quarta-feira, 23 de junho de 2010

Copa e Olimpíadas à Vista

Paulo Ormindo Azevedo*
Os organismos internacionais, que sempre serviram às grandes potências, estão em baixa. A ONU não tem autoridade para nada. Sua força de paz, os capacetes azuis, é expulsa ou executada na África. O FMI, além de inócuo, pede fiado ao Brasil e a Agência Internacional de Energia Atômica – AIEA não consegue evitar a proliferação atômica nos países nanicos, enquanto Obama pede a Lula para convencer os iranianos a fazerem o dever da AIEA.
Neste quadro, é surpreendente a força da FIFA, que nunca fez nada pelo futebol amador ou educação esportiva. Exigir que a África do Sul construísse cinco mega-arenas, quando se sabe que a crise que ameaça o euro e o mundo se deve, em grande parte, aos gastos extraordinários da Grécia nas Olimpíadas de 2004, é um absurdo. Pior ainda é admitir que o Brasil, pentacampeão e com a melhor infraestrutura de futebol do mundo, aceite construir ou reformar doze estádios no estilo jockey club, com áreas para cartolas, museus, camarotes, restaurantes finos, estacionamento, escadas rolantes, e ingresso de US$ 40.
Numa época de TV de alta definição e 3D, é discutível a capacidade desses eventos de atrair milhares de turistas, como ocorre na Europa dotada de trens a autopistas velozes e hotelaria de ponta. A pouca afluência à Copa sul-africana parece desmentir essa premissa. Cerca de 40 mil torcedores em uma semana não vão fazer nenhuma diferença a Salvador, acostumada a receber 300 mil foliões no Carnaval. Mas a Copa pode ser um pretexto para arrancar dinheiro do governo federal e implementar melhorias urbanas. E aí varia muito o tratamento dado ao tema em cada cidade. São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba não aceitaram fazer novos estádios, senão reformar os existentes. As sete cidades restantes, de menor peso político, capitularam ás exigências da FIFA e vão bancar arenas novas.
Salvador é uma delas, preferindo desembolsar R$ 1,6 bilhão nos próximos quinze anos para construir e gerir uma arena em vez de reciclar a Fonte Nova a um custo de R$ 150 milhões (A Tarde 30/01/10). Além do mais, demolir e reconstruir um estádio naquela área pode trazer muitas surpresas, por estar sobre um antigo lago; por ser parte do entorno do Dique do Tororó, do Desterro e da Casa de Anfrísia Santiago tombados pelo IPHAN, por sua história ligada ao futebol, à natação e ao atletismo e por não sabermos o que fazer com o entulho. Ao contrário do Vitória, que aproveitou um lixão para construir o Barradão, estaríamos demolindo a Fonte Nova para criar um lixão.
Dezessete das mais representativas entidades profissionais, ambientalistas e sociais baianas, entre os quais o CREA-BA, o IAB-BA, o SENGE, o Germem e a FABS, enviaram ao governador, no último dia 18, um Posicionamento que entre coisas afirma:
1 – Não cabe a destruição de um complexo olímpico composto de estádio, ginásio e piscina para substituí-lo por uma arena exclusiva para futebol justamente no momento em que o Brasil se prepara para sediar, pela primeira vez, os Jogos Olímpicos…
2 – A estrutura principal (…) atualmente existente do estádio é perfeitamente aproveitável, como afirmou o especialista em estruturas Eng. João Leite no 1º Debate da Copa 2014, realizado no CREA-BA em 2009. A execução de novas fundações terá um alto custo, visto que a Fonte Nova está apoiada, em boa parte, em área embrejada…
3 – Até o momento não está claro como se dará a demolição e a posterior retirada das milhares de toneladas de escombros resultantes da demolição…
Temendo a não conclusão das obras a tempo e transferência dos jogos para outra cidade, o Posicionamento sugere a paralisação da demolição e início da recuperação do atual estádio.
Reconhece-se que implementar as propostas aqui elencadas não se constitui em tarefa fácil, por exigir uma profunda mudança de rumo. Porém ainda há tempo e, certamente, a população baiana saberá reconhecer esse gesto do governo do Estado em favor do cuidado com a coisa pública, especialmente avaliando o quanto do orçamento do Estado se vai comprometer para esta e para as gestões futuras e sobretudo o quanto de retorno social será garantido pelos recursos aplicados.
*Paulo Ormindo de Azevedo – Arquiteto, professor titular da Universidade Federal da Bahia
(Publicado originalmente na seção de Opinião do jornal A Tarde, em 6.6.10)

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