terça-feira, 30 de abril de 2013

Ruim para o futebol, bom para as empreiteiras

Paulo Carneiro*
Apuramos as informações a respeito da construção e operação da Arena Fonte Nova e apesar de ser uma PPP, que entendemos ser a melhor alternativa, os detalhes do contrato do consórcio são inaceitáveis. Construíram uma Torre de Babel onde o governo assume todos os riscos, endivida o Estado e nunca mais recebe o capital investido. Lembrem de Costa de Sauípe, até hoje na mão da Previ. Nossos governantes são de lascar. O TCE convocou na época alguns membros do governo para esclarecimentos. Como o TCE é formado de políticos indicados pelos governantes em épocas distintas, não aconteceu nada. 
Para a construção do estádio e o modelo econômico que o Estado escolheu, fizeram uma PPP, Parceria Pública Privada, com concessão administrativa e resolveram assumir o ônus da dívida com o BNDES, pois não poderão cobrar pela concessão. Em suma, usaram o dinheiro público para se manterem donos do empreendimento, que sem conteúdo esportivo é um grande “elefante branco”. E para terem a gestão, vão bancar pelo menos durante 15 anos, com pagamento de contraprestação, pois se espera que depois deste período, o negócio comece a dar lucro.



O Bahia resistiu, foi pressionado mas cedeu e fez um contrato de 5 anos com acesso apenas a uma "luva" de R$ 9 milhões/ano na bilheteria. Sem acesso às outras inúmeras receitas. Seu fundo de comércio (torcida) devia ser mais valorizado. Sem ele não tem negócio.


O consórcio assume o contrato, garante o negócio da construção e repassa a operação para terceiros (Arena Brasil). E o povo paga a conta dos recursos públicos que serão direcionados. E na operação, se não chegar a determinado patamar, o governo tem que reembolsar o consórcio por 15 anos uma contraprestação de até R$ 107 milhões por ano ou próximo disso.

Sempre soube que 25 anos é o periodo de se garantir o retorno do investimento. Por que mais 10 anos? Para remunerar a quem?

E o consórcio, qual a sua responsabilidade? Não bota um centavo, ganha pela construção e tem garantia mínima se não viabilizar a operação. Pra ser justo colocaram 20% na construção, mas esse percentual incluem no orçamento. Empreiteiro trabalha pra seus acionistas, não para o povo.

O Vitória está sendo fortemente assediado. Seus dirigentes ganharam há tempos atrás uma viagem a Holanda pra conhecerem a operação da Arena Amsterdã. Alexi reluta, sabe que o melhor caminho é a Arena Barradão. Seu candidato, todavia, está alinhado com o presidente da assembleia e o vice-governador para levar o Vitória pra lá. Vão engessar o clube por 35 anos. O erro está no modelo econômico. Ainda assim com o risco da operação não se viabilizar. Estádios de Copa são caros. Agora chegaram à conclusão que os altos custos da operação inviabilizam a promoção de shows.

O certo é que sem o Vitória a operação não fecha. Em 2007, quando o Brasil foi escolhido, o Bahia e o Vitória deveriam ter se unido para serem, juntos com o governo, donos do negócio. Construtora quer construir e agora devem estar se preparando para passar a operação para fundos de investimento. Meu clube tem o Barradão e ali devem fazer a Arena e viabilizar seu futuro.

Esse problema se espalha por todo país. Em Natal os clubes não querem jogar na Arena das Dunas, em Minas o Atlético já escolheu o Independência. Sua Diretoria divulgou que a perda de arrecadação de Cruzeiro e Atlético chega a R$ 100 milhões por ano. Só quem vai se beneficiar com as arenas da Copa são os clubes que cederam seus estádios: Corinthians, Inter e Atlético Paranaense. O fluxo de receitas do clube paranaense deve triplicar com a chegada da sua Arena. Seu estádio, financiado diretamente com o clube, não chega a R$ 300 milhões. O Vitória, ainda que tardiamente, pelo imobilismo de sua gestão, tem a chance de mudar de status e se aproximar dos grandes. É só não permitir que interesses políticos sejam mais importantes que os interesses do clube.

* Paulo Carneiro foi deputado estadual e presidente do Esporte Clube Vitória.

Pingos nos is

José Sérgio Gabrielli*
Quando o projeto de construção da ponte Salvador-Ilha de Itaparica, que é parte de um projeto indutor de desenvolvimento econômico e social da RMS, Recôncavo e eixo litorâneo sul, ganhou contornos de ação concreta, com etapas de estudo, planejamento e lançamento de editais, outras propostas retornaram a público como alternativa para conectar o continente e a ilha. A mais midiática delas é a chamada Via Litorânea ou Via Envolvente.
Em 2010, quando o governo da Bahia lançou o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) para a realização de estudos preliminares com vistas à construção da ponte, todos os interessados em propor soluções poderiam participar, inclusive com soluções alternativas, no entanto, esta via não apareceu entre as propostas apresentadas.
Ainda assim, ela passou pela análise de técnicos da Secretaria do Planejamento da Bahia e de outros órgãos de governo, mas foi descartada devido à incompatibilidade com o plano de desenvolvimento econômico e social da macroárea de influência da ponte Salvador-Itaparica.
A partir do PMI, o conceito do projeto foi escolhido, assim como as áreas de influência que deveriam ser beneficiadas. O caminho será aberto tendo como ponto de partida os municípios de Itaparica e Vera Cruz, passando por Nazaré e Castro Alves, absorvendo o tráfego das BRs 242 e 116, além de ofertar uma alternativa mais próxima para a BR-101, influenciando deste modo, o fluxo na BA-001, que vai até o litoral sul. Baseado nesta rota, os editais de sondagem, engenharia, estudos ambientais e masterplan urbanístico foram preparados, sendo alguns deles lançados.
E a Via Litorânea? A verdade é que ela não teria capacidade de ser um substitutivo ao projeto estadual, seja pelo percurso, pela geografia ou até pelo conceito. Se a via fosse substituir a ponte, além de aumentar o fluxo de veículos pesados no centro de cidades históricas, sujeitando à depreciação e graves interferências sociais, seria inevitável um enorme impacto ambiental na costa, especialmente nas áreas de manguezais, grande berço das espécies marinhas da Baía de Todos-os-Santos.
A ponte Rio-Niterói é um bom exemplo para dimensionar este fluxo. Quase 40 anos depois de inaugurada, entre 135 e 140 mil veículos a cruzam diariamente, números que serão atingidos pela ponte baiana em apenas três décadas.
Outra diferença é o tempo de viagem poupado. Vinte e quatro municípios terão sua distância de Salvador reduzida em mais de 40% com a construção da ponte Salvador-Ilha de Itaparica. São eles: Itaparica, Vera Cruz, Nazaré, Aratuípe, Salinas das Margaridas, Jaguaripe, Muniz Ferreira, Dom Macedo Costa, Valença, Santo Antônio de Jesus, São Felipe, Maragogipe, Varzedo, Elísio Medrado, São Miguel das Matas, Laje, Amargosa, Mutuípe, Cairu, Taperoá, Nilo Peçanha, Ituberá, Camamu e Piraí do Norte.
Essa economia de tempo, emissão de CO2 e dinheiro possibilita acelerar os investimentos em andamento, como estaleiros, terminais portuários e o turismo dentro da nossa baía, além de abrir novas oportunidades facilitadas pela logística, visto que a ponte será uma nova opção de via rodoviária. Muita gente vai passar a morar na Ilha e trabalhar na capital e vice-versa.
O Estado, no entanto, não descarta a Via Litorânea. Ela pode ser uma alternativa para integração de cidades históricas com potencial turístico, como Cachoeira, Santo Amaro, São Roque do Paraguaçu e Maragogipe.
Já a ponte terá um papel no vetor de expansão urbana e desenvolvimento econômico e social, principalmente para os moradores da Ilha, que terão novas oportunidades profissionais e mais acesso à saúde, educação e serviços públicos.
Em parceria com os municípios de Salvador, Vera Cruz, Itaparica e Jaguaripe, o Estado está conduzindo todas as etapas de modo a contemplar os interesses dos mesmos. Em breve será lançado o edital de urbanismo, que subsidiará o plano de desenvolvimento e ocupação das áreas de Vera Cruz e Itaparica. É deste modo, com respaldo técnico, que vamos garantir em tempo hábil e com responsabilidade, o novo marco do desenvolvimento baiano.
José Sergio Gabrielli | Secretário do Planejamento do Estado da Bahia

sábado, 27 de abril de 2013

Cultura Cidadã e Cidades Criativas - O exemplo de Bogotá

Ana Carla Reis Fonseca*
A Colômbia, é o país latino-americano que mais tem investido em uma estratégia de indústrias criativas, economia criativa e, finalmente, cidades criativas, trabalhando mais do que somente a capital, Bogotá. Isso parece se explicar por uma confluência de fatores. Em primeiro lugar, pela atuação intensa do British Council no país, instituição que desde o final da década passada tem promovido com afinco a proposta de criatividade como alavanca de desenvolvimento socioeconômico. Na Colômbia, em especial, a instituição fomentou e participou de vários projetos, tendo chegado mesmo a lançar um manual para empreendedorismo nas indústrias criativas.
Um dos fatores chaves da transformação de Bogotá, algo que não deixa de suscitar suspiros em quem mora no Brasil, é a continuidade de gestão e planejamento urbano. A cidade teve ao longo dos últimos 20 anos administrações cujos esforços foram complementares e pautados por uma mesma trajetória, apesar das eventuais orientações ideológicas distintas. Esta evolução, certamente nuançada, mas sem rupturas profundas ao longo de um fio histórico de algumas gerações, foi fundamental para dar vazão a um processo de transformação calcado no longo prazo e não nas usuais prioridades com horizonte de tempo restrito há no máximo quatro anos.
Tendo em vista a continuidade das gestões e do investimento em políticas sociais de base, não causa estranheza perceber que, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano, o índice de Desenvolvimento Humano de Bogotá passou de 0,768, em 1990, para 0,813, em 2000 e 0,880, em 2007.
Dos últimos prefeitos de Bogotá nestes vinte anos, dois merecem destaque. O economista Enrique Peñalosa (janeirode1998 a dezembro de 2000), em sua breve gestão, criou e inaugurou a primeira parte da maior referência de transporte público da cidade, o TransMilênio. Inspirado na Rede Integrada de Transportes de Curitiba trata-se de um sistema de veículos leves sobre pneus, no qual os ônibus transitam por duas faixas próprias em cada direção e sem cruzamento de nível. É composto por 514 veículos, que cobrem 84 km e 114 estações, circulando a uma velocidade média de 27 km/h e transportando no período de pico uma média de 170 mil passageiros por hora.
Em paralelo ao TranMilênio, Peñalosa investiu 300 km de ciclovias, uma rua pedonal de 17 km de extensão, rodízio para veículos e aumentou as taxas de estacionamento de veículos. Também investiu na infraestrutura de educação e cultura: construiu 52 novas escolas, reformou 150, dotou-as de computadores e elevou o percentual de matrículas em 34%. Do ponto de vista urbano, esse ex-prefeito pelo Partido Verde priorizou parques e áreas públicas, comprou terras na periferia (para evitar a especulação imobiliária) e plantou 100 mil árvores.
De todos os prefeitos de Bogotá nos últimos anos, o que se tornou mais conhecido por suas ações de transformação urbana foi Antana Mockus. Matemático, filósofo e ex-reitor da Universidade Nacional da Colômbia, sua maior bandeira foi a formação de uma “cultura cidadã”. Em suas palavras: “Por cultura cidadã entende-se o conjunto de atitudes, costumes, ações e regras mínimas compartilhadas por indivíduos de uma comunidade, que possibilitam a convivência e geram sentimento de pertencimento”.
Um dos grandes objetivos de Mockus, como porta de entrada ao desenvolvimento da cultura cidadã, foi levar as pessoas a observar a cidade, e a partir disso mudar sua conduta de modo consciente. Para tanto, recorreu a várias ações inusitadas, carregadas de conteúdo simbólico. Uma delas envolveu a contratação de mais de 300 grupos de mímicos e palhaços, espalhados por Bogotá, que buscavam romper com o moto-contínuo apático das pessoas, entre residência e trabalho e vice-versa, bem como promover a apropriação da cidade pelos transeuntes. Muitos desses mímicos tinham como atribuição zelar pelo respeito às faixas de pedestre e aos semáforos. A estratégia baseava-se “na vergonha como ação educativa, para que os cidadãos se convertessem em juízes dos infratores”.
A gestão da cultura cidadã promovida por Mockus lançou os alicerces para a construção de programa de iniciativas integradas e sintomáticas da transformação bogotana, a partir do mandato do próximo prefeito Luiz Eduardo Garzón (janeiro de 2004/dezembro de 2007).
“O grande sucesso político e cultural dos últimos prefeitos foi precisamente ter entendido a cultura como uma dimensão não ad latere, mas sim de centralidade na gestão da cidade de Bogotá. Foi precisamente na gestão pedagógica e simbólica da cultura cidadã que a cultura (mundo simbólico) se converteu em um elemento central da cidade. A cultura e a convivência tem a ver com normas, princípios e valores civis. Valores que não se aprendem simplesmente de maneira “institucional”, mas que devem ser interiorizado pelos cidadãos e, assim, influir sobre os comportamentos em termos de pagamentos de impostos, de convivência na cidade, de respeito ao tráfego etc. Trata-se de um grande avanço, se pensarmos que a cultura teve em geral pouca centralidade na agenda de nossos políticos e quando a teve foi por uma concepção de cultura como “cultura culta”, de levar cultura ao povo.” (German Rey)
Um dos aspectos que mais despertam a atenção no processo de transformação de Bogotá é a variedade de programas criativos que foram implementados ao longo de duas décadas, com firmeza de propósito, sem terem sofrido rupturas significativas entre as gestões municipais.
Porém, o aspecto mais inovador talvez resida no âmago dos próprios programas implementados, que souberam reconhecer e entender a cidade como sala de aula, restituindo ao espaço público o papel de cenário por excelência educativa e do desenvolvimento da cidadania, valendo-se de campanhas claras, carregadas de conteúdo simbólico, capazes de gerar a mobilização efetiva dos cidadãos.
*Economista com doutorado em Urbanismo pela USP. È autora do livro Cidades Criativas, baseado na sua tese de doutorado, de onde foi extraído este artigo.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Pessoas criativas fazem as cidades criativas

Quando nós falamos em cidades, vamos muito além dos aspectos econômicos, apesar de, fisicamente, muitas vezes, a cidade refletir a economia que ela traz". A opinião é de Ana Carla Fonseca, especialista internacional em Economia Criativa e doutora em Urbanismo.
Em entrevista concedida ao portal EcoD, Ana Carla abordou detalhes importantes que estão no livro Cidades Criativas - Perspectivas, organizado por ela e cujo conteúdo reúne as visões de 18 estudiosos (de 13 países diferentes) sobre o tema. Disponível em português na internet, a obra foi editada pela Garimpo de Soluções.
PSF: Qual é a relação da economia criativa com as cidades criativas?
Ana Carla Fonseca: Falar de uma cidade criativa não é necessariamente dizer que esta cidade tem uma economia criativa pujante. A economia criativa é importante e atua como uma das características das cidades criativas, mas não é a única.
PSF: O crescimento desse conceito te motivou a organizar o livro?
Ana Carla Fonseca: Quando eu comecei a me debruçar mais sobre essa história, me dei conta de que existem poucas bibliografias sobre o tema cidades criativas no mundo. O objetivo foi organizar uma visão conjunta, harmonizada, do que elas sejam. Inicialmente, seria apenas um livro digital em inglês. Os colaboradores são colegas com os quais conheci ou trabalhei nos últimos anos. Eles aceitaram a minha proposta de expressar o que são as cidades criativas do ponto de vista deles, como é que uma cidade se desenvolve a partir de sua criatividade, desafios no âmbito público e privado, entre outros temas relacionados. Aí, trouxemos como parceiros o Sebrae, a SP Turis e o Santander. O livro foi lançado no Brasil em Salvador, São Paulo e Belo Horizonte.
PSF: E o que uma cidade precisa para ser, de fato, considerada criativa?
Ana Carla Fonseca: Ao analisarmos as contribuições dos 18 especialistas que integram o livro, percebemos que há três características básicas das cidades criativas, comuns aos pensamentos de todos eles: inovações, soluções inteligentes para problemas urbanos; conexões, com ligações entre áreas da cidade e parcerias entre setores público e privado; e cultura, com ações no circuito das artes, setores da moda, gastronomia, design e arquitetura que possam gerar um ambiente mais favorável à inovação.
ana carla fonseca "Quem faz as cidades são as pessoas. Se as pessoas são criativas, as cidades são criativas" - Ana Carla Fonseca.
PSF: Existem limites para que uma cidade possa ser criativa?
Ana Carla Fonseca: Há o risco de se achar que uma cidade criativa tem de ser de grande porte, mas isso não acontece, necessariamente. Uma cidade de 10 mil habitantes pode ser extremamente criativa, mesmo que não seja considerada uma “cidade global”, como Nova York e São Paulo. Ela pode ter suas inovações e conexões culturais aplicadas ao seu contexto. Uma cidade de 5 mil habitantes, como Guaramiranga, no Ceará, pode ser criativa levando-se em conta sua proporção. Pode não ter um grande polo científico, mas ações conjuntas inovadoras, como o reaproveitamento de garrafas PET para às construções. Quem faz as cidades são as pessoas. Se as pessoas são criativas, as cidades são criativas.
PSF: Uma determinada cidade pode ter ações criativas, porém, de forma isolada. Daria para classificá-la como criativa?
Ana Carla Fonseca: Este é um ponto interessante. O grande desafio é a cidade inteira se beneficiar de sua criatividade, porque ela é um sistema, que precisa funcionar de forma harmônica. Do contrário, só com ações isoladas, você acaba com bolsões de criatividade que não transformam a cidade. A essência de uma cidade criativa é ela voltar-se a si mesma, identificar o que possui de singular e quais são os seus problemas, para passar a trabalhar em cima disso. Não adianta querer copiar outra cidade. É preciso explorar o próprio potencial.

Economia criativa na Bahia

Ernesto Britto Ribeiro*

Sempre que falamos de economia criativa e suas relações com as indústrias locais, dizemos que uma tem tudo a ver com a outra e que a economia criativa faz desenvolver as indústrias de diversos segmentos. Dizemos ainda que as indústrias chamadas tradicionais fazem parte da economia criativa, ainda que alguns não percebam. Acreditando que isso é verdade, resolvi identificar os sindicatos industriais que têm maior proximidade com os segmentos nucleares da economia criativa.

Talvez por estar com fome, comecei pela área que mais me agrada, que é a gastronomia. Fazendo essa pesquisa, identifiquei pelo menos nove sindicatos de indústrias baianas que fazem parte, talvez sem saber, da economia criativa. Vamos a eles? Sindicato das indústrias do Açúcar e Álcool da Bahia, Sindicato das indústrias de Cerveja e Bebidas, Sindicato das indústrias de Óleos Vegetais, Cacau e Balas, Sindicato das indústrias de Café, Sindicato das indústrias de Carne e Derivados, Sindicato das indústrias de Laticínios e Produtos do Leite, Sindicato das indústrias de Panificação, Sindicato das indústrias de Congelados, Sorvetes e Sucos, Sindicato das indústrias de Trigo, Milho e Massas Alimentícias. Com isso fiquei pensando em diversas possibilidades de incremento dessas indústrias já instaladas e nas possibilidades de ampliação desses setores.
Será que as indústrias estão conectadas com os empreendimentos da ponta, bares, restaurantes, chefes de cozinha, que usam esses produtos? Está claro para todos que quanto mais a gastronomia se desenvolver, mais essas indústrias irão faturar?
Agora vamos para as áreas de Moda e Design. Identifiquei mais sete sindicatos industriais que fazem parte da economia criativa. São eles: Sindicato das indústrias de Calçados, Sindicato das indústrias de Vestuário, Sindicato das indústrias de Couro, Sindicato das indústrias de Papel e Celulose, Sindicato das indústrias de Fibras Vegetais, Sindicato das indústrias de Fiação e Tecelagem e o Sindicato de Mobiliário. Assim, podemos associar o crescimento de muitas dessas indústrias e seus sindicatos ao desenvolvimento dos segmentos da moda e do design.
Pensando nas indústrias do Sindicato do papel e celulose vale lembrar que em todos os produtos alimentícios ligados à gastronomia, anteriormente citados, existem as embalagens, que geralmente são feitas de papel ou de plástico, entrando ai também o Sindicato das indústrias de Artigos de Plástico. Ou seja, a economia criativa da moda e do design, assim como da gastronomia, faz crescer a indústria baiana. E o crescimento do design, assim como da arquitetura não beneficia as indústrias de Cerâmica e Olarias e as indústrias de Serraria? Então, decididamente, a economia criativa envolve partes importantes da indústria tradicional baiana.
Por falar em arquitetura, esse é outro segmento importante da economia criativa. Ligados a esse segmento encontrei pelo menos três sindicatos industriais que são o Sindicato da Construção Civil, Sindicato das Indústrias de Cerâmica e Olarias e Sindicato das Indústrias de Serraria. Além desses, observei também que existe na Bahia o Sindicato das Indústrias Gráficas e elas fazem parte da economia criativa da Editoração, assim como as empresas do Sindicato das Indústrias de Produtos Eletrônicos estão envolvidas na economia criativa do Design, da Comunicação e dos Games. Falando em Games, ouvi essa semana o Secretário de Cultura da Bahia, Professor Albino Rubim, dizer que a indústria de games, no mundo, já é mais importante do que poderosa indústria do cinema.
Confesso que foi uma agradável surpresa perceber que temos mais de vinte sindicatos de indústrias tradicionais na Bahia que fazem parte, de uma forma ou de outra, da economia criativa, esse novo conceito que reúne as empresas que têm a criatividade como insumo principal. Agora vêm os desafios para o desenvolvimento da economia criativa com suas ramificações industriais. Quais as redes produtivas e conexões comerciais existentes nesses segmentos? Como envolver nas mesmas redes produtivas indústrias de grande porte, prestadores de serviço e pequenos empreendedores criativos? Quais as diferenças entre o desenvolvimento de setores em cadeia, como as indústrias tradicionais, e o desenvolvimento de setores que se organizam em redes? Quais as lacunas existentes nessas redes produtivas e as dificuldades de conexão, articulação e para a geração de novos negócios? Isso é só o começo do desafio de desenvolver a economia criativa na Bahia, mas como dizem os chineses, toda grande caminhada começa com um primeiro passo.
*Ernesto é mestre em Administração Estratégica e trabalha com foco em desenvolvimento turístico desde 2001. Foi professor de disciplinas de Planejamento Turístico e Políticas Públicas de Turismo na Faculdade Visconde de Cairu e na Factur. Foi secretário municipal em Itaparica e sub-secretário em Salvador.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Oded Grajew: Cidade privilegiou o transporte individual e abandonou a periferia


Letícia Mori
Nascido em Israel e morador de São Paulo há 50 anos, Oded Grajew, 68, fez carreira na capital. Criador da marca Grow, ele iniciou forte atuação no terceiro setor nos anos 1990. Desde então fundou a Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos), foi presidente do Instituto Ethos e idealizador do Fórum Social Mundial.
Hoje, ele é coordenador-geral da Rede Nossa São Paulo, que em janeiro divulgou a quarta edição da pesquisa Irbem, na qual os paulistanos avaliam o nível de satisfação com a metrópole.
Para Grajew, São Paulo é exemplo de como não construir uma cidade, mas ele diz acreditar que os principais problemas têm solução. "É preciso vontade política e competência."
O empresário paulistano é interessado no terceiro setor?

Menos interessado e menos participativo que o necessário. Se houvesse integração maior dos empresários com as organizações da sociedade civil, São Paulo seria uma cidade menos desigual. A cidade tem carências, mas pela pujança econômica poderia ser muito melhor.
Como envolver o empresário?

O empresário com um mínimo de consciência tem de se sentir mal se não estiver fazendo nada, já que tem recursos e competência. Além da gratificação pessoal, melhorando a sociedade você melhora o ambiente dos negócios. Pobreza, desigualdade, falta de educação e de saúde não geram um ambiente propício para os negócios.
O sr. foi idealizador do Fórum Social Mundial, cujo lema é "um outro mundo possível". Qual é a outra São Paulo possível?

A percepção do paulistano sobre a qualidade de vida é muito ruim e 56% das pessoas mudariam de cidade se pudessem. Então, a outra São Paulo possível é uma cidade onde as pessoas queiram ficar na cidade, não queiram abandonar.
Qual deveria ser a meta do prefeito?

Diminuir a desigualdade. Dos 96 distritos da cidade, quase a metade não tem biblioteca, parque, hospital. Os empregos estão ultraconcentrados. As pessoas têm de se deslocar por uma enorme distância para ter trabalho e acesso a serviço público, o que piora a mobilidade.
Qual é o papel das subprefeituras?

Em todas as grandes cidades do mundo, cada parte é administrada separadamente com orçamento próprio. O papel das 31 subprefeituras de São Paulo é fundamental, se for dado recurso.
O que São Paulo pode importar de outras cidades?

Uma priorização total e absoluta para o transporte coletivo, como Londres, Paris, Nova York e Bogotá fizeram. Desenvolver o transporte alternativo, via bicicleta. E descentralizar a administração.
E o que poderia exportar?

O que pode exportar é o que não deve ser feito. É mostrar a experiência negativa de se construir uma cidade focada no transporte individual, que abandonou a periferia e onde se deu liberdade absoluta à especulação imobiliária.

sábado, 6 de abril de 2013

Os arquitetos e a cidade


Lourenço Mueller*
Como articulista quinzenal de um jornal como A TARDE, tenho respaldo para escrever o que acho e ao contrário do que pensam certas pessoas, artigos de jornal não são efêmeros, expressam no cotidiano a opinião dos que as têm e muitos ficariam admirados de como isso é lembrado pelos leitores. O IAB-BA é uma instituição que prezo e de cujas eleições para a diretoria tenho participado como organizador; aqui já escrevi dois artigos sobre esse Instituto ("O arquiteto, a cidade e a ética", em 07.03.2010, e "Arquitetos", em 27.11.2011).
Penso que arquitetos deveriam escrever mais em jornal, criticar mais as ações malbaratadas de executivos sem respaldo técnico ou mediocremente assessorados nas intervenções urbanas, sejam elas legíferas ou factuais e quando falei de uso e ocupação do solo me referi aos empreendimentos e atividades que os configuram, pois da Louos em si mesma todos se lembram da promessa do prefeito, ainda em campanha, de revê-la junto com o PDDU: referi-me aos desmandos e irregularidades pontuais promovidos por quantos interferem na cidade de forma definitiva, porque, como diz Mies van der Rohe, "os edifícios têm vida longa" e essas ocupações horrorosas, essas, sim, equivocadas, devem ser analisadas e criticadas pelas poucas instituições que têm autoridade concedida para produzir pensamento crítico e ético sobre o urbano e suas complexidades e pô-los em prática (no caso da Ademi), já que a universidade só cumpre a primeira parte. Também o editor de Opinião, Jary Cardoso, é testemunha de como tenho solicitado a publicação de artigos de arquitetos.
Criticando a omissão do IAB-BA dei ao seu presidente a oportunidade de proclamar as suas realizações, pois muitos nem sabem que associação é esta e muitos arquitetos desconhecem a eficiência do Instituto; não estou sendo sarcástico: assunto diário e mais importante que o IAB é a transformação da cidade e seria útil que outros mais participassem dessas discussões amigáveis. Pelos jornais.
*Arquiteto e urbanista

Salvador: Já está melhor

 Antônio Carlos Magalhães Neto*
“Completo três meses como prefeito da primeira capital brasileira com a consciência absoluta de que estamos no caminho certo e que temos trabalhado muito para que tenhamos uma cidade cada vez mais digna e mais humana para o seu povo. Jamais disse que administrar Salvador era uma tarefa fácil e muito menos que os graves problemas da cidade seriam resolvidos com mágicas. Pelo contrário. Durante toda a campanha e em meu discurso de posse deixei claro que, antes de qualquer coisa, era preciso colocar a casa em ordem para, depois, iniciar as transformações e obras necessárias para resgatar a autoestima da nossa gente.
Mesmo assim, já temos muito a apresentar e confesso que não esperava fazer tanto em tão pouco tempo. Devo isso a um secretariado, colaboradores e servidores que trabalham muito, que são competentes e têm compromisso único e exclusivamente com a cidade. 
Para minha alegria vejo que a população já percebe que Salvador está diferente. A começar por um prefeito que está sempre presente nos bairros e governa junto com as pessoas. Isso resulta na melhoria nos serviços públicos, a exemplo da limpeza, iluminação e conservação da cidade. As ações nas áreas essenciais, como a saúde, a educação e a promoção social, também avançam com medidas como a reforma e construção de postos, escolas em tempo integral e o Bolsa Família Móvel. Na área da gestão e transparência, a prefeitura adotou medidas inéditas, a exemplo do decreto contra o nepotismo e recadastramento dos servidores.
Na Fazenda, uma proposta de reforma tributária, que não eleva impostos, foi enviada à Câmara para tornar Salvador autossuficiente do ponto de vista financeiro até 2016. E tem mais: a prefeitura prepara um projeto de requalificação da orla, investe para melhorar a mobilidade urbana e o transporte público com projetos como o Domingo é Meia, que vai beneficiar diretamente 500 mil pessoas a partir do próximo domingo. Isso sem falar que a cidade volta a ter ordem e fiscalização.
Na Educação, por exemplo, a prefeitura já iniciou a reforma de 70 unidades de ensino. A ação, desenvolvida pela Secretaria da Educação possibilitou a inauguração de quatro novas escolas: Pituaçu, Agnelo de Brito, União da Boca do Rio e Lagoa do Abaeté. Na saúde, retomamos a construção das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) dos bairros de Brotas e Itapuã, que estavam paralisadas, fortalecendo a atenção às urgências e emergências no município. Determinei, ainda, a construção de quatro novas unidades de saúde em Mussurunga, Fazenda Coutos, Parque São Cristóvão e Dom Avelar, além da reforma de outras 17 em diversos pontos da cidade.
Outra novidade é o Bolsa Família Móvel, serviço lançado em janeiro e que já visitou dez bairros e atendeu a quase 1.000 famílias. O objetivo é fazer a busca ativa de 40 mil famílias que possuem o perfil, mas que ainda não tiveram acesso aos benefícios sociais do governo federal.
Para melhorar a mobilidade urbana da cidade, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Transportes (Semut) está desenvolvendo o projeto Corredores Progressivos, com piloto a ser implantado nos dois sentidos do trecho Aeroporto - Pituba e previsão para operar em junho deste ano, durante a Copa das Confederações. Também está em fase de elaboração o edital de concessão do sistema de transporte urbano de Salvador, para concessão dos serviços de transporte público e de terminais de passageiros.
No âmbito da gestão, temos atuado na reorganização do quadro de servidores e funcionários municipais, assim como nos processos administrativos, com o intuito de dar maior eficiência à administração municipal, valorizar o servidor público e melhorar a prestação de serviços junto à população. São ações como estas em todas as áreas que me deixam muito feliz neste aniversário de 464 anos de Salvador, cidade onde nasci e nasceram minhas filhas. Cidade que tenho orgulho de administrar e que vou dedicar meus quatro anos de mandato para recuperar sua autoestima e devolver a alegria aos soteropolitanos.” 
*Prefeito de Salvador
**Artigo publicado na Tribuna da Bahia - 29/03/2012

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Salvador: A inércia da cultura e a cultura da inércia

 
Gil Vicente Tavares*

Salvador elegeu um novo prefeito, e o pouco que ele fizer será o suficiente e necessário para o soteropolitano comum. Se em quatro anos a cidade estiver bem asfaltada, sem engarrafamentos crônicos e com barracas de praia e uma orla mais bonita, ele será reeleito como um excelente prefeito, avaliado como um dos melhores, quiçá o melhor do país. 

Somos espremidos culturalmente entre duas grandes festas, o São João e o Carnaval. Os meses que antecedem essas festas são de preparativos para essas efemérides. Assim, resume-se a cultura do soteropolitano médio. Para ele, é suficiente ter uma cidade sem buracos e engarrafamentos, uma orla bonita e ruas sem lixo, uma reforma de praça aqui e acolá e a sensação de estar seguro. Com isso, ele poderá circular do trabalho pra casa, e da casa pro Shopping Center, do trabalho pro Shopping Center, ou de um dos três para a praia. E assim o soteropolitano será feliz.
Esperar isso de um prefeito, atualmente, é muito, tenho que admitir. Confesso até que, pra mim, se a gestão de ACM Neto resolver essas questões de forma competente, honesta e pensando em qualidade e durabilidade, bem como projetando uma cidade que funcione e ande nos trilhos por muitos anos, tudo isso seria sensacional.
Contudo, há um problema grave. A falta de ambição, de crescimento subjetivo, de sensibilização e qualificação intelectual e simbólica da cidade é algo preocupante e começa pelos políticos que a administram.
ACM Neto é de uma geração de ignorantes e limitados culturalmente; a minha geração. Herdou da geração passada, que em boa parte conduz os caminhos do entretenimento na cidade, uma visão medíocre da cultura, e vai governar para um povo que caminha na mesma direção.
Escrevi certa vez sobre a relação do trânsito e da cultura de Salvador, e Roberto DaMatta publicou um livro que não li, mas acompanhei resenhas e entrevistas, e caminha nesse sentido, intitulado Fé em Deus e Pé na Tábua. Nossa cidade chegou a um nível de brutalidade que se traduz na forma agressiva e egoísta de se comportar em ônibus e automóveis. Na forma como se ouve músicas de péssima qualidade (não vou entrar naquela de defender a atual qualidade da nossa música para parecer bonzinho, plural e compreensivo com a estupidização dos gostos), seja sem fone nos transportes públicos, seja no volume altíssimo dos automóveis particulares. Paramos o carro em locais proibidos, buzinamos sem educação, não damos passagem, ultrapassamos pelo acostamento, enfim, os problemas que nosso futuro prefeito pode resolver vão fortalecer a ideia individualista de transitar pela cidade de forma tranquila para, em contraposição a ela, poder chegar ao shopping ou ao ensaio de alguma banda dessas que vão surgindo e se metamorfoseando pior que vírus da gripe.
Nosso problema passa pela cultura. Pela sensibilização de um povo, pela valorização de nossa criação e fortalecimento do que mais atrai turistas para a cidade, que é nossa arte. Por mais belo que seja, pergunte a um turista se a motivação dele em vir pra Salvador é o Farol da Barra ou nossa música. O problema é que o turista conhece muito pouco o que produzimos fora do carnaval e São João, que é o que é vendido pra fora, mesmo pela Saltur e Bahiatursa, enfim, o Estado alimenta poucos empresários e artistas que se locupletam das benesses públicas para enriquecer e transformar Salvador num puteiro e cervejódromo a céu aberto.
Quem ganha com carnaval e São João? Boa parte das pessoas que conheço deixa de trabalhar durante essas festas, deixa de ganhar dinheiro, e somente gasta, ficando aqui e consumindo a produção de poucos, ou viajando e torrando suas economias, para ver-se livre do caos que se instala na cidade.
Eis a primeira parte do problema: vivemos uma cultura da inércia. Qualquer cidade do mundo que se preze tem um teatro municipal. Boa parte das vezes, com um balé municipal, às vezes com uma orquestra. A prefeitura é a maior investidora e potencializa a diversidade, investe em qualidade, em visibilidade e fortalecimento da cultura, através das artes profissionais e das artes amadoras, populares. Mas aqui, não se faz nada e a população também não se incomoda, não sente falta, quando muito viaja pra fora e volta louvando a civilização e a cultura como se fossem coisas incapazes de acontecer aqui.
Essa cultura da inércia também é evidenciada na questão reativa das pessoas. Enquanto está tudo parado, nada acontece, as pessoas também ficam paradas, nada é dito. Basta alguém agir para uma turba reagir. Se alguém se pronuncia para criticar algo, a primeira reação, antes mesmo de tentar corroborar a crítica, melhorá-la ou entendê-la, é a de criticar a crítica. São os abutres e rêmoras, que jamais pensam, formam um pensamento relevante, mas ao primeiro sinal de algum pensamento alheio reagem com críticas, impropérios, e o problema fica circular e autofágico, visto que os que deveriam ser criticados ficam lá de cima vendo os idiotas criticando-se e engalfinhando-se em picuinhas e disputas imbecis.
A gestão passada da cultura, no Estado, foi severamente criticada pela classe teatral – e coloco-me entre estes – e disso surgiu o movimento Cultura na UTI, pessoas influentes nos meios de comunicação saíram esculhambando, protestando, até mesmo ridicularizando a recém criada Secult. O governador Jaques Wagner se reelegeu e mudou a equipe da cultura. Ao invés de editais polêmicos, ações taxadas de persecutórias, favorecimentos e equívocos denunciados e muita, mas muita picuinha tanto da parte do governo quanto da sociedade civil, ao invés disso tudo, assume a Secult uma equipe que decide passar um primeiro ano pagando – o que a classe teatral, por exemplo, aceita – as dívidas da gestão passada. O atual Secretário de Cultura, diga-se de passagem – e reitero isso mais uma vez, aqui – declarou, para ingênuo ciúme das outras áreas, que daria especial atenção ao teatro profissional, esperto que foi ao citar em seu discurso de posse a classe mais virulenta na relação com a Secult. Chegamos ao fim do segundo ano de gestão e o que foi feito? Chegamos à inércia da cultura. Tudo parou, recuou, desapareceu, foi esquecido, e nossa cultura da inércia aceitou isso. Além de tudo, novos editais serão lançados com dívidas já da atual gestão, provando que o paradeiro do primeiro ano é muito mais um reforço de nossa inércia do que uma atitude consciente coerente. Passamos, da antiga para a atual gestão, de diversos editais que garantiam um número de produções, circulações, publicações, etc., para um vazio total. Há que se considerar que, usando como exemplo a produção cultural, se muita coisa ruim estreou e muita coisa boa ficou de fora no mandato anterior de Wagner, foi justamente porque, na pretensa ideia de democratização, comissões compostas pela sociedade civil, artistas em sua esmagadora maioria, decidiram por isso. Digo pretensa porque o governo, ao escolher a comissão, também pode, já de início, manipular o resultado, bem como os critérios de avaliação dos projetos concorrentes.
Cadê os grandes bastiões da defesa da cultura? Os revoltados, questionadores, contestadores? Saímos de uma gestão ativa e taxada de negativa em suas ações, para uma gestão letárgica, inativa e que provocou a mesma inércia nos irascíveis combatentes da cultura.
Seja pela educação, pela nossa história cultural, pela nossa ressaca de ex-capital, pela monocultura que veio das plantações para um comportamento cultural do soteropolitano, seja porque cargas d’água que seja, mas é fato que chegamos a uma situação onda a arte não faz parte dos interesses do soteropolitano. Vivemos uma cultura do entretenimento, e a brutalidade tomou conta da cidade também por isso.
Há duas soluções simples.
A primeira é aceitar nossa cultura da inércia e, com isso, ser conivente e/ou resignado com a inércia da cultura. Administra-se as grandes festas, dá-se um trocado aqui e acolá para os artistas fazerem peças pra si mesmo e seus colegas e familiares, esses mesmos artistas ficam felizes em estar conseguindo produzir, e vamos numa ciranda de inutilidade. Salvador seguirá, assim, sua sina de mediocridade, falta de educação, estupidez e burrice, sendo, como disse acima, um grande cervejódromo e puteiro a céu aberto, espremido entre duas festas, a cada semestre, oscilando entre prefeitos que deixem a cidade transitável e limpa – notadamente nos bairros mais “nobres”, com uma reforminha de fachada aqui e acolá nos subúrbios e periferias – e outros que destruam ela, como nosso atual que, no apagar das luzes, está mais preocupado com a aprovação de suas contas e sua campanha ao governo do estado. E fica um recado, principalmente aos que elegerem e reelegeram-no: é possível que ele ganhe, pois vocês, nós, Salvador, botou e deixou-o lá, a despeito de tudo: por que não a Bahia?
A segunda opção é óbvia, um contraponto à primeira. Sairmos dessa cultura da inércia e questionarmos a inércia da cultura.
Uma tola comparação. Se você chegar para uma criança e pedir pra ela escolher entre dois tipos de refeição diária: a primeira, frutas, cereais e pão integral, pela manhã, feijão, arroz, salada e peixe no almoço e sopa e frutas no jantar, e a segunda, hambúrguer e milk-shake, pela manhã, macarrão, farofa, ovo frito e batata frita, no almoço, e hambúrguer, Milk-shake, batata frita e chocolate à noite. O que ela escolheria? O que seria melhor pra ela?
Numa cidade à beira da barbárie, sua população não vai demandar espetáculos de dança, peças profissionais de qualidade, concertos de câmara, óperas, festivais dessas linguagens, retrospectiva de grandes cineastas, exposições internacionais e nacionais, acervo exposto dos grandes artistas locais. Não vai.
Esse movimento deve e tem que vir “de cima pra baixo”. Tem que ser uma ação pensada, arquitetada e intencionalmente feita pelo governo municipal e estadual com o intuito de ampliar a cultura de seu povo, diversificar opções, engrandecer sua sensibilidade, conhecimento, visão de mundo e poesia.
É engano achar que as artes surgiram como movimentos endógenos, naturais e necessidade premente de povos e nações. Basta estudar um pouco de história para perceber como governos, impérios e reinados, utilizaram-se, de forma consciente, das artes como forma de fortalecer, engrandecer e dar identidade, legitimidade a uma nação, ou povo, ou civilização. Basta colocar no Google nomes como Péricles, Renascimento Italiano, Teatro Elisabetano, basta ler um excelente prefácio de Martin Esslin para uma compilação de ensaios de teatro alemão, e ler sua inveja em relação à Alemanha, que, percebendo a força do teatro como instrumento cultural de excelência e engrandecimento de sua cultura, incentivou e fortaleceu essa arte de forma significativa.
ACM Neto sabe muito pouco ou nada disso, e nem sequer demonstra a postura de estadista que percebe na cultura um poder de mudança, transformação e engrandecimento de um povo. Assim o é com Jaques Wagner, assim seria com Pelegrino, provavelmente, por mais que, assim como os viadutos e a pressão do “time de Lula”, a cultura parecesse ser um eixo da sua campanha.
Há gente capaz, visionária, disponível na praça? Talvez não como sonhamos, e com as ferramentas necessárias. A não criação de uma secretaria de cultura municipal já traduz um pouco os caminhos de Neto. Eu arriscaria a propor não uma secretaria de cultura, mas uma secretaria das artes, onde o carnaval e o São João ficassem de fora – fossem pra turismo e infraestrutura, por exemplo – e houvesse um pensamento direcionado a enlevar e ampliar, diversificar a monocultura do soteropolitano.
Contudo, para se tirar Salvador dessa inércia da cultura, é preciso que alguns, poucos ou muitos, saiam de sua cultura da inércia. Vivemos numa cidade onde quando alguém pensa, critica, questiona e se posiciona, é prontamente alvejado, irresponsavelmente e destrutivamente alijado. Toda tentativa de ir ao encontro da luz, como no mito de Platão, gera reação virulenta. Basta que todos aquiesçam com as sombras para que o silêncio impere e a escuridão nos cubra de desgraça.
Salvador precisa urgentemente ser mudada através de sua arte e de sua cultura. Asfaltos sem buraco, orla bonita, segurança, trânsito livre e outras questões prementes, necessárias e fundamentais, não modificarão a cidade. É preciso se pensar uma Salvador do século XXI, ao menos uma pequena revolução cultural e de costumes para sairmos dessa barbárie.
Precisamos acabar com essa nossa cultura da inércia, nos posicionarmos, em conjunto, contra as sombras que nos cegam, reclamarmos e reivindicarmos que nossa cultura saia dessa inércia e que possamos ter uma cidade melhor não só na aparência e funcionamento. Mas em sua alma e coração.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Paulo Ormindo não está só

Consuelo Pondé de Sena*
Não sou arquiteta nem urbanista, mas amo minha cidade. Por isso, estou sempre a defendê-la com palavras de pertencimento e, no IGHB, têm sido realizados Seminários sobre a urbanização de Salvador, coordenados por Jaime Nascimento e Hugo Gama sobre temas que interessam aos soteropolitanos.
Essa atitude nada tem a ver com interesses políticos, pois a Casa da Bahia sempre esteve, incondicionalmente, a favor da cidade e do Estado da Bahia . Nela foram definidos, entre outros, assuntos polêmicos, tais como a fixação do 29 de março como a data simbólica da fundação de Salvador e a derrubada da Igreja da Sé. Vale lembrar as considerações de Fernando da Rocha Peres, autor do livro "Memória da Sé" sobre a polêmica em torno do assunto, que tanto mobilizou os baianos, quando das "obras de melhoramento" da cidade, iniciadas em 1912.
Tendo à frente o governador J. J. Seabra, os urbanistas municipais promoveram a destruição das igrejas: da Ajuda, a matriz de São Pedro, a igreja do Rosário do Pereira, a fachada do Convento e Igreja das Mercês, para dar lugar a Avenida Sete de Setembro. A igreja da Sé estava nesse ról, mas foi poupada ao longo de dezesseis anos de debates e negociações. Em 1923, o historiador baiano, Braz do Amaral, anteriormente vinculado ao seabrismo, assumiu providencial postura, na defesa da manutenção da Sé da Bahia , erguida em 1952 e demolida em 1933.
A campanha não contou com a imprensa da época que, tristemente, aceitou a derrubada da velha Sé, posicionando-se pelo "renovamento imperioso". A palavra de ordem era "modernização", alegando-se, entre outros disparates, que a Sé não possuía qualidade artística nem conteúdo histórico que justificassem a sua manutenção. Toda essa campanha encontrava eco nas intervenções ocorridas no Rio de Janeiro , que se espelhara em Paris. Mas, a Sé continuava de pé, apesar das constantes críticas veiculadas na imprensa.
Após o movimento de 1922, conhecido como a Semana da Arte Moderna, em São Paulo , surgiu o modernismo tardio de 1928 em Salvador. Intelectuais engajados no futurismo provinciano cruzaram os braços sobre o assunto. Apenas um deles, o poeta Godofredo Filho publicou, em 1933, um artigo em defesa do templo. Entretanto, conforme Fernando Peres: "A mobilização a favor do monumento será feita pela elite de sócios do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia , instituição que naquele instante assumia o seu papel de guardiã do nosso patrimônio cultural histórico e cultural.
É através da imprensa diária e de um número especial da sua Revista, em 1928, que veremos os intelectuais da Casa da Bahia desfiando seus argumentos favoráveis à preservação da igreja da Sé; Pirajá da Silva, Filinto Bastos, Bernardino de Souza, Teodoro Sampaio, Gama e Abreu, Borges de Barros, Pedro Calmon, dentre muitos outros, são aqueles que mais se destacam dentro da campanha para salvação do templo."
Wanderley Pinho também assumiu papel significativo nessa luta patriótica, desde 1917, sobre a qual, em 1925, concedeu notável depoimento.
Como sempre agia na defesa intransigente da Bahia e do patrimônio baiano, Bernardino de Souza, senhor de uma personalidade combativa e persistente, pediu o apoio das entidades congêneres do Rio e de São Paulo para a defesa do antigo templo que também serviu como fortaleza contra os holandeses.
O assunto é bem mais extenso, mas não posso me perder apenas nessas considerações, porque o problema que se coloca, neste texto, é a defesa, quase solitária, do arquiteto e Professor titular da Ufba, Paulo Ormindo de Azevedo, do projeto de uma via alternativa para impedir a polêmica construção da Ponte Salvador - Itaparica sobre as águas da Baía de Todos os Santos. Seus argumentos são claros e elucidativos, mas falta-lhe o apoio maciço dos seus colegas, de alguns políticos de expressão local e nacional, com voz e voto nas Casas do Congresso Nacional, além dos associados do IGHB, valendo-se do prestígio do passado, sem falar no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia, e na sociedade civil organizada. Esta só se tem preocupado com questões relacionadas com o racismo, a inclusão social, a homofobia, o sistema de cotas, o preconceito contra A e B, esquecendo-se da sua cidade.
Por isso, no artigo publicado no domingo, após longa exposição sobre o tema, Paulo Ormindoconcluiu com essas palavras: "Mas não quero me alongar, pois estou me tornando um pregador no deserto".
Não, caro companheiro, há poucos dias, no IGHB, seu colega, o arquiteto Fernando Peixoto, ao tratar da atual "desqualificação" de Salvador mencionou o seu nome e a sua luta, tendo sido vivamente aplaudido quando se referiu à referida ponte. Se hoje o Instituto não tem a representatividade do passado, muitos dos que aqui estão sentem o mesmo desconforto em relação aos problemas da capital e do interior da Bahia .
*Presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia

Palestra de Fernando Peixoto no IGHB

Salvador pede socorro

Samuel Celestino*
Desde os primeiros encontros entre o prefeito ACM Neto e o governador Jaques Wagner a novela do metrô de Salvador tem estado na ordem do dia. Até agora, nada avançou. Há sempre problemas envolvendo tarifas de passagens e outras coisas mais. Enquanto isso, o metrozinho de R$1,2 bilhão - supostamente boa parte desses recursos desapareceram no ralo da corrupção - acumula ferrugem ou desgaste em consequência do tempo. O trem do subúrbio, que também entraria no acordo, é uma lástima em prejuízo da população. Há, a não ser que desmarquem, uma nova reunião entre os dois governantes prevista para amanhã. Espera-se que haja uma solução. 

Trocas de afagos entre Neto e Wagner não faltam. O primeiro disse à semana passada que a relação entre ambos é de alto nível (ou termo semelhante) o que deve ser mesmo porque ambas são pessoas que se relacionam educadamente com aliados ou adversários. Não basta a forma gentil como se tratam, mas que cuidem com a maior rapidez dos problemas que exigem solução, porque Salvador é uma cidade travada.            

Ainda na terça feira, uma frota de ônibus cercou a região crítica do Iguatemi e parou o trânsito durante duas horas e meia. Ninguém fez nada. Em outros tempos, autoridades mandariam motoristas que servem ao governo ou à prefeitura remover os veículos e os multaria severamente. Nada. Prejudicada ficou a população. Não parou por aí. Os comerciários ajudaram na paralisação em manifestação contra o trabalho na Sexta Feira Santa. Ninguém, de igual modo, tomou providência. Democracia não é isso. É o direito de ir e vir da população e não a punição de que precisa se deslocar. Neste caso, o que se verifica é a ausência de autoridade. Não há outra alternativa.        

A situação tende a piorar porque o número de veículos em trânsito deve aumentar com a manutenção da queda do IPI que se, de um lado é positivo, de outro prejudica uma cidade como Salvador, carente de vias públicas, que por aqui não são abertas de há muito para facilitar a locomoção. O metrô seria, ou será (é possível que algum dia aconteça) uma das soluções, mas não só. São necessárias novas vias públicas, viadutos, um estudo urbanístico da cidade, projetos criativos, enfim, trabalho. Reuniões sobre reuniões, numa sequência que não leva a nada, não constrói coisa alguma. Enquanto isso não chega, há a solução de combater os estacionamentos absurdos que se observam em todos os cantos e vias.          

O metrozinho e o sistema que deverá ser construído na Paralela até Lauro de Freitas pode ser uma meia-solução para daqui a três, quatro, cinco anos, ou, quiça, 12 anos com o municipal. Enquanto isso, Salvador pede socorro. 
*Jornalista e articulista do jornal A Tarde

terça-feira, 2 de abril de 2013

Antônio Risério e a Crise Urbana

Escrito por Gianni Paula de Melo  - Revista Continente
No momento em que o país apresenta um significativo número de metrópoles que não param de “inchar” – para usar o termo que Gilberto Freyre considerava mais adequado que a simples ideia de “crescer” – , o intelectual baiano reúne no livro  A cidade no Brasil (Editora 34).uma série de ensaios que remontam ao processo de urbanização do país desde o período colonial, mostrando como e por que chegamos ao atual modelo caótico.  
Ao tópico crise urbana contemporânea, ele dedica apenas o último capítulo do livro, no qual condensa questões como segregação, segurança pública e privatização de espaços coletivos. A Revista Continente procurou Risério para aprofundar esses assuntos que têm pautado discussões diárias nas grandes cidades brasileiras.
PSF: A atual crise urbana é um fenômeno generalizado ou conseguiríamos apontar metrópoles do país que escapam a essa lógica?
ANTONIO RISÉRIO: A crise é geral. Nenhuma cidade importante, de uma ponta a outra do país, vive dias tranquilos. Brasília, apesar de sua claridade e de suas virtudes, está no meio disso. E vai ficando sempre mais violenta. Curitiba, exemplo extremo de city marketing, com aquela arquitetura pesada e fechada, como boa parte dos seus habitantes, também. É claro que a cidade experimentou avanços, mas a Curitiba real, com favelas e discriminações, não coincide com a retórica de Jaime Lerner. O Brasil fez seu grande movimento de transição urbana – coisa que hoje vemos na China, na Índia e em países africanos como a Nigéria – entre as décadas de 1950 e 1970. Foi aí que tivemos a migração massiva do campo para a cidade, com o país deixando de ser vastamente rural para se tornar predominantemente urbano. Mas os problemas não foram resolvidos. São Paulo, por exemplo, tornou-se ainda mais desequilibrada, desigual e segregada, com uma nova e imensa periferia formando-se a partir da década de 1950, no rastro da indústria automobilística – desta vez, não mais com imigrantes europeus, mas com a migração nordestina. Hoje, ainda é a nossa cidade mais rica e poderosa, mas é um lugar onde a “mobilidade urbana” corre o risco de se converter em ficção urbanística e os serviços públicos são de baixa qualidade. Triste, ainda, é a situação de Salvador, mergulhada num estágio avançado de deterioração física e simbólica, com uma prefeitura que até 2012 mesclava corrupção e incompetência, um governo estadual omisso e uma população surpreendentemente apática. Para sair da grande crise urbana brasileira, vamos precisar de um verdadeiro Ministério das Cidades, de uma verdadeira reforma urbana nacional e de uma verdadeira vontade coletiva de sair do buraco. 
PSF: Há uma música do Tom Zé que diz: “Bahia que padece de usura, que quer fazer torre de toda altura”, remetendo a um quadro de verticalização similar ao do Recife. É possível traçar um paralelo entre a capital pernambucana e Salvador?
ANTONIO RISÉRIO: Historicamente, a verticalização de cidades como Salvador e Recife começa com os altos sobrados coloniais. Sobrados de cinco e seis andares marcavam a paisagem dos antigos centros urbanos brasileiros. Outra coisa, que muita gente parece não notar, é o gosto ou a opção popular pela verticalização, visível em tantas favelas e bairros pobres, onde processos de autoconstrução geram prédios que vão somando andares. Não vejo isso nas “vilas” paulistanas, com suas casas de dois pavimentos, mas é coisa comum no Rio e na capital baiana. Outro dia, em Salvador, na confusão cheia de vida do bairro proletário de Pernambués, vi uma casa térrea com uma placa onde se lia “edifício fulano de tal”. Quer dizer, para além do otimismo do proprietário, tratava-se de um projeto, de algo predeterminado. Mas há uma diferença entre Salvador e o Recife, além do fato de que a capital pernambucana hoje é uma cidade mais organizada e menos malcuidada que a baiana. No Recife, já temos a verticalização da orla, como em Boa Viagem. Em Salvador, essa verticalização, em grande medida, ainda vai acontecer. Mas Salvador não deve seguir o exemplo do Recife, nesse caso. Porque o importante não é a altura das construções, mas a distância entre os prédios, que não pode ser pequena e deve ser definida com clareza e força de lei, de modo a garantir a passagem da luz e o movimento das brisas. Em Boa Viagem, temos uma parede de prédios, sombra na praia. O pior exemplo brasileiro, nesse sentido, é Copacabana. Afora isso, penso que a verticalização é menos danosa ao meio ambiente do que o espraiar dos subúrbios. A começar pelo consumo de terra: o sujeito que mora no vigésimo piso de um prédio, com dois apartamentos por andar, consome menos terra do que quem mora num condomínio de casas. Menos terra, menos água e menos energia. A cidade dispersa implica mais e maiores deslocamentos automobilísticos, mais gases de efeito estufa. A cidade compacta, ao contrário, aproxima as pessoas e as coisas. 
PSF: “Fobópole” e “Privatopia” parecem conceitos centrais sobre a relação da sociedade com a cidade. Em que contexto surgem essas expressões?
ANTONIO RISÉRIO :Fobópole é o título de um livro de Marcelo Lopes de Souza, publicado no Rio, acho que em 2008. É uma palavra-montagem de extração grega, justapondo os vocábulos fobia e polis. Ou seja: “cidade do medo”. Privatopia é também um conceito novo, que surgiu em meio a estudiosos norte-americanos, justapondo uma palavra latina (privatus, no sentido de particular, de próprio) e uma grega (topus, de lugar), indicando o espaço privado como espaço ideal das classes privilegiadas, longe da promiscuidade, dos acasos e perigos dos espaços públicos. Essas expressões são filhas da violência e da segregação urbanas. Da violência e da segregação atuais, bem-entendido. Porque violência urbana sempre existiu. A Roma clássica era violenta, como violentas eram as vidas nas cidades coloniais brasileiras. A diferença, hoje, está na onipresença da violência e, consequentemente, na onipresença do medo. As pessoas passaram a construir muros não contra inimigos externos da cidade, mas contra supostos inimigos internos de classes ou grupos sociais economicamente dominantes. As cidades sempre tiveram muros delimitando sua área. O problema, hoje, é que os muros passaram a ser edificados intramuros, definindo enclaves fortificados. A fobópole incrementa aprivatopia. Os conceitos respondem a essa realidade, que se configura a partir da segunda metade do século 20.
PSF: A “cultura do medo” é interessante e rentável para várias frentes ideológicas e áreas de negócios. Você acredita que afobópole interessa ao próprio Estado?
ANTONIO RISÉRIO: A “cultura do medo”, levando elementos e princípios da engenharia de guerra (guaritas, cercas elétricas, sirenes, câmeras de vigilância, etc.) para a produção de moradias, por exemplo, é altamente lucrativa para certas fábricas, empresas de segurança e afins. Deve interessar a quem produz isso, a quem atua nessas áreas, a empresários e trabalhadores do ramo. Mas não vejo razão maior para isso interessar ao Estado. Na verdade, a onipresença do medo pode conduzir a uma espécie de militarização cotidiana da vida citadina que, se pode interessar a milícias, não interessa ao Estado, que se vê até mesmo na obrigação de tentar recuperar seu monopólio da coerção organizada.
PSF: Quais medidas a sociedade civil organizada poderia tomar para estimular uma reeducação entre as pessoas e a cidade?
ANTONIO RISÉRIO: Talvez seja o caso de a “sociedade civil” começar a pensar em sua própria educação, em procurar educar-se a si mesma, antes de pensar em qualquer outra coisa. Porque ela não é nenhum exemplo. É a grande criadora de problemas em nossas cidades. De onde vem toda a grossura no trânsito? Quem promove, consome e até celebra privatizações escandalosas de espaços públicos, como, por exemplo, de segmentos litorais de algumas cidades? A sociedade civil pode não ser a origem de todo o mal, como querem alguns filósofos, pensadores políticos, mas ela certamente não é nenhuma fonte sublime do bem. Vejamos uma coisa bem simples, rasteira. O problema todo, hoje, começa já na esfera da educação doméstica – e se prolonga no campo da educação urbana. As pessoas não sabem mais se comportar, dentro e fora de casa. Perderam o senso dos padrões razoavelmente aceitáveis de conduta urbana. Lembro-me, aliás, de que, quando eu era adolescente, as pessoas mais velhas costumavam empregar as palavras “urbano” e “urbanidade” como sinônimos de boa educação, de saber se comportar ou se conduzir na urbe. Num certo sentido, a expressãourbanidade era o nosso equivalente da sociabilité dos franceses. Uma pessoa urbana era uma pessoa polida. E hoje? A sociedade tem de reaprender até os chamados “bons modos”.
PSF: Os movimentos ligados às questões da urbanização refletiriam a segregação da sociedade, posto que são liderados por intelectuais de classe média e, às vezes, pouco articulados com as camadas populares?
ANTONIO RISÉRIO: Não é bem assim. Primeiro, porque, com ou sem intelectuais de classe média, as camadas populares vêm discutindo, a partir de suas óticas e informações, temas e problemas da vida urbana brasileira. Isso é bem visível em São Paulo, com associações de bairro, por exemplo, mas também em muitas outras cidades brasileiras. Acontecem até “audiências públicas” na Câmara Municipal para ouvir esses agrupamentos comunitários. De outra parte, não olho com nenhum preconceito o desempenho político-social de intelectuais da classe média. A classe média sempre esteve na vanguarda das transformações sociais e culturais do mundo moderno. Um dos erros espetaculares do marxismo, com sua ênfase no confronto antagônico entre burguesia e proletariado, foi, exatamente, o de achar que o destino da humanidade estava inteiramente nas mãos do proletariado e de atacar e afastar a classe média do campo progressista, empurrando-a para os braços do conservadorismo, da direita. Acho, por isso mesmo, que nossos artistas e intelectuais “de esquerda” ainda devem um grande hino, um elogio à coragem, à criatividade e à ousadia classemedianas. A classe média muitas vezes está na linha de frente de extraordinários avanços, de grandes conquistas. Está presente, sim, nos “movimentos ligados às questões da urbanização”. Mas não meramente em decorrência da segregaçãosocioespacial – e, sim, porque vive intensamente as cidades.
PSF: No livro, o termo “urbanização pirata”aparece relacionado às ocupações realizadas por moradores de ruas e favelas. Esse conceito está associado basicamente a esses tipos de ocupações ilegais?
ANTONIO RISÉRIO: São ocupações ilegais ou extralegais. Mas é preciso fazer uma diferenciação sociológica, porque os ricos também invadem terrenos públicos, constroem sem alvará, fazem mil coisas proibidas, sem falar do uso escandaloso de inside information, de informação privilegiada, para fins altamente lucrativos. Só não falamos de urbanização pirata, a propósito de tantas coisas, porque as elites não raro têm o aparelho estatal a seu serviço. Mas a verdade é que o comportamento de nossas elites sociais e econômicas, diante do espaço urbano, pode muitas vezes ser classificado como “caso de polícia”, embora essas pessoas raramente paguem pelo que fazem. Então, a expressão urbanização pirata fica reservada para coisas que envolvem segmentos populacionais menos favorecidos socialmente. É o caso de loteamentos clandestinos nas grandes cidades, com frequência assentados sobre as chamadas “áreas de risco”, com a autoconstrução proletária ou lumpemproletária ameaçando mananciais. É bandidagem fundiária atraindo pobres, não a bandidagem fundiária dos ricos, regra geral muito bem protegida.
PSF: Outro termo que você usa é “fundamentalismo ambientalista”. Acredita que há uma militância exagerada ligada à temática verde?
ANTONIO RISÉRIO: O problema não é de “militância exagerada”, mas de um ativismo cego, em que reinam uma série de clichês euma carência absurda de informações. O que temos, no Brasil, é um ambientalismo de ideólogos, em que não há cientistas. Então, a racionalidade é destronada pela crença, pelas fantasias, pelo fundamentalismo. Por esse mesmo caminho, nossos ambientalistas também querem fazer de conta que não serão gigantescas as dificuldades evidentes da passagem da economia de alto carbono para uma nova economia, uma economia “verde”, de baixo carbono. Vão ser dificílimos, também, a superação de hábitos, o descarte de ideologias e signos de “status”. Quando não se leva nada disso em consideração, o fundamentalismo dá as cartas – e esse ambientalismo fundamentalista ou esse fundamentalismo ambientalista não me interessa nem um pouco. 
PSF: Além da superpopulação das metrópoles e do esvaziamento do campo, existe um movimento de urbanização das cidades de interior. Este é um quadro preocupante ou inevitável?
ANTONIO RISÉRIO: É inevitável. Marx já antevia uma urbanização em escala planetária. Diante das megacidades que nos aguardam, num futuro próximo, nossas atuais metrópoles ainda vão sugerir cidades de porte médio. As cidades caminham para conturbações espetaculares. No Brasil, também, e precisamos estar preparados para isso. Especialmente porque há um aspecto fundamental para nós, que não vivemos nas democracias ricas do Atlântico Norte: cidades imensas, hoje, são um fenômeno da pobreza, coisa de países emergentes. Durante o século 19, as maiores cidades do mundo eram europeias, mas as coisas mudaram. Em meados do século passado, Nova York deixou Londres para trás, tornando-se a maior cidade do planeta – mas, já pela década de 1980, Tóquio desbancou Nova York. Daí para cá, cidades extraeuropeias, cidades do Hemisfério Sul, crescem de modo espantoso. Hoje, no século 21, nenhuma das megacidades do mundo está na Europa. Elas se distribuem agora pelas Américas, pela Ásia e pela África. E aqui, fora dos EUA, estão se expandindo de um modo terrivelmente favelizado. São as megacidades subequatoriais, crescendo na China, na Índia, no Brasil, na Indonésia, no Egito, na Nigéria, na Turquia. Megacidades com megafavelas. Daí que Mike Davis diga que nosso futuro urbano, o futuro urbano do Hemisfério Sul, estará nas favelas, das barriadas mexicanas aos kampongs asiáticos. Isso não é profetismo apocalíptico, mas algo que já está acontecendo. A nossa grande luta urbana, nesta primeira metade do século 21, é contra a favelização final deste lado do nosso planeta. É dessa perspectiva que devem ser encarados todos os problemas, da mobilidade urbana aos delitos ambientais, passando pelo narcotráfico. Ou seja: o inevitável é, também, extremamente preocupante.
*Antônio Risério é Antropólogo e escritor. Participou das campanhas de Fernando Haddad e Dilma Roussef