segunda-feira, 5 de julho de 2010

Jogo zerado - Agora vai começar!

Ricardo Noblat*
Sabe de uma coisa? Melhor assim.
A mais recente pesquisa de intenções de voto para presidente aplicada pelo Instituto Datafolha registrou um empate técnico entre José Serra e Dilma Rousseff – 39% a 38%.
Em maio passado, ambos estavam empatados com 37%. Oscilaram dentro da margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Há 10 dias, Ibope e Vox Populi haviam dado cinco pontos de vantagem para Dilma – 40% contra 35%. No último fim de semana, o Ibope cravou 39% a 39%. Corrigiu algum “desvio de amostragem”. Eu disse de amostragem, não de comportamento.
De resto, um período de 15, 10 ou um dia é suficiente para mudar índices de intenção de voto – mais ainda quando os eleitores permanecem indiferentes à eleição. Estavam ligados na sorte do Brasil na Copa do Mundo.
O time de Dunga afundou depressa. Imagine só se o de Serra ou de Dilma tivesse afundado antes do início oficial da campanha. Ou do início da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão marcado para o dia 17 de agosto.
Convenhamos: a eleição perderia sua graça. Não para os eleitores. Mas para nós, jornalistas. E para os políticos. E para lobistas e homens de negócios. E para caçadores de empregos.
Ah, se o distinto público soubesse como se faz política - os interesses inconfessáveis que se escondem por trás dela, o que move tanta gente a disputar cargos, como os candidatos são escolhidos e alguns aceitam concorrer sem acreditar em suas próprias chances.
Você acha, por exemplo, que o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) queria ser candidato outra vez ao governo de Pernambuco? Pois será para que o PSDB nacional tenha um palanque no Estado.
Jarbas acredita que derrotará Eduardo Campos (PSB), candidato à reeleição? Acredita em uma vitória de Serra? Somente se a campanha de Serra fosse radicalmente reformulada, confessou ele outro dia numa roda de amigos em Brasília.
Haverá reformulação? Jarbas duvida. Então por que ele é candidato a uma derrota mais ou menos certa? Porque é amigo de Serra. Porque tem mais quatro anos de mandato como senador e não ficará ao relento.
Geddel Vieira Lima (PMDB) (foto) é candidato ao governo da Bahia porque se perder sairá candidato daqui a dois anos à prefeitura de Salvador. E candidato forte. Caso se eleja prefeito ocupará o cargo durante dois anos à espera da próxima eleição para governador.
A Câmara dos Deputados não o atrai mais. É moço. Quer governar seu Estado.
Mais moço do que ele é Indio da Costa (DEM), o vice de Serra. Não se imagina vice. O DEM imagina vê-lo como prefeito do Rio e, mais adiante, governador.
As pesquisas Datafolha e Ibope salvaram Serra de ser largado de mão antes do tempo. Para quem em junho protagonizou tantos programas e comerciais de partidos políticos no rádio e na televisão, ele deveria ter aberto uma vantagem de cinco ou mais pontos sobre Dilma.
Ficou com o mesmo tamanho que tinha em maio, segundo o Datafolha. Empatou com Dilma depois de estar perdendo para ela, segundo o Ibope.
Os que torcem por Serra voltaram a se animar – e com razão, vá lá.
Serra é um político experiente e cerebral. Muito antes de admitir de público sua candidatura, procurou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e disse que sabia que perderia a eleição para Lula. Venceria com folga mais uma eleição para governador de São Paulo.
Fernando Henrique o convenceu a enfrentar Lula em nome dos superiores interesses políticos e econômicos paulistas que hoje controlam o PSDB. E que seguirão controlando o partido e o governo estadual com Geraldo Alckmin.
É fato também que Serra gostou de uma pesquisa encomendada pelo PSDB e destinada a provar que ele deverá derrotar Lula – quer dizer, e com todo o respeito, o poste escolhido por Lula para sucedê-lo.
Política não é só pragmatismo. É também um espaço fértil para sonhos e ilusões. E vai que o poste, de repente, apaga sei lá por quê.
* Publicado originalmente no blog do autor

domingo, 4 de julho de 2010

Metas para os governos

Oded Grajew*
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O que quase sempre ocorre é a confecção de programa elaborado na última hora pela equipe de marketing da campanha, sem metas
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Estamos às vésperas de novas eleições no Brasil. A escolha pelos eleitores do presidente da República e dos governadores deveria, supostamente, ser baseada no programa de governo dos candidatos. Entretanto, o que quase sempre acontece é a confecção de um programa elaborado na última hora pela equipe de marketing da campanha com o objetivo de servir de recheio à propaganda eleitoral. Passadas as eleições, praticamente ninguém, nem eleitor nem eleito, se lembra dos programas de governo, e não há nenhuma forma legal de obrigar os eleitos a cumprir suas promessas de campanha. Foi a partir dessas constatações que o Movimento Nossa São Paulo apresentou uma emenda à Lei Orgânica do Município de São Paulo, que passou a valer a partir do acolhimento dado pelo Poder Executivo e da sua aprovação pelos vereadores da cidade.
Essa emenda, chamada de lei das metas, obriga todo prefeito eleito na cidade de São Paulo a anunciar, em até 90 dias após sua posse, as metas que pretende atingir até o final de sua gestão.São metas quantitativas e mensuráveis para todas as áreas da administração pública, para cada uma das subprefeituras e distritos da cidade e precisam conter todas as promessas de campanha. As metas devem servir para promover o desenvolvimento justo e sustentável da cidade, priorizando a qualidade de vida para todos os seus habitantes. A Prefeitura de São Paulo estabeleceu 223 metas para a sua gestão e criou um site que disponibiliza informações sobre o andamento de cada uma delas. É bem verdade que nem todas as metas atendem integralmente ao que diz a lei. Há algumas metas de obras (por exemplo, novos postos de saúde e hospitais), mas faltam metas dos resultados esperados (o quanto diminuirão as mortalidades infantil e materna graças a essas obras). O mesmo acontece em algumas outras áreas da administração pública, em que faltam metas de impacto, como a redução da evasão escolar, dos congestionamentos ou de número de moradores de rua. Mas, considerando que São Paulo é a primeira cidade a aprovar e implementar a lei das metas (outras 15 cidades adotaram leis semelhantes) e o compromisso da prefeitura de aperfeiçoamento ao longo do tempo, o resultado até agora é altamente satisfatório.
Nas próximas eleições em São Paulo, cada eleitor terá dados objetivos para avaliar a gestão municipal. Os candidatos tomarão mais cuidados na hora de fazer suas promessas, pois elas, por força da lei, deverão fazer parte do programa de metas. A íntegra da lei, as metas da prefeitura e seu acompanhamento podem ser encontrados no site www.nossasaopaulo.org.br. Espero que, na campanha eleitoral de 2010, os eleitores e a mídia cobrem dos candidatos as metas quantitativas que pretendem atingir até o final de suas gestões em todas as áreas que estarão sob sua responsabilidade. Para o novo Congresso, que tomará posse em 2011, pretendemos apresentar um projeto de lei que torne obrigatória a apresentação de programa de metas para todos os candidatos a cargos executivos. Será uma verdadeira revolução em nossa cultura política e os governos terão que ter uma preocupação maior com as promessas de campanha, a eficiência da gestão, a qualidade dos serviços públicos e os resultados de suas políticas.
*ODED GRAJEW, 65, empresário, é um dos idealizadores do Movimento Nossa São Paulo e presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. É idealizador do Fórum Social Mundial e idealizador e ex-presidente da Fundação Abrinq.

sábado, 3 de julho de 2010

O país das vuvuzelas

Ney Campelo*
A missão técnica que o governo da Bahia empreendeu na África do Sul, objetivando conhecer e sistematizar a última experiência que antecede a Copa de 2014 resultou em importantes ensinamentos para a organização dos jogos no Brasil.
Mesmo antes de a bola rolar no estádio Soccer City, a cidade de Johanesburgo já se encontrava tomada pelos “bafanas bafanas”, misturados a povos de todo o planeta, numa festa de cores e sons, só comparada ao nosso inigualável Carnaval baiano. Ao que parece, precisei sair do Brasil e cruzar o Atlântico para ver de perto o meu primeiro Carna-Copa.
O barulho ensurdecedor das vuvuzelas como um soar de clarins, associado às coreografias coletivas, anunciava a chegada da primeira jornada esportiva mundial no continente-matriz da ancestralidade humana. Uma copa que consagra a primeira “Copa da diversidade”, pura expressão do pluralismo étnico, a união de povos e nações que, sem escamotear as desigualdades econômicas e diferenças sociais, dá uma lição de humanidade e esperança na construção de uma civilização fundada nos melhores valores éticos e estéticos.
A alegria das ruas em Sandton City, o moderno centro financeiro de Johanesburgo e a catarse humana que ocupa a Mandela Square, praça que exibe a imponente escultura do homem que usou o esporte como estratégia de superação do racismo, são de um simbolismo irrefutável quanto ao poder do futebol em elevar a autoestima de uma nação confrontando preconceitos e quebrando paradigmas quanto ao olhar primitivo vigente sobre o continente africano. A união das nações africanas é o maior legado da Copa, indiscutivelmente. O conceito do empoderamento da sociedade civil pelo esporte é relativamente novo, cuja reflexão haverá de merecer, daqui para frente, um maior interesse de políticos acadêmicos e outros agentes sociais.
O Mundial da África 2010 tem muito a nos ensinar; trata-se da realidade mais próxima do Brasil e da Bahia, tanto em termos dos desafios sociais estipulados, quanto da infraestrutura para abrigar um evento dessa magnitude, mas é necessário capturar essa identidade diferenciada, constituída no itinerário dos fluxos migratórios que marcaram a nossa construção enquanto nação. Salvador é a maior cidade negra fora do continente africano, portanto, beber na fonte dessa experiência contribui para solidificar os vínculos entre esses povos, aprendendo com os erros e acertos que marcaram a organização dos jogos de 2010. estádios, entornos, centros de treinamentos, mobilidade e acessibilidade, sustentabilidade e segurança, serviços, legados sociais, turismo e promoção foram temas observados e serão tecnicamente reportados, inclusive com workshop, que realizaremos ao final da Copa, com a participação da imprensa que cobriu os jogos.
É possível, entretanto, destacar, desde já, esse legado de caráter “imaterial”, pela convicção de que o efeito Copa na alma da nação sul-africana resultará em mudanças no ambiente socioeconômico e na constituição de vínculos geradores de importantes transformações sociais. É o que desejamos para a Bahia em 2014, quando sediaremos nossa primeira Copa, a segunda no País, porque o futebol mais que uma “religião nacional”, precisa representar uma estratégia inteligente, saudável e lúdica, de inclusão social e de desenvolvimento sustentável. Haveremos de ganhar a Copa, mas nos orgulharemos muito mais como brasileiros se ganharmos com a Copa, promovendo externalidades que nos façam cada dia mais um país de todos numa terra de todos nós.
* Secretário Extraordinário para Assuntos da Copa FIFA Brasil 2014

sexta-feira, 2 de julho de 2010

A cidade da Bahia e seu Recôncavo

Antônio Risério*.
Me referi de passagem aqui, em artigo sobre o projeto da ponte ligando Salvador e Itaparica, a uma antevisão do sociólogo Luiz de Aguiar Costa Pinto: a Cidade da Bahia e o Recôncavo se encaminhando para configurar a Região Metropolitana de Salvador. O governador do Estado fala hoje da ponte Salvador-Itaparica privilegiando a perspectiva da conexão com Camamu e o “baixo sul” (algum geógrafo, aliás, bem que poderia me explicar: Camamu-Tinharé, para mim, são o alto sul; o baixo sul ficaria para Alcobaça, Prado, Nova Viçosa, etc.). Mas, de modo mais imediato, temos a integração da capital e seu Recôncavo, numa área de cerca de 10 mil km², se não me falha a memória. Aliás, a BR-242, da qual a ponte deverá ser o quilômetro zero, passa por cidades que ficam no coração do Recôncavo. E, por isso, me referi a Costa Pinto – segundo Darcy Ribeiro, a maior e mais genuína vocação de sociólogo que o Brasil já conheceu.
A Cidade do Salvador e o Recôncavo nasceram juntos. Foram siameses. Ou, como diria Joyce, numa palavra-montagem doFinnegans Wake: “siamesmos”. Wanderley Pinho, em suaHistória Social de Salvador, enfatizava isso. Senhores de engenho tanto viviam nos canaviais quanto na cidade. Membros da Câmara de Salvador moravam em terras do Recôncavo. Escravos trocavam informações, fazendo levantes lá e cá. Terreiros de candomblé surgiram em Salvador, em Itaparica, em Santo Amaro da Purificação, em Cachoeira. Enfim, Salvador e o Recôncavo foram uma entidade integrada durante séculos. Isso só foi mudar muito recentemente. Quando as atividades de prospecção e refino do petróleo se deslocaram para cidades laterais ao miolo afrobarroco do Recôncavo. E, depois, com o Centro Industrial de Aratu e o polo petroquímico de Camaçari, que desviaram as coisas para o Recôncavo Norte, inchando Lauro de Freitas e cercanias.
Mas, antes disso, o que dizia Luiz de Aguiar Costa Pinto? No texto “Recôncavo: Laboratório de uma Experiência Humana”, nosso maior sociólogo (que tem, como seus pares, Milton Santos na geografia e Kátia Mattoso na historiografia) escreveu:
“Dois grandes fatores têm operado no sentido dessa unidade [do Recôncavo]: a Baía de Todos os Santos e a Cidade do Salvador. De fato, quer no plano estritamente geográfico, quer no mais largo sentido ecológico, o golfo tem sido o ponto focal de convergência da vida dos núcleos urbanos que em torno dele se desenvolveram; de outro lado, a Cidade do Salvador, mercado consumidor, centro político-administrativo, porto e porta de passagem dos contatos e relações com o mundo, é ponto dominante na região que margeia a baía e representa, no plano econômico, social e político, o núcleo de onde partem influências aglutinadoras sobre todo o Recôncavo, que tende cada vez mais a se transformar numa grande região metropolitana cercando a sua capital, com a qual mantém laços crescentes de comércio material, social e psicológico”.
O texto de Costa Pinto foi escrito em 1951 e reescrito em 1958. Por essa época, a conexão Salvador-Recôncavo, que vinha de inícios do século 16, começava a se desarticular. Não só pelo petróleo, é bom lembrar, como em nome de uma visão imediatista do processo baiano. Hoje, no entanto, temos a perspectiva de um reatamento. Salvador e o Recôncavo podem voltar a ser siamesmos. Aliás, acho que a nova universidade do Recôncavo poderia sair na frente dessa discussão, promovendo uma ampla releitura de escritos sobre o tema, como os de Costa Pinto e Milton Santos. Geografia e sociologia que ainda têm muito a nos ensinar.
E, aqui, volto ao tema do projeto da construção da ponte Salvador-Itaparica. A ponte pode ser a peça-chave de nossa reintegração física, econômica, social e cultural. O novo elo evolutivo que falta. Hoje, numa foto área, vemos que apenas uma parte do trabalho foi feita. A ponte do Funil faz o Recôncavo chegar a Itaparica. E a foto fica capenga. Falta fazer a outra e maior parte do trabalho. Temos Funil, temos Itaparica, mas cadê a ponte para ligar a ilha e Salvador, para completar o quadro?
*Antonio Risério – Escritor
(publicado originalmente em Opinião do jornal A Tarde, em 26.6.2010)

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Mudança na legislação portuária é retrocesso

Duas normas recentes sobre o setor portuário vêm gerando polêmica quanto aos impactos sobre os investimentos privados nessa área: o Decreto nº 6.620, de 29 de outubro de 2008, e a Resolução da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) nº 1.401, de 16 de julho de 2009. Para representantes do setor, tal legislação inibe os investimentos privados; para o governo, ela é necessária e "ordena" esses investimentos.
A controvérsia se repetiu nesta terça (29) durante audiência pública realizada no Senado com a presença de integrantes do governo federal e do setor privado. O debate foi solicitado pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO), que é presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e está entre os críticos das novas regras. Para ela, o decreto em questão representa "a estatização dos portos nacionais, em detrimento do setor privado".
Uma das medidas mais polêmicas é a que restringe a movimentação da carga de terceiros nos terminais portuários de uso privativo - antes das novas normas, esses terminais podiam movimentar com mais liberdade tanto as cargas próprias quanto as de terceiros. Com a regulamentação, os terminais de uso privativo terão de apresentar "movimentação preponderante de carga própria e, em caráter subsidiário e eventual, de terceiros". Para se dedicar às cargas de terceiros, o setor privado terá de se submeter a licitação para exploração de portos públicos.
Entre os opositores da medida está Wilen Manteli (foto), diretor-presidente Associação Brasileira dos Terminais Portuários. Para ele, "se há ociosidade nos terminais privativos, estes devem ter a liberdade para, se quiserem, movimentar cargas de terceiros". Manteli também disse que, se a restrição for confirmada, "as cargas compostas por itens como minério e soja passarão a congestionar os portos públicos, em detrimento de cargas de maior valor agregado". Também contrário à restrição, Luiz Antônio Fayet, consultor da CNA, afirmou que "é preciso deixar a iniciativa privada investir onde ela tem interesse, inclusive para resolver o problema do apagão portuário".
Por outro lado, o subsecretário de Planejamento e Desenvolvimento Portuário da Secretaria Especial de Portos da Presidência da República, Fabrízio Pierdomenico, declarou que "não é verdade que o governo não permita esse tipo de investimento privado; permite, sim, e inclusive está chamando [o setor privado]". Como exemplo, Fabrízio citou um recente chamamento público da secretaria que, segundo ele, convida o setor privado a investir e explorar porto público em Manaus.- O investimento para a movimentação de cargas de terceiros está aberto, sem impedimentos, mas é preciso cumprir as normas - ressaltou ele, referindo-se à exigência de licitação. Fabrízio disse ainda que "o governo defende de forma intransigente os portos públicos, mas em nenhum lugar está escrito que o setor privado não pode investir, desde que respeite as regras, que estão aí para dar um ordenamento aos investimentos". Ele reiterou que "o governo não abrirá mão do planejamento". A senadora Kátia Abreu (foto), por sua vez, afirmou que o Decreto nº 6.620 e a Resolução nº 1.401 revelam uma "escalada excessiva da estatização dos serviços públicos, a exemplo do que está ocorrendo com a nova legislação sobre o petróleo". Além de argumentar que esse decreto "impede a construção de portos pelo setor privado e é ilegal", a senadora afirmou que o governo tem de cumprir a Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, que, segundo ela, "permite o porto privado e misto".
Essa audiência pública foi promovida por duas comissões do Senado: a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e a Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI).
Fonte: Agência Senado/Ricardo Koiti Koshimizu

Nossa Copa já

Assinatura do contrato de PPP da Arena Fonte Nova
zédejesusbarreto*
Vendo, por fanatismo, o ‘clássico’ Eslovênia x Argélia pela Copa da África, ‘babinha’ nada superior a um Feirense x Ipitanga – perdoem-me os simpatizantes desses timaços baianos –, dei-me conta de que são esses joguinhos classificatórios de tabela de Copa que presenciaremos na tal ‘Arena’ da Fonte Nova que está por vir.
Aliás, para melhor entendimento, vão demolir/implodir a Fonte Nova, arte do grande Diógenes Rebouças, com consultoria de Niemeyer, e gastar bilhão pra plantar no mesmo lugar uma tal ‘arena multiuso’, estilo holandês-germânico, com o fim de abrigar uns três ‘clássicos’ desse naipe, entradas a preço de Barcelona X Inter de Milão. É isso, não nos enganemos. Depois, fica o ‘colosso’ do elefante pra gente alimentar.
Falando em Copa, o secretário especial Ney Campello está na África do Sul. Diz ele que observando as coisas, o funcionamento dos estádios, comportamentos, para que a Bahia não faça feio em 2014. Tá bom! Quantos na comitiva? Quem banca o ‘rolê’?
O pessoal da natação espera a piscina olímpica prometida, para que possa treinar de olho nas Olimpíadas de 2016, no Rio. Porque o que fizeram até então na Fonte Nova foi desalojar Bobô e sua turma, fechar as piscinas e fazer um cercadinho no entorno do estádio pra dizer que há obras.
A questão da Fonte Nova ainda vai ‘render buxixo’ até a arena existir.
O que parece mais encaminhado em termos de projetos urbanos, visando a questões de infraestrutura e mobilidade/transporte, é a opção pelo sistema BRT-Bus Rapid Transit, de buzus articulados em vias segregadas rasgando o miolo da avenida Paralela, ligando o aeroporto ao Acesso Norte/ estação do Metrô.
Acordam os técnicos da prefeitura, governo e sindicato dos empresários de ônibus que é a solução mais barata e possível para resolver de imediato o gargalo Paralela-Iguatemi. Seria um começo de modernidade no âmbito do transporte de massa na cidade.
É só o que temos, por enquanto, para a Copa do Mundo 2014 na Bahia, que começa já, neste meado de julho próximo, quando acaba a Copa Africana. Ganhe ou perca a seleção do tenente Dunga.
*zédejesusbarreto – Jornalista e escrevinhador

(escrito em 14 de junho de 2010 para o blog Jeito Baiano)

terça-feira, 29 de junho de 2010

As Copas de 2014

Estádio Green Point - Cape Town
Nizan Guanaes*
Estou na África do Sul. Vim para o Fórum Global que "Fortune", "Time" e CNN realizaram na Cidade do Cabo (foto), reunindo alguns dos mais importantes empresários, políticos, jornalistas, nomes do entretenimento, do esporte e de ONGs. Sou, para minha tristeza, o único brasileiro num mar de chineses e indianos.
O lugar do fórum não foi escolhido à toa. O de 2012 será na China, e vou lutar intensamente para que o Fórum Global de 2014 aconteça no Brasil.
A Copa do Mundo é um evento extraordinário e múltiplo em que, simultaneamente, muitas coisas estão em jogo. A África do Sul, enquanto recebe, joga para sediar uma Olimpíada, e sinceramente acho que seria uma linda competição na Cidade do Cabo.
Enquanto em campo se joga a Copa do Mundo da África do Sul, nos bastidores se joga a Copa do Mundo do Brasil.
Empresas de mídia, marketing, esporte e infraestrutura buscam parceiros, oportunidades e informação sobre a Copa do Mundo no Brasil. Martin Sorrell, número um da propaganda mundial (CEO do Grupo WPP), e Ted Forstmann, dono da IMG, não estavam aqui falando do futuro do esporte sem propósito.
Há muito em jogo mesmo. O Brasil não deve se deslumbrar nem ser "blasé" em relação à Copa e à Olimpíada. É equivocado pensar que a Copa do Mundo é algo que se realiza em um mês e passa deixando estádios e corações vazios.
Os Bafana Bafana da África do Sul perderam no Mundial, mas esse povo sorridente celebra com razão. Eu vim e, com fé em Deus, voltarei e trarei muitos outros. O país é lindo. Cabo é uma cidade global para visitar sempre. E o continente é um dos grandes continentes para investir.
Em resumo, minhas pessoas físicas e jurídicas voltarão à África. Enquanto a Copa de 2010 se realiza em campo, e a de 2014, nos corredores, sonhos de futuros mundiais começam a ser desenhados.
O ex-presidente dos EUA Bill Clinton veio à África do Sul não só para fazer a palestra principal do Fórum Global, mas como presidente de honra da candidatura dos EUA à Copa do Mundo de 2018 ou 2022.
E quem teve a oportunidade de acompanhar de perto seus passos, como eu tive, não tem dúvida do seu empenho. Eu e minha família acompanhamos Clinton durante a partida na qual jogaram Estados Unidos e Gana, no sábado, dia 26.
Fomos a Rustenburgo com o presidente Clinton, um aparato forte de segurança e alguns dos mais importantes jornalistas dos EUA, como Wolf Blitzer, da CNN, e Katie Couric, a mega-apresentadora e editora da CBS Evening News.
Saímos da Cidade do Cabo, onde participamos do Fórum Global, e voamos ao gelado noroeste da África. Um líder verdadeiro tem de ter senso de espetáculo. E o presidente tem de sobra. Assim como Asamoah Gyan, jogador do time de Gana, ele lutou os 90 minutos.
O presidente torceu por seu time ao lado de Mick Jagger. Brincou e foi saudado pela torcida de Gana, aplaudiu os vitoriosos com fair play sem nunca esquecer, um segundo, que, calado, falava com a opinião pública mundial.
Enquanto Clinton torcia pelos EUA e por um Mundial em seu país, outra Copa se desenrola nos camarotes empresariais, em que as companhias recebem seus maiores clientes do mundo inteiro. Afinal, ingresso para o jogo dos sonhos é a única coisa inesquecível que se pode dar às pessoas que já têm tudo. Cientes disso, os estádios modernos capricham nos hospitality centers, afinal um dos retornos mais apreciados pelos patrocinadores é o networking que podem fazer antes, durante e depois da Copa.
Mas é preciso lembrar que, acima de todos os interesses, a Copa do Mundo é do torcedor. Do adulto que vibra como criança e da criança que discute informada como um adulto.
O que torna a Copa o evento mais importante do mundo é que é o acontecimento mais importante para o mundo. Uma importância à qual nem os Estados Unidos conseguem mais ser indiferentes.
A Copa de 2014 não é a Copa inocente e paroquial de 1950. É um evento global que tem o poder de organizar uma nação, que põe dia, data e hora para que as coisas sejam feitas. Que coloca o país na vitrine e na vidraça do mundo, que estabelece uma pauta objetiva.
Um Brasil que terá sua rede de aeroportos e transportes públicos avaliados por passageiros de todo o mundo. Sua segurança, sua rede de hotéis e restaurantes, idem. Até a Olimpíada de 2016, no Rio, o país vai estar no centro das atenções ou no olho do furacão.
*NIZAN GUANAES, soteropolitano,publicitário e presidente do Grupo ABC

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Por um museu da cultura popular em Salvador

Dimitri Ganzelevitch*
E nossa cultura popular? Alguém pode informar qual órgão se dedica especificamente a ela? Apostamos que não. Não existe, em todo o Estado da Bahia, um único espaço reservado à documentação, memória e resgate das expressões culturais do povo baiano. Em exposição encontrar-se-ão, talvez, umas poucas peças de caráter comercial no Instituto Mauá, muitas vezes sem especial relevância e com total deficiência de pesquisa.
A italiana arquiteta Lina Bo Bardi bem que tentou constituir, no início dos anos 60, um acervo de qualidade. A ditadura militar e o evidente desinteresse dos governantes locais por qualquer coisa que não tivesse o glamour europeu ou norte-americano relegaram o acervo aos porões do Solar do Unhão, e não se falou mais nisso.
Temos algo comparável à pernambucana Fundação Joaquim Nabuco, ao carioca Museu do Folclore Edson Carneiro, ao mineiro Museu de Artes e Ofícios? Nada! A coleção Pardal de carrancas hoje pertence a um colecionador português.
A maioria dos centros de olaria do Recôncavo e do Interior, fossilizada, está sobrevivendo no ostracismo. As rendeiras de Saubara só podem contar com uma Márcia Ganem, dentro de seu potencial de mercado. E os outros? Os que fabricam brinquedos, apetrechos de couro, cestas, mocós e balaios, montarias para jegues e cavalos, ferramentas? E as expressões e iniciativas privadas, que podemos rotular de artes espontâneas: gravadores, escultores e pintores que, sem o mínimo apoio, acabam massificando a produção para o predador mercado de turismo?
Precisamos documentar, sem mais demora, as danças, as procissões, as rezadeiras, as festas de largo, os curandeiros, os fazedores de máscaras, as lendas e crenças, o cancioneiro dos morros, das praias e da caatinga, os carnavais, as receitas tradicionais – passando por conventos, mosteiros, ocas e terreiros – as pinturas dos caminhões e carroças, o delicado e forte emaranhado dos vendedores ambulantes, tanto urbano como interiorano, os garimpeiros, pastores e boiadeiros.
Temos um material tão rico e tão ignorado! Respeitar um povo é também respeitar suas expressões. Sua essência.
* Marchant

domingo, 27 de junho de 2010

BRT-M: Brasil transportando o mundo


Horácio Brasil*
Se existe uma certeza na comunidade técnica é a de que uma rede de metrô, integrada com outras modalidades de transporte urbano, é o que se pode ter de melhor numa cidade com mais de um milhão de habitantes – a nossa Salvador e sua região metropolitana já ultrapassam três milhões... As grandes metrópoles mundiais construíram suas redes, há mais de um século a exemplo de Londres, Paris, Buenos Aires, Moscou, e Nova York. Londres chegou a ter trens subterrâneos movidos a carvão, para desespero dos lordes e ladies que usavam vestimentas mais claras. Com o advento dos motores a eletricidade, no início do século passado, trens subterrâneos (metrôs) e bondes passaram a circular no subsolo e nas superfícies das vias, aí ocupando o lugar de charretes e carruagens.
Surge então o motor de combustão interna, movido os derivados de petróleo, viabilizando assim automóveis e ônibus que nos acompanham até hoje. No caso dos veículos de transporte coletivo, os ônibus chegaram trazendo baixos custos de operação e flexibilidade nos roteiros pré-estabelecidos, já que podiam compartilhar o sistema viário de superfície com os veículos individuais. Isso facilitou, sobremaneira, o atendimento das novas demandas das cidades que cresciam e se espalhavam Com muita velocidade, gerando uma demanda por transportes, difícil de ser atendida pelos sistemas ferroviários urbanos, de implantação lenta e custos elevadíssimos.
Essa dificuldade de se implantar sistemas ferroviários urbanos fica bem patente, na segunda metade do século XX, quando constatamos iniciativas bem mais tímidas que aquelas que tiveram início na primeira metade, em função dos altos custos de construção e das necessidades de uma operação subsidiada, objetivando manter as tarifas a preços praticáveis. Com raras exceções, notadamente em áreas ricas, as iniciativas ferroviárias têm sido tímidas e insuficientes para o atendimento das reais necessidades das populações urbanas. No Brasil, São Paulo e Rio são exemplos de frustrações de metas planejadas a mais de 40 anos.
Enquanto isso, os veículos privados, notadamente os automóveis, caíram no gosto popular pela comodidade operacional, status social e preços acessíveis, a ponto de, nos dias atuais estarem se transformando numa verdadeira praga urbana em termos de congestionamentos, poluição ambiental, uso privado de espaços públicos para estacionamento e, acima de tudo, inviabilizando a cada dia a operação dos transportes coletivos que compartilham o sistema viário.
Diante do impasse que já vinha se caracterizando desde os anos 1970, a criatividade brasileira reinventou uma forma de extrair do prosaico ônibus um desempenho operacional bastante superior a todas as tecnologias disponíveis para o transporte urbano, com exceção, obviamente, do metrô que reina sozinho nas faixas de demanda superiores a 50 mil passageiros por hora e por sentido. Trata-se do BRT, sigla inglesa do Bus Rapid Transit, ou seja, transporte rápido de alta capacidade por ônibus.
De Curitiba, cidade em que a idéia foi concebida e implantada até Bogotá, onde brasileiros e colombianos, ingleses e franceses aperfeiçoaram o sistema, consolidando inclusive a sigla BRT para esta tecnologia, resultou nos dias atuais cerca de 160 projetos em todo o mundo. Alguns em funcionamento, outros em construção e outros, inclusive aqui em salvador, em fase de projeto básico. O mais interessante é que, na virada do milênio, o Brasil já pode se orgulhar de deter uma tecnologia de transporte urbano de alta capacidade, que pode ser implantada a custos praticáveis e em tempo recorde.
O Brasil já dispõe de consultorias experientes de planejamento e projetos de BRT´s, empreiteiras preparadas para grandes obras, veículos especiais de grande capacidade sobre pneus,
tecnologia de bilhetagem eletrônica e controle operacional via GPS e GPRS, além de operadores da logística urbana competentes, todos forjados na realidade brasileira, com resultados testados e consagrados em diversos países.
Não é por acaso que Londres prepara-se para as olimpíadas de 2016 incluindo o BRT como fator de mobilidade e de expansão da rede de transportes, seguindo exemplo de Xangai, Los Angeles, Nova York, Bogotá, Santiago, Cidade do México, dentre outras. Também não é por acaso que, além do presidente Lula, apenas o arquiteto brasileiro Jaime Lerner foi escolhido para figurar na lista da revista Time como uma das personalidades que exercem influência no mundo atual, “pelo seu maravilhoso legado para a sustentabilidade urbana”, segundo o prefeito de Vancouver-Canadá, em declaração àquela revista.
* Horácio Brasil é engenheiro e Superintendente do SETEPS – Sindicato das empresas de transporte de passageiros de Salvador.

sábado, 26 de junho de 2010

Cidade-metrópole: ônus e bônus

João Henrique Carneiro*
Com mais de três milhões de habitantes e vocação natural para atrair turista, Salvador movimenta uma gigantesca máquina de serviços de demanda urbana e metropolitana imprescindível para seu pleno funcionamento e para assegurar o bem-estar da população. Essa gigantesca máquina social necessita de regras, deveres, direitos e ordenamento para que funcione da melhor maneira possível para todos.
De outra forma, sem os códigos de conduta, a vida seria quase que impraticável. Uma espécie de salve-se quem puder ou, como se diz, “quem tem unhas grandes sobe na parede”.Ressalto essas premissas para deixar bem evidente que, sem a compreensão, o bom senso e a responsabilidade de cada um, todos sofreriam e o convívio social seria impossível .
Todos temos na consciência a necessidade do respeito à cidadania e aos direitos do próximo. Nosso dever como prefeito, chefe do Poder Executivo, é garantir que a cidade funcione na sua plenitude e que todos os cidadãos tenham condições dignas de acessibilidade. Não seria justo permitir privilégios a determinados grupos, em detrimento de outros. E não seria salutar permitir situações que dificultem a plena fluidez da cidade que ganha, pela migração, 60 mil novos moradores/ano, segundo o IBGE.
Diante disso, quero deixar bem claro que não recuaremos em hipótese alguma na nossa determinação em aplicar o decreto que delimita e regula as operações de carga e descarga na cidade. Esse ordenamento é necessário para Salvador.
Outras metrópoles brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, há anos, ordenam a carga e descarga, e seus gestores e população têm consciência de que se não fosse assim, seria o caos.
É inconcebível que as principais avenidas e ruas da cidade fiquem à mercê da vontade de pessoas que se acham no direito de movimentar mercadorias a qualquer hora do dia ou da noite, sem se importar com os danos que provocam na malha de acessibilidade da cidade, com a velocidade média/hora dos veículos sensivelmente reduzida a cada ano.
Não estamos sendo contrários a qualquer das categorias de trabalhadores ou do empresariado quando publicamos o decreto que regulamenta tais operações. Ao contrário, estamos sendo a favor da população como um todo. Trabalhadores, empresários, autônomos, estudantes, homens, idosos, mulheres e crianças sofrem com os congestionamentos no trânsito.E isso vem sendo constantemente agravado por ações como as de carga ou descarga em horários dos mais inconvenientes.
É nítido o grande problema que tais operações causam se não tiverem planejamento e não obedecerem a determinados horários. Salvador tem frota de 700 mil veículos e ganha uma média de 4 mil veículos/mês, além dos que vêm da RMS diariamente.
Temos vias estreitas, impossíveis de ser alargadas, e, se não buscarmos soluções para torná-las transitáveis, estaremos fugindo à nossa responsabilidade e contribuindo para que a cidade se estagne dentro de um imenso congestionamento.
O decreto que regula tais operações vem de encontro a questão de grande apelo da população de Salvador que é a de torná-la melhor transitável. Sabemos da importância de todos os segmentos da sociedade, mas não podemos ficar de braços cruzados, permitindo que supostos “donos da rua” tomem conta daquilo que é público, exerçam as suas próprias lógicas nefastas e os milhões de habitantes sofram com a falta de bom senso dos que só pensam nos seus lucros. A cidade é um organismo vivo, sensível e interativo. Se queremos morar numa cidade grande, temos que pensar grande. Neste caso, têm-se ônus e bônus urbanos.
Cumprir um decreto disciplinador da ordem social não é uma obrigação, é uma gentileza urbana, numa cidade onde muito predominou o estilo predatório de sobrevivência egoísta.
Estamos sempre abertos ao diálogo, ao entendimento e à procura de soluções que sejam boas para todos. Não podemos adotar soluções boas para poucos, em detrimento do bem-estar de milhões de habitantes. Salvador não é e nunca será uma cidade menor. Já nasceu grande como capital e como metrópole internacional.

* Economista, é prefeito de Salvador

quinta-feira, 24 de junho de 2010

DIRETO D’ÁFRICA, NA CIDADE DA BAHIA

JOLIVALDO FREITAS*
Estou aqui esperando começar mai um jogo da Copa do Mundo. Tenho andado pela cidade e visto coisas alarmantes. Para principiar ontem assisti a um ladrão de galinha ser espancado até a morte por populares que já estavam na campana fazia dias. Pelo menos uma vez por semana ele pulava o quintal de alguém e bafava uma penosa. Segundo um conhecido dele, que fez questão de não o reconhecer, para também não ser confundido como cúmplice, o homem era miserável, estava desempregado havia mais de um ano e era o único jeito de dar comida para a prole de seis meninos e duas meninas. Não se sabe o que será dos filhos.
Encontrei um casal de amigos que estava parado numa avenida. Marido e mulher presenciaram o absurdo de dois jovens fazendo o “tradicional” pega. Invadiram o sinal, subiram o passeio e mataram um garoto que andava de bicicleta. O casal até hoje, lá se vão três dias, não consegue comer nada, do nojo que ficou da cena e dorme com remédios tarja preta.
Leio nos jornais que no final de semana foram mais de 20 mortos – a maioria absoluta de jovens negros – pela polícia que assegura ter sido em confronto direto com traficantes; mortos por traficantes que cobram dívidas, embora as famílias garantam que os meninos não consumiam drogas e um pai que matou a ex-mulher e o bebê e depois tentou se suicidar o que não deu certo.
Ontem à noite vi uma cena lamentável, diversas mulheres e crianças brigavam na porta de um minimercado, num bairro nobre da cidade, disputando frutas apodrecidas, frios com data de validade já ultrapassada, pão duro e hortaliças murchas. Remexiam o lixo desesperadamente e guardavam a coleta em sacos que eram entregues a crianças para que tomassem conta e não deixassem que os outros famélicos roubassem. Na porta de uma farmácia um garoto com idade estimada em 12 anos me abordou e pediu parta que eu comprasse para ele uma lata de leite em pó para recém-nascido. Quando já ia comprar o balconista me chamou num canto e disse que não comprasse, pois o garoto iria trocar o leite – de fácil revenda – por pedras de crack. Não comprei e o garoto me ameaçou e ao farmacêutico. Não volto mais lá.
Na TV assisti ao jornalismo dizendo que mais de dez estudantes morreram num choque com uma carreta pois o motorista não tinha sequer Carteira de Habilitação e no mesmo instante entra outra notícia de uma chacina numa ilha próxima da cidade, sem falar da mãe que queimou a mão do filho de cinco anos porque ele queria comer bolacha no que ele considerava fora de questão, pois não havia bolacha e ele chateava por querer e querer.
Caiu uma chuva forte e na invasão formada por milhares de casas pongadas sobre as encostas, lonas pretas mostram que se trata de uma queda anunciada. Outro dia morreram várias pessoas com a terra que desceu e cobriu uma faixa imensa de casebres. Enquanto os familiares choravam seus mortos, uma quadrilha entrou no velório e assaltou todo mundo. É a vida.
É muita pobreza por aqui. A população negra não tem emprego e as escolas públicas não oferecem condições de competitividade com os alunos mais abastados (notadamente brancos de estabelecimentos particulares), embora tenha também um montão de brancos na absoluta linha da miséria. A polícia parece que caça os negros e pardos. Mora-se mal, perto de esgotos e buraqueiras. E quem precisa de atendimento médico tem de amargar longo tempo nas filas. E se for para tomar vacina, nem todo mundo consegue. Depende da faixa etária.
Assinado: eu, Jolivaldo Freitas, repórter e cronista, direto desta África que é Salvador.
*Jolivaldo Freitas – Escritor e jornalista
Publicado originalmente no blog Jeito Baiano

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Copa e Olimpíadas à Vista

Paulo Ormindo Azevedo*
Os organismos internacionais, que sempre serviram às grandes potências, estão em baixa. A ONU não tem autoridade para nada. Sua força de paz, os capacetes azuis, é expulsa ou executada na África. O FMI, além de inócuo, pede fiado ao Brasil e a Agência Internacional de Energia Atômica – AIEA não consegue evitar a proliferação atômica nos países nanicos, enquanto Obama pede a Lula para convencer os iranianos a fazerem o dever da AIEA.
Neste quadro, é surpreendente a força da FIFA, que nunca fez nada pelo futebol amador ou educação esportiva. Exigir que a África do Sul construísse cinco mega-arenas, quando se sabe que a crise que ameaça o euro e o mundo se deve, em grande parte, aos gastos extraordinários da Grécia nas Olimpíadas de 2004, é um absurdo. Pior ainda é admitir que o Brasil, pentacampeão e com a melhor infraestrutura de futebol do mundo, aceite construir ou reformar doze estádios no estilo jockey club, com áreas para cartolas, museus, camarotes, restaurantes finos, estacionamento, escadas rolantes, e ingresso de US$ 40.
Numa época de TV de alta definição e 3D, é discutível a capacidade desses eventos de atrair milhares de turistas, como ocorre na Europa dotada de trens a autopistas velozes e hotelaria de ponta. A pouca afluência à Copa sul-africana parece desmentir essa premissa. Cerca de 40 mil torcedores em uma semana não vão fazer nenhuma diferença a Salvador, acostumada a receber 300 mil foliões no Carnaval. Mas a Copa pode ser um pretexto para arrancar dinheiro do governo federal e implementar melhorias urbanas. E aí varia muito o tratamento dado ao tema em cada cidade. São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba não aceitaram fazer novos estádios, senão reformar os existentes. As sete cidades restantes, de menor peso político, capitularam ás exigências da FIFA e vão bancar arenas novas.
Salvador é uma delas, preferindo desembolsar R$ 1,6 bilhão nos próximos quinze anos para construir e gerir uma arena em vez de reciclar a Fonte Nova a um custo de R$ 150 milhões (A Tarde 30/01/10). Além do mais, demolir e reconstruir um estádio naquela área pode trazer muitas surpresas, por estar sobre um antigo lago; por ser parte do entorno do Dique do Tororó, do Desterro e da Casa de Anfrísia Santiago tombados pelo IPHAN, por sua história ligada ao futebol, à natação e ao atletismo e por não sabermos o que fazer com o entulho. Ao contrário do Vitória, que aproveitou um lixão para construir o Barradão, estaríamos demolindo a Fonte Nova para criar um lixão.
Dezessete das mais representativas entidades profissionais, ambientalistas e sociais baianas, entre os quais o CREA-BA, o IAB-BA, o SENGE, o Germem e a FABS, enviaram ao governador, no último dia 18, um Posicionamento que entre coisas afirma:
1 – Não cabe a destruição de um complexo olímpico composto de estádio, ginásio e piscina para substituí-lo por uma arena exclusiva para futebol justamente no momento em que o Brasil se prepara para sediar, pela primeira vez, os Jogos Olímpicos…
2 – A estrutura principal (…) atualmente existente do estádio é perfeitamente aproveitável, como afirmou o especialista em estruturas Eng. João Leite no 1º Debate da Copa 2014, realizado no CREA-BA em 2009. A execução de novas fundações terá um alto custo, visto que a Fonte Nova está apoiada, em boa parte, em área embrejada…
3 – Até o momento não está claro como se dará a demolição e a posterior retirada das milhares de toneladas de escombros resultantes da demolição…
Temendo a não conclusão das obras a tempo e transferência dos jogos para outra cidade, o Posicionamento sugere a paralisação da demolição e início da recuperação do atual estádio.
Reconhece-se que implementar as propostas aqui elencadas não se constitui em tarefa fácil, por exigir uma profunda mudança de rumo. Porém ainda há tempo e, certamente, a população baiana saberá reconhecer esse gesto do governo do Estado em favor do cuidado com a coisa pública, especialmente avaliando o quanto do orçamento do Estado se vai comprometer para esta e para as gestões futuras e sobretudo o quanto de retorno social será garantido pelos recursos aplicados.
*Paulo Ormindo de Azevedo – Arquiteto, professor titular da Universidade Federal da Bahia
(Publicado originalmente na seção de Opinião do jornal A Tarde, em 6.6.10)

terça-feira, 22 de junho de 2010

A casa do Retiro, Não!

Jorge Portugal*
Existe no coração de Salvador, na Rua Waldemar Falcão, em Brotas, ao lado do Candeal, um oásis de calma e sossego, um monumento aberto ao silêncio e à paz, uma fonte concreta daquilo que chamamos “qualidade de vida”. Inúmeras pessoas que para lá se dirigem, a fim de passar algumas horas, uma tarde, ou mesmo dias, sabem que aquele santuário vivo é um dos grandes bens espirituais e humanos que ainda restam de uma cidade estressada, corrompida, deformada, apartada, aviltada pela velocidade e o lucro.
Essa cidade já se esqueceu de que foi criada para as pessoas e não ao contrário. Continua, assim, ameaçando a vida com seus automóveis, sua poluição, seu abismo social e, sobretudo, com a ganância insaciável dos que se julgam seus donos.
Pois são esses “pretensos donos da cidade” que agora afiam suas garras e dirigem seu instinto predador para a Casa de Retiro de São Francisco. Como uma fera voraz capaz de rasgar as entranhas e comer os próprios filhos, essa gente insana trama a destruição de um dos refúgios que resistem em uma metrópole terminal.
A Casa do Retiro é o resultado de uma “articulação do bem” que contou com doações de famílias baianas de boa vontade e do empreendedorismo humanista de Dr. Noberto Odebrecht, que a construiu. Seus magníficos jardins, a capela de Lourdes a céu aberto sob a copa de uma frondosa mangueira, seus corredores e pátios de convidativo silêncio, o abraço materno e aconchegante das freiras que lá vivem falam-nos de um mundo de reflexão e de profunda entrega do que temos de melhor em nós mesmos.
Vale a pena conhecê-la leitor(a) querido(a). Conhecê-la e defendê-la, como sempre fazemos quando identificamos uma boa causa por que lutar.
Vamos dar um basta à especulação inconseqüente e aos falsos “bons negócios” que só geram lucros para os poucos de sempre.
Pela vida, pela paz, pela solidariedade e pelo sonho de uma cidade mais humana, vamos dizer em alto e bom som: A Casa do Retiro, não!
* Educador e poeta

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Jeito brasileiro de jogar futebol


Paulo Ormindo de Azevedo*
O “remake” desnecessário da Fonte Nova é o retrato do desaparelhamento do estado, que terá um preço muito elevado para a sociedade e para o próprio governo. A propaganda oficial diz que teremos uma arena semelhante a de Hanover e Hamburgo, administrada pela mesma empresa da Arena Ajax, de Amsterdam. Será que a nossa realidade é a mesma desses países e temos que nos submeter cegamente ao sokkerbusiness da FIFA? Afinal somos penta-campeões mundiais deste esporte, jogo que é aqui a alegria do povo, não dos barões do futebol mundial.
Os estádios da Copa do Mundo deverão estar prontos em 2012 para a Copa das Confederações. Pela opção adotada pela SETRE, Salvador leva uma tremenda desvantagem com relação a outras cidades. Terá que fazer duas gigantescas operações em lugar de uma só: demolir e construir um estádio. Mesmo que o IPHAN permita sua implosão, pondo em risco monumentos vizinhos, triturar e transportar 70.000 m3 de entulho e reconstruir um estádio de 50.000 lugares em apenas dois anos e meio é missão praticamente impossível.
Para complicar, a Schulitz Architektur e o Arq. Marc Duwe, autores do projeto, sem conhecer a geologia local, deslocaram o estádio, copia do atual, inviabilizando a utilização de suas fundações e aumentando o movimento de terra. Aquele é um local pantanoso e fincar estacas em terreno minado por antigas fundações é tarefa cheia de surpresas que qualquer construtor evita. Além disso, o projeto da nova arena tem falhas inexplicáveis.
A eliminação, não obrigatória, da pista de atletismo inviabilizará sua função multiuso. Sem ela, caminhões e gruas não poderão armar palcos e recobrir o gramado com placas e ambulâncias, carros policiais e de bombeiros não poderão entrar na arena durante acidentes e eventuais conflitos de torcedores. A entrada de caminhões sobre o gramado destruirá o sistema de drenagem e irrigação e o próprio gramado. As duas mil vagas de estacionamento é outra exigência descabida da FIFA para um estádio central, servido por metrô e BRT, como se afirma. Não estamos na Europa com auto-pistas velozes. Que turistas virão de carro para assistir três ou quatro jogos em Salvador?
Por esta razão, 17 das maiores entidades profissionais, ambientalistas e associações civis preocupadas com a aplicação dos parcos recursos públicos e temerosas dos impactos ambientais e prazo para a conclusão das obras, depois de tentarem em vão o dialogo, entregaram ao Governador uma carta aconselhando-o a recuperar o atual estádio, a um custo e tempo quatro vezes menor que a construção da nova arena.
Mas a questão de fundo é a sustentabilidade dessa arena chique para três ou quatro jogos, que atrairão no máximo 30.000 turistas, um décimo do que recebemos anualmente no Carnaval. Sem acordo com os dois maiores clubes, que já possuem estádios, quem irá utilizar esta arena, que mais parece uma ópera, com cem camarotes, sala e estacionamento VIP para cartolas, museu, restaurante panorâmico de 1.235 m2, 39 quiosques, 81 sanitários e 12 elevadores. Com uma superestrutura em aço carbono e cobertura de têxtil especial importado para produzir mormaço, sua manutenção será exorbitantemente cara. Nem na Europa essas arenas conseguem se manter. (Na foto o Amsterdan Arena sendo utilizado para shows como forma de arrecadar recursos para sua manutenção)

Se o governo insistir nessa tecla, poderemos ficar sem a Copa e com um elefante branco que custará caro ao contribuinte. Estranha Parceria Público-Privada esta, que 70% dos recursos serão públicos e ainda teremos de pagar R$1,6 bilhões em 15 anos, a título de gestão, e entregar uma área central de 121.000 m2. O mais grave é que estaremos destruindo uma vila olímpica para termos apenas uma arena de futebol, renunciando a sediar jogos olímpicos em 2016 e privando a nossa juventude de ter uma piscina, pista de atletismo e um ginásio de esporte para treinar.
Pergunta-se: ainda há tempo para rever o projeto? A mudança unilateral da FIFA do jogo inicial da Copa, do Morumbi para outro estádio de São Paulo, mostra que sim. O Presidente Lula reagiu tardiamente às exigências absurdas da FIFA e o Governo de S. Paulo já disse que não dará um real para a construção ou reforma de outro estádio, pois tem outras prioridades. Vamos por os pés no chão e fazer a coisa certa.

* Diretor do IAB, Arquiteto e Professor da Ufba

SALVADOR, A MONTANHA E O RATO

ANILTON SANTOS SILVA*
O conjunto de projetos Salvador Capital Mundial, que compreende mobilidade e requalificação urbana, revitalização da orla e outros, transforma a face da cidade, caracterizando uma nova centralidade – Iguatemi/Paralela. Na orla, pressiona a expulsão das ocupações populares face à indicação de implantação de condomínios residenciais para as classes de média e alta renda sem estar embasado no Plano Diretor Urbano ou Lei de Uso e Ocupação do Solo.
Questionam-se as alterações dos índices urbanísticos e dos gabaritos nas áreas de implantação dos projetos, considerando que haverá uma valorização significativa dessas áreas, por conta dos investimentos públicos, porém com agregação de valor capturado pelo capital privado, o que os defensores do projeto ignoram.
Salvador enfrenta tensões críticas na sua ocupação e disputa do espaço urbano, portanto é preciso, antes de realizar essas intervenções, revisar fundamentos conceituais de política urbana que impliquem a eliminação desses conflitos e preparar a cidade do terceiro milênio, a partir dos reais interesses da população.
Toda e qualquer cidade é o “locus” da manifestação do inconformismo da sociedade civil organizada, que expõe um sentimento generalizado de que nem a macroestrutura do poder público nem a do poder privado respondem às necessidades prosaicas da sociedade, em termos de qualidade de vida, equilíbrio social, emocional e satisfação das demandas básicas de sua população. Dessa forma, ela se coloca como o centro estimulador da cultura da solidariedade social, sem a qual nem a economia nem a sociedade caminharão sempre juntas, na busca incessante de um futuro melhor para todos.
A problemática da cidadania é decorrente da cidade desde os tempos da polis grega, na aurora da democracia, quando surgiu a articulação cidade e Estado. Antes de cidadão de um país, somos membros de uma comunidade urbana/municipal, inserida no Estado. Assim, a gestão da cidade deve ser compreendida a partir de seus constantes desafios, que emergem das reivindicações geradas no seio da solidariedade social urbana, sendo o principal deles a crescente demanda por infraestrutura e serviços, normalmente além da real capacidade do poder público em atendê-la, em situações de crescimento acelerado.
Nesse sentido, é preciso compreender que quando lidamos com o crescimento rápido, a questão urbana começa no campo e sem uma política de orientação dos fluxos migratórios não há como neutralizar a expansão acelerada, que combina concentração de pobreza e concentração de riqueza.
No caso de Salvador, a trajetória do crescimento urbano aponta no sentido do aprofundamento da concentração populacional e de pobreza, haja vista que a cidade amplia o seu poder de atração, enquanto o nosso campo cada vez mais libera o seu contingente, considerando a modernização de nossa agricultura, que reduz a absorção de mão-de-obra e induz a população rural a migrar.
As tendências recentes de nossa urbanização, na linha contrária à natureza do nosso crescimento urbano, sinalizam na direção de ampliar a concentração do capital imobiliário, plasmado em investimentos nos condomínios residenciais de luxo, o que é decisivo para a periferização dos mais pobres, quando as intervenções resultam de expulsão e valorização de áreas de ocupações populares (caso da orla).
Salvador realmente precisa de um choque de intervenção e ordenação para orientar o seu crescimento rápido e universalizar o direito à cidade. Todavia, tais ações não devem emergir de um processo sem a participação da sociedade civil e reconhecimento da solidariedade social urbana. Entregar esta responsabilidade à exclusividade do capital imobiliário (as grandes corporações que dominam a ocupação/construção da cidade) é um grande risco de elitizar o espaço urbano.
Imagino que o projeto Salvador Capital Mundial parece uma das fábulas de Esopo que diz: “A montanha rugiu, tremeu e estremeceu, e quando todos esperavam que dela brotasse ouro, ela pariu um rato”. A montanha é a intensa verticalização, que já começou na Paralela, quem será o rato?
*Anilton Santos Silva – Arquiteto e urbanista

domingo, 20 de junho de 2010

O inverno ou a primavera urbana?

Anilton Santos Silva*
A partir do momento em que foi aprovado o direito à reeleição dos nossos governantes, sempre se questionou se isso era bom ou ruim para a gestão das cidades. A dúvida é decorrente do fato de que uma gestão de oito anos poderia ser um longo ciclo de inverno tenebroso ou uma primavera florida. Se for o caso de oito anos de tormento, é algo mais que tenebroso para os habitantes urbanos – é desumano mesmo. Logo tenho um sentimento refratário quanto à reeleição.
No caso específico de Salvador, o longo ciclo de gestão, aliado às dificuldades das finanças públicas, gerou um nó, que parece não interessar a ninguém desatar: trata-se de uma articulação engendrada entre incorporadoras da construção civil, sindicatos empresariais (setor de transportes urbanos e outros), especuladores imobiliários e políticos comprometidos co grupos hegemônicos, objetivando interferir na gestão da cidade para viabilizar projetos de seus interesses. Tal articulação é que determina o destino urbano, restringindo o direito universal à cidade.
Para esses grupos, a cidade se divide em guetos, cujo ônus de recuperação cabe ao setor público, embora a incorporação imobiliária contribua decisivamente para a constituição deste fenômeno, na medida em que controla a estrutura fundiária urbana, pressionando os pobres para a periferia ou para áreas impróprias à ocupação, através de invasões ou loteamentos clandestinos. A outra parte da cidade, o território capitalizado é como a bolsa de valores ao sabor do sobe e desce de sua cotação, e no caso urbano, a depender da infra-estrutura de equipamentos que podem valorizar ou desvalorizar áreas, de acordo com a natureza do impacto causado por tais intervenções.
Os excluídos ou isolados do processo decisório, ou seja, os demais atores sociais tentam se organizar para fazer gente à articulação dos grupos dominantes na gestão da cidade. Assim, os agrupamentos que buscam interferir no presente e no futuro da cidade assumem um embate entre dois campos de forças com objetivos opostos: a cidade do capital e a cidade para seus habitantes.
Os grupos que assumem o enfrentamento com as forças do capital necessitam de uma articulação mais eficiente entre suas diversas correntes (ambientalistas, os sem-teto, instituições de profissionais liberais, ONGs etc.) para consolidar uma base democrática, a favor do interesse coletivo. Sem a consolidação dessa base, esses grupos ficarão fragilizados diante do poder hegemônico, que determina o inverno (ou inferno) e a primavera urbana. Refiro-me ao fato de que a democracia urbana jamais será consolidada se que a sociedade civil organizada tenha participação nas decisões quanto à gestão da cidade.
O fato é que há um jogo de cooptação entre gestores e grupos econômicos poderosos em torno de projetos importantes para a cidade, mas sem a participação da coletividade, com prejuízos para a gestão de Salvador, que perde sua capacidade de exercer o controle no processo de ocupação urbana. O fiel desta balança será a consolidação da base democrática, configurada na solidariedade social, que deve ser transformada numa instituição politicamente forte e independente, com o apoio das instituições soberanas (Ministério Público e outros). Talvez assim seja possível conter os processos de ocupação que desequilibram a harmonia urbana, como é o caso do destino das desapropriações em discussão em Salvador. É provável que a partir da existência dessa organização social, a cidadania seja capaz de neutralizar o jogo de interesses que domina a ocupação da cidade. Então, nosso inverno tenebroso um dia, talvez um dia, transforme-se numa primavera resplandecente com o direito a cheiro de alecrim.
Assistimos ao cair das folhas do outono eleitoral, ao anunciar de um inverno transitório de poder, enquanto aguardamos a aurora da primavera, com o renascimento de uma nova ordem urbana, legitimando o direito universal à cidade. Nesse dia, o Esopo não mais pensará no que deverá sair da sua estrondosa montanha, até porque não haverá mais ratos nela – será?
*Arquiteto, urbanista e consultor

A Novela do Metrô

Osvaldo Campos *
Como todos podem lembrar, na gestão do prefeito Antonio Imbassay, foi criada uma Secretaria Extraordinária, com a função específica de implantar o Sistema de Metrô de Salvador, composto por duas linhas. A linha I, com cerca de 12 km, ligando a Estação da Lapa até o Porto Seco Pirajá (Cajazeiras numa segunda fase), e a Linha II ligando a Estação da Calçada até Mussurunga (até o aeroporto numa segunda fase). A Linha I foi licitada e teve suas obras iniciadas pelo Consórcio METROSAL, composta pelas empresas Camargo Correa, Andrade Gutierrez e Siemens. (A empresa que apresentou a melhor proposta, a italiana Impregllio, foi desclassificada sob a alegação de que o projeto era ambientalmente agressivo). Para realização das obras foram obtidos financiamentos do Banco Mundial e BNDES entrando o Governo da Bahia como interveniente. A prefeitura de Salvador criaria em seguida a Companhia de Transportes de Salvador – CTS.
Com a crise financeira mundial, o Governo Federal atrasa a liberação de recursos e a obra sai do cronograma inicial.
Com a eleição do presidente Lula em 2002, as obras voltam a ser paralisadas, conseqüência de denúncias por parte do PT de corrupção e superfaturamento das obras. (Ver operação Castelo de Areia da Polícia Federal)
Depois de dois anos paralisadas, as obras do metrô de Salvador só foram retomadas em 2004, ano de eleições municipais, quando o candidato do PT Nelson Pellegrino se comprometeu publicamente com sua retomada. Depois da desativação dos canteiros, o Consórcio Metrosal exigiu um aditivo ao contrato, face às custos decorrentes da paralisação e da desativação do canteiro de obras.
Em 2004, com a eleição do candidato João Henrique, à época no PDT, a Secretaria de Infra-estrutura, passa a ser liderada pelo ex-deputado Nestor Duarte Neto, então no PSDB, que assume a direção da CTS, ficando encarregado de coordenar as ações visando a conclusão das obras do Metrô. Inexplicavelmente, o Prefeito João Henrique Carneiro resolveu alterar o projeto básico do Metrô, decidindo conjuntamente com a SETIN/CTS e o Consórcio Metrosal pela construção do trecho elevado na Avenida Bonocô.
Apesar do acréscimo de custos e do alto impacto visual para a cidade, foi então construído o elevado, mesmo com algumas paralisações das obras por falta de recursos e auditorias por parte do TCU.
O Governo do Estado da Bahia, co-responsável pelo empreendimento, adquire as seis primeiras composições do metrõ, que são entregues em dezembro de 2008.
Com a reeleição de João Henrique, agora no PMDB e aliado ao Ministro Gedell Vieira Lima, as obras são retomadas, com a previsão de inauguração do trecho Lapa Rotula do Abacaxi em setembro de 2010.
Enquanto isso o Consórcio que seria responsável pela operação do sistema de transporte desiste do contrato, face aos constantes atrasos nas obras.
Paralelamente à novela do Metrô, o SETEPS que nunca apoiou o mesmo, passa a desenvolver uma proposta de implantação de um novo sistema de transportes urbanos em Salvador, o Bus Rapit Transit, conhecido pela sigla BRT. Modelo de transporte urbano desenvolvido com sucesso pelo arquiteto Jaime Lerner na década de 70 em Curitiba. O BRT foi também implementado com sucesso em Bogotá e na cidade do México e, mais recentemente, com alguns percalços, em Santiago do Chile.
Com a decisão da FIFA em escolher Salvador como uma das sedes da Copa de 2014, e, constando como uma das exigências do caderno de Encargos da Copa 2014 a implantação de um sistema de transporte de alta capacidade entre o aeroporto e a arena esportiva, decidiu a Prefeitura de Salvador pela alteração do projeto de transporte de massa, que previa a linha II entre a Rotula do Abacaxi e o Aeroporto, pelo novo modelo proposto pelo SETEPS.
O Governo da Bahia, parte interveniente do processo, pois terá que assumir o financiamento junto ao BNDES ainda resiste à idéia.
Aguarda-se a novos capítulos desta triste novela, com a decisão final sobre o assunto. O BRT é uma solução mais barata e paliativa, com forte impacto ambiental e operacionalmente limitado em sua capacidade de atender ao crescimento populacional da cidade, principalmente em seu vetor norte de crescimento.
Confiamos, para o bem da cidade e de sua população, que não vença o lobby do SETEPS
Artigo publicado em junho de 2010 no jornal A Tarde
*Osvaldo Campos Magalhães é Engenheiro (UFBA/79) com especialização em Transportes e Mestre em Admistração (UFBA/95), com foco em Tecnologia e Competitividade.
Foi candidato a vereador em Salvador pelo PSB em 2008. O Povo , na sua sabedoria enigmática , preferiu Leokrete.

Metrô. PPP uma saída?

Osvaldo Campos*
Dez anos se passaram e continua a novela do Metrô de Salvador. Depois de várias alterações no projeto, depois de seguidos aditivos de valor e prazo e despendidos quase R$ 600 milhões, nenhuma perspectiva concreta para o equacionamento da grave questão do transporte público de passageiros em Salvador.
A novidade é que temos de acompanhar as notícias, não mais nas páginas de economia ou nos cadernos da cidade dos jornais, mas sim, nas páginas policiais.
Notícia veiculada no jornal O Estado de São Paulo,
inclui a obra do Metrô de Salvador, na operação da Polícia Federal - Castelo de Areia.
Uma das empresas integrantes do Consórcio do Metrô de Salvador está sendo acusada de corrupção ativa. Um dos indícios apontados está relacionado às constantes alterações ocorridas no projeto do Metrô de Salvador, que acarretaram na mudança dos valores contratuais e das especificações técnicas. Se mantido o cronograma inicial da obra, já estaria sendo concluído o trecho Estação da Lapa - Estação Cajazeiras e iniciada a segunda linha Estação Calçada - Estação Mussurunga.
As seguidas paralisações da obra do Metrô de Salvador, por conta da falta de recursos orçamentários e por interveniência do Tribunal de Contas da União – TCU demonstra a existência de brechas na legislação (Lei 8.666) que permitiu o início das obras do metrô sem que os recursos orçamentários estivessem totalmente assegurados e também, alterações do projeto no decurso da execução da obra. Ambos os fatores contribuíram para os atrasos verificados no cronograma da obra.
Com o crescimento do mercado imobiliário e a falta de planejamento urbano da Região Metropolitana de Salvador (RMS), a questão do transporte público de passageiros se apresenta como um dos maiores desafios para o futuro das cidades integrantes da RMS. A questão da viabilização do Metrô torna-se então estratégica para o crescimento econômico de Salvador e das cidades do seu entorno.
Talvez uma saída para o impasse seja a adoção da modalidade de concessão pública PPP - Parceria Público Privada. Originada da Grã Bretanha, esta modalidade de licitação transfere para o ente privado toda a responsabilidade pelo projeto, construção e exploração dos serviços públicos concedidos, cabendo ao poder público, a regulação, o estabelecimento do preço final a ser cobrado dos usuários e a garantia da viabilidade da implantação do empreendimento mediante a criação de um Fundo Garantidor.
Na Grã Bretanha, foi criado o UK Pathernship, órgão público responsável por gerenciar as PPP´s. Desde o Governo Tony Blair, mais de 40 bilhões de libras já foram investidos em projetos de infra-estrutura mediante a utilização da modalidade de concessão PPP.
Com a escolha de Londres para sediar os Jogos Olímpicos de 2012, a Prefeitura de Londres e o governo inglês optaram por ampliar através de uma PPP, o sistema de transporte público, Docksland Light Railway – DLR, ligando a futura Vila Olímpica ao Metrô de Londres. O sistema que utiliza a modalidade VLT – Veículo Leve sobre Trilhos já está em operação, sendo gerenciado pela SERCO, empresa que ganhou a concorrência pública da PPP.
No caso de Salvador, com a escolha da cidade para sediar jogos da Copa do Mundo de 2014, a implantação do sistema de transporte público de passageiros, ligando o Aeroporto Internacional à futura Arena Fonte Nova ( compromisso com a FIFA), poderia utilizar a modalidade PPP, com o Fundo Garantidor sendo viabilizado através do pedagiamento urbano da Avenida Paralela, onde transitam atualmente cerca de 80 mil veículos dias.
Os exemplos de Buenos Aires, Londres, Estocolmo e Singapura apontam para o Pedágio Urbano como uma saída inteligente, melhorando a qualidade dos serviços públicos de transportes destas cidades.
Com o módico pedágio de R$ 2 /dias para viabilizar o Fundo Garantidor da PPP, a ligação Lauro de Freitas – Aeroporto – Rótula do Abacaxi poderia ser viabilizada em menos de três anos, utilizando-se a modalidade VLT, semelhante à opção londrina. O arcabouço legal já existe, vide a implantação do Emissário Submarino de Salvador. Falta a vontade política.
Com a palavra os gestores públicos municipais de Salvador e Lauro de Freitas, e o Governo do Estado da Bahia.
Artigo publicado no jornal A Tarde em janeiro de 2010
* Osvaldo Campos é editor do Blog - " Pensando Salvador do Futuro"
Engenheiro Civil e Mestre em Administração é membro do Conselho de Infra-estrutura da FIEB

sábado, 19 de junho de 2010

A Bahia no Nordeste

Edivaldo Boaventura*
Desde que fui funcionário da Sudene que sinto a dificuldade de a Bahia ser plenamente Nordeste. A intensa comunicabilidade entre os estados nordestinos não inclui a Bahia. Se os indicadores econômicos a aproximam da região, a antropologia a diferencia. Ao Recôncavo úmido e negro junta-se a região verde do cacau e do extremo sul. É um cenário bem distinto do nordestino.
A cultura negra, que tanto marca a Bahia, tem aqui a melhor expressão nacional. É a diferença que conta e sou bem mais pela diferença do que pela identidade. Temos bem mais consciência da nossa negritude do que da nordestinidade. O contingente afrodescendente, à semelhança do dendê, dá a cor da Bahia.
A bem da verdade, o soteropolitano não tem nenhum orgulho em ser nordestino. O slogan de um supermercado “orgulho de ser nordestino”, do ponto de vista do marketing, na Bahia, não funcionou.
Temos, sim, um tremendo orgulho místico de sermos baianos com o Dois de Julho, as nossas festas, a nossa culinária, o nosso passado, a nossa música. É preciso não esquecer que já fomos corte!
No meu tempo de aluno, a Bahia e Sergipe formavam o Leste. Anteriormente, até início do século XX, da Bahia para cima tudo era Norte. Gilberto Freyre e depois Celso Furtado formularam a criação social, política e econômica do Nordeste. Embora não participando inteiramente da região, as mais das vezes a usamos politicamente.
A Bahia pertencia à Sudene, mas era Nordeste? O governador ou seu representante frequentava o seu Conselho Deliberativo, uma espécie de pequeno parlamento nordestino. Houve até um superintendente da Sudene baiano, Paulo Souto. Do que eu sei, foi o único dentre muitos em toda a história desse organismo regional.
A participação da Bahia nos demais órgãos regionais tem sido muito reduzida. Quem se lembra de um baiano presidindo o Banco do Nordeste? Além de Oliveira Brito e Aleluia, qual o outro baiano que dirigiu a Chesf, no Recife? E o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas?
A Bahia não é sede de nenhum organismo regional importante. O Banco do Nordeste está suntuosamente instalado em Fortaleza. Aliás, quando da sua criação, no Congresso Nacional, poucos deputados baianos se pronunciaram a favor. Aliomar Baleeiro, por exemplo, foi contra, enquanto outros irmãos nordestinos, cearenses, pernambucanos e paraibanos lutaram pela sua institucionalização.
Em compensação, Recife funciona muito bem como capital regional. Assim procede e tira vantagens da sua liderança. A Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), a Sudene e um Tribunal Federal da 5ª Região, dentre outras instituições, localizam-se na capital pernambucana. Além do serviço que prestam, agregam fluxos de emprego e renda. Não obstante as barragens e a hidrelétrica terem sido instaladas no lado baiano do Rio São Francisco, Pernambuco com agressividade empresarial soube carrear muito antes do que nós a força e a energia da hidrelétrica. Pioneiramente, no distrito do Cabo, o governo pernambucano criou um sistema de incentivos fiscais com a energia de Paulo Afonso.
Todavia, historicamente, a Bahia sempre foi Recôncavo e Sertão. A dualidade básica da nossa história. E os sertões de Teodoro Sampaio e Euclides da Cunha nos aproximam da contingência nordestina. Os sertões nordestinos começam em Feira de Santana, que responde ao chamado de Rui Barbosa: “Princesa do Sertão”. Hoje é bem mais rainha do que princesa. À entrada dessa cidade encontra-se o “Portal do Sertão”.
Todo baiano nascido nas interioridades tem orgulho de ser sertanejo (Atenção: o vocábulo interior referente às pessoas é pejorativo, aconselho a não usá-lo). O sentimento de pertença aos sertões é forte. Com mais de 45% do extinto Polígono das Secas, a Bahia possui a maior porção do semiárido nordestino. A dinâmica das migrações sertanejas criou centros populacionais importantes como Vitória da Conquista e Juazeiro. O complexo agricultor Juazeiro-Petrolina foi o Nordeste que deu certo. A pouca consciência nordestina dos baianos é compensada pela força de recriar, interiormente, a Bahia.
*Edivaldo Boaventura – Educador, ex-secretário de Educação e Cultura do Estado da Bahia, escritor, diretor-geral do jornal A Tarde.

sábado, 5 de junho de 2010

Walter Smetak - Gente da Bahia

Ilustração: Aziz
Enio Antunes Rezende*
Dia 30 de maio, há 26 anos atrás, falecia Anton Walter Smetak. Apesar de ter nascido em 1913 na Suíça, este violoncelista virtuoso, compositor, luthier, escultor, escritor, inventor de instrumentos e “plásticas sonoras” (cerca de 150); viveu o auge de sua carreira em Salvador, trabalhando como professor na Escola de Música da UFBA desde 1957 até a sua morte, em 1984. Sua obra inscreve-se em uma linhagem que inclui E. Varèse, J. Cage, A. Schoenberg e J. Carrillo – compositores que tiveram uma contribuição-chave na difusão do atonalismo, dodecafonismo e microtonalismo.
Ao buscar romper com as bases rítmica, harmônica e tonal predominantes na música “erudita” europeia de sua época, e incorporar timbres e outros sons pouco usuais às suas composições, Smetak foi vanguarda na Bahia e da Bahia, pois também integrou de maneira genial a música à escultura.
Focando seus esforços no estudo da atomização microtonal e do “som prolongado” através de instrumentos experimentais produzidos com cabaças e outros recursos naturais nativos – inclusive através de instrumentos produzidos por indígenas brasileiros – Smetak não estava apenas pesquisando novos sons e revalorizando sons tidos como “corriqueiros”. Seu objetivo foi o de ampliar a consciência auditiva dos indivíduos como um passo necessário para o despertar de novas faculdades sensoriais e valores sociais.
Para Smetak a função da música é a de celebrar o presente, não em seu sentido festivo, alienante e reificado da nossa sociedade on line, tão dependente de eventos impactantes sucessivos e cujo efeito principal é ignorar o passado, a própria história e a possibilidade de mudanças no futuro. Ao contrário, a sua forma criativa de celebrar o presente através do exercício musical pode ser entendida como um método revolucionário e necessário para a reinvenção de novas formas de se viver, socialmente mais justas e generosas.
A importância do seu legado é que ele não foi apenas um homem com preocupações estéticas, mas também sociais e espirituais. Afinal, como a expressão musical é a forma de arte mais abstrata, ele acreditava que caberia à nova música dar vazão a um ímpeto criador capaz de plasmar novos homens e também uma nova sociedade.
De Caetano a Gil, passando por Tom Zé, Rogério Duarte e Tuzé de Abreu a genialidade das suas contribuições inspirou e inspira muitos artistas e intelectuais. No entanto, seu legado material está inacessível ao público de hoje, e inclusive, corre sério risco de se perder.
Até 2007, grande parte das suas obras encontrava-se em uma sala da Biblioteca Central da UFBA, mas com o término da Exposição “Smetak – Imprevisto” no Museu de Arte Moderna, a Biblioteca decidiu dar novo uso ao espaço, e não se dispôs a receber o acervo de volta. A única opção restante foi alojá-lo temporariamente em uma sala nos fundos do Museu de Arte da Bahia, uma sala precária, que não oferecia condições minimamente adequadas.
Com as chuvas torrenciais deste inverno soteropolitano a situação agravou-se, e as caixas (molhadas e mofadas) com as obras de Smetak foram levadas em caráter emergencial para o Museu de Arte Moderna.
Esse caráter provisório e mambembe do “depósito” das obras de Smetak revela que há muito pouco o que comemorar nessa data, uma vez que a situação perdura sem qualquer manifestação das autoridades responsáveis, e sendo veladamente consentida com o silêncio dos agentes culturais.
Isso reflete o triste quadro de desvalorização da memória cultural em nosso estado. Afinal, o legado de outros baianos ilustres como Dorival Caymmi Glauber Rocha, Hansen Bahia, Emanoel Araújo e Jorge Amado também padece com a falta de uma política cultural que encampe a preservação e a utilização dos acervos dos nossos grandes artistas.
Não se trata apenas de dar um lugar adequado para estas obras repousarem cristalizadas. Mais do que um gesto político, trata-se de acompanhar o gesto de um conjunto de iniciativas coordenadas e continuadas que lhe deem vida. Boas práticas de gestão do patrimônio cultural que permitam que esses objetos perdurem, sejam apreciados, conhecidos e divulgados por toda a sociedade.
*Enio Antunes Rezende – Professor da Universidade Estadual de Feira de Santana