sábado, 15 de maio de 2010

Pelo Pelourinho (Ó Paí Ó)


Márcio Meireles*
Caro Caetano,
Motivado pelo seu artigo do domingo passado, resolvi escrever esta carta, para esclarecer algumas coisas.
Você fala de mim como artista, criador do Bando de Teatro Olodum (que gerou Lázaro Ramos e Virgínia Rodrigues) e da peça “Ó paí, ó!” (depois filme e série televisiva). E também como gestor, Secretário de Cultura do Estado da Bahia, “responsável pelo destino do Pelourinho”.
Não sou responsável pelo destino do Pelourinho porque ninguém é responsável pelo destino de nada. O destino é um conjunto de acontecimentos que parecem prévia e inexoravelmente traçados. Mas, de fato, são construídos e podem ser alterados por circunstâncias históricas, sociais, emocionais, econômicas, políticas... Vejo-me apenas como parte deste elenco que constrói e modifica os acontecimentos.
Também, ao contrário do que você afirma, nas peças da “Trilogia do Pelô” — especialmente “Ó paí, ó!” e “Bai bai Pelô”, que criei e te emocionaram e nos aproximaram — não havia ódio. Havia indignação por ver um poder truculento promover uma limpeza étnica e social, expulsando os antigos moradores do Pelourinho e entregando as casas, que eles mantiveram de pé, a novos ocupantes.
Diferente do exemplo da Lapa, no Rio, onde o poder público fez sua parte, e a iniciativa privada e a sociedade, as delas, aqui, o governo fez tudo, como um pai/padrasto, “com dinheiro numa mão e o chicote na outra”. Tentando ser o condutor do destino.
Mas o “destino” às vezes não obedece a seus condutores, e o tempo dá respostas. A reforma não deu certo. A pintura das casas, que lembrava Santo Amaro em festa e te encantou, não era feita pelos moradores, nem pela prefeitura.
O Pelourinho foi reformado, ou seja, ganhou nova forma. Não foi revitalizado, não retomou sua capacidade vital, não se pensou em sustentabilidade.
Não é possível revitalizar um território urbano sem a força de seus moradores, sem ações articuladas dos três entes federados. Não é possível tratar o Pelourinho como uma área isolada, um (im)possível parque temático. A maioria das soluções está no entorno para onde foram muitas das famílias retiradas da área, ocupantes agora de outras ruínas ou marquises, sobrevivendo do possível.
Criamos o Escritório de Referência do Centro Antigo de Salvador para articular o Plano de Revitalização do Centro Antigo. Em parceria com a Unesco, ele foi concluído e será apresentado no dia 2 de junho, com a entrega do Palácio Rio Branco restaurado. Ampliamos a área expositiva dos museus do lugar, triplicando a frequência e diversificamos a programação artística dos largos; temos tido, como você já comprovou, um público significativo.
Caetano, meu amigo, o Bando precisou de dois anos para fazer sua primeira temporada no Rio, quatro para entregar ao mundo uma Virgínia Rodrigues, oito para um Lázaro Ramos, 17 para “Ó paí, ó!” virar filme, 18 anos para a série. Os processos culturais sustentáveis levam um tempo, mas, desde o seu início, o Bando sempre teve a vitalidade necessária para ser agora o que é. Talvez um anticarlismo.
Sem ódio. Só um caminho em outra direção. Um outro ponto de vista. Outra prática.
Não deixe sua visão, tão preciosa sempre ao Brasil, ser nublada por questões partidárias. Não abandonamos o Centro Antigo de Salvador. Ele estava abandonado. O crack é uma realidade trágica. A segunda pior renda per capita das capitais brasileiras, o quarto pior ensino público, o abismo social, a fragilidade de nossas instituições não foram criados nos últimos três anos e meio. Não era possível.
Ó paí, velho: quem criou um espetáculo e um grupo capazes de te emocionar poderia abandonar o sujeito da peça?
*Márcio Meirelles é secretário de Cultura do Estado da Bahia.
Carta publicada no jornal O Globoe, em 14/05/2010

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