de passageiros. Lembremos que no passado, Salvador já teve um dos pioneiros serviços de transportes de passageiros, sobre trilhos, explorado com sucesso por uma grande empresa Anglo/Canadense.
Surge então, do impasse, uma oportunidade, que o novo prefeito não deve desprezar, para o bem da cidade e de seus habitantes saturados com os péssimos serviços prestados pelas atuais empresas de transportes do município de Salvador.
* Editor deste Blog - Engenheiro Civil e Mestre em Administração. Especialista em transportes, tecnologia e competitividade
** Artigo publicado originalmente no jornal A Tarde, pg.2, Opinião, 18/03/2013

terça-feira, 19 de março de 2013

O esgarçamento urbano de Salvador


Paulo Ormindo de Azevedo

Há muitas divergências entre os urbanistas, mas num ponto todos concordam: a cidade deve ter uma densidade demográfica e extensão espacial que facilite a comunicação social e a manutenção de redes eficientes de serviços. Nossas cidades são extremamente carentes de serviços. As periferias não contam com esgoto, lixo, abastecimento regular de agua, iluminação e acessibilidade aceitável, para não falar na segurança, na educação e na saúde. Dentro desta logica, a expansão de Salvador deveria ser dirigida para a periferia e para os municípios vizinhos. Na verdade isto já ocorre, mas de forma desordenada, como em Lauro de Freitas, com Itinga, e Camaçari, com a Vila de Abrantes. 

Para o norte e oeste a RMS se alarga como um leque para abrigar os polos industriais do Copec, Ford, Cia, Mataripe, e portos de Aratu e Temadre. A quase totalidade de seus trabalhadores vive na periferia de Salvador porque os municípios em que se encontram, embora ricos, não oferecem habitações nem serviços. Em outras palavras, o Estado nunca infraestruturou a RMS nem articulou Salvador com seus vizinhos.
Com tanto terreno contiguo é incrível que se defenda expandir Salvador para além-mar, a oito milhas do porto. Em entrevista a A Tarde, do ultimo dia 9, o Secretário Estadual de Planejamento afirma que a Ilha de Itaparica abrigará 280 mil habitantes. Para isto será necessário abrir estradas e ruas, construir escolas, creches e postos de saúde. Levar eletricidade, agua potável, telefonia e dados por um vazio de 13 Km para depois distribuir e construir uma grande estação de esgoto, pois um emissário submarino dentro da baia seria um desastre. Com essas obras o orçamento do Sistema Viário Oeste duplicará e passará dos R$15 bilhões. Incrível é também o contrato de R$40 milhões, por notório saber, de uma empresa alienígena para estudar o impacto na baia e na ilha, quando a UFBA acaba de publicar o mais completo estudo sobre a Baia de Todos os Santos e seu Recôncavo.
Resta ainda uma interrogação. Quem irá morar na ilha? Seguramente não serão a classe media, nem a alta. Os corretores imobiliários sabem que essas classes querem morar em bairros consolidados, perto de boas universidades, hospitais, shoppings, teatros e cinemas e não ter que enfrentar uma nova Paralela, com o agravante de ser interrompida durante horas para a passagem de plataformas de petróleo. As praias da ilha já foram loteadas e a costa interna é só mangue. Sem essas limitações o Litoral Norte continua um subúrbio chique de casas ocupadas um mês por ano.
A comparação com o Corredor da Vitória e propaganda enganosa. A centralidade faz toda diferença. E ainda há quem acredite que esta ponte vai ser financiada com leilões de CEPACs - Comprovantes de Potencial Adicional Construtivo. Isto só funciona em áreas centrais hipervalorizadas como o Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. Podem esperar sentados Donald Trump e Eike Batista para arrematar CEPACs de Caixa Prego e do Duro.
Por outro lado, não tem sentido botar o proletariado para morar do outro lado da baia e ir trabalhar a 60 km, no Copec ou na Ford, ou em Candeias e perder o dia de trabalho porque enfrentou engarrafamento em Salvador ou a passagem de uma plataforma de petróleo. Nesta perspectiva resta a Itaparica ser um acampamento rodoviário e retro-porto de Salvador como afirma um assessor, uma replica do município de São Gonçalo, vizinho a Niterói. Esta hipótese é confirmada no mesmo caderno imobiliário, quando noticia um grande empreendimento subsidiado de Minha Casa Minha Vida com habitações de 45 e 55 m². Sim, teremos uma Cidade de Deus em Itaparica.
O que resta deste projeto é a ilusão popular que a ponte irá substituir o ferryboat. Ninguém paga pedágio e enfrenta uma ponte de 13 km para chegar ao Rio engarrafado. As barcas ainda são a melhor solução para cruzar a Guanabara. Se este projeto for adiante por um capricho, nós contribuintes terremos de pagar por muitas décadas seu custo exorbitante. Mas o mais provável é que ele não passe de alguns pilares perdidos na baia, enfeando e atrapalhando a navegação .
*Arquiteto e Urbanista. Foi presidente do IAB - Bahia
Artigo publicado originalmente no Jornal A Tarde, pg 2 - Opinião.

segunda-feira, 18 de março de 2013

A hora do Neto

 Antônio Risério*


Eleição é escolha - logo, comparação, confronto. O candidato não existe sozinho, nem a vácuo. Foi assim que Marcelo Freixo pôde se projetar como chama inovadora na paisagem eleitoral do Rio. Que Haddad afirmou sua total superioridade sobre Serra, um político que optou pelo caminho da autodeterioração, com uma impressionante capacidade para mentir. Que, em Salvador, o neto de Antônio Carlos Magalhães entrou em cena. E o termo de comparação foi o pior possível: o candidato do PT, Nelson Pelegrino, sujeito tosco, despreparado para tudo. 
Pouco antes de votar, minha mulher, Sara Victoria, com sua história familiar comunista, me surpreendia: "Vou votar em Neto porque ele tem obrigação moral de fazer alguma coisa. Pelegrino não tem obrigação, nem sabe o que é moral". Por que "obrigação moral"? Para responder pela herança, pelo conjunto de realizações de Antônio Carlos na cidade, pelo compromisso (discutível, mas inegável) do velho com Salvador. Mas não há razões para se temer uma "volta do carlismo": não existe carlismo sem Antônio Carlos. O carlismo não é uma doutrina. Era um chefe e seu agrupamento, crias do nacionalismo autoritário da década de 1930, emergindo na ditadura militar, apelando, adiante, para o populismo de direita. Se fosse possível sem ACM, o carlismo já teria voltado com o PT baiano. O vice-governador da Bahia é o carlista Oto Alencar (que chegou a ser governador por seis meses nos tempos de ACM). Carlistas, como o ex-governador César Borges, apoiaram Pelegrino. Carlistas ocupam cargos de relevo no governo estadual. E se destacam no PT. Além disso, no dizer de Paulo Fábio, Wagner aprendeu e aplica a "gramática do carlismo", na afirmação de sua hegemonia baiana. Na verdade, falar de carlismo é fácil e conveniente para quem não quer pensar, a não ser com base no velho maniqueísmo local. É cômodo para as viúvas ressentidas de ACM, à direita. E à esquerda, onde elas aparecem como as neuróticas obsessivas de Freud, sem conseguir tirar o velho da cabeça.
O próprio Neto diz outra coisa: "Sempre tive orgulho da minha história, do senador ACM, que continua sendo uma pessoa presente no coração dos baianos... Nós estamos em 2012. Nada de falar em retorno do carlismo. Eu não quero e não vou fazer um governo personalista, eu quero fazer um governo plural, um governo com todos. Pela primeira vez, eu vou ter a oportunidade, inclusive, de afastar desconfianças, quebrar paradigmas... Não vou fazer um governo que vá perseguir ninguém... Quero fazer um governo plural, pensando no futuro da cidade. E ponto final". Neto não tem de renegar o avô. E pode vislumbrar, entre ambos, a figura do tio Luís Eduardo Magalhães, avesso a práticas autoritárias do carlismo. Luís Eduardo era essencialmente político e um político essencialmente democrático. Sobre ele, Fernando Henrique escreveu: "Luís Eduardo, como presidente da Câmara dos Deputados e como líder do governo, demonstrou que o trato cavalheiresco e os modos amenos podem ser compatíveis com a firmeza de decisões, com a capacidade de convencer os demais, com a determinação para chegar a resultados. 
Luís sempre apoiou as reformas: acreditava na necessidade delas para o País e não apenas as apoiava por conveniência política". É muito diferente, claro, do deputado noviço que prometeu uma improvável surra em Lula. Mas Luís Eduardo, nos seus tempos de Dudu, também foi destemperado e arrogante. Com os anos, aprendeu. Soube se reinventar, inclusive pessoalmente. Circulando com desenvoltura na frente partidária ligada ao governo de Fernando Henrique e em meio aos partidos de oposição, era tratado com respeito e admiração. Todos reconheciam que ele tinha luz própria e olhava para o futuro. "Luís representava uma perspectiva moderna no PFL", disse Fernando Gabeira. E Marta Suplicy: "Era um homem que tinha a capacidade de se abrir para o novo". Infelizmente, ele morreu em 1998, ainda jovem, aos 43 anos.
Que Neto não se mire menos no tio do que no avô, não perca tempo na canoa furada de "protagonista da CPI do mensalão", não pise na bola dos favores e se abra de fato para a conversa séria, é o que espero. Ele sabe o que interessa: pensar o futuro da cidade. Salvador está caindo aos pedaços. Tem de reconfigurar sua expansão, reativar sua memória, diminuir distâncias sociais, recuperar sua criatividade e reconquistar seu lugar na vida brasileira. E Neto, apesar das dificuldades, vai assumir a prefeitura em conjuntura propícia. Com obras programadas para a Copa, com a visão civilizada de Wagner (que, contrariando ameaças de Sérgio Gabrielli, não deve asfixiar a prefeitura, como o velho ACM fez com Lídice da Mata), com apoio nacional e uma câmara municipal menos desqualificada, etc. O desafio é avançar no caminho da transformação de um vilarejo com elefantíase numa cidade ao mesmo tempo histórica e de vanguarda. Em uma Salvador digna de si mesma.
ANTONIO RISÉRIO É ANTROPÓLOGO E AUTOR, ENTRE OUTROS, DE A CIDADE NO BRASIL
Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de São Paulo - 21/12/2012 

sexta-feira, 15 de março de 2013

Lelé:Cidades são grandes Frankenstein

J
'O arquiteto deveria ser o clínico da cidade. Falta visão global' - JB Neto/AE
Hoje morando em Salvador, esteve em São Paulo na terça-feira, 12, para divulgar seu último livro, Uma experiência na área da saúde, no Museu da Casa Brasileia, Lelé falou ao Estado sobre o mau gosto na arquitetura de hoje e a falta de planejamento que piorou a qualidade de vida nas metrópoles. "As cidades são um grande Frankenstein."
Como você enxerga o crescimento das cidade hoje? 
Há um descontrole geral. Hoje em dia tudo é imagem, e os prédios e as cidades refletem isso. A arquitetura privilegia as fachadas, o prédio tem de ser diferente. Em Salvador tem um shopping de cimento que resolveram simplesmente revestir de vidro. É essa coisa do envelopamento que nasceu na Alemanha, para a Alemanha oriental se parecer com a ocidental.
Você acha que os prédios novos estão ficando todos iguais?
Não sei se iguais, mas tem um mau gosto aí. Tem a questão da moda que cria essa linguagem, até mesmo para os prédios. Eles têm de se vestir daquela forma, todos iguais, para ficar na moda. E os arquitetos, para sobreviver, vão a reboque dessas pressões. Então são indiretamente culpados. Mas a sociedade também manda. Estamos em um ciclo vicioso.
Fala-se muito na pressão do mercado imobiliário, que se defende alegando que as pessoas precisam ter onde morar... 
Todo mundo quer morar onde convém e o mercado se aproveita disso para fazer um adensamento descomprometido com a cidade. Você adensa áreas e cria problemas em outras. Imagine um corpo humano, todos os órgãos têm de estar integrados. De repente alguém diz 'ah, vamos fazer aqui um coração enorme!' Não adianta, o peito vai estourar porque o coração é muito grande.
Mais planejamento urbano faria as cidade mais harmoniosas?   Não tem mais como planejar. Uma cidade é feita de relações, da integração entre prédios vizinhos, mas isso não é mais prioridade. As cidades estão se desintegrando. O arquiteto pode até se preocupar, mas a cidade não oferece mais solução. Veja a Cidade do México, São Paulo. São cidades insolúveis. Estão sempre tentando resolver problemas imediatos, que às vezes duram um pouco, mas em sua maioria são soluções efêmeras.
As ações do poder público são fragmentadas? 
Sim, cada um pensando na sua gaveta. Isso decorre de um mundo cada vez mais especializado. Veja na medicina, a figura do clínico praticamente desapareceu. O arquiteto deveria ser o clínico da cidade. No entanto, não tem uma visão global e as obras viram um Frankenstein. A cidade é o maior Frankenstein de todos.
Também há uma diferença entre a cidade vista no centro e a cidade da periferia... 
Sim, evidentemente, quando os gastos com imagem ficam proibitivos aí se revela outro tipo de arquitetura, pobre, sem interesse tecnológico, desprovida de integração e beleza. Quando a gente sai dos centros das cidades e vai para áreas mais pobres são dois mundos diferentes, que convivem de uma maneira terrível.
O senhor vê alguma cidade brasileira que seja um modelo de crescimento? 
Não, porque todas elas sofrem esse tipo de pressão do adensamento, feita pelo mercado imobiliário. A questão do automóvel é que se tornou um problema sério. Curitiba, na época do Jaime Lerner (arquiteto, ex-prefeito da cidade), investiu em transporte público, virou referência. Mas hoje já tem problemas. Vejo ações setorizadas que parecem eficientes, como o BRT (Bus Rapid Transit) da Barra da Tijuca, no Rio. Mas só serve àquele setor, não é uma coisa integrada. 

sábado, 9 de março de 2013

Quem Pensou a Salvador do Futuro? Mário Leal Ferreira

Um pioneiro do planejamento


Dona de uma beleza natural e arquitetônica exuberantes, a Cidade do Salvador sinalizava, na primeira metade do século passado, o acúmulo de problemas urbanos gerados por um crescimento sem planejamento.
Na chamada “cidade presépio” das décadas de 30 e 40 prevaleciam deficiências como iluminação pública ruim, ruas estreitas, falta de saneamento e carência de transporte coletivo, entre outras
.A solução para esses problemas começaria a ser pensada no início da década de 40 por uma equipe multidisciplinar, composta por engenheiros, arquitetos, historiadores, advogados, sociólogos, antropólogos e médicos. Tendo à frente o baiano Mário Leal Ferreira, o Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador – Epucs, foi responsável pela elaboração do plano que mudou a cara da capital baiana e configurou a cidade como pode ser vista hoje.
O Epucs tornou-se um marco no planejamento urbano do país. Haviam cidades planejadas na sua gênesis. Mas, pela primeira vez, um escritório de urbanismo estava planejando e projetando a evolução e o desenvolvimento de uma cidade brasileira. 
O objetivo, como observa o livro "Epucs – uma experiência de planejamento urbano", era criar e consolidar uma consciência urbanística, “sem a qual não seria possível uma expansão racional e metódica da capital”.
Idealizador do Epucs, e seu primeiro comandante, Mário Leal Ferreira era um baiano adepto da engenharia pluridisciplinar. 
Nascido em janeiro de 1895 e formado em engenheiro geógrafo pela Escola Politécnica da Bahia, em 1914, iniciou sua vida profissional no Rio Grande do Sul, mudando-se, em seguida, para o Rio de Janeiro, onde foi, por muitos anos, professor da Escola Nacional de Engenharia, na disciplina “Higiene, Saneamento e Urbanismo”. Foi ainda professor de “Higiene da Habitação”, na Escola Nacional de Belas Artes. 
Fora da Academia, Mário Leal Ferreira atuou como engenheiro-chefe do Serviço de Água de São Paulo, organizou e dirigiu o Laboratório do Serviço de Águas e Esgotos do Distrito Federal e dirigiu a engenharia sanitária dos Serviços de Saúde do Estado do Rio de Janeiro. Coordenou também o Departamento de Geografia e Estatística do governo federal.
Volta a Salvador através do seu prestígio junto ao presidente Getúlio Vargas, conseguiu uma bolsa da Fundação Ford, iniciando sua trajetória internacional pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, onde se especializou em engenharia sanitária. Em seguida, foi para as Filipinas, atuar junto ao combate à epidemia de febre tifóide. Como bolsista da Fundação Rockfeller, dedicou-se a estudos em engenharia e sociologia. Em países como França e Alemanha, além de nações da América do Sul, desenvolveu estudos e projetos.
Na década de 40, ele retorna a Salvador para apresentar um plano de urbanização para a cidade, como alternativa à proposta defendida pelo francês Alfred Agache, um dos maiores urbanistas do mundo. Os técnicos da prefeitura, comandada então pelo prefeito Durval Neves da Rocha, aprovam a proposta do baiano, mesmo tendo um custo um pouco superior a do francês. 
Como lembra o ex-secretário de Planejamento da Prefeitura de Salvador, Manoel Lorenzo, seu plano tem influência do urbanismo progressista, cujo maior expoente era Le Corbusier, e as idéias do urbanista Patrick Geddes, que rejeitava a adoção de modelos, não concebendo uma “cidade tipo”, mas tantas cidades quanto a realidade apresentasse.
“Mário Leal concebia o planejamento como um processo e, por essa razão, previa o detalhamento de cada um dos setores integrantes do zoneamento, quando deveriam ser detalhados os centros de bairro. Em consonância com essa visão processual, aventava duas alternativas para a legislação urbanística: uma, geral, abrangeria toda a zona urbana de uma só vez; outra trataria a cidade por partes/setores, sendo de sua preferência esta última. 
No entanto, a alternativa que vingou e se transformou no Decreto-Lei 701/48, foi a primeira”, avalia Lorenzo.
Início do Epucs
 Em abril de 1943, começa a funcionar o Epucs, no terceiro andar de um edifício na Praça Cayru. Foram desenvolvidas pesquisas de investigação histórica e científica na cidade e entrevistadas cerca de 4.500 famílias. 
Na sua proposta de trabalho, Leal Ferreira avaliava que “corrigir os defeitos de uma cidade ou lhe projetar o desenvolvimento deve ser, antes de tudo, motivo de prescrutação do passado, visando identificar, através de investigação histórica e científica, os fatores que influíram na sua evolução”.
A proposta de trabalho previa um sistema integrado, no qual se articulassem duas redes de avenidas– uma para o tráfego mais lento, de acesso aos bairros, e que seria implantada nas partes mais altas, interligadas por viadutos, e outra, a ser construída nos vales, através de avenidas. Exemplos deste tipo de avenida são a do Vale do Canela e a da Avenida Centenário. 
No livro O Macroplanejamento da aglomeração de Salvador, A S. Scheinowitz explica a opção pela rede de avenidas de vale: “Caminhando no meio de jardins, a rede permite uma extrema mobilidade e uma grande segurança, já que o fluxo de carros é isolado das habitações. Além disso, os pedestres não usam essa rede, pois as habitações estão situadas onde chegam também os transportes coletivos. Enfim, a conjugação das avenidas de vale com as redes de esgoto, os canais de drenagem e a distribuição de água facilita muito a manutenção e ampliação dessas infra-estruturas. As avenidas de vale teriam ainda o objetivo de proteger a zona residencial dos ruídos, poeiras, gases de combustão dos automóveis e acidentes”.
O Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador – Epucs, apresentava propostas relacionadas ao encaminhamento de soluções para os problemas de Salvador de então apresentados nas diversas áreas. Na área de Saúde, por exemplo, foi proposta a construção de uma clínica tisiológica no Hospital das Clínicas, no Canela, e o Dispensário Ramiro de Azevedo, ambos voltados ao tratamento gratuito dos portadores de tuberculose, uma doença de alta incidência na época. 
O saneamento do Rio Camurugipe também começou com o Epucs.
Na área de turismo, em razão de carência detectada pelo pessoal de Mário Leal Ferreira, foi projetado pelo arquiteto Diógenes Rebouças o Hotel da Bahia, no Campo Grande. Já na área de segurança pública, foi definida a construção da Penitenciária Lemos Brito, no barro de Mata Escura.
A localização e a coordenação do projeto do primeiro Teatro Castro Alves foi uma das contribuições do Epucs na área cultural. Outro projeto desenvolvido pelo Escritório foi a Escola Parque, no bairro de Caixa D’Água, que passou a contar com a direção do educador Anísio Teixeira.
Diretrizes básicas
O prazo para conclusão dos trabalhos do escritório estava previsto para 1946, quando parte do plano foi entregue ao então prefeito Armando Carneiro da Rocha. Foi solicitado um adiamento no prazo de oito meses para encerramento dos trabalhos, mas, em razão da complexidade do plano, foi solicitado um novo adiamento em janeiro de 1947. No dia 11 de março do mesmo ano morre, em razão de problemas gástricos, Mário Leal Ferreira, assumindo o comando o arquiteto Diógenes Rebouças.
Em janeiro de 1948 é criada a Comissão do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador – Cpucs. Sua função seria concluir as pesquisas do Epucs. Em 1949, começa a execução das propostas do Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador. A construção das avenidas Centenário e Amaralina dá início ao plano. Era o começo de uma série de obras propostas pelo Epucs, a exemplo da Avenida Vasco da Gama, ligando o Dique do Tororó ao Rio Vermelho, a Avenida Contorno, ligando a Cidade Baixa a Cidade Alta, o Estádio da Fonte Nova, As avenidas Cardeal da Silva, Mário Leal Ferreira (Bonocô), Antonio Carlos Magalhães, Magalhães Neto, Presidente Castro Branco (atual Tancredo Neves), Garibaldi e Suburbana. Isso sem falar nos viadutos Marta Rocha, da Federação, Nazaré/Barbalho, Fonte das Pedras, entre outros.
Mas a morte de Mário Leal acabou por provocar uma queda no ritmo de trabalho. Em 1958, foi extinta a Cpucs, sendo todo o seu pessoal e acervo transferido para a recém-criada Seção de Planejamento. Um ano mais tarde foi criada a Superintendência de Urbanização da Capital– Sucap, cujo objetivo era executar as obras do sistema viário propostas pelo Epucs.
Na década de 70, surge o Órgão Central de Planejamento – Oceplan, com a finalidade de retomar o planejamento de Salvador, tendo em consideração as novas condições e características da cidade. Na década de 40, Salvador tinha uma população de cerca de 400 mil habitantes. Na década de 60, esse número dobra, chegando hoje a 2 milhões e 500 mil habitantes.
Todo o trabalho de Mário Leal Ferreira foi desenvolvido sem ajuda das tecnologias informacionais de hoje. Naquele tempo, o equipamento era uma régua de calcular e calculadoras que faziam apenas as quatro operações básicas. Além disso, o Epucs enfrentou dificuldades de diversas ordens. Como Salvador não possuía cartografia, todas as plantas da cidade tiveram que ser desenvolvidas. Isso sem falar, que a maioria dos integrantes da equipe não possuía experiência em planejamento urbano, em especial num planejamento interdisciplinar. Desta forma, o Epucs acabou sendo uma escola de planejamento para toda uma geração de profissionais. E o Plano Mario Leal Ferreira cumpriu seu propósito de oferecer à cidade as diretrizes básicas para o seu crescimento.
Publicado originalmente na Revista BahiaInvest-- maio de 2004- www.sei.ba.gov.br