quinta-feira, 18 de março de 2010

PORTO DA BARRA, PESCADORES E ARGONAUTAS

JOLIVALDO FREITAS*
O Porto da Barra, já não é de hoje, não pertence mais aos nativos. Você pode até chegar por lá e ver um ou outro pescador renitente dando uma demão de tinta em seus pequenos saveiros ou catraias.
Dá até a impressão que tem pescador a rodo, uma vez que todos aqueles que moram nas imediações; ou por vagabundagem, por amor à paisagem, pelo papo descontraído com os conhecidos ou mesmo por falta de emprego, ficam perambulando pela areia, na balaustrada; tomando umas e outras nos raros barzinhos cacetes armados que ainda resistem bravamente.
Pode-se até dizer que parece ter mais pescadores que peixes, vez que raramente – tirantes as pititingas e os peixes de pedra – tem alguém puxando uma arraia, um vermelho, uma guaricema. Mas, quem para, observa a faina vagarosa. Raramente, também, vê-se um barco ser lançado ao mar aberto. São pescadores de olhar o tempo, jogar dominó, falar da vida dos outros e rir escancaradamente. E olhar as vãs sereias.
Se alguma traineira chega ao final da manhã, vinda da Ilha ou do pesqueiro onde passou a noite, tem sempre uma sobra. Um ganha uma cavalinha. Outro fica com a pescada ou peixes de segunda por ser de gosto duvidoso ou faltar tamanho. Sempre aparece um tacho, um botijão, carvão e um isqueiro. Alguém sabe, sempre, onde conseguir azeite de dendê ou azeite doce. Os temperos surgem do nada. Se não der para fazer o ensopado ou a moqueca o jeito é fritar. Pimenta nunca faltou nem vai faltar.
E enquanto o sol fica a pino e o vento faz a viração, com os navios ao longe mostrando sua proa, numa prova que a maré está de vazante, se degusta à mão livre as postas cheirosas com a farinha copioba. Se der, vai uma cochilada embaixo da amendoeira. Se não der, um bom mergulho na água tépida que se renova a cada movimento da Terra tira o sono e a vida continua. São pescadores diferentes, que não vão à pesca e que se misturam aos novos habitantes; argonautas vindos de países frios e que se instalaram em todos os pontos do Porto. Os nativos já não pertencem ao Porto da Barra.
Publicado originalmente no blog Jeito Baiano

*Jolivaldo Freitas – Jornalista, escritor, editor do blog Joli: http://www.jolivaldo.blogspot

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