quinta-feira, 23 de maio de 2013

Ana Carla Fonseca: uma cidade pode ser criativa?


Mudar o futuro com ações e estratégias simples pautadas pela criatividade. Esse é o mote dos estudos desenvolvidos pela economista especializada em urbanismo Ana Carla Fonseca Reis há mais de uma década. Referência internacional quando se fala em economia criativa, ela organizou o livro Cidades Criativas - Perspectivas, reunindo 18 autores de 13 países com diferentes visões sobre como tornar nossas cidades lugares melhores para se viver (disponível para download gratuito no siteGarimpo de Soluções), e se prepara para editar um volume dedicado ao impacto de eventos como a Copa e a Olímpiada nesse processo. Na entrevista abaixo, ela fala dos principais desafios para o Brasil entrar de vez nesse círculo virtuoso de transformações. 

O QUE É UMA CIDADE CRIATIVA? 
A busca do que caracteriza uma cidade criativa foi o que motivou este estudo. Deu para perceber que, em todos os capítulos, três características estavam sempre presentes: inovações, aqui entendidas como soluções para problemas, não apenas inovações tecnológicas; conexões: entre público e privado, local e global, entre a minha cidade e a vizinha, entre áreas da cidade; e, por fim, cultura - não só pelo que os romanos definiam como genius loci, que é o espírito do lugar, mas pelo que as artes, o entretenimento e o turismo cultural têm de impacto econômico e, fundamentalmente, por um ambiente que faça com que a cidade se torne um espaço mais propício à imaginação, à criatividade e à concretização disso em forma de inovação. 

A Copa e a Olimpíada podem servir como catalisadores para tornar as cidades mais criativas? 
É uma grande discussão: a gente vai usar os projetos a favor das cidades ou as cidades a favor dos projetos? Por enquanto, a gente está na pauta das cidades a favor dos projetos, a ponto de fazer um estádio em Itaquera em vez de recauchutar o Morumbi e desalojar um monte de gente com a suposta intenção de requalificar uma área marginalizada. A gente vê coisas acintosas como a história de decretar feriado em dia de jogo porque o país reconhece sua incompetência para suprir um transporte público de qualidade que dê conta da demanda. 

Em outras cidades no mundo, eventos desse tipo trabalharam a favor? 
É muito díspar. Barcelona virou um caso emblemático, mas eles têm uma tradição de usar grandes eventos como desculpa para se transformar: foi assim desde a Exposição Universal que eles abrigaram no século 19. Pegaram a Olimpíada justamente para ter soluções para questões que eles já queriam resolver. Quando você pega a África do Sul, que tem um perfil mais próximo do nosso, eles souberam construir infraestrutura, investir em transporte público, capacitar taxistas para receber turistas. Mas a Copa deixou uma conta para eles que, pelo que percebemos das pessoas de lá que contatamos, ficou muito maior que os aportes que vieram - especialmente no envolvimento da sociedade com o processo. Foi tudo muito em cima da infraestrutura. E esse problema a gente já está dando mostras de estar vivendo aqui. 

Isso sempre pode acontecer quando se usa o turismo para transformar a cidade? 
O turista de um grande evento é um turista muito heterogêneo. Não é necessariamente um turista de grandes bolsos. Se a gente pensar nisso, talvez consiga repensar a própria cidade, contemplando toda uma gama de cidadãos. O problema é quando se pensa só em um tipo de turista e, em geral é aquele que vem de avião, vai ficar nos hotéis mais caros, comer nos restaurantes mais caros, comprar quadros nas galerias mais caras... Fica tão em cima da elite do turismo, que todo mundo perde. O que precisa trabalhar melhor no turismo, a meu ver, é o turismo da demanda: que tipo de turista a gente quer? E aí, não estou nem falando do turista sexual em Fortaleza; estou falando dos nossos próprios turistas. De como transformar o cidadão em um turista da cidade.

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Se quem vive na cidade conhecê-la melhor, criam-se conexões e também se desenvolve uma autoestima que faz com que a gente naturalmente queira cuidar melhor dela... 
Claro, sem engajamento da população, a cidade não se transforma. Não se define por decreto que a cidade vai ser criativa, é uma coisa que vem de dentro para fora.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Respeitem o E. C. Bahia


  • Charge de Cau Gomez / Reprodução
    Teixeira Gomes: "o Bahia é uma força social do nosso estado"
J. C. Teixeira Gomes*
Voltei de prolongadas viagens e tencionava escrever sobre elas, mas a situação catastrófica que o Esporte Clube Bahia está vivendo me obriga a dar prioridade ao assunto: não o considero apenas um clube de futebol, mas sim uma força social do nosso Estado, tal a relevância da sua imensa torcida na vida baiana em variados aspectos, incluindo a economia.
Em sua trajetória, jamais o Bahia atravessou fase tão degradante, cobrindo de tristeza a sua ruidosa torcida, hoje silenciada. Grandes equipes podem sofrer declínios episódicos. O problema é quando essas fases traduzem não uma crise passageira, mas uma decadência crônica, nascida da falta de comando, da incompetência e do oportunismo dos seus dirigentes. E a grande verdade é que o Bahia vem sendo vítima há mais de 12 anos de administrações desastrosas, culminando com a presença de Marcelo Guimarães Filho na presidência do clube.
Não é preciso sequer evocar os desastres recentes. A questão não é perder de goleada para o Vitória, pois isto fez aflorar apenas o descalabro reinante de longa data. Em 2012, quase o Bahia volta à Segunda Divisão. A Copa do Nordeste foi outro constrangimento. O último campeonato ganho, após inacreditável jejum, só foi conseguido com um empate heroico na final.
Os humilhantes vexames resultam do comportamento antidemocrático do presidente Marcelo, que, agindo como ditador, se arvorou a dono do Bahia, tentando transformar um clube que é uma potência nas arquibancadas em timezinho de várzea, sujeito à sua exclusiva vontade pessoal. Faz o que quer lá dentro. É o dono da bola, mas de bola murcha.
Agindo como tirano, o cartola, em primeiro lugar, montou um esquema de mando que desconhece oposição, calando a voz dos dissidentes. No Bahia, o público em geral não conhece outro dirigente que não seja Marcelo Guimarães Filho, pois os demais são coadjuvantes subalternos, para fazer coro às suas ambições políticas. Sim, porque está mais do que claro que um dirigente que leva o Bahia à desmoralização atual não pode amar verdadeiramente o clube, mas apenas tentar fazê-lo de trampolim. O tiro agora está lhe saindo pela culatra.
Justamente por causa da conduta arbitrária, sem ouvir ninguém e sem respeito à torcida, Marcelo e seu amigo Angioni desenvolveram uma política absurda de contratações: a imprensa noticiou que foram 103 jogadores em cerca de três anos, o que dava para armar quase dez times de futebol! Em sua maioria, jogadores que nem mereciam vestir a camisa do Bahia, alguns já no ocaso ou ultrapassados, pagos todavia a peso de ouro.
O que jorrou de dinheiro nessas contratações está sendo alvo de graves denúncias recentes. A TARDE, em sua edição do último dia 14, confirmou que "Marcelo Guimarães foi alvo de uma notícia crime protocolada pelos advogados Antônio Rodrigo Machado e Marcus Tonnae Silva em Brasília. Eles apontam possíveis crimes de lavagem de dinheiro, estelionato e formação de quadrilha na qual o mandatário tricolor estaria envolvido, juntamente com o ex-gestor Paulo Angioni, o diretor de base Newton Mota e o dono da empresa Cálcio Investimentos, André Garcia".
O jornal informa que a denúncia se baseou em reportagem de sua autoria. Assim, embora antiga, até hoje não foi sequer contestada, pelo menos publicamente, pelo presidente do clube. Os denunciados se envolveram inclusive na transação do meia Gabriel. Ao vendê-lo ao Flamengo, Marcelo Filho desestabilizou o meio de campo do Bahia, tornando a equipe vulnerável e levando-a à desmoralização em todo o fraco campeonato baiano.
Para abafar a indignação da torcida, o cartola anunciou várias demissões, inclusive as de Joel Santana e de Angioni. É a encenação costumeira dos derrotados, buscando transferir culpas. Para ser coerente e revelar um mínimo de respeito às tradições do Bahia, deveria ser ele próprio o primeiro a demitir-se, fato, aliás, que já foi aconselhado por Fernando Schmidt, ex-presidente do Bahia e secretário do governo estadual. E é o que toda a torcida exige, abrindo caminho para a recuperação moral e esportiva do Bahia, que, grande demais, tem que ser respeitado.
*JC Teixeira Gomes, jornalista e membro da Academia de Letras .

O centenário do Porto de Salvador e a revitalização do Comércio


Sérgio Fraga Faria*
O Porto de Salvador comemora o seu primeiro centenário enfrentando a discussão acerca da revitalização de parte expressiva do seu espaço. O que isso significa? Quais as razões que justificam o processo de revitalização? Seria este um fenômeno isolado?
Preliminarmente, cabe ressalvar que, em verdade, o que se celebra é a passagem dos cem anos de inauguração das obras que deram ao "Porto da Bahia" sua configuração atual, pois desde o primeiro momento, as facilidades de natureza geográfica foram oportunamente exploradas e a atividade portuária local foi sempre marcante.
O elemento porto exerceu papel determinante para o desenvolvimento do processo de internacionalização do Estado, e Salvador, primeiro porto brasileiro, chegou a ser o principal do império ultramarino português no final do século XVIII.
Entretanto, observa-se, em todo o mundo, uma curiosa tendência para a redefinição da ocupação e uso do solo nas cidades de tradição portuária. Tal processo decorre de um conflito generalizado entre o crescimento significativo da população urbana e a forma como se deu a evolução histórica das técnicas de operação nos portos.
Estudos científicos sugerem que o homem primitivo tenha enfrentado dificuldades para transpor a barreira das águas, mas não se há de negar que, vencidos esses obstáculos, o mar passou a ser o mais importante agente de contato entre os povos, tornando-se a base para o intercâmbio comercial em todo o mundo.
No primeiro momento, a localização dos portos buscou a identificação de regiões naturalmente protegidas (baías, estuários etc.), consolidando os critérios clássicos da engenharia portuária que primam pelo aproveitamento dos acidentes geográficos na busca de condicionantes favoráveis: abrigo, profundidade, amplidão e acesso fácil.
Em consequência, as concentrações urbanas se desenvolveram nas proximidades do espaço portuário, dando origem a um processo de troca, em que a cidade cresceu pela presença do porto e este cresceu pela existência da população que se fixou no seu entorno.
A violenta aceleração do movimento de urbanização, no entanto, sentenciou o confinamento dos portos a áreas restritas, dificultando a necessária adaptação às exigências decorrentes da evolução histórica das técnicas de manuseio de carga. Tal conflito se evidenciou ainda mais a partir da Segunda Grande Guerra Mundial, quando se intensificou a especialização do transporte marítimo e se verificou o surgimento do processo de conteinerização de cargas.
O estrangulamento da área portuária pelo crescimento das cidades, o aumento do porte das embarcações - cujo acesso se faz difícil nas regiões naturalmente protegidas - e, por sua vez, o surgimento de novas e revolucionárias técnicas de operação, impondo a disponibilização de espaço amplo - seja para armazenagem de novos tipos de cargas, seja para abrigar a utilização de equipamentos de tecnologia avançada que atuam na faixa de movimentação -, transformaram-se em reais obstáculos para a continuidade da função operacional nos limites dos centros urbanos.
Os projetos de revitalização de áreas portuárias, portanto, devem ser compreendidos como consequência de um fenômeno de natureza histórica que se processou em todo o mundo e, desta forma, podem ser considerados também para as cidades brasileiras, na tentativa de se garantir um mecanismo alternativo de exploração comercial de espaços declaradamente ociosos, constituindo-se importante fonte de atração para novos investimentos, com resultados econômicos representativos, a exemplo do que já se verifica em cidades como Buenos Aires, Barcelona, Toronto, Cidade do Cabo, Miami, Nova York, Baltimore, Osaka, Kobe e Yokohama, onde as antigas paisagens portuárias estão cedendo lugar para a edificação de modernos complexos de apoio ao turismo, ao lazer e aos negócios.
Evidentemente, Salvador não fugiu à regra geral e, em boa hora, a Codeba (Companhia das Docas do Estado da Bahia) toma a iniciativa de repensar, de forma ampla e participativa, a utilização de boa parte do chamado "Cais Comercial" do agora centenário Porto de Salvador.
* Professor de Portos e Vias Navegáveis da Escola Politécnica da Ufba, sergio.faria@grupotpc.com

terça-feira, 14 de maio de 2013

Salvador: política, carnaval, futebol e a falência da província


Gil Vicente Tavares*

Salvador nunca fez muita questão de perder seu status de província. Alma oligarca, pensamento pequeno, e uma selvagem ânsia predatória de sugar, espremer até o talo tudo que nessa terra dá em benefício próprio, sem pensar em qualquer crescimento civilizatório, cultural e urbano.

Parece que ainda preservamos o espírito de nossos primeiros colonizadores. Terra boa para se tirar proveito, para enriquecer. Terra de famílias mandantes, dominantes, donas do poder, das leis, da matéria prima, dos cargos superiores. Eterna capitania hereditária.
O modelo se esgotou. Alguns acontecimentos recentes evidenciam que a conduta por vezes ilícita, na maioria das vezes autoritária, sempre excludente dos donos do poder não surte mais o mesmo efeito de antes.
A modernização, a tecnologia, uma ainda inconsistente, mas importante, transparência das ações, uma quebra das hegemonias e uma frágil, contudo evidente, democracia, tudo isso tem exposto um esgotado modelo de gestão.
Na política, onde as oligarquias enfraqueceram-se, onde a redemocratização do país pós-ditadura vem fortalecendo-se aos poucos, onde a imprensa mais livre e diversa, a internet mais ágil e opinativa, independente, as consciências da população mais amadurecidas são pedras no sapato, o rei mostrou-se nu.
Contratos ilícitos, coleguismos, despotismos e nepotismos, malversação do erário, desvios de verba, contratos superfaturados, propinas, todo esse sistema – que ainda é a mola mestra da política – além de não funcionar tão impunemente quanto antes, expõe mais facilmente a ineficiência dos gestores públicos.
Salvador cresceu – muito, mas muito mais do que devia – e continua – muito, mas muito mais do que devia – crescendo desenfreadamente. Não há mais como a cidade ser uma mina de dinheiro e poder pra determinadas famílias, clãs, grupos políticos. Felizmente, a forma vampiresca com que os políticos sugavam os recursos, mandavam e desmandavam nas leis, nas terras, na imprensa e no que mais ocorresse, não tem mais como funcionar a pleno vapor.
Ainda se rouba muito. Ainda se favorece muito certas empreiteiras, certos empresários. Ainda há muito desvio de verba, obras eleitoreiras e pouco funcionais, aparelhamento do estado e do município, jogos de interesse e decisões políticas que pouco levam em conta o bem estar e a resolução de problemas da cidade. Contudo, fica, a cada dia, mais evidente o descaso e a inoperância das esferas públicas.
Salvador está destruída. Sua urbanização é vexatória, cidade esburacada, sem passeios, sem árvores, entupida de viadutos que não desafogam o trânsito, transporte público aquém de uma cidade de 500 mil habitantes, quiçá de uma com mais de 3 milhões, enfim, Salvador está um caos. Claramente, chegamos a essa desgraça por conta de um modelo de gestão predatório, fisiologista, corrupto e que pouco se preocupa com o cidadão, seus direitos, sua educação, sua cultura, sua vivência e convivência.
Por enquanto – e não creio que cedo conseguiremos dar o pulo do gato – os políticos ainda tentam adequar sua conduta espúria a uma razoável administração da cidade. Crescemos, os problemas multiplicaram-se e não dá mais pra ficar naquela de poucos se locupletando do poder enquanto a maioria chafurda na lama. Salvador virou cidade grande, ao menos no número populacional e nos problemas. Não é mais uma pequena cidade onde havia um centro rico e cuidado, moradia dos donos daqui, e uma periferia abandonada de ex-escravos, índios, degredados, miseráveis e todo o tipo de desgraça que poderia atrapalhar a linda e elegante capital da Bahia. A fratura está exposta, outros nichos sociais ganharam voz, voto e direitos e é preciso fazer algo, ao menos o mínimo por outros que não os de sempre.
Esse modelo destrutivo também esgotou-se noutras áreas, de maneiras parecidas, mas com consequências um pouco diferentes.
Vejamos a indústria do carnaval, ou a indústria do Axé, como muitos chamam. Empresários espertos, ligados num acontecimento que florescia no final dos anos 70, começaram a perceber que poderiam se locupletar dos talentos que surgiam de uma nova maneira de se fazer música.
Rapidamente, investiu-se de forma predatória e voraz numa estrutura de blocos, micaretas, bandas, artistas que dominaram o Brasil, dando um fôlego novo a um país dominado pelos sertanejos da era Sarney.
Talento de sobra, inventividade, boas músicas, novos ritmos, mistura de estilos e crenças, cores e danças, tudo isso fez do nosso carnaval algo especial, forte, significativo e – como disse Ildásio Tavares, num artigo seu – a Bahia fazia um novo movimento musical, depois de anos sem criatividade em nossa indústria fonográfica, oprimida pela imitação e redenção à cultura estadunidense, por um lado, e daquele novo sertanejo, por outro.
Contudo, paralelo a isso, empresários tentavam, em sua maioria, e de forma vampiresca, sugar ao máximo os artistas, os blocos, depois camarotes, etc., numa ânsia de enriquecer, dominar e mandar em tudo, sendo déspotas culturais da cidade. Talentos começaram a ser descartados em busca de grana mais fácil, menos problema e mais comando, bandas engessadas em modelos de sucesso começaram a surgir, grupelhos tentando ser donos de tudo, e começou a bandalheira.
Um artista saia do bloco? Pois o artista pagava pra tocar na rádio e o dono do bloco pagava o dobro pra que ele não tocasse. Começaram os cartéis, começaram as vendas de lugar na fila, tudo isso sem pensar, em momento algum em qualidade artística, na população que curtia aquilo tudo, e poucos artistas conseguiram sobreviver nesse modelo com certo sucesso. Não houve preocupação com a infraestrutura da cidade, com um carnaval mais democrático e atento à população como um todo. O modelo predatório, vampiresco de certos empresários do carnaval não teve estratégia, visão, planejamento, apenas pensava-se no dinheiro – quanto mais fácil, melhor – e no sucesso individual onde o foco era a conta bancária, e não a arte e a folia.
A “crise do Axé”, como chamam, abriu espaço, por exemplo, para que o sertanejo – mais organizado, unido, com modelo de gestão mais avançado e profissional – voltasse à cidade, em novos moldes, e, agora, através das classes dominantes (o empobrecimento cultural da classe média, média alta e alta demonstra, também, nossa desgraça). Possibilitou a ascensão do pagode que, vindo das classes baixas – com força, convenções rítmicas interessantíssimas –, foi rapidamente cooptado pelo poder. E assim vieram o arrocha e o breganejo, e esse eufemismo inventado de adjetivar o ritmo de universitário, para as classes de maior poder aquisitivo não se sentirem misturadas à ralé; quando, no fundo, a autenticidade da “ralé” é muito mais interessante que essa comprovação, através do sufixo “universitário”, de que as classes mais abastadas estão cada vez mais estúpidas e idiotizadas.
Agora, alguns empresários tentam se safar mancomunados com o poder público, ou abandonam o barco e vão cuidar de seus investimentos noutras áreas com a fortuna que fizeram com o Axé, ou vão atrás dos sertanejos, arrochas, o que tiver dando dinheiro, enquanto der dinheiro. Sugou-se tudo e vão deixar o cadáver lá pro serviço público cuidar. Basta ressucistar, e todos os vampiros estarão a postos para entupir o rabo de dinheiro, novamente, às custas de ações públicas para salvar o carnaval…
A indústria faliu e Ildázio Jr., filho de Ildásio Tavares, vem sistematicamente, em seus artigos, abrindo essa caixa preta de um modelo de gestão predador, autoritário, excludente, ainda nos moldes do século XVI.
Outros exemplos poderiam existir, mas fiquemos num último: o futebol. O Esporte Clube Bahia sempre manteve a hegemonia dos campos baianos. Chegando a conquistar um tento, o time mantinha seu trono com pequenos deslizes que permitiam ao Vitória, ao Fluminense de Feira, e mais um ou dois, serem campeões esporádicos.
O Bahia chegou a ser campeão brasileiro em cima do time de Pelé, 1959, e depois em cima do Internacional, em 1988. Sempre com patrocínio de grupos econômicos ligados a um modelo ainda diretamente relacionado aos donos do poder, depois à ditadura militar, com hegemonias, políticas excludentes por um lado e generosas, por outro, tudo isso fortalecia a Salvador província dos governos biônicos, dos grupos políticos que, desde o descobrimento, mantiveram-se no poder administrando seu feudo, sua roça, a primeira e degradada capital do país.
Fala-se muito nos desmandos, desonestidades, más-gestões e administrações do Bahia há tempos. James Martins, inclusive, publicou um artigo aqui no site do Teatro NU pedindo uma greve da torcida. Tudo ficou mais evidente, o Brasil modernizou-se, os clubes do país começaram a se encaixar em novos modelos econômicos – sem muito sucesso, é verdade – e novos modelos de futebol. O Bahia, como a Bahia e Salvador, foram ficando pra trás.
Ver um time como o Bahia residir por anos na segunda divisão seria inimaginável, na minha adolescência. Assim como foi inimaginável ver o Bahia perder de 5×1 na reinauguração da Fonte Nova e agora perder de 7×3! Esse é o time que irá disputar o campeonato brasileiro? E seus dirigentes? O que fazem? Estão endividados, passando necessidades, morando de favor, pedindo empréstimos para sobreviver? Estão à míngua, pobres coitados, como os empresários do Axé e os políticos que sempre mandaram na Bahia?
O Vitória modernizou-se, investiu na sua base, acabou de ser campeão brasileiro sub-20, e só não cresce mais porque abacateiro não dá caju e o modelo de gestão ultrapassado, vampiresco e provinciano, ainda resiste em suas hostes, também.
O que temos em Salvador, atualmente? Na política, sempre faço uma pergunta a pessoas lúcidas, cultas, informadas e interessadas em política. Levanto a hipótese de eu ser um gênio da lâmpada que pudesse colocar no poder qualquer nome que a pessoa escolhesse. Desesperadamente, vejo que ninguém pensa num nome. Chegamos a um ponto, na cidade, que não dizemos mais “ah, se fosse fulano”, “deveria ser beltrano”, “cicrano faria bem melhor”. Estamos num fundo de poço onde não conseguimos dizer sequer um nome que nos desse esperança.
Ivete Sangalo, Claudia Leitte, Saulo e mais uns poucos souberem criar uma estrutura empresarial que deu suporte a suas carreiras, e por conta disso não entraram no buraco negro da crise carnavalesca que vivemos. Mas esses não salvarão nossa indústria que, a despeito de toda escrotidão, trouxe benesses inegáveis pra cidade, desde um mercado de trabalho, de uma possibilidade de músicos sobreviverem sem precisar sair daqui, até uma visibilidade, um novo gás à música do Brasil – que continua dando, com suas invenções e musicalidade genuína, boa contribuição mais que qualquer outro lugar –, enfim, já ficou claro que há que se pensar num novo modelo de gestão para nosso carnaval que, em seu viés industrial, empresarial e turístico, está em crise (digo isso porque continuo curtindo um maravilhoso carnaval de rua atrás de trio sem cordas, em belos xous pela cidade…).
No futebol, talvez o Vitória consiga fazer um razoável campeonato, mas o Bahia de agora só tem um destino: a segunda divisão. O que é triste, decepcionante, notadamente para essa torcida maluca que vem sofrendo imerecidamente essa humilhação seguida. Contudo, mantém aquela atitude típica do pensamento subdesenvolvido de continuar crendo, crendo, não à toa o que mais cresce nesse país são os crentes…
Costumo dizer que Salvador decretou sua desgraça, sua ruína e sua sina de ser uma cidade fracassada quando derrubaram a Igreja da Sé pra passar uma linha de bonde. Com apoio de jornal. Nem um abaixo-assinado e os protestos dos principais intelectuais e instituições da cidade conseguiram que a igreja deixasse de ser demolida. Os interesses econômicos, políticos e financeiros falaram mais alto e passaram por cima de tudo e todos.
Assim foi com vários outros monumentos históricos, assim foi com a memória de notáveis dessa terra, assim continua sendo com a bela Salvador que ainda resiste. Ressurgiremos dessa cinza? Mudaremos um modelo que tem quase quinhentos anos e nos levou ao precipício? Que Salvador podemos pensar em ter diante de tanta estupidez, brutalidade e ganância?
De capitania hereditária, passamos a uma capital sem capitão e com uma herança maldita. Penso que já fracassamos o suficiente. É hora de mudar, antes que o pouco que resta de interessante nessa cidade suma ou se mude.
*Gil Vicente Tavares é Doutor em Artes Cênicas

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Um pingo de sensatez

 Paulo Ormindo de Azevedo


Informar corretamente deve ser a principal preocupação de quem escreve em jornal, se não quiser se desmoralizar. Por isso volto a um tema velho, de fin de siècle, requentado neste fim de mandato estadual, a ponte de Itaparica. Em primeiro lugar é preciso esclarecer que ela não trará nenhum beneficio ao Recôncavo e à RMS, nem substituirá lanchas e ferries, a exemplo da Guanabara. Ela saltará olimpicamente de Salvador para a Costa do Dendê, marginalizando uma região com enorme potencial turístico, o Recôncavo. Tampouco é verídica a informação que a Envolvente de Kirimurê irá destruir manguezais e cidades históricas como Cachoeira e São Felix. Ou bem ela passaria a 40 km do litoral, ou pelos apicuns da baia. 

A Envolvente não irá nem tanto ao mar, nem tanto à terra, senão a cerca de três quilômetros do litoral, como a Estrada do Coco e a Linha Verde, ligando o maior porto baiano, Aratu, e indústrias da RMS com o interior, o norte e o sul, ao tempo que facilitará o acesso às praias e cidades de São Francisco do Conde, Santo Amaro, Cachoeira, São Felix, Maragogipe e Itaparica. Ela reduzirá também em 160 km, ou duas horas de viagem, o acesso à Costa do Dendê e do Cacau. A ponte, sim, atropelará Vera Cruz, Itaparica e Salvador com uma carreata e buzinaço diário de 140 mil carretas, caçambas, ônibus e carros em direção ao Litoral Norte, ao Copec, à Ford, a Sergipe e ao Nordeste, vindos das BRs-101, 116 e BA-242.

Ilusório pensar que a Ilha poderá ser uma opção habitacional para Salvador, quando o emprego está a mais de 70 km, em Camaçari, Candeias e São Francisco do Conde, e dependente de uma ponte de transito intermitente. Nem será tampouco um balneário para idosos do sul, sem praias livres, equipamentos sociais e vida cultural. No último dia três, neste jornal, o consultor-jurídico da Ademi, Bernardo Chezzi, sinalizou que o setor está mais interessado na RMS que num território off-shore. Itaparica será no máximo um porto seco e um pouso de caminheiros, como São Gonçalo, vizinho a Niterói. 

Não é também exata a informação de que em 2010, quando o Estado lançou o Procedimento de Manifestação de Interesse, qualquer um poderia apresentar alternativas, porque o edital era para a construção e exploração da ponte. Naquele momento a decisão de realizar um projeto de 25 anos de idade, oferecido por uma megaempreiteira local, já estava tomada e seu acesso principal sendo construído, a Via Expressa. Impossível ignorar que uma estrada semelhante fazia parte do plano-diretor do Centro Industrial de Aratu, da década de 1960 e autoria do Arq. Sergio Bernardes, como a via natural de expansão e articulação do CIA com a Refinaria Landulfo Alves e o Temadre. 

Entendo que a Manifestação de Interesse seria para que o vencedor realizasse os estudos de impactos, projeto executivo e gestão, como parte da contrapartida de sua exploração. Mas o que se está vendo é o Estado bancando tais estudos no valor de R$ 90 milhões e iniciando as obras, estimadas em sete bilhões, sem nenhuma contrapartida. Pergunta-se: o que ganhou o Estado com a PMI? Este procedimento garante a concessão da obra sem licitação? Ou vamos ter mais uma PPP assimétrica como a da Arena Itaipava, agora multiplicada por dez ou vinte, num estado que tem dificuldade de pagar o reajuste dos professores e policiais?

Diante da ressaca do tsunami financeiro mundial e desinteresse do setor privado, sua realização é arriscada e improvável no prazo anunciado. Obras de Santa Engrácia é o filé mignon das empreiteiras. Como dizia um velho engenheiro fiscal: construção do governo só tem orçamento e prazo para começar. Levi Vasconcelos em sua coluna Tempo Presente comentava em 24/04: “a Prefeitura de Salvador passou para governo uma dívida de R$130 milhões (do metrô) com as construtoras Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez (...). As duas empresas vão receber o dinheiro, mas não bateram um prego por conta dele (...). Simplesmente é o preço pelas sucessivas paralizações”(...). Imaginem a montanha de dinheiro que vamos pagar às empreiteiras se a ponte durar 25 anos, no ritmo do metrô. 

Salvador: A Tarde, 12/05/12, p.2
* Arquiteto e Professor Titular da UFBa

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Caos urbano, miséria cultural e colapso do planejamento em Salvador e RMS


Ordep Serra*
É inegável o empobrecimento cultural da Bahia, de Salvador em particular. Os efeitos desse empobrecimento se deixam ler na paisagem de nossa capital, já em grande medida desfigurada, no estado miserável de grande parte de seu patrimônio arquitetônico, artístico e ambiental, na queda vertiginosa da qualidade de vida de amplos setores de sua população, na ruína evidente do município, na violência escandalosa que campeia em nossa metrópole. Esta situação tem múltiplas causas e é em si mesma muito complexa. O desmantelo dos equipamentos públicos, o estado precário das vias, o caos do trânsito, a miséria crescente e o triunfo do crime no tecido urbano são os aspetos mais visíveis do problema.  Mas quero assinalar aqui outro aspeto da barbárie que nos assola, um aspeto que tem tudo a ver com a degradação da nossa metrópole. Refiro-me ao colapso do planejamento urbano e regional que há muito se verifica na Bahia e sobretudo em Salvador.
Esse colapso é fato histórico bruto e incontestável. Isso não quer dizer que inexistam planos, que faltem projetos empurrados à cidade. Mesmo que eles proliferem, deve-se falar em crise ou eclipse do planejamento se projetos e planos não formam corpo num conjunto sistemático, ordenado, estruturado de modo a compor uma visão sinótica e de longo alcance da cidade ou região visada e de seu potencial de desenvolvimento, expressa em diretrizes gerais, com metas definidas e horizonte temporal significativo, tendo por base estudos suficientes e garantias de efetiva participação dos segmentos organizados da sociedade no processo. A multiplicação de projetos pontuais, sem articulação que os coordene, nem de longe supre a necessidade assinalada.
A produção de um macroplano dessa ordem cabe, naturalmente, à instância pública: é uma responsabilidade de que o Estado não pode fugir e para a qual deve aparelhar-se devidamente, com um corpo técnico capacitado e estável. Ora, dá-se que nas últimas décadas o Governo da Bahia perdeu quadros técnicos e tornou-se muito dependente da iniciativa privada no tocante a planejamento e elaboração de projetos públicos – que passaram a ser feitos de modo a satisfazer basicamente interesses particulares: os dos seus propositores.
Em encontro realizado em 18 fevereiro de 2010, representantes do Movimento Vozes de Salvador e do Fórum “A Cidade Também é Nossa” (que juntos reúnem dezenas de instituições da sociedade civil organizada com sede nesta capital), apontaram ao Governador do Estado sua preocupação com os efeitos deletérios da carência de planejamento na Bahia, em particular no tocante à Região Metropolitana, assinalando a necessidade de uma instituição voltada para a qualificação de quadros, a realização de pesquisas e de avaliações de políticas públicas. Chegou-se a propor a criação de um centro capaz de responder pela geração de um pensamento estratégico sobre o desenvolvimento baiano. Sugeriu-se ainda que fosse reaparelhada a Companhia de Desenvolvimento do Estado da Bahia , de modo a que ela volte a ter sua especifidade e seu foco original. Esta proposta refletiu a preocupação de todos com a situação atual da Região Metropolitana de Salvador, pois a CONDER, instituída em 1973 com a incumbência de planejá-la, nunca conseguiu criar um plano diretor para a mesma. Mais grave ainda: quando incorporou a URBIS – Habitação e Urbanização do Estado da Bahia S/A, além de perder o foco metropolitano a CONDER simplesmente deixou de ser um órgão de planejamento; em vez disso, passou a executar obras em todo o Estado.  “Fazejamento” dispersivo, em vez de planejamento.
A RMS compreende treze municípios, estende-se por 4,37 milhões de m(7,7 % da área total do Estado) e tem 3.866.000 habitantes, ou seja, 27,45% da população baiana. Gera metade do PIB da Bahia, mas apresenta grandes desníveis sócio-econômicos que lhe dificultam a integração. Com um  território de apenas 16% da RMS, Salvador  é o dormitório de 81% da sua população, que gera riqueza em outros municípios. Seu PIB de R$ 22, 14 bi é pouco mais de duas vezes o de Camaçari, segundo colocado. Por outro lado, municípios como S. Francisco do Conde (o terceiro colocado, com um PIB de R$ 6,36 bi.), tem a penúltima colocação da RMS em termos de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano):  só perde para Itaparica.
Não é segredo que a capital baiana vive uma profunda crise (econômica, fiscal, social) e tem como única opção de crescimento a expansão rumo à RMS. Conforme argumentaram as lideranças de movimentos sociais presentes ao referido encontro, a fim de garantir crescimento ordenado à metrópole baiana tornam-se indispensáveis não só a operação de um órgão de planejamento técnico e autônomo como também a criação de um Conselho Metropolitano, com representação do Estado, dos municípios envolvidos e da Sociedade Civil.
No texto que o Fórum e o Movimento Vozes apresentaram ao Governador, evocou-se o histórico de grantes projetos frustrados (paralisados a meio caminho ou travados por sérios problemas) cujo peso morto onera a Bahia e, principalmente, sua capital: projetos como o Parque Atlântico, a Via Náutica, o Bonde Moderno, o Metrô etc., que não funcionaram por falta de planejamento adequado e por terem sido implantados sem consulta à sociedade, em particular sem que se ouvisse a comunidade técnica representada pelas associações profissionais, pelos grupos ambientalistas e pelos núcleos de pesquisa universitários. Hoje projetam-se grandes obras públicas (como a ampliação do Porto de Salvador, a Via Expressa, o Polo Naval, a Ponte Salvador-Itaparica etc.) que forçosamente produzirão impactos ambientais e sociais. Esses impactos podem ser minorados se os estudos competentes forem seguidos de debate crítico em um foro metropolitano, e de consultas sistemáticas à sociedade. Mas nada disso está sendo feito.
O Governador do Estado concordou com nossas ponderações, mas não tomou nenhuma medida concreta para fazer valer as propostas que acolheu. Não houve qualquer avanço. Não há um Plano Diretor Metropolitano para A RMS. Tampouco existe um Conselho Intermunicipal que se empenhe no ajuste de políticas públicas nesse espaço, embora seja gritante sua necessidade. Mas pululam intervenções pontuais e grandes projetos estão sendo lançados de modo assistemático.
Em Salvador, núcleo da RMS, o planejamento urbano deixou de existir há décadas. A crise é tornada evidente pela trajetória truncada da implantação do Plano Diretor do Desenvolvimento Urbano (PDDU), cuja aprovação à sorrelfa e cujas precipitadas reformas foram questionadas judicialmente pelo Ministério Público e por importantes setores da sociedade civil organizada. Uma Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo Urbano – LOUOS, que o deveria regulamentar, incluiu emendas ao PDDU antes barradas pela Justiça por não se conformarem aos trâmites legais. E foi votada às escuras. Em face de liminar que se lhe opôs, nova versão foi encaminhada à Câmara dos Vereadores sem que se desse tempo para exame responsável pelos edis. Também esta nova LOUOS teve questionada sua aprovação, feita sem as devidas  consultas pública e sem a apreciação pelo Conselho da Cidade, como previsto em lei. Deu-se um novo impasse, com o pronto questionamento, pelo Ministério Público, das ilegalidades acusadas. O Prefeito Carneiro tentou sair pela tangente, propondo mais um LOUOS de improviso. O resultado foi um embaraço legal que complicou a já espantosa desordem urbana da capital da Bahia. Os Movimentos Sociais  protagonizaram um esforço para superar esta situação, com apoio do Ministério Público Estadual, feito mediador de um acordo com o Prefeito recém eleito. Espera-se que seja cumprida sua promessa de fazer um novo PDDU  e uma nova LOUOS com a participação da sociedade civil, como exigem a Constituição Federal e o Estatuto da Cidade.
Vê-se bem que Salvador, a mais antiga e uma das mais importantes metrópoles brasileiras, não é tratada como metrópole. Sua gestão lhe ignora o entorno, o nicho de que ela compõe um poderoso núcleo. A rigor, ela padece de um vazio no seu policy-making. É inegável o colapso do planejamento urbano e regional no Estado da Bahia.
Planejamento de verdade, vale repetir, deve ser sistêmico e participativo – coisa há muito está faltando aqui.
Gente, além de sintoma de miséria cultural isso é fator de descalabro na sociedade. Falta de planejamento urbano significa barbárie. Que gera mais barbárie ainda.

Pedágio Urbano überall


Marcio Campos*
O cenário de horror
Entre as polêmicas declarações do ex-prefeito de Salvador, João Henrique, quase nenhuma foi tão criticada, chegando mesmo à beira de ser ridicularizada, como a afirmação, no início de 2010, que as concessionárias, que vendiam sem qualquer limite carros novos na cidade, eram as principais culpadas pelos congestionamentos. É claro que indicar o final do processo que origina o problema como o problema em si é uma atitude que não se espera de político algum, mas ao localizar na venda descontrolada de automóveis uma das razões para os enlouquecedores engarrafamentos, talvez ele tenha tido uma de suas declarações mais politicamente vigorosas, capaz de desestabilizar planos importantes do governo federal.
A verdade é que, graças à infeliz e irresponsável decisão política de apoiar boa parte do crescimento econômico do país durante a última década no consumo irrestrito de automóveis particulares, sem que nem de longe houvesse investimento em infraestrutura viária e transporte coletivo de massa que acompanhasse a explosão do número de veículos individuais, as grandes cidades brasileiras estão imobilizadas.
Como consequência desta decisão, podemos hoje experimentar fisicamente a abstrata noção de que um grupo, um coletivo, uma sociedade sempre será algo mais que a soma de seus indivíduos: a terrível agonia cotidiana das horas perdidas por milhões de pessoas em engarrafamentos inescapáveis é a própria vivência da impossibilidade de uma sociedade onde o direito do indivíduo, especialmente funcionalizado no papel de consumidor, é absurdamente hegemônico diante do direito da coletividade: porque cada um possui um carro, ninguém mais é capaz de se locomover. O direito de ir e vir de cada um, dentro dos atuais espaços urbanizados brasileiros, aniquila o direito de ir e vir de todos.
Diferente do Rio ou São Paulo, onde, ainda que precariamente, existem linhas de trens e de metrô em algo que pode ser entendido mais ou menos como um sistema de transporte coletivo, Salvador padece de maneira extrema diante da superpopulação de automóveis particulares, uma vez que o único meio de transporte coletivo, o ônibus, precisa disputar com a massa de carros o mesmo espaço de deslocamento.
E é preciso que se diga que a ideia de uma superpopulação de automóveis particulares é bastante relativa: ela só pode ser compreendida se considerarmos a altíssima densidade populacional, a antiga e ineficiente rede de ruas e avenidas, o desmando da gestão do uso do solo permitindo em todas as áreas altas taxas de utilização, e a falta de articulação efetiva com as cidades vizinhas em termos de planejamento territorial, pois a cidade ainda está distante de ter os padrões da relação do número de automóveis por habitante comuns nas cidades do mundo de consumo pleno. Em outras palavras: sendo mantida a decisão do governo nacional do consumo desenfreado de automóveis como política desenvolvimentista, ainda teríamos que contar com dezenas de milhares de automóveis a mais na capital baiana.
Vários artigos já foram escritos nos últimos meses e anos sobre a mobilidade urbana nas cidades brasileiras e em Salvador, e em todos eles é evidente a necessidade de se pensar um sistema articulado que leve em consideração as diferentes velocidades e modos de deslocamento, ligados aos diferentes meios de transporte, a geografia e o desenho urbano da ocupação territorial, as necessidades da população, a busca por uma cidade menos poluída pelo tráfego, entre outras variáveis, em algo que implica necessariamente na execução prática de um verdadeiro e sério planejamento urbano e regional.
Estamos diante então de um problema que não se resolverá em curto prazo, acrescido de dois agravantes: o primeiro deles, a recusa dos atuais governos locais em assumir a tarefa do planejamento urbano, entregando às empresas a gestão e desenho das cidades; as consequências nefastas deste recuo são incontroláveis, especialmente na completa desarticulação das propostas como uma ideia de todo que correspondesse à cidade, o que vale, por exemplo, tanto para a ponte de Itaparica, como Paulo Ormindo vem demonstrando incansavelmente, como para a chamada linha 2 do metrô; o segundo deles é a própria experiência da construção da linha 1 do metrô, o “Ferrorama do Bonocô”: diante de tal obra, motivo de piada nacional, monstruosidade orçamentária, paisagística, urbana e arquitetônica, como fazer a população acreditar em alguma medida a longo prazo? E, principalmente, como fazer para agir em curto prazo?
Aprendendo de São Paulo
Maior cidade do país, nenhuma outra vem tentando resolver o problema crônico da imobilidade como São Paulo. Mesmo com os investimentos nas linhas de metrô e trem, em uma rede ainda reduzida considerando o tamanho da região metropolitana, ali é possível perceber como os esforços no passado recente de controlar o trânsito de veículos particulares tiveram um impacto limitado, como foi o caso do rodízio de veículos: quem pôde, comprou outro carro.
A recente proibição do trânsito de veículos de passeio na região da Rua 13 de maio, em Santo Amaro, que tem como objetivo “melhorar o desempenho do transporte coletivo na região”, parece ser uma resposta efetiva ao dilema do direito coletivo versus o direito individual exposto no início deste artigo, mas é na verdade uma tentativa de evitar o pedágio urbano, algo extremamente rejeitado pela população e por isso difícil de ser implementado por qualquer político: o prognóstico é de uma derrota segura nas eleições seguintes à implementação de tal mecanismo.
Incluído na recente lei nacional que determina a política de mobilidade urbana, o pedágio urbano possui em São Paulo um amadurecimento que remete a duas décadas de inciativas políticas nunca efetivadas.  O atual modelo, aprovado pela câmara da capital paulista e apoiado em estudos do arquiteto Cândido Malta, prevê a cobrança do equivalente a U$ 2,00 para quem entre no limite definido como centro expandido – que corresponde logicamente à área melhor servida por metrô e trens –, e tem como referência a experiência internacional de cidades como Londres, Cingapura ou Oslo, sendo, em todas elas, o valor arrecadado destinado à melhoria do sistema de transporte coletivo. Para que seja efetivado, a implantação de um pedágio urbano pressupõe um incremento imediato de transporte púbico, em geral, conseguido com uma oferta maior de ônibus.
Entretanto, se comparada a estas cidades, a proposta de São Paulo diferencia-se pelo tamanho da área coberta pelo pedágio: tanto em termos absolutos como na proporção com o restante da área urbanizada, torna-se evidente que o problema nas cidades brasileiras assume outra dimensão e outras características.
Salvador: Pedágio überall e transparente
Restringir uma área sob pedágio em Salvador teria ainda menos efeitos: graças à sua geografia, malha viária e desordem em várias escalas urbanísticas, a imobilidade tornou-se genérica, e um único acidente envolvendo um veículo maior hoje é capaz de paralisar toda a cidade. Daí que a solução em curto prazo para a imobilidade urbana em Salvador dificilmente escapará de um pedágio sobre toda a área do município para automóveis de passeio. Então a crítica que vem sendo feita à Linha Viva, que irá ligar o Acesso Norte à Estrada do Cia, em traçado paralelo à Avenida Paralela, contra o fato de ela estar sendo planejada para ter vinte pedágios, mudaria de foco: o problema não reside nos pedágios propostos para a chamada Linha Viva, senão na ausência de cobrança de pedágio pelo uso de toda e qualquer rua do município por automóvel de passeio.
Utilizando-se do mesmo mecanismo previsto para a cobrança de pedágio em São Paulo, todos os automóveis em circulação na cidade receberiam um chip que permitiria fazer o registro de uso do veículo através da localização via GPS. Como é impraticável a ideia de uma limitação espacial para a cobrança do pedágio, a melhor maneira de cobrá-lo seria através da quantidade de quilômetros rodados diariamente. Sendo assim, poder-se-ia estipular um valor X para os primeiros 10 quilômetros rodados, um valor X/2 para os seguintes 10 quilômetros, depois um valor x/4 para os próximos 20 quilômetros, seguindo em uma proporção até chegar a uma determinada quilometragem diária, a ser estabelecida em função da média de deslocamentos de quem necessita do veículo como instrumento de trabalho, a partir da qual não se cobraria mais pelo pedágio, podendo inclusive haver uma redução do valor acumulado para quem ultrapassasse este limite.
O valor X, referente à taxa cobrada por quilômetro rodado nos primeiros dez quilômetros de uso diário do automóvel, deve ser calculado de maneira a incentivar o uso do transporte público, a carona solidária para o trabalho e para o transporte de crianças à escola, e reduzir deslocamentos esporádicos e não planejados. É no estabelecimento deste valor que poderá ser medido o impacto sobre o trânsito na cidade.
Entretanto, apenas este aspecto técnico não resolveria o problema político: diante do grande descrédito da população frente ao escândalo referente às verbas “destinadas” aos 13 anos de construção do Ferrorama, como fazer com que a população que possui automóvel aceite mais esta tributação?
A única saída seria a criação de uma conta pública transparente que arrecadasse exclusivamente este pedágio urbano e cujo montante depositado deveria estar voltado somente para os investimentos no sistema de transporte coletivo, onde cada cidadão pudesse acompanhar pela internet não somente o total arrecadado a cada dia, como também e principalmente o quanto foi cobrado dele individualmente. Tecnologia para isso já existe: basta que se adapte um software semelhante aos aplicativos que cada um pode ter em seu celular para acompanhamento de exercícios físicos. Dotado de um GPS, o aparelho pode registrar o percurso exato de cada automóvel, medindo-o, o que pode ser então verificado em qualquer celular ou computador pessoal ao final de cada dia, indicando então o cálculo de pedágio arrecadado para aquele período de 24 horas.
Ao tornar esta conta pública exclusiva para a arrecadação do pedágio urbano, seria possível eliminar a caixa preta onde se perdem os impostos em corrupção e desvio de dinheiro. A transparência do montante arrecadado para este fim serviria de base para uma ação transparente não somente no momento da contratação de todos os serviços para a instalação de um verdadeiro sistema de transporte coletivo, como também para a própria definição do modelo a ser escolhido: uma vez o cidadão envolvido com o mecanismo de controle do que ele pagará como pedágio, consequentemente ele estará interessado em participar das decisões de como o dinheiro será aplicado.
Em curto prazo diminuiríamos substancialmente o número de automóveis de passeio nas ruas e em médio prazo haveria uma perspectiva concreta de um sistema de transporte de massas definido com a participação dos cidadãos. A culpa não é mesmo das concessionárias, mas se uma cidade como Salvador quiser realmente melhorar sua condição de imobilidade cotidiana, terá sim que enfrentar o governo federal, questionando um dos pilares do seu modelo de crescimento econômico. Quem vai topar esta briga?
*Mestre em Arquitetura pela TU-Vienna e professor na UFBA, e trabalha sobre Arquitetura do Século XX e Contemporânea. 

Yo-Yo Ma : arte em transe e os deuses sem Deus.

Gil Vicente Tavares* 
A religião surgiu como forma de tentar compreender, aceitar ou lidar com o imponderável, o incontrolável, o inexplicável. Por isso, as primeiras religiões eram politeístas e mantinham uma relação direta com a natureza.. A natureza passou a ser explicada e os olhos voltaram-se ao homem. Ao indivíduo. Os deuses passaram a ser Deus, e o que antes era representação da natureza, tornou-se ao mesmo tempo algo que tinha a ver com alma, espírito, mas também a ver com o mais amplo, misterioso e inefável. Quanto mais a ciência avançava, mais dilatava-se a noção de Deus. Chegou-se ao big bang e logo perguntou-se: e antes do big bang?  Nietzsche anunciou a morte de Deus num momento onde as questões já deveriam ser outras. Infelizmente, a religião pautou o século XIX, o XX e ainda é marcante e presente no século XXI. Com isso, as matanças, vinganças, disputas, perseguições, preconceitos e diásporas continuam, pautadas pelas crenças, dogmas e regras 
Alguns homens, ao tentar um contato com o inefável, com o divino, acabaram por criar a religião. Outros, a arte. A arte é uma forma sofisticada e libertária de religião. Transcende-se sem dogmas, eleva-se sem moralismos, chega-se a um estado de graça sem crenças. 
Sempre frequentei – e continuo – frequentando o candomblé. Sua sabedoria selvagem, voltando a Nietzsche, traz uma relação genuína e pura com a natureza, há, por trás de seu primitivismo, algo que mexe com nosso lado bicho, nosso lado barro, nosso lado fogo, água, vento. Por isso nada mais belo que a relação da energia da natureza com a natureza de cada um. Como na astrologia, somos consagrados a um elemento, a uma energia e sinergia que traduz nossa forma de ser, e ajuda a compreender nosso estar no mundo. 
O transe, no candomblé, visto como uma antropoformização das energias da natureza, parece-me muito mais com o que Pierre Verger dizia. É algo que vem de dentro pra fora. Ninguém “baixa” Iansã, Oxum ou Xangô. Chega-se a um estado de transe, de epifania, de concentração de energia, alma, espírito e corpo em estado bruto, denso e visceral. 
A arte, a sofisticação da religião, transcende a necessidade de relação com algo que está lá fora, subverte essa ideia de contato com o inefável, e percebe – mais uma vez Nietzsche – que é melhor sermos deuses nós mesmos. A salvação não está no que não se compreende, a enlevação não está no que nos é superior, a salvação e a enlevação estão em compreender-se, elevar-se acima do que o homem insistiu em ser, ao longo dos séculos. O homem é algo que precisa ser superado, e o filósofo alemão não desgruda do meu texto. 
á que é assim, vou escancarar logo dizendo que não é possível acreditar num Deus que não saiba dançar, e “quem manda é a deusa música”, dizia o mestre Gil. E foi justamente o que pude ver, hoje, no palco do Teatro Castro Alves, na apresentação de Yo-Yo Ma e Kathryn Stott. 
Ma entrou no palco arrumado, aquela simpática cara oriental com sorriso simples, cabelo lisos e arrumados e deferência para com a plateia. Sentou, começou a tocar Stravinsky e seu cabelo ainda estava impecável, um divertimento, sorriso nos lábios, tudo comportado, som discreto no imenso Teatro Castro Alves e uma agradável noite de concerto. 
Durou pouco tudo isso. Algo começava a destoar, já no Stravinsky, e quando Ma começou a entrar na alma brasileira de Villa-Lobos a coisa foi mudando de figura. A coisa e o rosto, o corpo do violoncelista. 
Oblivion trouxe-me o esquecimento da música como cerimônia social, com pessoas em seus bons trajes, tossindo, a luz acesa do teatro mostrando que tudo era uma coisa só. De repente, o violoncelo de Ma me puxou pra outro lugar. E assim a dança negra de Guarnieri já era o transe do candomblé em sua forma sofisticada. O músico batia o pé, torcia o ombro, e o rosto sofria, adensava-se, contorcia-se junto ao ritmo, à melodia, às cadências, compassos, respirações. A essa altura, os braços da pianista já bailavam e alguma coisa a mais acontecia naquele teatro. Seguiu-se a Andaluzia de Manuel de Falla e todas as cores ciganas, mouriscas e telúricas inundaram o palco que parecia
De nada adiantou o intervalo. Yo-Yo Ma voltou com Stott para tocar Messiaen, o movimentoLouvor à eternidade de Jesus, de seu Quarteto para o fim dos tempos, escrito quando da prisão do compositor pelos nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial. 
“Este velho santo [...] ainda não soube que Deus está morto”, pensou o violoncelo nietzschiano de Yo-Yo Ma e sofreu com ele o desespero de uma humanidade massacrada pela condução de homens que ainda precisavam, e precisam, escorar-se na ideia de um Deus – o meu, certo, o dele, errado – e usá-lo como arma e escudo para o outro e para si 
O longo, repetido e insistente choro de Messiaen foi invadindo as paredes do TCA, meus poros, meus sentidos, minha alma e espírito, longe de Deus e deuses, e fui entrando no transe súbito daquele músico único, mágico príncipe sólido e pássaro: construção e demolição, contradição e tradição num conflito máximo. 
A última peça do concerto era pra ser uma sonata de Brahms que eu conhecia para violino e tinha tocada por ninguém menos que Isaac Stern. Mas foi outro Brahms que chegou até mim. Proposital, ou não – e a arte não tem nem deve ter propósito, e por isso é ela mesma mais que Deus e homens –, Yo-Yo Ma tecia seu repertório pondo, impondo e compondo Brahms depois do conflito espiritual de Messiaen, entre o eterno e o fim dos seus próprios títulos. 
A ex-sonata para violino virou uma densa, tensa e intensa peça pra violoncelo e piano, e eu ouvia Johannes Brahms como nunca antes. Cabelos bagunçados, batidas de pé, deslizar de pernas, pequenos saltos da cadeira, e Yo-Yo Ma estava em transe. Ele, música, instrumento e resto, eram tudo uma coisa só. Entender o princípio de tudo, o primeiro grito, o primeiro gesto, as primeiras moléculas se encontrando lá atrás; a vida surge quando tudo torna-se uma coisa só e explode. Ribombam ainda os sons desse estouro que se espalha em estilhaços de som, de tessitura, e os homens, que não se contentam em esperar, louvar, inventar e crer, juntam seus cacos de existência em notas musicais. 
Yo-Yo Ma sabe disso, mesmo sem saber. Poucos momentos eu tive onde a arte estava em seu verdadeiro tamanho: maior que a vida, fora dela e ao mesmo tempo tão dentro de mim, pulsando como se o Deus que dormisse em mim acreditasse que eu existo. Além do comum, do vulgar, do dia-a-dia que se arrasta jogando uma pá de poeira sobre a poesia da vida. Mas a arte está lá, pra quem quiser. Na poesia da vida, onde há vida na poesia, onde há o transe que não busca o divino, mas mostra o quão divino podemos ser. 
Religar o homem a si. Descobrir-se maior que o universo, porque o universo é aqui. Na música e na dança que ainda vão se transformar em silêncio. Silêncio eterno que nem Deus nem a música hão de iluminar para nós o que há de ser. Enquanto não chega esse momento, oremos através da arte. 
Assim falou Yo-Yo Ma 
*Gil Vicente Tavares nasceu em Salvador, Bahia, em 26 de agosto de 1977. Gradua-se na Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 1999. Sua peça de formatura, "Quarteto", de Heiner Müller, rende-lhe o prêmio de diretor revelação. 
Após retornar de um intercâmbio com a Cena Lusófona, em Portugal, passa a encenar textos como: "Antes da Reforma", de Bernhard, e "O Despertar da Primavera", de Wedekind, com grandes atores da Bahia 
Colabora no roteiro do filme "Cidade Baixa", de Sérgio Machado, e foi coautor da comédia musical "Vixe Maria, Deus e o Diabo na Bahia", sucesso que ficou mais de quatro anos em cartaz com mais de 200 mil espectadores. 
Em 2006, vai a Roma falar de sua obra e assistir à leitura encenada de duas peças suas: "Os Javalis" e "Os Amantes II". Funda, então, o grupo Teatro NU com Jussilene Santana e estréia, neste mesmo ano, sua peça "Os Amantes II". 
Em 2008, o Teatro NU estreia "Os Javalis", novamente sob sua direção. O último espetáculo do grupo foi o "Teatro NU Cinema", que levou peças curtas de Tchecov à Sala de Arte da UFBA no primeiro semestre de 2009. 
Junto ao Teatro NU, organizou eventos voltados pra história do teatro baiano e pra dramaturgia contemporânea, trazendo nomes como Ramón Griffero (Chile) e Darío Facal (Espanha). Sempre fomentando discussões sobre teatro, drama e sociedade . 
Concluiu o doutorado no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas (UFBA), onde pesquisou a dramaturgia, a herança do Absurdo e seus vestígios no drama contemporâneo.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Ponte Salvador Itaparica

Paulo Ormindo de Azevedo*
Há muitas divergências entre os urbanistas, mas num ponto todos concordam: a cidade deve ter densidade demográfica e extensão espacial que facilite a comunicação e a manutenção de redes eficientes de serviços. Nossas cidades são extremante carentes de serviços. As periferias não contam com esgoto, lixo, abastecimento regular de água, iluminação e acessibilidade aceitável, para não falar na segurança, na educação e na saúde. Dentro dessa lógica, a expansão de Salvador deve ser dirigida para a periferia e para os municípios vizinhos. Na verdade isso já ocorre, mas de forma desordenada, como em Lauro de Freitas, com Itinga, e Camaçari, com a Vila de Abrantes. 

Para o Norte e Oeste a RMS se alarga como um leque para abrigar os polos industriais do Copec, Ford, CIA, Mataripe, e portos de Aratu e Temadre. A quase totalidade de seus trabalhadores vive na periferia de Salvador porque os municípios em que se encontram, embora ricos, não oferecem habitações nem serviços. Em outras palavras, o Estado nunca infraestrututurou a RMS nem nunca articulou Salvador com seus vizinhos. 
Com tanto terreno contíguo é incrível que alguém defenda expandir Salvador para além-mar, a oito milhas do porto. Em declaração ao caderno Imobiliário de A Tarde, do último dia 9, o secretário estadual de Planejamento afirma que a Ilha de Itaparica abrigará 280 mil habitantes. Para isso será necessário abrir estradas e ruas, construir escolas, creches e postos de saúde. Levar eletricidade, água potável, telefonia e dados a uma distância de 13km  para depois distribuir e construir uma grande estação de esgoto, pois o emissário submarino dentro da baía seria um desastre. Com essas obras o orçamento do Sistema Viário Oeste duplicará e passará dos R$ 15 bilhões. Incrível é também o contrato de R$ 40 milhões, por notório saber, de uma empresa alienígena para estudar o impacto na baía e na ilha, quando a Ufba acaba de publicar o mais completo estudo sobre a Baía de Todos-os-Santos e seu Recôncavo. 
Sobra ainda uma questão. Quem irá morar na ilha? Seguramente não será a classe média, nem a alta. Os corretores imobiliários sabem que essas classes querem morar em bairros consolidados, perto das boas universidades, hospitais, shoppings, teatros e cinemas e não ter que enfrentar uma nova Paralela, com o agravante de ser interrompida durante horas para a passagem de plataformas de petróleo. As praias da ilha já foram loteadas e a costa interna é só mangue. Sem essas limitações, o Litoral Norte continua um subúrbio chique de casas ocupadas um mês por ano. 
A comparação com o Corredor da Vitória é propaganda enganosa. A centralidade faz toda a diferença. E ainda há quem acredite que a ponte pode ser financiada com leilões de Cepacs (Comprovante de Potencial Adicional Construtivo). Isso só funciona em áreas centrais hipervalorizadas, como o Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. Podem esperar sentados Donald Trump e Eike Batista para arrematar Cepacs em Caixa Prego. Por outro lado, não tem sentido botar o proletariado para morar do outro lado da baía e ir trabalhar a 60km, no Copec  ou na Ford, ou em Candeias e perder o dia de trabalho porque enfrentou engarrafamento em Salvador ou a passagem de uma plataforma de petróleo. Nesta perspectiva, resta a Itaparica ser um acampamento rodoviário e retro-porto de Salvador, uma réplica do município de São Gonçalo, vizinho a Niterói. Esta hipótese é confirmada no mesmo caderno imobiliário, quando noticia um grande empreendimento subsidiado de Minha Casa Minha Vida com unidades entre 45 e 55 metros quadrados. Sim, teremos uma Cidade de Deus em Itaparica.  
O que resta deste projeto é a ilusão popular que a ponte irá substituir o ferryboat. Ninguém paga pedágio e enfrenta uma ponte de 13km para chegar ao Rio engarrafado. As barcas ainda são a melhor solução para cruzar a Guanabara. Se este projeto for adiante por um capricho, nós contribuintes teremos de pagar por muitas décadas seu custo exorbitante. Mas o mais provável é que ele não passe de alguns pilares perdidos na baía, enfeiando e atrapalhando a navegação.
*Professor titular da Escola de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia