sábado, 29 de setembro de 2012

CONTRIBUIÇÕES À PPP DO SISTEMA METROVIÁRIO SALVADOR– LAURO DE FREITAS


Introdução / Contextualização

As entidades responsáveis pela elaboração do presente documento, ante as circunstâncias adversas resultantes da falta de planejamento sistêmico, apoiaram a decisão do governo estadual de realizar um PMI para a escolha modal de transporte para a Avenida Luiz Viana Filho (Paralela), que resultou na definição do Sistema Metroviário Salvador-Lauro de Freitas.

Embora recorrentes, nas manifestações das entidades, as queixas quanto à falta de um planejamento sistêmico e participativo continuam sendo pertinentes; pois os governos continuam sem oferecer um processo de planejamento regional e muito menos sustentado na participação social na definição das linhas mestras que se desejam para o desenvolvimento, neste caso, da RMS e da BTS. E é neste vácuo de planejamento que surge a necessidade de se improvisar com alternativas como PMI, com prazos curtíssimos para a captação de recurso discussão e pactuação de boas propostas.
Porém, os prejuízos dessas políticas de improviso, para a cidade e seus habitantes, não são passíveis de remediação por decreto. Portanto, para diminuir os impactos negativos, faz-se necessário que a condução do processo daqui em diante respeite e acolha as contribuições que estão sendo oferecidas pela sociedade civil através da Consulta Pública para a formatação final da Parceria Público-Privada – PPP.

Todos sabem que a consulta pública numa fase tão avançada do processo, neste caso já com o modal definido, não é a melhor maneira de se exercer o controle social do processo, conforme estabelecido no Estatuto da Cidade. Manifestação neste sentido foi feita por Conselheiro do CONCIDADES-BA, registrando a necessidade do governo interagir com Conselho desde o início do processo e não somente na fase de consulta pública; quando o tempo hábil para opinar e interferir mais profundamente no processo é sempre mais restrito.
      
È importante destacar o cenário atual, no qual observamos uma aparente fragilidade no processo de gestão que deverá concluir com a implementação do sistema metropolitano de transporte para a RMS, devemos ter clareza em relação ao papel futuro que terá o metrô. O fato de termos dois processos de licitação paralelos, um relacionado com as linhas de ônibus em Salvador e outro relativo à construção e operação do metrô, condicionará fortemente a construção de rede de transporte realmente integrada que a metrópole necessita, a simples coordenação de ambos os processos, como se pretende, não garante a melhor solução institucional.

Evidencia-se ambiguidade no relativo à definição e composição da futura Entidade Gestora do “Sistema Metroviário de Salvador e Lauro de Freitas – SMSL”, a qual deveria ter abrangência metropolitana e não limitar-se apenas a dois municípios. A experiência revela um conjunto de conflitos e desavenças entre os operadores de ônibus municipais e intermunicipais na RMS, razão que fundamenta amplamente uma gestão integrada, conciliadora e com visão de planejamento metropolitano.

No modelo institucional, uma definição clara da Entidade Gestora possibilitará: a) garantir a defesa do interesse público e dos usuários; b) estabelecer e gerir eficazmente todos os parâmetros que possibilitam a integração modal; c) promover a integração do sistema metroviário com as atividades urbanas, viabilizando as demandas futuras. Entretanto, observamos que o município de Salvador planeja criar um consórcio operacional para coordenar a operação integrada do sistema de transporte coletivo por ônibus (apenas em Salvador), o modelo institucional não contempla esta possibilidade, nem como será a integração institucional com o metrô, neste cenário. A simples agregação de um grande número de instancias de gestão, como num grande conselho, comprometerá a integração, fundamentalmente técnica.

Identificamos falta de clareza necessária por parte do Estado e municípios quanto à necessidade de uma entidade gestora, da mobilidade urbana, com visão metropolitana, assim como, na própria concepção da Rede de Transporte Metropolitana. Por exemplo, no anexo VIII, no item Serviços correlatos, observamos, “São todos os demais serviços de transporte urbano ou metropolitano, fora do controle da Entidade Gestora do Sistema Metroviário, mas que afetam o sistema metroviário apenas de forma indireta ou quantitativamente irrelevante. Sistema ferroviário suburbano; Ferry boat e balsas; Ascensores”.

Considerar irrelevantes o Sistema ferroviário suburbano, o Ferry boat e os Ascensores é simplesmente não considerar uma grande parcela da nossa cidade, esquecida e excluída permanentemente de qualquer política de transporte público. Uma das regiões mais densas e pobres da cidade, que necessita de alguma solução de mobilidade urbana. Não existe qualquer proposta de integração do trem de subúrbio com o metrô, além da linha 1 não atingir o centro histórico. Temos um sistema financiado com recursos públicos e projeções até 2040 e não temos qualquer proposta de integração física deste sistema com a região do Subúrbio Ferroviário?
Entendemos que na conjuntura atual, estas questões entre Prefeitura Municipal e Governo do Estado, não são de fácil negociação o que dificulta o processo de integração.   

O item 3.2 do anexo VIII, Serviços vinculados (escopo indireto da PPP), também necessita de maiores esclarecimentos: “São os serviços que, embora não sejam escopo direto da PPP, afetam sua receita, devendo estar sob competência direta da Entidade Gestora, e acompanhados pela Concessionária do Metrô para eventual regulação operacional ou econômica. As linhas alimentadoras serão estabelecidas explicitamente, com gestão vinculada ao Sistema Metroviário. Possuirão remuneração própria, podendo ser objeto de licitações municipais específicas. Estas linhas configuram serviço distinto das demais linhas convencionais urbanas integradas, operadas em âmbito municipal, sob gestão dos municípios de Salvador ou Lauro de Freitas”. Parece que serão linhas alimentadoras, vinculadas ao metrô, que originarão novas licitações, por fora do Consorcio Operacional Municipal, em andamento, se configuram um serviço distinto quais serão os seus parâmetros operacionais? Como se dará a integração?

2. Aspectos operacionais

Consideramos que o item 2.4 do anexo 8, “Características operacionais consideradas” (características operacionais das linhas do metrô) deve ser estendido e especificado também para todas as linhas alimentadoras do metrô, ou seja, deve ser estudado e divulgado o nível de serviço que será ofertado por estas linhas, para a população.

Por exemplo, o item 14.7 do anexo V, especifica “A Concessionária deverá operar o Ramal Aeroporto, com a utilização de ônibus especiais, climatizados, ambas sem tarifação adicional. A linha deverá fazer a ligação do Aeroporto Internacional de Salvador à Estação Aeroporto, sem paradas. O tempo de espera máximo de 10 minutos, no horário do Pico do sistema metroviário”. Portanto, consideramos pertinente também definir claramente quais serão os tempos de espera máximos, frequências, velocidades medias, conforto e segurança, de todas as outras linhas alimentadoras do sistema metrô, na cidade, assim como as demandas potenciais que serão atendidas, por cada bacia operacional.

Consideramos também necessária a extensão dos “Indicadores de Desempenho” para toda a Rede na sua totalidade (ver item 14.8 do anexo V), não apenas para a rede metroviária. Deve ser estudado um sistema de avaliação do desempenho integrado, tanto para as linhas alimentadoras (rodoviárias) como para as linhas de metrô, avaliando a qualidade do serviço no trajeto como um todo, o qual se ajusta mais a experiência da mobilidade. Os deslocamentos cicloviários e a pé, também poderão ser incorporados neste sistema, posteriormente.

Inserção urbana

Um problema fundamental para viabilizar a demanda do metrô, objetivando a sua sustentabilidade econômica é criar as condições espaciais para que este modo de transporte sustentável estruture realmente a cidade.

Observamos a carência de um anexo ou apêndice que fale do metrô em escala urbana, detalhando com cartografia adequada as atividades urbanas atuais e futuras, assim como, os índices urbanísticos e densidades, que serão promovidos, no eixo. Estas informações são fundamentais, não somente para a empresa, mais também para a gestão urbana, como um todo, ou seja, para a Entidade Gestora. Necessitamos urgentemente estudos e ações de planejamento integrado de transporte e uso do solo, na cidade e na RMS, visando mitigar as viagens feitas atualmente por modos de transporte insustentáveis tais como, o automóvel e a motocicleta, criando demandas para o metrô.

No edital metrô, a inserção urbana das Estações não está claramente especificada nos documentos, apêndices e anexos, sendo este aspecto tratado como um tema arquitetônico, sendo entretanto, um tema fundamentalmente urbanístico. Deve ser definido claramente um raio de influencia entre 500 e 800 metros, a roda das estações, portanto na escala do pedestre, no qual mediante uma rede capilar de vias, passeios, passarelas, etc., sejam criadas condições favoráveis para os deslocamentos dos pedestres e ciclistas, na procura do metrô, seguindo os trajetos mais lógicos, ou seja, condições de microacessibilidade favoráveis. Verificamos que as propostas são muito simplistas neste aspecto, devendo-se realizar estudos específicos, considerando principalmente a topografia difícil da nossa cidade. As estações devem estar integradas com o tecido urbano, portanto, deve se ter uma planta ou mapa, baseado no cadastro da cidade, que especifique claramente como serão esses percursos.

Por exemplo, quando se analisa a Estação da lapa, no documento técnico L2 Justificativa Terminais, no item Acessibilidade Lindeira (Pedestres e Ciclistas), podemos ler “Não foi identificada nenhuma necessidade de complemento à atual infraestrutura para os pedestres, sendo porem necessária uma completa revisão e manutenção das escadas rolantes existentes. Para o caso dos ciclistas, deve-se enfatizar a previsão de um posto para estacionamento e guarda de bicicletas conjugado a esta estação, como já prevê o Plano Cidade Bicicleta da CONDER”. Esta argumentação se repete na avaliação da maioria das estações em ambas as linhas.
O conceito acessibilidade lindeira é por demais ambíguo e parece que não foi estudado qualquer fator atrelado à microacessibilidade em áreas urbanas. Será que foi realmente avaliado o estado de conservação, superfície, largura, segurança, declividade, etc., dos passeios e escadarias que dão acesso ao maior terminal da cidade? Em que condições chegarão os pedestres para pegar o metrô na lapa? Isto irá favorecer a demanda? O problema é grave e existem dissertações e artigos científicos que avaliam a problemática desta estação, entretanto, segundo o edital parece que não foi identificada nenhuma necessidade de complemento à atual infraestrutura para os pedestres.

A preocupação da integração dos ciclistas com o sistema é mínima, sendo tudo relegado ao projeto Cidade bicicleta. Entretanto é importante destacar que Cidade bicicleta propõe apenas uma rede estrutural, principalmente nas avenidas de
vale da cidade, fora de escala em relação ao projeto da estação, se necessita, portanto, um maior detalhamento, um posto para estacionamento e guarda de bicicletas conjugado a esta estação, não basta, devem ser especificados projetos de ciclofaixas e de sinalização adequada, na área de influencia, preservando o ciclista, com medidas de segurança para o transito. Em que condições chegaram os ciclistas para pegar o metrô na lapa?  ... e nas outras estações? As recomendações do plano denominado interpenetração modal, está sendo incorporada no edital permitindo o transporte de bicicletas em áreas específicas dos vagões?  

O dimensionamento das estações não pode ser observado apenas como um problema arquitetônico, mais também como um problema da engenharia dos transportes, sendo uma área de pesquisa consolidada nesta engenharia. Este dimensionamento corresponde principalmente a estudos de demanda: a) de fluxos de pedestres na hora pico, considerando inclusive situações de emergência, b) de demanda por vagas de estacionamento, visando à integração “park and ride”, e c) de demanda por vagas de estacionamento para ciclistas (numero de paraciclos), visando a integração “bike and ride”. As passarelas de conexão com as estações nas avenidas de vale devem ser dimensionadas, tanto em numero, como em termos de capacidade. Sugerimos, portanto, que os documentos técnicos, elementos do projeto básico_ARQ, o apêndice 8 e o documento técnico L2 Justificativa Terminais, sejam revisados.

O edital contém especificações importantes para a realização dos estudos e projetos de engenharia civil, eletromecânica, etc. e de arquitetura, porem, necessita uma maior especificação no relativo aos estudos de planejamento urbano e engenharia dos transportes, como área do conhecimento, que deveriam ser realizados, o qual destaquei nas minhas observações.

O tratamento oportuno das questões urbanísticas será fundamental para viabilizar a demanda do metrô, objetivando a sua sustentabilidade econômica e com ela a sua ampliação e crescimento. Portanto devemos observar para que sejam criadas as condições espaciais (atividades, intensidades de uso, densidades, conexões, etc.) para que este modo de transporte sustentável estruture realmente a cidade. A entidade gestora deverá atingir dois objetivos estratégicos para a consolidação deste modo de transporte, no tempo: a) criar demandas para o metrô, e b) captar as mais-valias produzidas pela intervenção pública, ou seja, pelos ganhos de tempo e valorização imobiliária. Não pensarmos isto, seria irresponsável, pois deixaríamos uma ampla margem de manobra para o capital incorporador. 

Estes estudos, a serem realizados, devem ser especificados mediante um anexo que fale do metrô em escala urbana, detalhando com cartografia adequada, a área de influência imediata das linhas e estações, definindo programa de poligonal de áreas necessárias para o funcionamento de atividades complementares procurando detalhar: as atividades urbanas, ou seja, o uso do solo atual; o uso do solo
futuro; os índices urbanísticos atuais e propostos; as densidades propostas no eixo; como estas serão promovidas; a capacidade das redes técnicas e os impactos. Tendo como referencia o PDDU atual, deve-se detalhar a proposta urbanística para este eixo, num processo transparente que explore o potencial urbano, verdadeiras âncoras, especialmente nas estações de integração.
Logo após termos uma visão clara do desenvolvimento urbano nestes eixos, a área de influência imediata das linhas e estações do metrô, poderá vir a se constituir em corredores especializados, nos quais, será possível aplicar eficazmente os instrumentos do estatuto da cidade, visando densificar e diversificar as atividades urbanas onde seja conveniente, para a cidade. Isto fornecerá a equidade espacial que a nossa cidade necessita e deve ser estudado, com transparência. Os instrumentos do estatuto da cidade, também foram pensados para promover a mobilidade sustentável, sendo política nacional da SEMOB – MC e estão embasados na atual Lei da mobilidade. Os instrumentos (IPTU progressivo, direito de preempção, outorga onerosa, etc.) e a delimitação espacial da sua aplicação deverão ser regulamentados, pelos municípios. Por tudo isso é importante à integração estado – município.

O Brasil implantou nesta década os principais marcos regulatórios da política urbana e regiões metropolitanas, Lei 10.251/2001 - Estatuto da Cidade com seus planos diretores municipais, Lei 11.445/2007 - do Saneamento Básico com seus planos municipais, e Lei 12.587/2010 - Plano de Mobilidade Urbana com seus planos municipais, todos com prazos para ser implantados nos municípios. Os Planos Municipais de Mobilidade e Transporte com prazo até abril 2015. Estes inclusive vinculam explicitamente a liberação de recursos públicos e as contratações de concessões, com base nas definições destes planos.   Considerando que, no mais tardar daqui a 2,5 anos, todos os municípios da RMS e BTS terão seus Planos Municipais de Mobilidade e Transporte, e a RMS seu Plano de Mobilidade Regional instituídos, os quais definirão a grande maioria dos elementos questionados pela sociedade e pelas entidades aqui representadas, ressaltamos que,  uma  concessão contratada na “véspera” da institucionalização destes marcos regulatórios, seria uma garantia de conflitos contratuais, institucionais, econômico-financeiros e operacionais. Para evitar que ocorra tais conflitos é essencial exigir das partes da PPP e região que:

  • Todos os municípios e a RMS como região integrada, tenham garantido nos seus respectivos orçamento de 2013 os recursos de elaboração dos seus Planos Diretores de Mobilidade e Transporte – PDMT, inclusive os do governo do Estado;
  • Todos os municípios e a RMS tenham um termo de referencia e cronograma sincronizado da elaboração destes planos PDMT;
  • Todos os municípios junto com o governo do estado criem imediatamente uma entidade coordenadora deste processo de geração e institucionalização concentrada dos planos PDMT;

  • Nos PDMT de Salvador, Lauro de Freitas e da RMS sejam tratados os trechos objetos desta concessão, numa forma que os mesmos se integrem aos sistemas municipais e regionais dos PDMT e que a concessionária tenha seus contratos adaptados aos novos marcos normativos institucionalizados até 2015.
  • As partes dos convênios, base desta PPP, se comprometam alterar os mesmos na forma de se integrar perfeitamente aos conceitos e normas dos PDMT municipais e regionais.

Por conseguinte, estas informações e instrumentos técnico-normativos, serão fundamentais, não somente para a empresa concessionária, mais também para a gestão urbana, como um todo, ou seja, para a Entidade Gestora. Necessitamos urgentemente estudos e ações de planejamento integrado de transporte e uso do solo, na cidade e na RMS, visando mitigar as viagens feitas atualmente por modos de transporte insustentáveis tais como, o automóvel e a motocicleta, criando demandas para o metrô. Se a sociedade não defender os objetivos estratégicos para a cidade (não para as empresas), ou seja, criação de demandas para o metrô e apropriação de mais-valias, o metrô não se consolidará e teremos apenas um magnífico projeto de construção civil.


Salvador, 17 de setembro de 2012


Conselho Regional de Engenharia e Agronomia – CREA-BA
Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU-BA
Associação Brasileira de Engenheiros Civis – Departamento da Bahia - ABENC/BA
Associação dos Engenheiros Agrimensores do Estado da Bahia - ASEAB
Clube de Engenharia da Bahia – CEB
Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento da Bahia - IAB-BA
Sindicato de Arquitetos e Urbanistas da Bahia - SINARQ
Sindicato dos Engenheiros da Bahia - SENGE
Associação Baiana de Engenharia de Segurança - ABESE
Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia da Bahia - IBAPE/BA 


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