sábado, 5 de junho de 2010

Walter Smetak - Gente da Bahia

Ilustração: Aziz
Enio Antunes Rezende*
Dia 30 de maio, há 26 anos atrás, falecia Anton Walter Smetak. Apesar de ter nascido em 1913 na Suíça, este violoncelista virtuoso, compositor, luthier, escultor, escritor, inventor de instrumentos e “plásticas sonoras” (cerca de 150); viveu o auge de sua carreira em Salvador, trabalhando como professor na Escola de Música da UFBA desde 1957 até a sua morte, em 1984. Sua obra inscreve-se em uma linhagem que inclui E. Varèse, J. Cage, A. Schoenberg e J. Carrillo – compositores que tiveram uma contribuição-chave na difusão do atonalismo, dodecafonismo e microtonalismo.
Ao buscar romper com as bases rítmica, harmônica e tonal predominantes na música “erudita” europeia de sua época, e incorporar timbres e outros sons pouco usuais às suas composições, Smetak foi vanguarda na Bahia e da Bahia, pois também integrou de maneira genial a música à escultura.
Focando seus esforços no estudo da atomização microtonal e do “som prolongado” através de instrumentos experimentais produzidos com cabaças e outros recursos naturais nativos – inclusive através de instrumentos produzidos por indígenas brasileiros – Smetak não estava apenas pesquisando novos sons e revalorizando sons tidos como “corriqueiros”. Seu objetivo foi o de ampliar a consciência auditiva dos indivíduos como um passo necessário para o despertar de novas faculdades sensoriais e valores sociais.
Para Smetak a função da música é a de celebrar o presente, não em seu sentido festivo, alienante e reificado da nossa sociedade on line, tão dependente de eventos impactantes sucessivos e cujo efeito principal é ignorar o passado, a própria história e a possibilidade de mudanças no futuro. Ao contrário, a sua forma criativa de celebrar o presente através do exercício musical pode ser entendida como um método revolucionário e necessário para a reinvenção de novas formas de se viver, socialmente mais justas e generosas.
A importância do seu legado é que ele não foi apenas um homem com preocupações estéticas, mas também sociais e espirituais. Afinal, como a expressão musical é a forma de arte mais abstrata, ele acreditava que caberia à nova música dar vazão a um ímpeto criador capaz de plasmar novos homens e também uma nova sociedade.
De Caetano a Gil, passando por Tom Zé, Rogério Duarte e Tuzé de Abreu a genialidade das suas contribuições inspirou e inspira muitos artistas e intelectuais. No entanto, seu legado material está inacessível ao público de hoje, e inclusive, corre sério risco de se perder.
Até 2007, grande parte das suas obras encontrava-se em uma sala da Biblioteca Central da UFBA, mas com o término da Exposição “Smetak – Imprevisto” no Museu de Arte Moderna, a Biblioteca decidiu dar novo uso ao espaço, e não se dispôs a receber o acervo de volta. A única opção restante foi alojá-lo temporariamente em uma sala nos fundos do Museu de Arte da Bahia, uma sala precária, que não oferecia condições minimamente adequadas.
Com as chuvas torrenciais deste inverno soteropolitano a situação agravou-se, e as caixas (molhadas e mofadas) com as obras de Smetak foram levadas em caráter emergencial para o Museu de Arte Moderna.
Esse caráter provisório e mambembe do “depósito” das obras de Smetak revela que há muito pouco o que comemorar nessa data, uma vez que a situação perdura sem qualquer manifestação das autoridades responsáveis, e sendo veladamente consentida com o silêncio dos agentes culturais.
Isso reflete o triste quadro de desvalorização da memória cultural em nosso estado. Afinal, o legado de outros baianos ilustres como Dorival Caymmi Glauber Rocha, Hansen Bahia, Emanoel Araújo e Jorge Amado também padece com a falta de uma política cultural que encampe a preservação e a utilização dos acervos dos nossos grandes artistas.
Não se trata apenas de dar um lugar adequado para estas obras repousarem cristalizadas. Mais do que um gesto político, trata-se de acompanhar o gesto de um conjunto de iniciativas coordenadas e continuadas que lhe deem vida. Boas práticas de gestão do patrimônio cultural que permitam que esses objetos perdurem, sejam apreciados, conhecidos e divulgados por toda a sociedade.
*Enio Antunes Rezende – Professor da Universidade Estadual de Feira de Santana

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