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sábado, 28 de agosto de 2010

Capital imobiliário define comportamento do prefeito de Salvador


Josias Pires
O comportamento do prefeito JH de incentivar a demolição das barracas de praia e abandonar os barraqueiros à sua própria sorte é mais um indício da sua estreita ligação com o capital imobiliário que manda na prefeitura de Salvador. O repórter do jornal A Tarde, Vítor Rocha, escreveu ontem (dia 27) texto na página A6 do jornal mostrando que há “uma sincronia entre a doação de projetos feitos por empresas privadas ao município para a anunciada requalificação da cidade e o movimento da Prefeitura de Salvador no processo judicial que determinou a derrubada de 349 barracas na orla”.
Ao rememorar a história o repórter lembra que em abril de 2007, a Justiça determinou a derrubada das barracas depois de pedido do Ministério Público Federal (MPF). Na época, a prefeitura recorreu e conseguiu suspender a decisão. Em julho de 2009 a prefeitura de Salvador desistiu do recurso e entregou os barraqueiros às feras.
O novo comportamento do prefeito JH coincide com o período em que a Fundação Baía Viva, ligada ao empresário da construção civil Carlos Suarez, assinou contrato com a empresa Brasil Arquitetura para elaborar um projeto para a Cidade Baixa, projeto que seria doado à prefeitura. No final de janeiro de 2009, o prefeito JH lançou, com pompas, o conjunto de 22 projetos intitulado Salvador Capital Mundial, mas sem revelar quem eram os doadores dos projetos. Entre eles o da Cidade Baixa e o da orla atlântica, este feito pela construtora OAS, pelo qual dever-se-ia construir restaurantes de luxo ao longo da orla.
Em maio de 2010 JH resolveu cumprir a decisão judicial, que já durava dez meses, e autorizou a derrubada de 137 barracas depois de pedir autorização à Justiça. Ao mesmo tempo em que patrocinava a demolição das barracas o prefeito decidiu implantar os projetos desenvolvidos por empresa do setor imobiliário. Concomitante lançou 18 decretos de desapropriações de diversas áreas do município para viabilizar os projetos do “Salvador Capital Mundial”. Mais desapropirações mais Transcons na praça para alimentar negócios pouco claros.
Relata o repórter que diversas entidades civis questionam a interferência das empresas no planejamento urbano da cidade, o que deixaria o interesse público em segundo plano. Os 22 projetos do Capital Mundial foram feitos por empresas privadas. O de requalificação da Cidade Baixa, por exemplo, custou R$ 1,3 milhão à Fundação Baía Viva, controlada por Carlos Suarez, o ex-representante do “S” de OAS.

A TARDE revelou as ligações entre setor público e privado em fevereiro e a Baía Viva – entidade sem fins lucrativos que trabalha para imobiliárias – tomou de volta o projeto.
Na mesma edição do jornal o advogado dos barraqueiros, João Maia Filho, corrobora esta tese e “sustenta que a derrubada dos equipamentos e o novo projeto na orla fazem parte de uma estratégia de valorizar a área ao gosto das imobiliárias”. O advogado afirma que a prefeitura está fazendo “uma limpeza para elitizar o local”. Representantes de empresas imobiliárias confirmam o óbvio, ou seja, a chamada requalificação da orla irá valorizar os empreendimentos imobiliários da região. O presidente do Crea, ouvido pela reportagem defendeu a instalação do Conselho da Cidade para que haja o debate e a definição democrática dos projetos que interessam à cidade.
Na coluna Tempo Presente, o jornalista Levi Vasconcelos lembra que o Projeto Orla, do governo federal, vem sendo discutido e acatado em muitos estados da federação. As questões vem sendo resolvida na base do diálogo, através de audiências públicas com a presença de todos os envolvidos. Na Bahia o diálogo com os que mais precisam é uma palavra fora do vocabulário de JH. Por isso ele é um atraso para Salvador.

domingo, 22 de agosto de 2010

O lugar perfeito

Ludmila Rohr*
Vim morar nos EUA porque meu marido está trabalhando aqui e porque achei que seria uma boa experiência passar um tempo fora. Após 8 mêses, passada a fase natural de encantamento, consigo ver defeitos..porque antes só via qualidades.
Isso pra mim, não tem a menor importância, se um lugar tem defeitos...porque nunca tive alguma ilusão a respeito de pessoa alguma, quanto mais de lugares. Temos defeitos e qualidades, todos nós e todos os lugares, inclusive isso aqui.
Não suporto as construções todas serem de cor bege...todas as casas , todas as lojas são iguais e bege! Não suporto a mania que eles tem de colocar molho em tudo. A comida tem gosto dos molhos..detesto...Adoro o trânsito..a educação no trânsito é espetacular. Nada é mais lindo do que uma experiência no Stop Sign, as pessoas param em cruzamentos e saem uma de cada vez, por ordem de chegada. Lindo!
Poderia passar o dia fazendo listas do que gosto e do que não gosto daqui e muito mais ainda de Salvador, que é o lugar que eu conheço e que vivi minha vida toda! Mas essa não é a questão.
Adoro comprar tudo que compro aqui, roupas, botas, sapatos, maquiagem, cremes, perfumes..Adoro!...adoro minha geladeira americana enorme linda, adoro o fogão que é elétrico, enorme, maravilhoso...mas, sinceramente, NADA disso me faz feliz, nada disso faz ninguém feliz!
Sou uma pessoa feliz porque me busco..e não quero me auto-enganar. Gosto de mim apesar dos meus defeitos...não quero deixar de vê-los! Assim como amo Salvador, apesar de todos os defeitos dela...amo e pronto!
Alguém não precisa ser perfeito pra que tenha o meu amor...um lugar também não precisa. O lugar bom, é aquele onde me realizo...onde me sinto útil, onde sinto que estou crescendo. Posso fazer isso em qualquer lugar ou não. Enquanto esse for um lugar que me propicie algum crescimento, aqui será um bom lugar. No dia que eu entender que nada aqui me faz crescer...que meu coração não está em paz...não há geladeira, perfumes e sapatos que me convença a ficar!
Hoje estou triste. Hoje sinto falta de tudo da minha vida que eu amo lá em Salvador. Sinto falta de ser útil e produtiva. Sinto falta de sair pra trabalhar e voltar cansada. Sinto falta dos dengos que Nil me fazia, sinto falta de ver o mar e as cores que lá existem e que aqui não. Se estou infeliz? Não, não estou. Estou triste. Estou em contato com a falta. Posso lidar com isso, sem achar que é infelicidade, da mesma forma que posso adorar passar um dia em um lindo Mall, e não confundir isso com felicidade.
A tristeza da falta não me deixa infeliz, assim como a opulência do consumo não me faz uma pessoa feliz.
Hoje...o que eu queria..ter acordado em Salvador, na minha casa que eu amo e que meus filhos foram criados...ficar lá sem fazer nada...sair pra dar uma volta de carro de tarde e ver o pôr-do-sol no lugar mais lindo que existe no mundo...o Farol da Barra...beber uma água de coco geladinha, passar no Rio Vermelho e comer a melhor Pizza que existe no mundo e voltar pra casa...
Simples e perfeito assim.
Ludmila
* Psicóloga, psicoterapeuta e professora de Yoga

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Nova Orla da Cidade Baixa valoriza belezas naturais

Karina Baracho*
A Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF) apresentou ao prefeito João Henrique, o projeto da Nova Orla da Cidade Baixa, no trecho que compreende a Praia da Penha, Bogari e Praça Divina. A proposta é que a obra seja realizada com recursos do Fundurb e estará pronta para ser inaugurada, em março de 2011, na ocasião do aniversário de 462 anos de Salvador. “Trata-se de uma nova etapa histórica, que transformará a aprazível orla da Cidade Baixa, levando melhoria da qualidade de vida para os moradores e visitantes”, comentou o prefeito.
O projeto prevê intervenções que irão ampliar e melhorar os espaços públicos, o uso da praia e dar condições de habitabilidade da população local. “O calçadão terá oito metros de largura, e será feito o ordenamento do tráfego de veículos permitido apenas aos moradores”, adiantou o arquiteto Antônio Brito, da FMLF. A proposta prevê ainda a criação de áreas de estacionamento, construção de espaços de lazer, convivência e entretenimento dentro de padrões que atendam às diversas faixas etárias. O pedestre terá espaços privilegiados e de acessibilidade universal.
*Jornalista do BahiaPress

Mar de lama na Prefeitura de Salvador

Evilásio Júnior*
Os recentes casos da prisão do blogueiro João Andrade Neto, da suposta extorsão a empresários da Ademi-BA e a denúncia da ex-secretária municipal do Planejamento, Kátia Carmelo, de um possível esquema de negociações irregulares das Transcons na Prefeitura, podem estar interligados. O secretário James Correia relatou que não tem conhecimento profundo dos procedimentos para concessão das Transferências do Direito de Construir, mas tudo leva a crer, até pela citação dos mesmos nomes em situações distintas, que há interseção.
“Só sei que é um caso que está sendo apurado e há pessoas envolvidas nos dois episódios. Kátia Carmelo está envolvida de um lado e outro (Ademi e Transcons). Sei que Cláudio Silva é um excelente profissional, que foi professor comigo na universidade, mas só um estudo técnico e a análise do processo irão dizer se o procedimento está contaminado ou não. Acho que pode ter ligação”, opinou. Conforme o gestor, é necessário ainda que juristas verifiquem se a concessão de Transcons emitidos antes da aprovação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, dada por meio de parecer da Procuradoria Geral do Município para explorações não permitidas no PDDU, é legítima.
James Correia recebeu nesta quarta-feira (19) uma nova carta sobre denúncias de extorsão a empresários ligados à Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-BA). O titular da SICM defende que assim como os documentos anteriores, encaminhados à Secretaria de Segurança Pública e ministérios públicos Estadual e Federal (MPF), os dados sejam compartilhados. “Eu só não vou sair por aí distribuindo para qualquer um. Mas, uma vez solicitados, tenho que colocar à disposição. Podem ser a peça do quebra-cabeça necessária para a compreensão do caso. Os dados são públicos e servem para o conhecimento da sociedade e do Ministério Público e para a Justiça fazer o julgamento.
Testemunho é prova.
O assunto e os dados estão aí e outros virão”, apostou. Segundo ele, ao contrário do que foi contestado por pessoas citadas como supostamente envolvidas no episódio, o texto apócrifo não deve ser ignorado. “Só quem acredita em Papai Noel acha que não tem problema. Temos um circo armado que começa a cair. Acho que vamos ver uma coisa como nunca se viu na Bahia. Nunca tivemos um processo com tantos políticos e empresários envolvidos. Estamos investigando uma quadrilha inteira. Tem dados curiosíssimos nos processos, como apartamento em nome da mãe de uma pessoa e que nunca foi declarado em Imposto de Renda”, revelou.
O secretário James Correia ratificou ainda a denúncia de envolvimento do empresário Hérder Mendonça, que era proprietário do Rock in Rio Café do Aeroclube Plaza Show, como um dos líderes do suposto esquema de extorsão citado na carta apócrifa. Ele revelou que o empreendedor tentou corromper um gestor da própria SICM e diz ter provas.
“Hérder esteve lá em nossa Secretaria para mostrar fotos das obras de Carlos Suarez( na Foto com Chico Bastos) ao secretário da Indústria Naval e Portuária Roberto Benjamin, que foi colega dele na Odebrecht, pedindo que o levasse a Suarez para encontrar ‘soluções para os problemas dele’. Isso é muito grave. Ele tentou envolver um secretário de Estado. Ninguém procura mostrar fotos de terceiros a troco de nada. Tenho todos os registros de entrada e saída de Hérder aqui da Secretaria. Temos o relato do secretário sobre o que aconteceu. São coisas lamentáveis”, apontou. De acordo com o titular da Indústria, Comércio e Mineração, a prisão do dono do Pura Política ajudou a elucidar algumas questões, como a ligação entre o blogueiro e Mendonça citada na denúncia. “Com o caso de João Andrade tudo ficou claro, uma vez que ele começou a agredir empresários pelo site.
Não precisa ser Sherlock Holmes para entender o que acontecia”, salientou.
*Jornalista do Bahia Notícias

sexta-feira, 9 de julho de 2010

A Ponte 2 de Julho

Cortejo ao 2 de Julho em Salvador - Foto: Osvaldo Campos
Claudio Carvalho*
Quando pequeno, era levado por meus pais para assistir ao desfile do 2 de Julho. Estrategicamente posicionados, esperávamos o cortejo despontar descendo o Carmo rumo ao Pelourinho. Na brincadeira do menino invocava a presença da procissão com um sonoro "apareça 2 de Julho", para mim, sintetizado nos caboclos.
Evoco essas reminiscências inspirado no artigo de Risério "A cidade e o seu Recôncavo" ( A Tarde, 26/06/2010) onde ele articula, com a habilidade de sempre, o nexo histórico-cultural entre Salvador e sua interlândia. Concordo com o autor e antevejo a possibilidade de outro resgate importante do ponto de vista da história da Bahia.
Volto ao 2 de Julho. Data emblemática da independência do Brasil consolidada aquí com a luta da gente negro-mestiça baiana ecoando os ideais de liberdade da Revolta dos Búzios de 1798 , quando foi formulada pela primeira vez a criação de uma república livre do exclusivismo colonial e da escravidão.
Acontecimentos relegados à condição de apêndice da emancipação política brasileira, omitindo o protagonismo da arraia miúda, silenciada pelos livros didáticos e pelas datas comemorativas oficiais a reverenciar heróis desterritorializados culturalmente, recalcando assim o passado.
A psicanálise nos ensina que a memória vale pelo esquece, sendo a insistência no lembrar o primeiro passo para esquecer - o que vale tanto para a história do sujeito quanto para o do coletivo. Mas a verdade pode ser resgatada se o que foi esquecido está escrito em outro lugar e retorna sob a forma de atos falhos, lapsos e sonhos.
E é justamente de um sonho parido como a realização de desejo que podemos imaginar uma ponte aterissando na Baía de Todos-os-Santos e reatando rizomaticamente a cidade e o seu Recôncavo através da ilha de Itaparica - territórios de batalhas pela liberdade em 1823. E assim como os caboclos eram a metomínia do cortejo cívico na minha fantasia infantil, daríamos a essa cosntução o nome de "Ponte 2 de Julho", simbolo metonímico da integração e do resgate histórico dos baianos.
* Psicanalista, professor de história e folosofia
Publicado no jornal A Tarde em 9/07/2010

sábado, 26 de junho de 2010

Cidade-metrópole: ônus e bônus

João Henrique Carneiro*
Com mais de três milhões de habitantes e vocação natural para atrair turista, Salvador movimenta uma gigantesca máquina de serviços de demanda urbana e metropolitana imprescindível para seu pleno funcionamento e para assegurar o bem-estar da população. Essa gigantesca máquina social necessita de regras, deveres, direitos e ordenamento para que funcione da melhor maneira possível para todos.
De outra forma, sem os códigos de conduta, a vida seria quase que impraticável. Uma espécie de salve-se quem puder ou, como se diz, “quem tem unhas grandes sobe na parede”.Ressalto essas premissas para deixar bem evidente que, sem a compreensão, o bom senso e a responsabilidade de cada um, todos sofreriam e o convívio social seria impossível .
Todos temos na consciência a necessidade do respeito à cidadania e aos direitos do próximo. Nosso dever como prefeito, chefe do Poder Executivo, é garantir que a cidade funcione na sua plenitude e que todos os cidadãos tenham condições dignas de acessibilidade. Não seria justo permitir privilégios a determinados grupos, em detrimento de outros. E não seria salutar permitir situações que dificultem a plena fluidez da cidade que ganha, pela migração, 60 mil novos moradores/ano, segundo o IBGE.
Diante disso, quero deixar bem claro que não recuaremos em hipótese alguma na nossa determinação em aplicar o decreto que delimita e regula as operações de carga e descarga na cidade. Esse ordenamento é necessário para Salvador.
Outras metrópoles brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, há anos, ordenam a carga e descarga, e seus gestores e população têm consciência de que se não fosse assim, seria o caos.
É inconcebível que as principais avenidas e ruas da cidade fiquem à mercê da vontade de pessoas que se acham no direito de movimentar mercadorias a qualquer hora do dia ou da noite, sem se importar com os danos que provocam na malha de acessibilidade da cidade, com a velocidade média/hora dos veículos sensivelmente reduzida a cada ano.
Não estamos sendo contrários a qualquer das categorias de trabalhadores ou do empresariado quando publicamos o decreto que regulamenta tais operações. Ao contrário, estamos sendo a favor da população como um todo. Trabalhadores, empresários, autônomos, estudantes, homens, idosos, mulheres e crianças sofrem com os congestionamentos no trânsito.E isso vem sendo constantemente agravado por ações como as de carga ou descarga em horários dos mais inconvenientes.
É nítido o grande problema que tais operações causam se não tiverem planejamento e não obedecerem a determinados horários. Salvador tem frota de 700 mil veículos e ganha uma média de 4 mil veículos/mês, além dos que vêm da RMS diariamente.
Temos vias estreitas, impossíveis de ser alargadas, e, se não buscarmos soluções para torná-las transitáveis, estaremos fugindo à nossa responsabilidade e contribuindo para que a cidade se estagne dentro de um imenso congestionamento.
O decreto que regula tais operações vem de encontro a questão de grande apelo da população de Salvador que é a de torná-la melhor transitável. Sabemos da importância de todos os segmentos da sociedade, mas não podemos ficar de braços cruzados, permitindo que supostos “donos da rua” tomem conta daquilo que é público, exerçam as suas próprias lógicas nefastas e os milhões de habitantes sofram com a falta de bom senso dos que só pensam nos seus lucros. A cidade é um organismo vivo, sensível e interativo. Se queremos morar numa cidade grande, temos que pensar grande. Neste caso, têm-se ônus e bônus urbanos.
Cumprir um decreto disciplinador da ordem social não é uma obrigação, é uma gentileza urbana, numa cidade onde muito predominou o estilo predatório de sobrevivência egoísta.
Estamos sempre abertos ao diálogo, ao entendimento e à procura de soluções que sejam boas para todos. Não podemos adotar soluções boas para poucos, em detrimento do bem-estar de milhões de habitantes. Salvador não é e nunca será uma cidade menor. Já nasceu grande como capital e como metrópole internacional.

* Economista, é prefeito de Salvador

quinta-feira, 24 de junho de 2010

DIRETO D’ÁFRICA, NA CIDADE DA BAHIA

JOLIVALDO FREITAS*
Estou aqui esperando começar mai um jogo da Copa do Mundo. Tenho andado pela cidade e visto coisas alarmantes. Para principiar ontem assisti a um ladrão de galinha ser espancado até a morte por populares que já estavam na campana fazia dias. Pelo menos uma vez por semana ele pulava o quintal de alguém e bafava uma penosa. Segundo um conhecido dele, que fez questão de não o reconhecer, para também não ser confundido como cúmplice, o homem era miserável, estava desempregado havia mais de um ano e era o único jeito de dar comida para a prole de seis meninos e duas meninas. Não se sabe o que será dos filhos.
Encontrei um casal de amigos que estava parado numa avenida. Marido e mulher presenciaram o absurdo de dois jovens fazendo o “tradicional” pega. Invadiram o sinal, subiram o passeio e mataram um garoto que andava de bicicleta. O casal até hoje, lá se vão três dias, não consegue comer nada, do nojo que ficou da cena e dorme com remédios tarja preta.
Leio nos jornais que no final de semana foram mais de 20 mortos – a maioria absoluta de jovens negros – pela polícia que assegura ter sido em confronto direto com traficantes; mortos por traficantes que cobram dívidas, embora as famílias garantam que os meninos não consumiam drogas e um pai que matou a ex-mulher e o bebê e depois tentou se suicidar o que não deu certo.
Ontem à noite vi uma cena lamentável, diversas mulheres e crianças brigavam na porta de um minimercado, num bairro nobre da cidade, disputando frutas apodrecidas, frios com data de validade já ultrapassada, pão duro e hortaliças murchas. Remexiam o lixo desesperadamente e guardavam a coleta em sacos que eram entregues a crianças para que tomassem conta e não deixassem que os outros famélicos roubassem. Na porta de uma farmácia um garoto com idade estimada em 12 anos me abordou e pediu parta que eu comprasse para ele uma lata de leite em pó para recém-nascido. Quando já ia comprar o balconista me chamou num canto e disse que não comprasse, pois o garoto iria trocar o leite – de fácil revenda – por pedras de crack. Não comprei e o garoto me ameaçou e ao farmacêutico. Não volto mais lá.
Na TV assisti ao jornalismo dizendo que mais de dez estudantes morreram num choque com uma carreta pois o motorista não tinha sequer Carteira de Habilitação e no mesmo instante entra outra notícia de uma chacina numa ilha próxima da cidade, sem falar da mãe que queimou a mão do filho de cinco anos porque ele queria comer bolacha no que ele considerava fora de questão, pois não havia bolacha e ele chateava por querer e querer.
Caiu uma chuva forte e na invasão formada por milhares de casas pongadas sobre as encostas, lonas pretas mostram que se trata de uma queda anunciada. Outro dia morreram várias pessoas com a terra que desceu e cobriu uma faixa imensa de casebres. Enquanto os familiares choravam seus mortos, uma quadrilha entrou no velório e assaltou todo mundo. É a vida.
É muita pobreza por aqui. A população negra não tem emprego e as escolas públicas não oferecem condições de competitividade com os alunos mais abastados (notadamente brancos de estabelecimentos particulares), embora tenha também um montão de brancos na absoluta linha da miséria. A polícia parece que caça os negros e pardos. Mora-se mal, perto de esgotos e buraqueiras. E quem precisa de atendimento médico tem de amargar longo tempo nas filas. E se for para tomar vacina, nem todo mundo consegue. Depende da faixa etária.
Assinado: eu, Jolivaldo Freitas, repórter e cronista, direto desta África que é Salvador.
*Jolivaldo Freitas – Escritor e jornalista
Publicado originalmente no blog Jeito Baiano

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Copa e Olimpíadas à Vista

Paulo Ormindo Azevedo*
Os organismos internacionais, que sempre serviram às grandes potências, estão em baixa. A ONU não tem autoridade para nada. Sua força de paz, os capacetes azuis, é expulsa ou executada na África. O FMI, além de inócuo, pede fiado ao Brasil e a Agência Internacional de Energia Atômica – AIEA não consegue evitar a proliferação atômica nos países nanicos, enquanto Obama pede a Lula para convencer os iranianos a fazerem o dever da AIEA.
Neste quadro, é surpreendente a força da FIFA, que nunca fez nada pelo futebol amador ou educação esportiva. Exigir que a África do Sul construísse cinco mega-arenas, quando se sabe que a crise que ameaça o euro e o mundo se deve, em grande parte, aos gastos extraordinários da Grécia nas Olimpíadas de 2004, é um absurdo. Pior ainda é admitir que o Brasil, pentacampeão e com a melhor infraestrutura de futebol do mundo, aceite construir ou reformar doze estádios no estilo jockey club, com áreas para cartolas, museus, camarotes, restaurantes finos, estacionamento, escadas rolantes, e ingresso de US$ 40.
Numa época de TV de alta definição e 3D, é discutível a capacidade desses eventos de atrair milhares de turistas, como ocorre na Europa dotada de trens a autopistas velozes e hotelaria de ponta. A pouca afluência à Copa sul-africana parece desmentir essa premissa. Cerca de 40 mil torcedores em uma semana não vão fazer nenhuma diferença a Salvador, acostumada a receber 300 mil foliões no Carnaval. Mas a Copa pode ser um pretexto para arrancar dinheiro do governo federal e implementar melhorias urbanas. E aí varia muito o tratamento dado ao tema em cada cidade. São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba não aceitaram fazer novos estádios, senão reformar os existentes. As sete cidades restantes, de menor peso político, capitularam ás exigências da FIFA e vão bancar arenas novas.
Salvador é uma delas, preferindo desembolsar R$ 1,6 bilhão nos próximos quinze anos para construir e gerir uma arena em vez de reciclar a Fonte Nova a um custo de R$ 150 milhões (A Tarde 30/01/10). Além do mais, demolir e reconstruir um estádio naquela área pode trazer muitas surpresas, por estar sobre um antigo lago; por ser parte do entorno do Dique do Tororó, do Desterro e da Casa de Anfrísia Santiago tombados pelo IPHAN, por sua história ligada ao futebol, à natação e ao atletismo e por não sabermos o que fazer com o entulho. Ao contrário do Vitória, que aproveitou um lixão para construir o Barradão, estaríamos demolindo a Fonte Nova para criar um lixão.
Dezessete das mais representativas entidades profissionais, ambientalistas e sociais baianas, entre os quais o CREA-BA, o IAB-BA, o SENGE, o Germem e a FABS, enviaram ao governador, no último dia 18, um Posicionamento que entre coisas afirma:
1 – Não cabe a destruição de um complexo olímpico composto de estádio, ginásio e piscina para substituí-lo por uma arena exclusiva para futebol justamente no momento em que o Brasil se prepara para sediar, pela primeira vez, os Jogos Olímpicos…
2 – A estrutura principal (…) atualmente existente do estádio é perfeitamente aproveitável, como afirmou o especialista em estruturas Eng. João Leite no 1º Debate da Copa 2014, realizado no CREA-BA em 2009. A execução de novas fundações terá um alto custo, visto que a Fonte Nova está apoiada, em boa parte, em área embrejada…
3 – Até o momento não está claro como se dará a demolição e a posterior retirada das milhares de toneladas de escombros resultantes da demolição…
Temendo a não conclusão das obras a tempo e transferência dos jogos para outra cidade, o Posicionamento sugere a paralisação da demolição e início da recuperação do atual estádio.
Reconhece-se que implementar as propostas aqui elencadas não se constitui em tarefa fácil, por exigir uma profunda mudança de rumo. Porém ainda há tempo e, certamente, a população baiana saberá reconhecer esse gesto do governo do Estado em favor do cuidado com a coisa pública, especialmente avaliando o quanto do orçamento do Estado se vai comprometer para esta e para as gestões futuras e sobretudo o quanto de retorno social será garantido pelos recursos aplicados.
*Paulo Ormindo de Azevedo – Arquiteto, professor titular da Universidade Federal da Bahia
(Publicado originalmente na seção de Opinião do jornal A Tarde, em 6.6.10)

terça-feira, 22 de junho de 2010

A casa do Retiro, Não!

Jorge Portugal*
Existe no coração de Salvador, na Rua Waldemar Falcão, em Brotas, ao lado do Candeal, um oásis de calma e sossego, um monumento aberto ao silêncio e à paz, uma fonte concreta daquilo que chamamos “qualidade de vida”. Inúmeras pessoas que para lá se dirigem, a fim de passar algumas horas, uma tarde, ou mesmo dias, sabem que aquele santuário vivo é um dos grandes bens espirituais e humanos que ainda restam de uma cidade estressada, corrompida, deformada, apartada, aviltada pela velocidade e o lucro.
Essa cidade já se esqueceu de que foi criada para as pessoas e não ao contrário. Continua, assim, ameaçando a vida com seus automóveis, sua poluição, seu abismo social e, sobretudo, com a ganância insaciável dos que se julgam seus donos.
Pois são esses “pretensos donos da cidade” que agora afiam suas garras e dirigem seu instinto predador para a Casa de Retiro de São Francisco. Como uma fera voraz capaz de rasgar as entranhas e comer os próprios filhos, essa gente insana trama a destruição de um dos refúgios que resistem em uma metrópole terminal.
A Casa do Retiro é o resultado de uma “articulação do bem” que contou com doações de famílias baianas de boa vontade e do empreendedorismo humanista de Dr. Noberto Odebrecht, que a construiu. Seus magníficos jardins, a capela de Lourdes a céu aberto sob a copa de uma frondosa mangueira, seus corredores e pátios de convidativo silêncio, o abraço materno e aconchegante das freiras que lá vivem falam-nos de um mundo de reflexão e de profunda entrega do que temos de melhor em nós mesmos.
Vale a pena conhecê-la leitor(a) querido(a). Conhecê-la e defendê-la, como sempre fazemos quando identificamos uma boa causa por que lutar.
Vamos dar um basta à especulação inconseqüente e aos falsos “bons negócios” que só geram lucros para os poucos de sempre.
Pela vida, pela paz, pela solidariedade e pelo sonho de uma cidade mais humana, vamos dizer em alto e bom som: A Casa do Retiro, não!
* Educador e poeta

domingo, 20 de junho de 2010

O inverno ou a primavera urbana?

Anilton Santos Silva*
A partir do momento em que foi aprovado o direito à reeleição dos nossos governantes, sempre se questionou se isso era bom ou ruim para a gestão das cidades. A dúvida é decorrente do fato de que uma gestão de oito anos poderia ser um longo ciclo de inverno tenebroso ou uma primavera florida. Se for o caso de oito anos de tormento, é algo mais que tenebroso para os habitantes urbanos – é desumano mesmo. Logo tenho um sentimento refratário quanto à reeleição.
No caso específico de Salvador, o longo ciclo de gestão, aliado às dificuldades das finanças públicas, gerou um nó, que parece não interessar a ninguém desatar: trata-se de uma articulação engendrada entre incorporadoras da construção civil, sindicatos empresariais (setor de transportes urbanos e outros), especuladores imobiliários e políticos comprometidos co grupos hegemônicos, objetivando interferir na gestão da cidade para viabilizar projetos de seus interesses. Tal articulação é que determina o destino urbano, restringindo o direito universal à cidade.
Para esses grupos, a cidade se divide em guetos, cujo ônus de recuperação cabe ao setor público, embora a incorporação imobiliária contribua decisivamente para a constituição deste fenômeno, na medida em que controla a estrutura fundiária urbana, pressionando os pobres para a periferia ou para áreas impróprias à ocupação, através de invasões ou loteamentos clandestinos. A outra parte da cidade, o território capitalizado é como a bolsa de valores ao sabor do sobe e desce de sua cotação, e no caso urbano, a depender da infra-estrutura de equipamentos que podem valorizar ou desvalorizar áreas, de acordo com a natureza do impacto causado por tais intervenções.
Os excluídos ou isolados do processo decisório, ou seja, os demais atores sociais tentam se organizar para fazer gente à articulação dos grupos dominantes na gestão da cidade. Assim, os agrupamentos que buscam interferir no presente e no futuro da cidade assumem um embate entre dois campos de forças com objetivos opostos: a cidade do capital e a cidade para seus habitantes.
Os grupos que assumem o enfrentamento com as forças do capital necessitam de uma articulação mais eficiente entre suas diversas correntes (ambientalistas, os sem-teto, instituições de profissionais liberais, ONGs etc.) para consolidar uma base democrática, a favor do interesse coletivo. Sem a consolidação dessa base, esses grupos ficarão fragilizados diante do poder hegemônico, que determina o inverno (ou inferno) e a primavera urbana. Refiro-me ao fato de que a democracia urbana jamais será consolidada se que a sociedade civil organizada tenha participação nas decisões quanto à gestão da cidade.
O fato é que há um jogo de cooptação entre gestores e grupos econômicos poderosos em torno de projetos importantes para a cidade, mas sem a participação da coletividade, com prejuízos para a gestão de Salvador, que perde sua capacidade de exercer o controle no processo de ocupação urbana. O fiel desta balança será a consolidação da base democrática, configurada na solidariedade social, que deve ser transformada numa instituição politicamente forte e independente, com o apoio das instituições soberanas (Ministério Público e outros). Talvez assim seja possível conter os processos de ocupação que desequilibram a harmonia urbana, como é o caso do destino das desapropriações em discussão em Salvador. É provável que a partir da existência dessa organização social, a cidadania seja capaz de neutralizar o jogo de interesses que domina a ocupação da cidade. Então, nosso inverno tenebroso um dia, talvez um dia, transforme-se numa primavera resplandecente com o direito a cheiro de alecrim.
Assistimos ao cair das folhas do outono eleitoral, ao anunciar de um inverno transitório de poder, enquanto aguardamos a aurora da primavera, com o renascimento de uma nova ordem urbana, legitimando o direito universal à cidade. Nesse dia, o Esopo não mais pensará no que deverá sair da sua estrondosa montanha, até porque não haverá mais ratos nela – será?
*Arquiteto, urbanista e consultor

sábado, 29 de maio de 2010

Corredor da Vitória - O Reino de Shangrilá

Jolivaldo Freitas*
Mais de 99 por cento da Bahia não sabe que existe uma praia chamada Shangrilá, em Salvador, e que nem está no mapa, nem no roteiro turístico e nem em nada. A não ser na cabeça dos maconheiros e dos pescadores que a frequentaram nos anos 60 e 70.
Todo mundo sabe da praia da Ribeira, Porto da Barra, Itapuã e até as do Litoral Norte, que já nem pertencem à capital, mas ignoram a lúdica e única praia da cidade que está localizada numa falésia.
Para quem não sabe e nem tem mesmo a obrigação de saber, justamente por não ser tão importante assim ou algo que vá impedir a hora do Harmagedon, a praia fica no logradouro com o metro mais caro da cidade. Está abaixo do Corredor da Vitória, onde hoje estão os mais caros apartamentos e os mais altos edifícios da moderna metrópole.
O Corredor da Vitória foi para onde, no período colonial e principalmente no limiar do século XX, os grandes fazendeiros de cana-de-açúcar, que não queriam passar a vida eternamente de forma bucólica, decidiram montar seus casarões. No final do século vieram os comerciantes franceses, italianos, ingleses e outros alienígenas e montaram casarões coloniais, fugindo das ruas irregulares do centro da cidade.
Ainda restam alguns casarões de importância histórica, mas a maioria absoluta, mesmo se tratando de um importante acervo, um patrimônio histórico, foi destruída pela sanha dos construtores.
Um exemplo recente é o do casarão neocolonial, parecendo daqueles americanos do filme E o Vento Levou, que pertencia ao reputado jornalista Jorge Calmon, que, segundo dizem as más-línguas, foi vendido para uma construtora com a garantia de que a casa seria preservada e o prédio construído na parte de trás. Ainda, segundo dizem por aí, a construtora derrubou o casarão nas madrugadas de um final de semana, decidindo pagar a multa pela nefasta ação, coisa que seria pouco em relação ao faturamento com o projeto. Foi-se a memória, ficaram os granitos da fachada do arranha-céu.
O Corredor da Vitória, que ganhou seu nome de batismo durante o período da guerra da Independência da Bahia – por onde as forças nativas marcharam quando da vitória contra o Exército Português de Madeira de Mello –, sempre foi o sonho de consumo da classe mais abastada da cidade, por sua posição privilegiada.
Fácil acesso às praias da área sul da cidade e próximo ao Centro Histórico. Também com uma paisagem privilegiada, debruçado sobre a Baía de Todos os Santos e com vista para a Ilha de Itaparica, Ilha de Maré, Madre de Deus e subúrbio ferroviário. Uma dádiva.
Abaixo, um imenso paredão de pedras de fogo e vegetação rasteira, com águas límpidas que dá até para ver os cardumes passando. Hoje o acesso para as praias abaixo das escarpas é fácil. Os prédios milionários fizeram piers e montaram chariots que descem sobre trilhos.
Antigamente ninguém tinha coragem de descer. Para chegar lá era preciso vir de barco, saindo do Solar do Unhão, na zona do Comércio ou do Porto da Barra.
Nos anos 60, quando a repressão aos hippies era imensa e fumar maconha dava com a polícia batendo de cassetete de borracha ou “fanta” (cassetete de madeira de lei) no lombo, os chincheiros encontraram o lugar perfeito e foram para lá se juntar a grupos de artistas que já frequentavam o lugar pela sensação de estar fora do burburinho da cidade.
A lenda urbana reza que quem batizou a área de Shangrilá foi o compositor baiano Caetano Veloso.
Carlito Mau Mau, Zé Diabo e Arquimedes Maluco frequentavam a área, descendo pela rua e se arranhando todo nas pedras e nos feixes de tiriricas. Naquele dia Mau Mau levava em sua bolsa de couro curtida e pintada com o símbolo de Paz e Amor um novo tipo de cogumelo que um argentino mais doido ainda tinha dado de presente no Porto da Barra, para fazer chá. Fizeram e provaram. Tirando umas luzes piscantes, uma sensação de dormência na língua e uma comichão que não parava nas pernas, nada demais aconteceu.
Os três moravam no Edifício Apolo XXVIII (o nome em homenagem aos foguetes norte-americanos), na época o maior da cidade com 28 andares, cheio de problemas como elevador que não funcionava e o cara tinha de subir a pé até o último andar para chegar em casa; faltando água, luz cortada e limpeza zero. Saíram do Sahngrilá e decidiram subir a montanha de escadas para apreciar a paisagem do telhado do Apolo.
Talvez pelo esforço, foram chegando e recebendo a rebordosa. O chá começava a fazer seu efeito. O sol, na ótica de Mau Mau, estava parecendo se dissolver como tinta a óleo: escorrendo no horizonte após a Ilha.
Zé Diabo viu passar uma revoada de araras e Arquimedes Maluco decidiu voar atrás. Jogou-se. Deu sorte de cair sobre uma plataforma poucos metros abaixo e ficou lá com o braço quebrado. Pelo susto o efeito passou em todos. Os moradores chamaram os Bombeiros.
Os soldados subiram todos os andares, cheios de equipamentos, retiraram o maluco do local de risco e foram descendo com os três. Os moradores tinham se alinhado nas escadas. Cada degrau um morador.
Os três drogados descendo e levando cascudos, piparotes, piabas, telefone sem fio, cusparadas, chutes, beliscões, ofensas e dedadas no toba, e os bombeiros fazendo de conta que não estavam vendo. Chegaram roxos até o andar onde moravam.
Por coincidência, depois disso nunca mais o Shangrilá voltou a ser frequentado. A loucura deles chamara a atenção da imprensa e a polícia passou a dar batidas e colocar para correr qualquer um que não fosse morador da área.
Hoje, os três, pessoas bem situadas na sociedade baiana, garantem que não lembram da história. Juram por Senhor do Bonfim que não foi com eles.
E ninguém, no edifício, se lembra do caso. A praia de Shangrilá não é mais a mesma. Está cercada de edifícios cujos apartamentos valem milhões de dólares.
Originalmente publicado no blog Jeito Baiano
*Jolivaldo Freitas – Jornalista e escritor

domingo, 23 de maio de 2010

A Cidade Eterna e a Roma Negra

Praça da Sé em Salvador (requalificada na gestão do Prefeito Antônio Imbassay-1996-2004)
Luiz Mott
Paris é maravilhosa. Veneza e Amsterdã inesquecíveis. Rio de Janeiro e Salvador, encantadoras. Roma não tem comparação: é inigualável! Suas setes suaves colinas fazem o décor. O caudaloso Rio Tibre serpenteia a Cidade Eterna. O clima, a luminosidade, a vegetação fazem de Roma sucursal do paraíso. Seu passado fantástico mistura quase três mil anos de lendas, mitos, profecias e uma história prodigiosa. Não existe lugar no mundo que abrigue tantos e tão gigantescos obeliscos, quase todos trazidos do Egito no tempo dos Césares! E as colunas da altura de um prédio de dez andares, com baixos relevos que contam os prodígios da civilização romana. O deslumbrante Pantheon está entre as maravilhas da arquitetura mundial. E as basílicas e palácios, com mármores multicoloridos, tudo cortado e polido à mão! As fontes romanas são um capítulo à parte: além da Fontana de Trevi, a mais bela do mundo, a capital do Lácio oferece mais de uma centena de pequenas fontes com deliciosa água potável e gelada, espalhadas por toda a cidade, algumas comágua corrente desde o tempo de Júlio Cezar.
Roma moderna não deixa nada a desejar às mais civilizadas capitais do primeiro mundo: destaco apenas o transporte coletivo. Por 30 euros, aproximadamente R$ 80 compra-se um vale-transporte que dá direito a viajar livremente por um mês, subindo e descendo de qualquer ônibus, metrô, bonde, troleibus. Transporte limpo, rápido , com horário certo de sair e de chegar, motoristas gentis, com um detalhe: confiança total no passageiro, pois só de caju em caju aparece fiscal sorridente para conferir o vale-transporte dos passageiros.
E a nossa "Roma Negra"? Como andam nossos ônibus? Com um salário mínimo quase dez vezes menor que na Itália e a tarifa do transporte público a R$ 2,30, os soteropolitanos, sobretudo os assalariados, adorariam gastar apenas R$ 80 por mês para usar ilimitadamente nossas marinetes... E quão delicioso seria encontrar meia dúzia de fontes com água potável nas principais praças e lugares de maior aglomeração de salvador! Vai aí , prefeito, uma sugestão.
* Luiz Mott é professor titular de Antropologia da Ufba