sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Bahia, terra da felicidade?

Osvaldo Campos  Magalhães* 
Segundo dados divulgados no 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Estado da Bahia registrou7,1 mil mortes violentas em 2016 e liderou o ranking nacional em números absolutos, superando os estados do Rio de Janeiro e São PauloA violência na Bahia atingiu principalmente os jovens negros do sexo masculino, com idade entre 15 e 21 anos. O Anuário também aponta que cresceu a diferença na expectativa de vida entre homens e mulheres, sendo que a Bahia apresenta umdas maiores amplitudes, com as mulheres vivendo mais de nove anos que os homens, com uma expectativa de vida chegando 79 anos. A diferença nas expectativas de vida entre homens e mulheres reflete os altos níveis de mortalidade, principalmente de jovens, por causas violentas, que incidem diretamente na esperança de vida ao nascer da população masculina. Para se ter uma real dimensão da violência no Brasil, vale destacar que os 61,5 mil assassinatos cometidos em 2016 equivalem, em números, às mortes provocadas pela explosão da bomba nuclear que dizimou a cidade de Nagasaki, no Japão, em 1945, durante a Segunda Guerra Mundial. No que diz respeito às Unidades da Federação, é possível notar uma grande disparidade: enquanto em São Paulo houve uma redução de 49,4%, nos últimos 10 anos, na Bahia o aumento da taxa de homicídios de jovens superou os 200% no mesmo período. Já a letalidade das polícias nos estados brasileiros aumentou 25,8% em relação a 2015: 4.224 pessoas foram mortas em decorrência de intervenções de policiais civis e militares. Quase a totalidade das vítimas é homem (99,3%), jovem (81,8%), tem entre 12 e 29 anos e é negra (76,2%). O número de policiais mortos também aumentou 17,5% em relação a 2015: 437 policiais civis e militares foram vítimas de homicídio em 2016. O acentuado crescimento da violência e dos assassinatos de jovens baianos assim como a liderança da Bahia, desmente a enganosa propaganda do Governo do Estado e comprovam a falência do nosso sistema educacional público e a deficiência dos programas de inclusão social e de geração de empregos. O governo baiano nos últimos dez anos equivocadamente priorizou investimentos em mega projetos que não conseguiram se materializar, como o Porto Sul, FIOL, Estaleiro Enseda e a ponte Salvador - Itaparica, que, tendo recebido recursos públicos superiores a R$6.5 bilhões, beneficiariam principalmente as grandes empreiteiras. O governo do Estado da Bahia também relegou a segundo plano a população do semiárido baiano, que não foi beneficiado pela transposição das águas do São Francisco nem pela construção de novos açudes. A migração dos jovens das áreas rurais para as regiões metropolitanas agravaram a questão do desemprego, das drogas e da violência e explicam a liderança da Bahia no 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
*Engenheiro Civil e Mestre em Administração pela UFBA

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Sobre o quase demolido Centro de Convenções de Salvador

Márcio Correa Campos*
Em janeiro de 1977 era inaugurado em Paris o Centro Georges Pompidou, o edifício que, visto a partir da perspectiva histórica de hoje, é provavelmente o mais importante no mundo dentre os construídos na segunda metade do século XX. Selecionado a partir de um dos concursos internacionais mais debatidos à sua época, o Projeto de Renzo Piano e Richard Rogers articulou, exatamente na década que iria experimentar o auge das tendências pós-modernas historicizantes em ambos lados do Atlântico, os mais importantes impulsos de improvável renovação da arquitetura moderna, com os elementos do debate espacial e tecnológico levantados nos anos 60 (palavra-chave: Archigram) e a discussão da manutenção da vitalidade dos centros históricos europeus, à beira de um processo de expansão geográfica através de subúrbios e de uma progressiva destinação de uso ao turismo de massas, em uma arquitetura unicamente otimista, radical e renovadora, algo reservado a obras excepcionais. Um professor que tive na Universidade Técnica de Viena afirmava, em uma frase de efeito e em uma comparação destemida, que o Centro Georges Pompidou deveria ser estudado por arquitetos como uma sinfonia de Beethoven é estudada por músicos. 
Maior exemplo da arquitetura que é reconhecida como high-tech, com a sua rigorosa separação entre os espaços de exposição no centro do volume arquitetônico e os espaços de apoio (equipamentos de circulação como elevadores e escadas rolantes, instalações, etc) situados dos dois lados maiores, na periferia do edifício, por assim dizer expostos nas fachada, o edifício com sua clara e simples definição volumétrica e sua estrutura com forte impacto de imagem recebeu críticas que o descreviam como “uma refinaria de petróleo” no centro da capital francesa. Ainda que a esta radicalidade estética, correspondente inclusive ao fato de o edifício não possuir uma fachada no sentido tradicional do termo, pois hipoteticamente módulos poderiam ser adicionados ao seu lado menor em uma extensão sem limites nas duas direções, é parte de uma resposta aos desafios de um programa que exige espaços amplos e flexíveis em vários andares, graças à compacidade de seu volume foi possível criar a grande praça que lhe serve de esplanada de acesso e organiza em harmonia tanto o espaço público como a inserção do edifício no seu entorno, atingindo um equilíbrio que é fruto de uma decisão de projeto extremamente refinada.
Em 1979, dois anos após a inauguração do Centro Georges Pompidou, foi entregue à população da Bahia o Centro de Convenções do Estado, construído a partir de concurso de projeto de arquitetura realizado em 1976 e vencido pelo importante escritório carioca MMM Roberto, responsáveis por alguns dos edifícios mais importantes do movimento moderno no Brasil. Neste momento, caracterizado pela bibliografia especializada como o quarto período do escritório, a administração do escritório estava a cargo de Maurício Roberto, o mais jovem dos irmãos que compuseram originalmente o escritório, e contava com a participação de Márcio, seu filho.
Dentro de todas as evidentes diferenças e distâncias que há entre duas cidades como Paris e Salvador, é impressionante como o escritório carioca elaborou uma proposta que deu origem a um edifício para o Centro de Convenções capaz de estabelecer uma série de elementos radicalmente novos para a cidade e extremamente atualizados em relação à discussão internacional de arquitetura. Em destaque evidente está a articulação das partes, claramente vinculada à arquitetura high tech, entre as torres de concreto armado que abrigam na periferia do volume escadas de emergência, elevadores e sanitários e a grande treliça metálica que compõe o “edifício-ponte” com o espaço livre e flexível destinado ao uso de feiras e convenções, com seus auditórios nas extremidades.
O edifício, além disso, explora sua dimensão para determinar urbanisticamente um marco espacial de caráter direcional para a ocupação da orla atlântica da cidade: situado na cumeada da linha de elevações mais ou menos paralelas à orla – que segue com alguma regularidade até Itapoã – ele estabelecia claramente um limite para a faixa que não deveria ser verticalizada – entre a praia e o Centro de Convenções – uma função que é claramente reconhecida se somos capazes de imaginar uma expansão da linha imaginária determinada pelo eixo longitudinal do edifício em direção ao norte, através da inserção de uma série de edifícios com semelhante relação paisagística, uma continuidade que pode ser vislumbrada até mesmo com uma própria expansão do edifício-ponte (que, no limite de tal expansão fictícia, poderia se transformar em uma megaestrutura e chegar até o litoral do Rio Grande do Norte).  Desta maneira, a linearidade da orla, reforçada no traçado da Avenida Paralela, era reafirmada como arquitetura e, assim, poderia finalmente ter conferido consistência de desenho urbano à paisagem da cidade.
Apesar de escalas bem distintas de articulação com o espaço da cidade (decorrente da extrema diferença de urbanização e densidade entre as duas situações dos dois edifícios), é impressionante como a articulação entre a escala do acesso do usuário e a do edifício-monumento apresentam soluções que, ainda que não semelhantes, correspondentes em seu acerto: no Centro de Convenções, o uso da via de acesso no centro do vale entre as extremidades do edifício, ao passo que estabelece uma orientação inequívoca, oferece uma escala francamente convidativa assim que o usuário encontra-se sob o edifício (algo que depois foi perdido com a ampliação realizada anos mais tarde, estabelecendo outras possibilidades de entrada).
Uma vez alcançado o interior do edifício, o usuário está diante da grande diferença entre o Centro de Convenções e o Centro Georges Pompidou: se a sequência de escadas rolantes no edifício em Paris constitue uma experiência de desfrute da vista para o exterior, no Centro de Convenções, por estarem situadas no interior do edifício, a sequência de escadas oferece uma contemplação do espaço interior do monumental hall verticalizado de acesso aos pisos superiores, de onde então, através da fachada envidraçada, o usuário pode apreciar a vista para a paisagem, do alto, posição adequada para a vista para o mar.
Ainda que construído à época de outros importantes edifícios para a cidade que também introduziam a industrialização no processo construtivo – a exemplo das secretarias do CAB, projetadas por Lelé, em concreto armado – e que não se possa pensar outro edifício icônico da cidade como o é a Casa do Comércio sem a sua existência prévia (embora no edifício à Avenida Tancredo Neves note-se um certo formalismo tanto na simetria como nos balanços), é no fato de que provavelmente nenhum outro edifício em Salvador, nem antes e muito menos depois, ter sido capaz de materializar importantes questões do contemporâneo debate arquitetônico internacional que reside a singularidade do edifício entre o STIEP e a Boca do Rio.
Sua importância para a cultura arquitetônica da cidade, mesmo tendo sofrido incialmente o mesmo tipo de estranhamento de “parecer uma refinaria”, é inconteste. O desenvolvimento da ocupação do solo urbano nestes últimos 40 anos, tanto no seu entorno imediato como na cidade como um todo, efetivamente aconteceu de maneira radicalmente distante de diretrizes ali apontadas (ah, o debate sobre a verticalização da orla…) e se ele hoje pode parecer um tanto “fora do lugar”, este não é um problema do edifício, e sim da cidade. Afinal, Salvador não é mesmo Paris.

*Márcio Correia Campos é Professor de Projeto, Teoria e Crítica de Arquitetura na UFBA, formado por esta universidade e Mestre em Arquitetura pela TU-Vienna.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Silvio Robatto - Sentido Figurado


SENTIDO FIGURADO
Exposição “Sentido Figurado” que conta com os registros fotográficos produzidos pelo arquiteto e fotografo Silvio Robatto. A abertura da exposição aconteceu a pouco e ficará aberta ao publico até março de 2018 no Palacetes das Artes, na Graça.
Na mostra, está  sendo apresentado o trabalho realizado pelo artista Silvio Robatto por mais de 50 anos através das suas lentes; em aspectos do cotidiano, festas populares e o patrimônio histórico da Bahia. Mais de 400 obras estarão à disposição do público, entre quadros e fotografias, que integram parte do acervo privado de Robatto, doado ao CMB.
O acervo de Silvio Robatto passou pelo processo de higienização, restauração, organização e digitalização para ser disponibilizado ao público em suporte digital que será disponibilizada na Biblioteca Virtual Consuelo Pondé e no site da Fundação Pedro Calmon.
SILVIO PEREIRA ROBATTO nasceu no dia 24 de outubro de 1935 em Salvador (BA), filho de Stella Pereira e de Alexandre Robatto Filho, ingressou em 1954 no curso de Arquitetura da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Adolescente já é assistente do pai em vários de seus filmes como Entre o Mar e o Tendal (1952/53), Uma Igreja Bahiana (1953), Pesca do Xaréu (1954), Vadiação (1954), etc. Forma-se em 1960 em arquitetura na Escola de Arquitetura da UFBA, exercendo a profissão elaborando vários projetos na capital baiana, entre eles o Centro de Cultura de sete cidades baianas, realizados durante a administração de Olívia Barradas na Fundação Cultural do Estado, entre 1983 e 1987. Sílvio também exerce a carreira acadêmica na própria UFBA, como professor das faculdades de Belas Artes e Arquitetura. Paralelamente, foi pioneiro da fotografia artística da Bahia e também cineasta e Diretor de Fotografia. Participou de diversas exposições individuais no Brasil e no exterior.
Seu horizonte temático se alicerçou na cultura popular da Bahia, entre festas populares como a Lavagem do Bonfim, o Presente de Yemanja no 2 de Fevereiro, a Festa de Santa Bárbara, no universo simbólico do Carnaval; ou nos festejos do 2 de Julho. O foco de sua lente firmava-se em figuras que representavam a construção de uma identidade baiana como as baianas, os saveiros e pescadores da Baía de Todos os Santos, onde costumava velejar desde a adolescência. Faleceu em abril de 2008, aos 72 anos,


quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Respeitem Mãe Stella de Oxossi

Tasso Franco*
O povo de santo da cidade do Salvador está passando por uma situação de sofrimento nunca presenciada em sua história desde quando o candomblé surgiu oficialmente, na Barroquinha, na primeira quadra do século XIX, com a anunciada renúncia da mãe Stella de Oxóssi, yalorixá do terceiro mais importante terreiro de candomblé da cidade, por uma questão sentimental, amorosa, em detrimentos dos preceitos religiosos sagrados. 

 Com a declaração dada ao jornal A Tarde taxativa de que "prá lá (Axé Opô Afojá) não retorno mais", a mãe Stella de Oxóssi criou uma situação 'sui-generis' nesse terreiro de candomblé ela que vinha comandando a Casa desde 1976 por escolha do jogo dos búzios, uma vez que, neste axé a sucessão não se dá na linha familiar. Já na escolha de Stella houve uma grande dissidência porque, como é notório, o filho de Mãe Senhora (Maria Bibiana do Espirito Santos), Deoscoredes Maximiliano dos Santos, o Didi, queria ser o novo babalorixá da Casa, mas, não conseguiu.

 Na época, a yakekerê, a mãe pequena e segunda personalidade do terreiro seria a substituta de Senhora. Porém, intelectuais orgânicos da Casa, entre eles, diz-se Jorge Amado e Carybé, com o jogo de búzios do babalaô Agenor Miranda, escolheram Stella, uma filha de santo, com formação em enfermagem.

 Daí que Didi afastou-se do axé e criou sua própria Casa, o que gerou um mal estar enorme, na época, essa dissidência. Agora, Stella, por razões do coração, ao que tudo indica, uma vez que é companheira da psicóloga Graziella Domini, com que divide o mesmo teto em Nazaré das Farinhas, cria um novo problema na sucessão do terreiro uma vez que, por preceitos da Casa, essa sucessão só acontece por falecimento da yalorixá e a mãe Stella está viva aos 92 anos de idade, ainda que esteve recentemente internada no Hospital da Bahia
    
 É uma situação bastante peculiar e uma decisão até inédita - uma mãe de santo se queixando do seu axé, do comportamento de algumas pessoas e da falta de paz espiritual, de acordo com declarações que deu em A Tarde -daí que a yakekerê, mãe Dicinha de Yemanjá, segunda pessoa mais importante na casa, e as ebomis - pessoas mais velhas - vão decidir o que fazer. 

 Aguardar a morte de Stella? Substituí-la desde já confirmadas suas declarações de que não retorna ao axé (certamente por escrito e firmada em cartório) ? Promover uma reunião mais ampla entre os sacerdotes do candomblé?

 Ao que o Bahia Já pode apurar até agora, a presença de Graziella junto a Stella e questões de dissidências internadas no Opô Afonjá veem acontecendo há 1 ano e, agora, aflorou de vez que a ida de Stella para morar em Nazaré das Farinhas e o seu desejo de não mais retornar a Salvador. Também, é provável, que não haja mais manifestações de intelectuais orgãnicos como no passado e quem vai ditar a suscessão de Stella são os orixás.

"Respeitem quem pode chegar aonde cheguei" Mãe Stella de Oxossi


Se considerarem esse título muito prepotente, peço, humildemente, respeitem os meus cabelos brancos que correspondem a 92 anos de existência e pelo menos 84 servindo à humanidade. Estou viva e muito viva! A baixíssima visão e, é claro, os 92 anos, me impedem de realizar algumas tarefas, inclusive a de manejar o conhecido Jogo de Búzios.

Estou viva, muito viva e lúcida! Claro, com as complicações dos 92 anos de idade e quatro internações hospitalares decorrentes de problemas cerebrais, sempre complicados pela pressão que venho sofrendo por parte de membros do Terreiro e de alguns familiares, que nada sabem sobre mim. Ainda estou lúcida, o que faz com que eu tenha consciência da diminuição da lucidez com o avançar da idade, o que é natural, pois sou HUMANA. 

domingo, 10 de dezembro de 2017

Luiz Carlos Maciel, filósofo da contracultura

Luiz Carlos Maciel, 79 anos, morreu na manhã do sábado (9), no Rio de Janeiro.
Casado há 30 anos com a atriz Maria Claudia Maciel eleita uma das mulheres mais lindas do Brasil no ano de 1978, e uma das mulheres mais fotografadas durante a década de 1970 e começo da década de 1980.
Desde o dia 26 de novembro, ele estava internado no hospital Copa D'Or, em Copacabana, com um quadro de infecção. Segundo o jornal Folha de São Paulo, Maciel estava lutando nos últimos meses contra o agravamento da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), e o boletim médico apontou falência múltipla dos órgãos.
Natural de Porto Alegre (RS), Maciel estudou Filosofia e ficou conhecido por ser um dos principais pensadores da contracultura no Brasil, realizando trabalhos com pesquisadores nacionais e internacionais sobre o tema. Colaborador do semanário "O Pasquim" e diretor de redação da versão nacional da revista "Rolling Stone", é autor de 12 livros, como "Geração em transe, memórias do tempo do tropicalismo" (1996), em que aborda diferentes momentos e obras da contracultura brasileira.
Em 1959, depois de ganhar uma bolsa da Universidade da Bahia, conheceu Glauber Rocha, de quem se tornaria amigo, e atuou no primeiro curta-metragem do diretor, "A cruz na praça". Graças a uma bolsa da Fundação Rockefeller no ano seguinte, estudou direção teatral no Carnegie Institute of Technology, em Pittsburgh, Estados Unidos.
Ele voltou para o Brasil anos depois e desenvolveu outros trabalhos, ficando conhecido como o "guru da contracultura". Ele deixou esposa, dois filhos e netos. Ainda não há informações sobre o velório do jornalista.
Desempregado e sem recursos para cuidar  da saúde lançou um manifesto em 2015.
“Um tanto constrangido, é verdade, mas sem outro jeito, aproveito esse meio de comunicação, típico da era contemporânea e de suas maravilhas, para levar ao conhecimento público o fato desagradável de que estou sem trabalho e, por conseguinte, sem dinheiro. É triste, mas é verdade. Estou desempregado há quase um ano. Preciso urgentemente de um trabalho que me dê uma grana capaz de aliviar este verdadeiro sufoco. Sei ler e escrever, sei dar aulas, já fiz direções de teatro e de cinema, já escrevi para o teatro, o cinema e a televisão. Publiquei vários livros, inclusive sobre técnicas de roteiro, faço supervisão nessas áreas de minha experiência, dou consultoria, tenho – permitam-me que o confesse – muitas competências. Na mídia impressa, já escrevi artigos, crônicas, reportagens… O que vier, eu traço. Até represento, só não danço nem canto. Será que não há um jeito honesto de ganhar a vida com o suor de meu rosto? Luiz Carlos Maciel. lcfmaciel@gmail.com

Logo após a publicação do manifesto foi contratado pela Rede Globo, onde vinha trabalhando como consultor  na série “ Os dias eram assim”.
Considerado o "guru" da contracultura brasileira nos anos 70, época em que escrevia para o tablóide carioca "O Pasquim", promove agora uma volta intensiva ao cenário cultural nacional dos anos 60.
Lança, no final de julho, o livro "Geração em Transe - Memórias do Tempo do Tropicalismo". Em agosto, promove estréia no Rio da peça que está dirigindo, "Jango", único texto teatral deixado por Glauber Rocha.
Leia a seguir trechos da entrevista que Maciel concedeu à Folha, por telefone, do Rio de Janeiro.
*
Folha - Além do livro, o que mais você tem feito?
Luiz Carlos Maciel - Estou dirigindo "Jango", o único texto para teatro do Glauber Rocha, para estrear dia 8 de agosto no Rio. Haverá 30 pessoas em cena, música, dança, uma superprodução.
Folha - Qual a intenção de "Geração em Transe"? É um livro de memórias, impressões, análise?
Maciel - Fundamentalmente é de memórias, mas tive a intenção, não nego, de não só narrar fatos de que me lembrava, mas de ter uma compreensão sobre o momento que eu vivia.
Folha - Qual foi sua preocupação em conceituar os movimentos da época, como o cinema novo, o tropicalismo, o teatro Oficina?
Maciel - Foi a de fornecer conceitos impressionistas, sem rigor científico ou acadêmico.
Folha - Por que você considera, em seu livro, José Celso o mais fiel à contracultura dos três personagens que você elegeu?
Maciel - Foi uma coisa em que ele se engajou mais profundamente. E que interessou muito Glauber e Caetano na medida em que aquilo era um fenômeno da época que viviam. O engajamento de Zé Celso está demonstrado até hoje, no novo espetáculo dele, "Bacantes". No episódio no Rio, em que Caetano ficou pelado, Zé Celso o obrigou a voltar um pouco aos seus momentos contraculturais.
Folha - Você foi rotulado de "guru da contracultura". Quem é mais contracultural: Zé Celso ou você?
Maciel - Ele. Apesar de eu ter ganho esse epíteto, minha aproximação com a contracultura foi jornalística, superficial.
Folha - Por que seu livro mostra a geração do desbunde sem tocar em temas caros a ela, como a libertação pelas drogas e pelo sexo?
Maciel - Porque guardei para um próximo livro. Glauber, Zé Celso e até Caetano são pré-desbunde. O verdadeiro só aconteceu no Brasil em 1969, quando Caetano estava indo para o exílio.
Folha - Caetano concordou com a publicação das cartas que ele lhe enviava do exílio?
Maciel - Sim, mandei cópias para ele e ele curtiu demais. Disse que era divertidíssimo ler uma coisa escrita há tanto tempo.
Folha - Você foi crítico -até transcreve uma discussão com Jorge Mautner e Caetano em torno da crítica, que teve um papel importante na época. Que fim levou a crítica no Brasil?
Maciel - A crítica era interessante na nossa época, à medida que era aliada à revolução cultural que os artistas estavam liderando. Era uma força auxiliar dessa revolução cultural. Hoje não há revolução cultural. E a crítica se limita a um exercício de poder mesquinho.
Folha - Por que você diz no livro que não se considera um homem de teatro completo, que sempre namorou com ele mas ele nunca quis se casar com você?
Maciel - Falei no caso do teatro, mas não me considero completo em coisa nenhuma, como jornalista, escritor, homem de TV.
Folha - Sua narração mostra que você esteve por trás de momentos cruciais da gênese de Glauber, Zé Celso, mesmo de Caetano. Você é um homem de bastidor ou é seu ego se manifestando?
Maciel - Se não falar de mim no meu livro, vou falar onde? Isso foi uma coisa que aconteceu, eu apenas mostro. Acho que não é ego, é para dar informações úteis.
Folha - É um livro saudosista?
Maciel - Não tenho saudade nenhuma. Se acharem que é saudosismo eu dar importância a esses fatos, paciência. 

domingo, 3 de dezembro de 2017

No sol de dezembro

Aninha Franco*

Hoje é domingo, terceiro dia do mês de dezembro que, neste ano, terá cinco sextas-feiras, cinco sábados e cinco domingos. Dizem que esse fenômeno só acontece uma vez em cada 823 anos, portanto está acontecendo para nós, em 2017, e aconteceu para os que estavam vivos em 1194, ano do nascimento de Santa Clara e do ocaso da civilização Inca. Os chineses chamam  isso de Bolso Cheio de Dinheiro, o que os baianos precisarão muito nos próximos meses para festejar Oyá no dia 4, Oxum no dia 8, Santa Luzia no dia 13, Natal e Réveillon, Lavagem do Bonfim, Yemanjá no 2 de Fevereiro e viajar no Carnaval. Há muito tempo que os baianos fogem do Carnaval para sarar do tranco do Verão.
Na próxima segunda-feira, Yansã pintará a Cidade Velha de vermelho. Roupas, cabelos, almas, espíritos saudarão a Senhora das Nuvens de Chumbo, Oyá, o raio que corta os céus e ocupou a imagem de Santa Bárbara no sincretismo afro-católico. Dia 8, menos baianos festejarão Nossa Senhora da Conceição da Praia, Oxum, outra Ayabá de grande poder, porque a festa está sem força. Mas Oxum é de ir e voltar. Dia 13, Santa Luzia, protetora dos necessitados de boa visão, das profissionais do sexo e dos caminhoneiros, ainda leva muita gente à Igreja do Pilar para lavar os olhos e pedir visão e previsão neste Brasil cego.
Depois é festa de Ano-Novo, do Senhor dos Navegantes, de barcos no mar. E na segunda quinta-feira de janeiro, Lavagem do Bonfim. A Segunda-Feira da Ribeira desapareceu há muito tempo, como as dezenas de Lavagens que, a depender dos organizadores, explodiam em pequenos carnavais. Mas no dois de fevereiro, Yemanjá subirá para rir e dançar com os pescadores da Mariquita. O Carnaval que vem depois ninguém nunca sabe o que será. Os últimos foram muito fraquinhos, porque perderam a baianidade e se transformaram em festas sem fulejo. Mas em todos os dias, em todos eles, mesmo antes de 21 de dezembro, chegada oficial do Verão, o sol nascerá com tanta intensidade que explodirá em festas, inclusive no Carnaval.
Não sei se os dias de Verão ainda são mais longos que as noites, como aprendi na escola, e se os ataques à camada de ozônio alteraram as variações climáticas que a natureza demonstra. Autora das mais sutis delicadezas do planeta e de suas violências mais espetaculares, a natureza não deve se incomodar com os humanos, espécie predatória, mas de alcance limitado.
Apesar do Outono ser minha estação predileta, há 40 anos eu esperava o Verão como os prisioneiros esperam a soltura, marcando os dias na folhinha. E quando ele chegava com seu figurino brilhante e calorento, e a cidade se enchia de gente, os preços do coco e do acarajé disparavam, as festas de largo se sucediam, as Lavagens se multiplicavam, e a festa orgamatizava na maior festa popular do planeta – sim, nós já tivemos isso, sem ufanismo –, eu não vivia apenas uma mudança de estação, eu mudava para uma outra Cidade, para uma Baía que nenhuma outra estação consegue representar com tanta franqueza. Já não há mais tanta Baía, como há 40 anos, mas ainda há Verão que possa trazê-la de volta.

O tamanho da nossa desatenção

Paulo Ormindo de Azevedo*
Uma velha anedota dizia que o arcanjo Miguel reclamou do Criador, durante a Gênese, por ele ter dado ao Brasil todas aquelas maravilhas que canta o nosso hino nacional e muito pouco aos demais países. O Criador disse: “em compensação vou colocar agora os brasileiros”. É um determinismo, e não temos como sair dele. Mas a corrupção e a insegurança no Brasil serão causas ou efeitos?

O retrato de nossas desigualdades são os morros e periferias urbanas, onde faltam empregos, escolas, postos médicos, habitação e transporte. E isto porque estas não são prioridades para os nossos governantes e porque não há professores, médicos e juízes suficientes. Este abandono levou ao aparecimento de um estado paralelo, que não só trafica drogas, como coopta seus moradores financiando creches, times de futebol, salões de festas e enterros. Esse estado domina hoje metade do território de nossas cidades, impondo o toque de recolher e incendiando ônibus, explodindo caixas eletrônicas e matando policiais, no território dos “brancos”, quando um de seus membros é transferido de presídio.

Em vésperas de eleições, a plataforma comum dos nossos 35 partidos de aluguel é a diminuição do estado, que dá a dimensão do setor público no país. Tudo mais já foi ou está sendo privatizado. Pois bem, segundo o IBGE em 2012 os funcionários civis eram 10,7% dos trabalhadores de carteira assinada. Taxa menor que a média dos países latino-americanos. Se considerarmos os informais das periferias essa taxa baixa para 5%. Relacionado com a população total do país eles não passam de 1,6%. A maioria dos países desenvolvidos tem o dobro de funcionários, 21%, segundo a OCDE.

Nos EUA, um dos países mais privatistas, os funcionários civis são 15% dos ocupados. O estado oferece educação primaria e secundaria universal de qualidade, banca 120,000 bibliotecas, tem os maiores parques naturais do mundo num total de 211. 000 km² e possui 800 bases militares espalhadas pelo mundo. Suas forças armadas têm 1,26 milhões de militares na ativa. E eles não pensam em diminuir o estado. Depois do 11 de setembro eles aumentaram aquele efetivo em 20%.  Na Dinamarca, o país de menor corrupção do mundo, está taxa sobe para 39,2 %, quatro vezes a taxa formal do Brasil. É isto que permite a esses países terem educação, saúde e segurança de qualidade. A PEC que congelou por 20 anos os gastos com educação e saúde num país já carente e que está crescendo, só irá aumentar as desigualdades e a insegurança no país. Não é com medidas burras como essa que se constrói uma nação. Os conservadores se enganam pensando que segurança se consegue com mais repressão. Não queremos um leviatã, senão um estado democrático, que cumpra com eficiência sua função de executar o bem comum e não que aumente os desníveis sociais.
*Arquiteto e Professor Catedrático
SSA, A Tarde, 3.12.17

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Sistema de compartilhamento de carros em Fortaleza

Um sistema de compartilhamento de carros elétricos completa quatorze meses de funcionamento em Fortaleza. O Veículos Alternativos para Mobilidade, conhecido pela sigla VAMO, é fruto de uma parceria entre a prefeitura da cidade, o Hapvida Saúde e a Serttel. Contudo, algo que já é cultura em metrópoles de países do primeiro mundo, como Paris, Londres e Nova York, sequer é tendência nas grandes cidades brasileiras. A iniciativa na capital cearense é exceção. 
O VAMO possui 20 carros elétricos, distribuídos em 12 estações de compartilhamento na capital cearense. Em funcionamento desde setembro de 2016, o sistema já possui mais de 2 mil pessoas cadastradas. A faixa etária, dos 21 aos 30 anos, é a mais representativa entre os usuários e representa cerca de 39% do total de usuários cadastrados em maio último. O Hapvida Saúde, patrocinador do projeto, investiu mais de R$ 7 milhões.
Para poder retirar o carro das estações, é preciso que o motorista tenha um cadastro no VAMO, que deve ser feito pelo site do programa (vamofortaleza.com.br), preenchendo informações como nome completo, telefone, CPF, endereço e o número da carteira de motorista de habilitação B ou superior.


As informações serão verificadas pela Serttel, empresa de mobilidade, que entrará em contato com o cadastrado para agendar hora, data e estação de desejo do usuário para a assinatura do Termo de Responsabilidade, bem como para realizar test drive acompanhado de técnico.

Para fazer uso do sistema, por meio do site e do aplicativo para smartphone, os usuários poderão reservar carro elétrico disponível em qualquer uma das estações, tendo até 15 minutos para efetivar a retirada do veículo do local. Os carros elétricos poderão ser retirados, todos os dias, das 5h às 23h59, podendo ser devolvidos 24 horas por dia.
A tarifação do VAMO se dará conforme o tempo em que o carro estiver sendo utilizado. Para os primeiros 30 minutos de uso, o valor cobrado do usuário é de R$ 20, sendo este valor indivisível, ou seja, do primeiro minuto ao trigésimo minuto, o valor cobrado será fixo e totalizará R$ 20. Após meia-hora de uso, a cobrança se dará por minuto adicional, variando o custo do minuto conforme o tempo.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

O Pelô no pelourinho

Paulo Ormindo de Azevedo*
Estou na Espanha participando da reunião do Comitê Cientifico da Rede Patrimônio Histórico Ibero-Americano, da Universidade Politécnica de Madri. No ano passado, na Guatemala, propus como tema deste seminário “Habitar o patrimônio” e os colegas ibero-americanos acataram, sem pestanejar, a proposta. A ideia é analisar os problemas que enfrentam os moradores dos Centros Históricos, geralmente pouco considerados por seus administradores. Na Espanha e na maioria dos países latino americanos, os CH são levados a sério.
Para mostrar o que ocorreu no nosso CH, nos 58 anos em que está tombado, foi criado no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBA o subgrupo Observatório do Centro Antigo de Salvador, que reúne professores e pós-graduandos do programa, coordenado por este escriba e pela Profa. Márcia Sant’Anna. Reunimos um grande número de dados dispersos em repartições federais, estaduais e municipais sobre investimentos públicos e privados, propriedade e uso do solo e aplicamos 11 questionários em associações de moradores, além de entrevistas com os principais protagonistas do CH.
Os algarismos são alarmantes. De meados de 1970 até hoje foram investidos no CH – pasmem - cerca de USD$ 255 milhões. Apesar disso, a população local foi reduzida à metade. Em 1991, eram de 11.947 pessoas, e em 2010 baixou para 5.985. A Defesa Civil contabiliza, hoje, 1400 imóveis em estado de risco. A diretoria do IPAC diz que 40 de seus imóveis estão desocupados e 300 inquilinos são inadimplentes, com uma dívida de R$13 milhões (A Tarde, 09/09/17). Outros tantos são devidos de impostos pelos comerciantes. Muitos estudos foram feitos, mas as decisões políticas não se basearam em estudos. Alguns dos erros mais gritantes foram: a retirada das atividades centrais, a exclusão dos moradores, em 1992, a estatização do estoque habitacional e a precarização da infraestrutura de mobilidade e acesso. Um imóvel só é conservado se seu ocupante for o dono. Cerca de 511 sobrados estão na mão do estado (307) e de irmandades religiosas (204). As reivindicações corretas da comunidade são: moradia e requalificação profissional.
A Prefeitura, sempre ausente desse processo, anuncia agora uma série de investimentos. A melhor proposta é a instalação de sua administração em edifícios desocupados do Comercio. O Estado, por seu turno, anuncia a criação de um distrito criativo no CH, como fez Recife há 40 anos. Mas perdura a desarticulação das políticas dos governos federal, estadual e municipal e a não participação da comunidade. Vamos cotejar nossos dados com os de outros de países, como Peru, Colômbia e Equador, que enfrentaram com sucesso esse desafio, e buscar apoio para os movimentos sociais que lutam pela requalificação do CH, nosso maior ativo.
* Professor Titular da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFBa
SSA: A Tarde, 8/10/17

domingo, 27 de agosto de 2017

Vancouver estabelece novo recorde em compartilhamento de carros

Osvaldo Magalhaes*
Recente estudo realizado ao longo de três anos pelo Centro de Pesquisa em Sustentabilidade do Transporte (TSRC), da Universidade de Berkley , na Califórnia, mostrou que o sistema de compartilhamento de carros da Daimler Benz, o Car2Go, oferece benefícios muito reais e substanciais para a cidade de Vancouver . Um carro compartilhado substitui até 11 carros, proporcionando alívio de mobilidade.
Vancouver é a primeira cidade da rede Car2Go a registrar mais de 100.000 usuários. Primeiro serviço de compartilhamento de carros na cidade, lançado em 2011, o serviço opera entre 1.250 a 1.400 carros inteligentes que estão disponíveis para viagens de ida em qualquer lugar dentro dos limites da cidade.
No entanto, isso representa apenas parte da história de compartilhamento de carro em Vancouver. 
A cidade é também o anfitriã do MODO, a organização pioneira de compartilhamento de carros na América do Norte, que começou em 1997. A Modo registra mais de 500 veículos, 16.000 membros individuais e 500 membros empresariais. Dois outros sistemas de compartilhamento de carro ativos em Vancouver são Zipcar com 225 veículos e Evo Car Share com 600 veículos. Um relatório recente do Instituto Sightline determinou que entre as cidades do Noroeste do Pacífico, Vancouver possui metade de todos os veículos compartilhados na região de Cascadia com um total de 2.550 veículos compartilhados na cidade. O sucesso da partilha de automóveis em Vancouver de acordo com Dacyl Armendariz da Car2Go é atribuído à densidade populacional da cidade e ao eficiente sistema de transporte público,
"A população sendo realmente densa (5.249 pessoas por km2), faz com que seja perfeito para um serviço de compartilhamento de carro. Há também uma boa infra-estrutura de transporte público já instalada e o Car2go é um ótimo complemento para um sistema de transporte público existente ". Vários serviços de compartilhamento de carros na cidade fazem parte de uma rede maior que permite que os visitantes que são membros de outras cidades usem os veículos de compartilhamento de automóveis em Vancouver. O compartilhamento de carro está se tornando uma opção para os visitantes que podem exigir o acesso a um veículo no caso de eles precisar fazer uma viagem de um dia na região durante a estadia sem ter que alugar um veículo. De acordo com o planejador Todd Litman do Victoria Transport Policy Institute, "os esquemas de compartilhamento de carro normalmente reduzem o uso médio de veículos em 40-60% entre os motoristas que dependem disso". O compartilhamento de carros está se combinando com um estímulo de desenvolvimento novo , com melhor trânsito, compartilhamento de viagens, infra-estrutura de ciclismo, de caminhadas, compartilhamento de bicicletas que vem transformando para melhor a qualidade de vida nas cidades.
.  *Engenheiro e Mestre em Administração. É especialista em logística e transportes

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Economia Circular 360°

Eduardo Atayde*
O Fórum Econômico Mundial reunido em Washington, promoveu, nos dias 26 e 28 de junho de 2017, a Cúpula da Economia Circular Sustentável, em parceria com o Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD) e a Câmara Americana para o Comércio (Amcham), reunindo centenas de gestores públicos e privados globais.
O tema deste ano, Da Aspiração à Implementação, foca a aceleração da economia circular, identificando soluções para transformar a aspiração econômica em ações práticas, otimizando recursos, reduzindo o desperdício, acelerando a inovação e o desempenho. O Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, produzido pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, mostra que o número de profissionais criativos cresceu para 851 mil nos últimos dois anos.
Economia circular é um conceito econômico integrante dos princípios da sustentabilidade que contrapõe-se à economia linear baseada em “extrair-produzir-descartar”. Exemplos simples mostram que apenas metade da população brasileira, cerca de 100 milhões de pessoas, usa escova de dente (IBGE) que é trocada, em média, quatro vezes por ano, gerando impacto ambiental porque o plástico descartado dura até 400 anos.
A Intel, fabricante de chips de computador, por exemplo, já estabeleceu o objetivo de reciclar 90% de seus resíduos não perigosos e retirar 100% de seus resíduos perigosos de aterros sanitários até 2020. A Johnson Controls projetou baterias automotivas reutilizáveis, fazendo as taxas de reciclagem de baterias pular para 99% e permitindo a produção de novas baterias contendo mais de 80% de material reciclado, com uma redução de 90% de energia.
A Ambiental Mercantil Expo Bahia, promovida recentemente na Bahia pela Federação das Indústrias (Cimatec), apresentou exemplos de economia circular implantada na Renault do Brasil e o aproveitamento de resíduos de madeira plantada com múltiplos usos. Estudos de casos revelam que a economia circular está sendo traduzida em ações lucrativas e escaláveis, utilizando da eficiência energética, logística reversa, manejo de resíduos e - na era digital - reanálises dos tempos e movimentos nos serviços. 
Programas 360 graus, lançados em cidades do mundo (goo.gl/VqGG2C), estão interconectando-se e “circoalimentando-se”. Enquanto a Honda informa que vai eletrificar 2/3 de seus carros nessa próxima década, o governo português lançou o programa “Gen10s” para capacitar 80% dos alunos com competências digitais até 2030. Segundo relatório da Fundação Ellen MacArthur, a adoção da economia circular pode garantir as empresas europeias faturamento de um trilhão de euros nos próximos dez anos.
Gestores do Programa 360°, lançado em Salvador (goo.gl/Fpbe48), poderão conectar-se com colegas da economia circular global que participam da Cúpula de Washington, aprendendo, além das inovações propostas, a resgatar os recursos descartados como lixo para abastecer o orçamento público da educação. Na economia circular, o lixo deixa de ser resíduo e passa a ser um valoroso insumo, reconhecendo que há valor em tudo.
Pesquisas em temas como esses e a elaboração de cenários para subsidiar programas e investimentos na chamada Sustentabilidade de Resultados fazem parte da missão do WWI-Worldwatch Institute e do World Economic Forum, em diferentes países, difundindo informações atualizadas, com fatos e dados, sobre governanças inovadoras adotadas pela academia e por gestores públicos e privados que estão, com inteligência nova, investindo no desenvolvimento econômico, social e ambiental a níveis local, nacional e global.
* Eduardo Athayde é diretor do WWI-Worldwatch Institute - eduathayde@gmail.com

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Avenida Sete - Corredor cultural de Salvador

Nivaldo Andrade*
Construída na gestão do governador J.J. Seabra (1912-1916) para conectar dois dos espaços mais simbolicamente relevantes de Salvador – o Farol da Barra e a Praça Castro Alves –, a Avenida Sete de Setembro, com 4,5 km de extensão, é o maior símbolo da modernização de Salvador no início do século XX, seu projeto de futuro em ruptura com o passado. No trecho entre a Praça Castro Alves e o Campo Grande, o alargamento das ruas preexistentes para formar a nova avenida se fez através da demolição de quarteirões e de monumentos centenários, como a Igreja de São Pedro Velho e o Convento das Mercês.
Esse trecho da Avenida Sete – como é conhecida entre os baianos – se consolidou, nos anos 1960, como o principal eixo comercial da cidade, em contraposição aos demais trechos do mesmo logradouro, mais ao sul, que possuíam um caráter eminentemente residencial. O seu papel de destaque no comércio local, contudo, foi perdido ao longo das décadas seguintes, com o surgimento de uma nova centralidade urbana na região do Shopping Center Iguatemi e Avenida Tancredo Neves.
Por um lado, este trecho da Avenida Sete se constituiu, desde então, no principal corredor cultural da cidade, marcado, nas suas extremidades, por dois dos mais representativos teatros construídos no Brasil no século XX: o Teatro Castro Alves, inaugurado no Campo Grande em 1967, a partir de projeto de Bina Fonyat, e o Teatro Gregório de Mattos, na Praça Castro Alves, projeto dos anos 1980 da arquiteta Lina Bo Bardi.
Os dois quilômetros que separam estes teatros abrigam alguns dos principais equipamentos culturais da cidade, como o mítico Teatro Vila Velha, as salas do Espaço Itaú de Cinema (antigo cine Glauber Rocha) e o Espaço Cultural da Barroquinha, instalado em uma antiga igreja arruinada.
Para efeito de comparação, trata-se de uma distância menor que os 2,4 quilômetros que separam a JAPAN HOUSE São Paulo e o Instituto Moreira Salles, na Avenida Paulista, em São Paulo, ao longo dos quais podemos encontrar outros espaços culturais, como a Casa das Rosas, o Itaú Cultural, o Museu de Arte de São Paulo e o Centro Cultural FIESP.
É, igualmente, uma distância menor que os 2,5 quilômetros que, no centro do Rio de Janeiro, separam o Museu de Arte Moderna, no Aterro do Flamengo, da Praça Mauá, onde se localizam o Museu de Arte do Rio (MAR) e o Museu do Amanhã, em um percurso que passa ainda pela Biblioteca Nacional, pelo Museu Nacional de Belas Artes, pelo Teatro Municipal e pela CAIXA Cultural. Com curtos desvios, este roteiro poderia incluir ainda os Centros Culturais Banco do Brasil e dos Correios, a Casa França-Brasil e o Paço Imperial.
Voltando a Salvador, desviando poucos metros da Avenida Sete, no trecho entre o Campo Grande e a Praça Castro Alves, é possível encontrar outros equipamentos de igual importância, como o Teatro Gamboa, o Museu do Traje e do Têxtil, o Gabinete Português de Leitura, a Biblioteca Pública do Estado, o Museu de Arte Sacra e a CAIXA Cultural. Se não fosse o desnível de aproximadamente 60 metros, também seria possível, com um rápido desvio, chegar ao Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM), no Solar do Unhão, outro projeto paradigmático realizado por Lina Bo Bardi em Salvador. Se ampliarmos um pouco o percurso de dois quilômetros em direção norte, chegamos ao Centro Histórico de Salvador, Patrimônio Mundial pela Unesco.
Apesar da sua importância comercial e cultural, caminhar pelo trecho Campo Grande-Castro Alves da Avenida Sete é, hoje, um tormento, pois a prioridade é do automóvel. Os passeios esburacados e ocupados por ambulantes, postes e telefones públicos não dão conta do fluxo intenso, e atravessar a avenida é uma tarefa inglória, devido ao disputado estacionamento contínuo ao longo da via, que cria um verdadeiro muro entre a calçada e a leito carroçável com três faixas de tráfego.
A Prefeitura de Salvador, através da Fundação Mario Leal Ferreira, executará um projeto de requalificação nos próximos meses que prevê o alargamento dos passeios do lado esquerdo da via, que passarão a ter 5 metros de largura, mantendo a histórica pavimentação em pedra portuguesa. Esse alargamento será possível graças à redução do estacionamento ao longo da via, o que também facilitará a sua travessia.
Apesar do acerto da proposta da Prefeitura em priorizar o pedestre em detrimento do automóvel, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Salvador tem demonstrado preocupação com a redução significativa do número de vagas de estacionamento sem que sejam previstas soluções alternativas, como edifícios-garagem, para abrigar os automóveis que hoje estacionam ao longo da via. A intervenção recentemente realizada pela Prefeitura na Barra, eliminando o estacionamento ao longo da via e transformando-a em via compartilhada, sem que tenham sido buscadas soluções para suprir a demanda de estacionamento, teve grande impacto no comércio local, o que pode vir a se repetir no trecho entre o Campo Grande e a Praça Castro Alves.
O projeto de requalificação da Avenida Sete, no qual serão investidos quase 20 milhões de reais, só poderá produzir os efeitos esperados se vier acompanhada de outras intervenções estruturantes. Além dos edifícios-garagem citados, devem ser destacados a instalação de uma linha de VLT conectando a Praça Castro Alves ao Campo Grande, como proposto em 2015 no Plano de Reabilitação Participativo do Centro Antigo de Salvador do Governo do Estado da Bahia, e a construção de um teleférico ligando o MAM ao Mirante dos Aflitos, a 150 metros da Avenida Sete, como já previsto em diversos planos e projetos. Somente juntando investimentos do Governo Estadual e da Prefeitura, assim como da iniciativa privada, será possível consolidar este trecho da Avenida Sete como principal eixo cultural de Salvador, sem perder seu caráter comercial histórico e tendo o pedestre como protagonista.
*Nivaldo Andrade. Arquiteto e urbanista, mestre e doutor (2012) em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), realizou pós-doutorado na École d’Urbanisme de Paris / Université de Paris-Est. Professor da Faculdade de Arquitetura da UFBA. É um dos curadores do Congresso Mundial de Arquitetos, que ocorrerá no Rio de Janeiro em julho de 2020, organizado pela União Internacional dos Arquitetos e pelo IAB.
**Artigo publicado originalmente em Arq.Futuro - http://arqfuturo.com.br/