quinta-feira, 20 de maio de 2010

O Urbanismo Humanizante

ANILTON SANTOS SILVA*
É uma concepção de urbanismo bastante debatida e pouco utilizada, não com esse conceito que estou introduzindo, mas decorrente da ideia de devolver a cidade a seus habitantes. O urbanismo humanizante tem como foco uma relação harmônica e integrada entre a cidade e seus habitantes, o que passa necessariamente pelo combate à exclusão social urbana e políticas públicas eficientes, envolvendo saneamento básico, transporte público coletivo (com a redução do veículo individual que beneficia menos de 30% da população urbana), segurança, saúde, educação, preservação ambiental, enfim tudo que é fundamental para uma vida digna na cidade.Nesse sentido, por que se pretende gastar bilhões no projeto Salvador Capital Mundial e não se resolve a questão da macrodrenagem da cidade? É curioso que quando se levantam as questões urbanas, o seu foco principal passa ao largo, ou não é claramente expresso. Por exemplo: por que o capital exerce tanto poder, determinando o ritmo e a estruturação da cidade? Por que não se expõe claramente a raiz dos problemas urbanos? Marx dizia que iremos sempre conviver com o dilema de educar os educadores e pensadores. Talvez, a falta dessa prática, ao lado do poder grandioso e estratégico que o capital exerce sobre a cidade, esteja na raiz da questão urbana. Quando irão reconhecer que a luta pelo direito universal à cidade é uma luta, sobretudo, contra o capital? Afinal quem elege os gestores públicos, não é o capital?O direito de transformar a cidade é um direito legítimo de todos seus cidadãos. Entretanto, assistimos em Salvador a um conjunto de intervenções propostas que envolve desapropriações de milhões de metros quadrados, das áreas mais valorizadas da cidade, ignorando a participação da sociedade organizada nessa decisão. Portanto, trata-se de uma usurpação do direito universal à cidade.Há um sentimento de impotência. Dificilmente teremos a capacidade de transformar a nossa cidade em mais humana, pautada pelo urbanismo humanizante, ela vista enquanto uma casa coletiva, cabendo aos seus habitantes (a coletividade) o direito de transformá-la e adequar sua expansão aos recursos tecnológicos, que toda grande cidade requer.
Assim, é imperativo fortalecer AS VOZES DA CIDADE, que se manifestam enquanto movimento livre que emerge da sociedade organizada. Se todos os movimentos não crescerem numa onda tsunami, os cidadãos soteropolitanos serão mais uma vez ignorados e avassalados, como já aconteceu com o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Tenho a impressão que a cidade está fragilizada em termos de uma representação independente, apartidária e sem comprometimento com o capital. Um coração infartado que pede socorro e o que encontra em sua defesa ainda é muito pouco.
Tudo isso tem uma lógica: a maioria dos movimentos sociais da cidade, de esquerda (ainda existe isso?), sempre combateu a estrutura de poder, e com o poder conquistado calou sua voz. Aparentemente não tiveram o que combater ou foram cooptados pela estrutura de poder.
Acontece que a cidadania não tem partido, só uma ideologia – a defesa do cidadão e do direito universal à cidade. O momento é delicado e não podemos assistir imobilizados a esse avassalamento urbano. É preciso reconhecer que a defesa da cidade é uma responsabilidade de seus habitantes.
Afinal, a quem pertence esta cidade? Ao capital imobiliário? Ao morador que constrói seu imóvel na forma que sua renda permite? Ao invasor, que ocupa ilegalmente o espaço que lhe é possível? Na verdade, a cidade pertence a todos seus moradores.Tudo isso me faz lembrar uma antiga história de um pastor luterano que disse:– Vi os judeus serem dizimados e nada fiz; percebo diariamente discriminações de grupos “minoritários” e nada faço. Assim, quando uma dessas mazelas se voltar contra mim, ninguém, absolutamente ninguém, nada fará por mim.
As desapropriações previstas no projeto Salvador Capital Mundial já foram lançadas e irão atingir muita gente. Pensando nisso, e na fábula de Esopo, que citei no último artigo(**), volto a perguntar: quem será o rato que a montanha da cidade pariu?
*Anilton Santos Silva – Arquiteto/urbanista, demógrafo e consultor

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