quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Salvador e seu porto

Osvaldo Campos Magalhães*
Após nove anos de obras e investimentos superiores a U$ 6 bilhões, foi inaugurada a ampliação do Canal do Panamá (foto).
O novo canal, mais profundo e mais largo, permitirá a passagem de gigantescos navios, com até três vezes a capacidade dos maiores que atualmente utilizam a rota. Ainda este ano, mais de uma centena de navios neo-panamax, com capacidade para até 14.000 TEU´s estarão atravessando o Canal, ligando o chamado “Pacific Rin”, que engloba a Califórnia, China, Japão, Coreia, Chile e os chamados “tigres asiáticos”, ao oceano Atlântico.
A mudança na rota destes grandes navios de transporte de contêineres, com destino e oriundos do maior mercado de produção e consumo da atualidade abre uma janela de oportunidade para determinados portos na América do Sul.
Com enorme capacidade de transporte, estes novos navios circulam o planeta e fazem escalas em poucos portos, que devem ter localização estratégica, profundidade adequada, superior a 15 metros e grande eficiência operacional.
No Brasil, poucos locais possuem características naturais adequadas para receberem estes mega navios. Nosso maior porto, o de Santos, está localizado no estuário de um rio, com pouca profundidade e necessidade de constante dragagem de manutenção. No Nordeste dois portos vêm investindo muito para receberem os navios neo-panamax. Os portos de Suape, em Pernambuco e o de Pecem, no Ceará. Ambos concessionados aos estados e explorados pela iniciativa privada.
O porto de Salvador, apesar de estar localizado na segunda maior baía navegável do mundo, com águas abrigadas e profundas, precisa ainda ser ampliado para receber estes novos navios de até 14.000 Teus.
Lembremos que no passado, Salvador já foi o maior porto do hemisfério sul. A cidade era conhecida pela denominação de “cidade porto”, devido às extraordinárias condições geográficas e naturais. Parada obrigatória para os navios que se destinavam á Ásia perdeu este status com a abertura do Canal de Suez .
Com a intervenção militar no porto de Salvador na década de 60, e a centralização das decisões em Brasília, o porto gradativamente foi perdendo relevância econômica.
Estados como Pernambuco, Ceará e Maranhão, colocando a logística portuária como estratégia de desenvolvimento econômico, criaram empresas portuárias e desenvolveram infraestruturas modernas e competitivas, enquanto o Governo da Bahia relegou o porto de Salvador a moeda de troca no tabuleiro político.
Projetos mirabolantes como o da ponte Salvador - Itaparica e do Porto Sul foram equivocadamente priorizados, consumindo recursos financeiros e talentos humanos.
O Porto de Salvador dispõe de características únicas e potencial para se tornar um “hub regional” centralizador dos novos navios que passaram a navegar pelo novo canal do Panamá. Localização estratégica, no centro da costa brasileira, em uma imensa baía, um dos melhores acessos rodoviários entre todos os portos brasileiros e, o seu terminal de contêineres, já está concessionado à maior empresa operadora portuária do Brasil.
Com a falta de conhecimento e visão do governo do Estado para a importância estratégica do porto de Salvador, a solução talvez seja a transferência da gestão do porto, da União, para o município de Salvador.
A legislação brasileira possibilita esta transferência, sem ônus para o município, como já ocorreu de forma exitosa em Itajaí, Santa Catarina. A cidade do Rio de Janeiro também negocia esta transferência. Esse é o modelo europeu, onde o porto representa o maior fator de crescimento econômico de cidades como Hamburgo, Roterdã e Antuérpia.
No momento em que o prefeito eleito de Salvador finaliza seu plano estratégico de governo, priorizando a geração de empregos, e, face às excelentes relações que mantem com o novo governo federal em Brasília, abrem-se duas janelas de oportunidades para Salvador voltar a ocupar lugar de destaque no cenário portuário nacional.
*Engenheiro Civil e Mestre em Administração, é membro do Conselho de Infraestrutura da FIEB
** Artigo originalmente publicado no jornal A Tarde, 15/11/2016

domingo, 6 de novembro de 2016

Roberto Albergaria- uma inteligência criativa e provocativa

Bruno Porciuncula*
"Albergaria era a inteligência mais viva, criativa e provocativa da Bahia", disse Luiz Mott, colega do antropólogo por 30 anos no Departamento de Antropologia e Etnologia da Ufba. Mott, que foi o responsável pela revalidação da tese de doutorado feita por Albergaria na França, lamentou que ele tenha escrito pouco, participando mais de programas de rádio e entrevistas para a televisão. "Irreverente, anarquista, defensor da alegria e da liberdade, Albergaria ficará indelevelmente presente no imaginário e na história da Bahia", afirmou. 
O reitor da Ufba, João Carlos Sales, conviveu com Albergaria na faculdade, e lamentou a perda. "Foi, sem dúvida, um intelectual destacado na nossa sociedade, com posições fortes e polêmicas, mas bem amparadas, que nos levavam a refletir", afirmou.
O professor Carlos Caroso conhecia Albergaria desde os 15 anos, quando foram colegas no Colégio Central, e voltaram a se encontrar nos anos 80, no Departamento de Antropologia e Etnologia da Ufba. "Ele foi uma daquelas pessoas únicas, que nos desafiam a compreender a natureza humana. Acredito que tenha sido um dos intelectuais mais sérios e refinados de nossa geração", disse, ainda abalado com a perda do amigo. Caroso lembrou que, na última conversa que tiveram, por telefone, Albergaria deixou transparecer o desinteresse de continuar a viver. "Mesmo assim, veio como surpresa telefonema esta manhã que informava a gravidade de sua situação e confirmação de seu falecimento. A morte o encontrou em casa, só, como sempre viveu e se escondeu de todos para deixar o personagem livre", completou. Roberto Albergaria de Oliveira foi um dos maiores nomes da história da Universidade Federal da Bahia (Ufba), transcendendo o ambiente acadêmico e conquistando espaço e credibilidade na imprensa baiana por sua capacidade de falar com propriedade dos mais variados assuntos -- não à toa, a expressão bem-humorada "Não tem especialista? Ouve Albergaria" se popularizou nas redações baianas. Ele se formou em história na Ufba em 1974, poucos anos depois de abandonar a faculdade de direito. Depois, conquistou o diploma de estudos aprofundados em Antropologia, Etnologia e Ciências das Religiões pela Universidade de Paris VII, e em Sociedade e História Americanas pela Universidade de Paris I, além do doutorado em Antropologia pela Universidade de Paris VII. Foi também professor associado da Ufba, com trabalhos que discutiam sobretudo mídia, carnaval, simbolismo e baianidade, no Departamento Antropologia e Etnologia da instituição.
*Jornalista / A Tarde


A TRISTE VITÓRIA DOS JEGUICIDAS
 de ROBERTO ALBERGARIA* . 

Desgraceira: os organizadores da tradicionalíssima Mudança do Garcia se comprometeram a eliminar os jumentos da fuzarca no ano que vem. Pediram arrego – face à intimidação dos novos censores que se atribuiram a elevada missão de disciplinar os costumes baianos. Foram pressionados a assinar um trágico TAC jeguicida. Sentença de morte da festa! Caíram na arapuca montada para pegar todos os jegues & jegueiros festivos do momento. Adiante, os dogmáticos de plantão acabarão com a burricada dos casamentos-na-roça, do Dois de Julho e assim por diante – até chegarem, em uma nova investida, à “excomunhão” dos piedosos bichinhos do Bonfim. Triunfo do parcialismo e do juridismo dos disciplinadores-doutrinadores que cabalaram tal medida proibicionista. Em seu radicalismo elitista, acabaram com a brincadeira do povão. Em seu exclusivismo, não levaram em conta a diversidade de opinião dos demais estudiosos da nossa República das Letras. Pensaram como Donos da Verdade, agiram como Donos do Poder. Não encaminharam seus pré-julgamentos para nenhum juiz, ignoraram o princípio do contraditório etc. Absurda justiça sumária! Pois como pode a vontade singular de um promotor açodado (partidário do “abolicionismo animal”) representar a posição oficial do Estado? Não é o Estado Democrático o espaço da universalidade, da pluralidade dos princípios morais? Como pode o capricho das dirigentes de duas estrepitosas ONGs sintetizar o pensamento das variadíssimas tendências do nosso Ambientalismo? Como pode a sub-comissão dos direitos dos animais da OAB falar em nome de todos os advogados de todas as áreas da Ordem? A “questão do jegue” não extrapola largamente o domínio deste algo ainda exótico biodireito? Ora, o pensamento de uma Parte foi tomado, ilusoriamente, como o interesse do Todo. Que se danem a democracia, a cultura e a história baianas! Vitória tortuosa e espetaculosa de ongueiros que passam o ano inteiro amoitados. Nada fazem pelos desvalidos jumentos do interior – tampouco ligam para o abuso dos nossos companheiros orelhudos que penam no transporte pesado durante o ano inteirinho nas periferias soteropolitanas. Equivocados defensores da Natureza que não passam de destruidores da Cultura. Auto-engano da meia-ciência de uma arrogante elitezinha estrangeirada, “política e ecologicamente correta”, que se quer superior intelectual e moralmente ao resto dos baianos. Barbaridade travestida de Civilidade! Novos mandamentos fundamentalistas-xiitas culturalmente desinteligentes e civicamente deseducativos. Pois o cidadão comum só pode interpretar tais despóticas “desmedidas” como mais um exemplo da velha opressão estatal que vem infernizando o Carnaval Popular desde a proibição do Entrudo. A pressão da micro-minoria superorganizada, prepotente e belicosa destes “iluminados” se traduzindo como opressão da maioria desorganizada, pacífica, folgazona – impotente face a tantos seguidos desmandos… Atos descabidos que só aborrecem as pessoas sensatas e sensíveis da terra. Animais racionais de espírito aberto, majoritariamente – capazes de ser motivados por um ideal de convivialidade mais saudável, criativa e amical entre as variadas “criaturas de Deus”. Todos compreendendo que estes nossos parceiros históricos já são quase uma espécie em extinção. Formando um rico patrimônio naturo-cultural que, ao invés de ser ainda mais ameaçado, deveria é ser revitalizado! O que implica combater os maus-tratos dos bichinhos, evidentemente. Mas o espírito deste amplo e ponderado cuidado não cabe na cabeça dura dos jeguicidas-liberticidas da americanizada moda animalista-anti-especiesista de hoje. Antolhados que estão condenando nossos irmãos de quatro pés a uma periclitante ociosidade, como já vem acontecendo no sertão. Perigo de que, nos próximos Carnavais, só restem na cidade uns raros jeguinhos tristinhos nesta prisão infernal que é o Zoológico. Como já acontece com suas priminhas zebrinhas… .
*Roberto Albergaria, falecido em junho de 2015 foi Professor da Universidade Federal da Bahia