domingo, 4 de abril de 2021

Salvador, Cidade Porto

Antes mesmo de se chamar Salvador, a principal fortaleza portuguesa construída no oeste do Atlântico, já fazia referência às condições geográficas que lhe tornam ideal para as chegadas e partidas de quem sonhava em dominar o mar. A capital dos baianos nasceu como a Cidade da Bahia – com o h na época –, sede do governo português além mar e viu as suas primeiras instalações portuárias acontecerem junto com a fundação da própria cidade. De 1549 para cá, muita coisa mudou. Entretanto a vocação da cidade para os embarques e desembarques de pessoas e mercadorias manteve inalterado. No século XVIII, Salvador foi o principal entreposto comercial do Atlântico Sul. Hoje, com uma série de investimentos, no decorrer de pouco mais de 100 anos, o Porto de Salvador, em sua atual localização, reúne às condições naturais investimentos em acessos terrestre e marítimo, além de condições para a atracação de embarcação consideradas sem iguais no ao Sul do Atlântico. Por cerca de 400 anos, as condições naturais foram suficientes para realizar a atracação de embarcações na região. Apenas no século XX, em 1906, o ancoradouro ganha o título de porto e começa a passar por um processo de modernização. A primeira parte do cais da alfândega ficou pronta em 1913, ano da inauguração oficial do porto. Em 1914, doze meses depois, já haviam sido construídos 750 metros de cais, com oito guindastes móveis sobre trilhos, três linhas férreas e acesso à Avenida da França, exclusiva para a movimentação portuária. Desde 1978, após intervenção federal na Companhia Docas da Bahia, o porto foi encampado pela União e passou a ser administrado pela Codeba. Nos últimos anos, o Porto de Salvador recebeu investimentos na sua infraestrutura. A Via Expressa
proporcionou uma ligação direta entre o terminal e a BR-324, sem causar grandes prejuízos ao trânsito de Salvador e permitindo acesso rápido das cargas ao porto. Somam-se a este investimento nos últimos anos, a dragagem do canal de acesso, a construção de um novo terminal de passageiros, modernização da estrutura para recepção de trigo, além da ampliação e compra de novos equipamentos para o Terminal de Contêineres (Tecon) – que movimenta a maior parte das cargas do porto, de acordo com informações da Companhia Docas do Estado da Bahia (Codeba). Ao todo, o porto tem pouco mais de 2 quilômetros de cais acostáveis, fundamentais para a escrita da história econômica da Bahia. DESENVOLVIMENTO O presidente da Federação da Indústrias do Estado da Bahia (FIEB), Ricardo Alban, destaca a relevância da atividade portuária para a atividade econômica. “Em um mundo crescentemente globalizado, interligado nas chamadas cadeias globais de valor, a atividade portuária é vital para o andamento do comércio internacional e, consequentemente, para o desenvolvimento econômico do país e do estado”, diz. Ele lembra que na Bahia, por exemplo, 93% das exportações em 2020 foram realizadas pela via portuária, ultrapassando os US$ 7,3 bilhões. No Brasil, estima-se que cerca de 95% da corrente de comércio passa pelos portos. Ou seja, sem nossos portos, o país praticamente não teria relevância comercial. “Portos modernos e de elevada capacidade e produtividade são essenciais para transformação e impulsão da atividade econômica, a exemplo do que vimos nos estados de Pernambuco (Suape) e Ceará (Pecém)”, compara. “A Bahia precisa valorizar e modernizar sua infraestrutura portuária. Temos uma dádiva que é a Baía de Todos os Santos, que proporciona águas abrigadas e profundas, excelentes para abrigar portos públicos, como Salvador e Aratu, ou privados”, avalia Alban. Alban pede ainda um olhar para a situaçaõ do Porto Sul, que será erguido em Ilhéus. “Conjugado com a FIOL (Ferrovia de Integração Oeste-Leste), pode alavancar o desenvolvimento do estado da Bahia, com destaque para a região sul, que enfrenta há muitos anos os efeitos adversos da decadência de vetores econômicos como a cultura do cacau e o Polo de Informática de Ilhéus”, ressalta. POTENCIAL Sabidamente um apaixonado por tudo o que diz respeito à operação portuária, Paulo Villa, diretor executivo da Associação dos Usuários de Portos da Bahia (Usuport) acredita que o Porto de Salvador pode contribuir muito mais para o desenvolvimento da cidade e do restante do estado. “A cidade nasceu como um porto e o porto era a cidade. Salvador nasceu em um local natural para a operação portuária”, explica. “A Baía de Todos os Santos é o melhor sítio portuário do Atlântico Sul”, avalia. “O que temos é uma mina de ouro para a operação portuária”, diz Paulo Villa. Villa acredita que Salvador tem capacidade para receber os chamados “navios mãe”, que atraem cargas capazes de abastecer navios menores. Ele diz que este tipo de operação tem potencial para contribuir com a o desenvolvimento econômico de Salvador e de toda a Bahia. “O porto pode modificar todo o cenário econômico da Bahia”, acredita. Ele destaca o conjunto de intervenções humanas no local e avalia que o equipamento portuário montada no bairro do Comércio é de longe o maior investimento já realizado na infraestrutura de Salvador. “Este porto foi construído não apenas com 1,5 quilômetro de cais, mas com 2 quilômetros de quebra-mar. Aquilo ali é uma infraestrutura que dá qualidade invejável para Salvador”, acredita. Villa defende a necessidade de ampliar a estrutura para a movimentação de cargas e a construção de um novo terminal para movimentação de contêineres, mesmo com os investimentos em curso na ampliação do atual. “O porto é a maior obra de engenharia da cidade. Quem diz que é o metrô é porque não conhece o porto”, desafia. Para Paulo Villa, a maior celeridade no processo de modernização do porto passa por uma mudança no modelo de gestão dos portos baianos. O poder decisório em Brasília atrasa muita coisa, acredita. “As principais decisões são tomadas longe da Bahia. É uma incongruência porque fica distante da realidade”, diz. “Eu não vejo razão para portos serem estatais. Hoje já se fala em desestatizar a Codeba e a Usuport apoia isso porque é necessário que se tenha uma visão local”, defende. Ele lembra ainda que em alguns lugares do mundo, os municípios tem presença ativa na gestão portuária, tal a importância dos equipamentos para a dinâmica das cidades. “A ideia de aproveitar integralmente o potencial do porto é dez para a cidade, para o estado e para o país”.
CONTEINERS QUem atua na área portuária costuma dizer que o contêiner é a maior invenção da humanidade. Guardadas as devidas proporções e respeitando-se a natural empolgação dos que estão envolvidos no processo, aquelas caixas de metal trouxeram uma praticidade e segurança para a movimentação de cargas nunca antes vistas. E a movimentação deste tipo de cargas é hoje a principal vocação portuária de Salvador. O diretor do Tecon, Demir Lourenço, lembra compara a capital baiana com outras cidades portuárias do mundo para dizer que locais com a vocação de Salvador costumam colher bons frutos ao estimular isso. “Quem olha para cidades como a Antuérpia, na Bélgica, ou a holandesa Roterdã, sabe que o portos são estruturas centrais na dinâmica urbana destas cidades”, diz. “No mundo inteiro, as cidades que nasceram a partir da vocação portuária, elas continuam até hoje valorizando os portos como um fator central para o desenvolvimento da cidade”, diz. “Portos são ferramentas importantes para o desenvolvimento econômico e social, mas no Brasil nem sempre a sociedade enxerga a atividade desta forma”, acredita Demir Lourenço. “Salvador tem condições inigualáveis. O canal de acesso ao porto é naturalmente profundo, as águas são abrigadas, é uma vocação natural. Nós não temos assoreamento, que é um problema em grande parte dos portos no Sul”, acredita. Ele lembra que em Santos, por exemplo, o processo de dragagem é praticamente contínuo. Além disso, o diretor do Tecon lembra que a Via Expressa trouxe uma condição de acesso bastante privilegiada. “É uma condição que não se encontra mesmo em portos localizados em cidades pequenas. A via isolou o trânsito da cidade e o trânsito do porto”. Recentemente, o Tecon concluiu a expansão em sua área de atracação, já com 800 metros, a ampliação da área de apoio, com mais 30 mil metros quadrados também. “Estes investimentos nos colocam numa situação extremamente privilegiada. Salvador permanece como o principal porto do Norte-Nordeste em movimentação de longo curso. Suape tem uma movimentação total maior porque realiza mais operações de cabotagem e transbordo, mas Salvador é o principal em importação e exportação de contêineres”, compara. “A movimentação depende muito do desempenho econômico do estado, mas a nossa obrigação, que é prover a infraestrutura para esta movimentação, está sendo cumprida. A gente resolveu isso”, comemora. As operações do Tecon completaram 21 anos esse mês. O terminal baiano é um dos mais importantes instrumentos de atração de novos negócios e de investimentos para o estado da Bahia. Em duas décadas, movimentou 3.243.827 contêineres, com cargas relacionadas à produção e consumo da Bahia e outros estados, a exemplo de Minas Gerais, Espírito Santo, Tocantins, Pernambuco e Sergipe. Neste período, foram investidos mais de R$ 918 milhões no terminal baiano. Os investimentos e melhorias consolidaram o terminal como um dos mais importantes terminais do país, uma das instalações mais competitivas na América do Sul, e que recebe atualmente as principais linhas que escalam o Brasil. Neste ano, está finalizando a ampliação do berço de atracação, que passa de 377 metros para 800 metros, além da pavimentação de 30.000 m² de retroárea adicionais. O projeto, iniciado em 2018, demandou investimentos de R$ 443 milhões. Até 2050, serão investidos mais R$ 272 milhões em obras de expansão da unidade, totalizando R$ 715 milhões. A fase atual de investimentos é realizada com 100% de recursos próprios e empregou aproximadamente 700 profissionais diretos e 2.100 indiretos, sendo 90% dos contratados moradores de Salvador e cidades vizinhas.