Mostrando postagens com marcador urbanismo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador urbanismo. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Metrópolis e Cibernética

Ilustração Aziz
LOURENÇO MUELLER*
Num sistema econômico excludente ampliando progressivamente os índices de pobreza, convive-se hoje com um fenômeno típico da pós-modernidade, a chamada era digital, causado pela emergência das novas tecnologias da informação e comunicação (TIC), que excluem mais as pessoas, seja pela pobreza, seja pela resistência à mudança na aceitação dessa nova ordem e no aprendizado de procedimentos que permitam o acesso e contato a ambientes virtuais de conhecimento, ao ciberespaço.
As TIC permitem uma gama diferenciada de aplicações ao urbanismo e destaco duas: a reconquista do espaço urbano ‘perdido’ pelo habitante somada à inclusão digital das populações metropolitanas. Na verdade, a mudança produzida por essas novas práticas implica em mudança na própria natureza do espaço, que não é mais apenas físico, mas virtual, cibernético: um ciberespaço. A socialização do conhecimento pode ser feita em comunidades que podem ser cooptadas também “virtualmente”.
Victor Hugo e Henri Lefebvre, em distintas épocas, também pensaram a cidade como um texto. Seria uma questão dimensional? Se a cidade é um texto, a metrópole pode ser um hipertexto, que, em informática é um protocolo de recuperação de dados via computador que permite aos usuários fazer ligações entre informações através de uma variedade de vias e conexões. Os usuários podem organizar aleatoriamente a informação de um modo que esteja de acordo com as suas próprias necessidades. Se cada cidade já é ou está sendo transformada num banco de dados e sua acessibilidade feita através de um site de busca próprio, é lícito supor-se que quase tudo que é real possa ser feito ao nível digital.
A partir das TIC pode-se mapear e armazenar o conhecimento disseminado em bairros e outros assentamentos dispersos na região, utilizando história oral e outros registros narrativos, iconográficos, uma herança que não deixa marcas e permanece inédita no limbo de uma ecologia cognitiva desconhecida, mas geradora de uma cultura local pertinente e imaginária, cuja referência dota os habitantes de uma identidade que valeria a pena ser reconhecida, armazenada, datada, disseminada e discutida, como é o caso das festas de largo ou algumas práticas do cotidiano que estão a desaparecer.
Qualquer comunidade pode-se colocar diante de telão conectado à Internet e mediado por internautas inteligentes, treinados para a comunicação coletiva e a dinâmica de grupos. Criam-se ambientes e esses mediadores de rede mobilizam pessoas para investigarem juntos os assuntos de seu interesse ao mesmo tempo em que socializam esses assuntos entre os participantes. O deslumbramento de ‘navegar’ coletivamente pode superar todas as restrições, socializando as vantagens auferidas pelos poucos que têm acesso à rede apenas em suas máquinas solitárias.
Na diversidade das cidades está o gérmen de sua própria regeneração. Salvador pode ser considerada uma cidade decadente em muitos aspectos, mas é uma cidade viva, de extrema diversidade cultural, e possui a centelha de que fala Peter Hall, para reacender o seu fogo morto. A lógica do ciberespaço constitui-se num desafio que deve ser aceito pelos urbanistas.
Ermínia Maricato identifica o urbanismo se preparando para enfrentar novos paradigmas e pergunta se esses novos tempos vão repetir o processo de submissão à dominação econômica, política e ideológica inspirada em modelos de além-mar ou se esta nova matriz vai ser gerada pela práxis urbana.
Há 60 anos um grupo de intelectuais criou um movimento que é uma proposta de cidade que se autoproduz a partir dos seus habitantes, vivenciando a valorização do lúdico. A animação do espaço urbano impregnava esse movimento, conhecido como ‘situacionismo’, que inseria a arte nas cidades. Hoje, essa ‘construção de situações’ poderia se configurar em programas de computação capazes de gerar ciber-ambientes, espaços apropriados à vivência digital e real.
*Lourenço Mueller é arquiteto e urbanista

quinta-feira, 20 de maio de 2010

O Urbanismo Humanizante

ANILTON SANTOS SILVA*
É uma concepção de urbanismo bastante debatida e pouco utilizada, não com esse conceito que estou introduzindo, mas decorrente da ideia de devolver a cidade a seus habitantes. O urbanismo humanizante tem como foco uma relação harmônica e integrada entre a cidade e seus habitantes, o que passa necessariamente pelo combate à exclusão social urbana e políticas públicas eficientes, envolvendo saneamento básico, transporte público coletivo (com a redução do veículo individual que beneficia menos de 30% da população urbana), segurança, saúde, educação, preservação ambiental, enfim tudo que é fundamental para uma vida digna na cidade.Nesse sentido, por que se pretende gastar bilhões no projeto Salvador Capital Mundial e não se resolve a questão da macrodrenagem da cidade? É curioso que quando se levantam as questões urbanas, o seu foco principal passa ao largo, ou não é claramente expresso. Por exemplo: por que o capital exerce tanto poder, determinando o ritmo e a estruturação da cidade? Por que não se expõe claramente a raiz dos problemas urbanos? Marx dizia que iremos sempre conviver com o dilema de educar os educadores e pensadores. Talvez, a falta dessa prática, ao lado do poder grandioso e estratégico que o capital exerce sobre a cidade, esteja na raiz da questão urbana. Quando irão reconhecer que a luta pelo direito universal à cidade é uma luta, sobretudo, contra o capital? Afinal quem elege os gestores públicos, não é o capital?O direito de transformar a cidade é um direito legítimo de todos seus cidadãos. Entretanto, assistimos em Salvador a um conjunto de intervenções propostas que envolve desapropriações de milhões de metros quadrados, das áreas mais valorizadas da cidade, ignorando a participação da sociedade organizada nessa decisão. Portanto, trata-se de uma usurpação do direito universal à cidade.Há um sentimento de impotência. Dificilmente teremos a capacidade de transformar a nossa cidade em mais humana, pautada pelo urbanismo humanizante, ela vista enquanto uma casa coletiva, cabendo aos seus habitantes (a coletividade) o direito de transformá-la e adequar sua expansão aos recursos tecnológicos, que toda grande cidade requer.
Assim, é imperativo fortalecer AS VOZES DA CIDADE, que se manifestam enquanto movimento livre que emerge da sociedade organizada. Se todos os movimentos não crescerem numa onda tsunami, os cidadãos soteropolitanos serão mais uma vez ignorados e avassalados, como já aconteceu com o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Tenho a impressão que a cidade está fragilizada em termos de uma representação independente, apartidária e sem comprometimento com o capital. Um coração infartado que pede socorro e o que encontra em sua defesa ainda é muito pouco.
Tudo isso tem uma lógica: a maioria dos movimentos sociais da cidade, de esquerda (ainda existe isso?), sempre combateu a estrutura de poder, e com o poder conquistado calou sua voz. Aparentemente não tiveram o que combater ou foram cooptados pela estrutura de poder.
Acontece que a cidadania não tem partido, só uma ideologia – a defesa do cidadão e do direito universal à cidade. O momento é delicado e não podemos assistir imobilizados a esse avassalamento urbano. É preciso reconhecer que a defesa da cidade é uma responsabilidade de seus habitantes.
Afinal, a quem pertence esta cidade? Ao capital imobiliário? Ao morador que constrói seu imóvel na forma que sua renda permite? Ao invasor, que ocupa ilegalmente o espaço que lhe é possível? Na verdade, a cidade pertence a todos seus moradores.Tudo isso me faz lembrar uma antiga história de um pastor luterano que disse:– Vi os judeus serem dizimados e nada fiz; percebo diariamente discriminações de grupos “minoritários” e nada faço. Assim, quando uma dessas mazelas se voltar contra mim, ninguém, absolutamente ninguém, nada fará por mim.
As desapropriações previstas no projeto Salvador Capital Mundial já foram lançadas e irão atingir muita gente. Pensando nisso, e na fábula de Esopo, que citei no último artigo(**), volto a perguntar: quem será o rato que a montanha da cidade pariu?
*Anilton Santos Silva – Arquiteto/urbanista, demógrafo e consultor

terça-feira, 4 de maio de 2010

Urbanismo Sustentável

Lourenço Mueller*
Em princípios de abril os jornais anunciaram a chegada a esta cidade [Salvador], para uma conferência, da urbanista May East, ex-roqueira, hoje dirigente de uma fundação ecológica escocesa que prega a minimização das cidades e sua entronização ecológica.
Foi publicado este ano o livro Diários de Bicicleta (SP: Manole, 2010) do conhecido band leader do Talking Heads, David Byrne, também escocês, com prefácio de Tom Zé: forte conteúdo crítico sobre certas cidades e visão de futuro do urbanismo dito sustentável.
Pergunto-me porque artistas – neste caso ligados à música – demonstram essa preocupação com o urbano. Porque mudam de profissão, ou escrevem livros sobre o tema ecologia urbana, mostrando o perigo do aquecimento global ou o equívoco do automóvel nas grandes cidades. Porque “saem na frente” de outros profissionais, até mesmo dos urbanistas e arquitetos, que já deveriam ter levantado esta bandeira há mais tempo e sobretudo dos políticos, que não conseguem perceber a incondicional, superlativa importância do urbano.
Talvez a arte, em sua sensibilidade a situações concretas, faculte aos que a praticam essa noção aguda de perigo iminente, como no conhecido conteúdo imagético da pintura Guernica (1937) de Pablo Picasso (1881-1973), prévia antifascista do horror da guerra civil espanhola.
Sem a mesma genialidade do pintor fica difícil ilustrar a imanência perigosa que as cidades modernas representam para a humanidade, mas tal esforço merece crítica dialética e elogios.
Entrevistei May East, fui à sua conferência e li o livro de Byrne.
Posso dizer que as ecovilas propostas por ela pecam pela questão dimensional. É uma solução para pequenos núcleos, não para grandes cidades; malgrado possam ser uma semente – existem já algumas no mundo – guardam na sua concepção os limites da ideologia conservadora contra os avanços das tecnologias construtivas da verticalidade mesmo que defendam cidades compactas e densas, e ao mesmo tempo cercadas por cinturões verdes hortifrutigranjeiros.
Isso só foi possível em pequeníssimas aldeias, com um forte substrato espiritualista, como pareceu transparecer nos fluidos vocais e figurativos que precederam a palestra, onde se distribuíram folhetos do Partido Verde.
Admito o viés esotérico dessas iniciativas desde que equacionem a problemática do crescimento urbano desordenado e cruel de forma a que se desenhe – aliás, exorbitam na palavra design – uma perspectiva de solução.
O poder público desistiu de re-assentar populações em áreas de risco e resolveu relocá-las: é possível começar a desestimular a ocupação urbana em alguns pontos onde as densidades já estão exageradas e a infraestrutura viária já é insuficiente, incentivando novas edificações em zonas planejadas, previamente pautadas em um novo modelo de cidade, mais ou menos seguindo as premissas ecológicas das ecovilas de East, mas sem a ingenuidade das mesmas; quem vai construí-las são os mesmos incorporadores que escolhem pontos da cidade e concentram seus empreendimentos sem se preocupar com o depois, na mesma linha de um Luís XIV contemporâneo, pensando: depois de vendidos os condomínios que se lixem os compradores…
David Byrne faz a apologia da bicicleta. Vem usando-a ao longo de anos como forma de deslocamento e “percepção dos ritmos e dinâmicas características” das metrópoles e cidades que atravessou. O livro já virou best seller.
Em determinado trecho escreve que “opções sustentáveis, transportes públicos e ciclovias não são mais alvos de piada” e mais adiante: ”…A economia afundou, os Estados Unidos podem perder seu lugar como potência número um do mundo, mas isso não significa que muitas destas cidades não possam se tornar ainda mais habitáveis.”
No fim, defende Jane Jacobs, a jornalista que se meteu a urbanista e fez sucesso propondo cidades que misturam comércio e moradias como modelo, enquanto condenava, como o próprio Byrne, as cidades americanas.
*Lourenço Mueller é arquiteto e urbanista
Publicado no blog Jeito baiano

quinta-feira, 1 de abril de 2010

A Utopia Urbana de Salvador

Lourenço Mueller*
Utopia é sinônimo de projeto irrealizável, quase um sonho. Não obstante, a esfera do sonho, da fantasia, antecipa o real; não há realização construída se esta concretude não for em algum momento sonhada, imaginada ou projetada.
Por isso gostei quando ouvi um representante do governo dizer que precisamos TER a nossa utopia urbana. Talvez tenha sido uma afirmação inócua mas toda realidade ocupacional desta metrópole leva `a conclusão de que Salvador não pode mais resolver os seus problemas urbanos dentro dos limites territoriais do município, e deveria lançar mão de terrenos exteriores a este, promover urgentemente um plano diretor metropolitano e adaptar as sedes dos municípios limítrofes ao crescimento acelerado da sede metropolitana.
Seguindo regras universais do urbanismo, empregos devem estar localizados próximos às moradias, pois assim podem-se, digamos todos em coro, minimizar custos e tempo de deslocamento.
Repensando a Região Metropolitana de Salvador (RMS), alguns municípios como Camaçari, Lauro de Freitas, Simões Filho e Candeias emergem como geradores de emprego e renda, seja pelas indústrias instaladas, seja pelo setor terciário já desenvolvido com destaque para a localização de empreendimentos de hotelaria na Estrada do Coco e na Linha Verde.
Estes municípios estão na área de influencia da via CIA-Aeroporto, que interliga a baía ao litoral leste. Perpendicular a esta, estudada pela urbanista Maria Elisa Costa, filha de Lúcio, uma nova via denominada “Linha Viva” atravessaria Salvador longitudinalmente, configurando uma espécie de “T”. As duas vias têm natural vocação para o desenvolvimento de atividades urbanas e para o assentamento populacional, podendo abrigar nas suas margens a expansão demográfica metropolitana por muitos anos… Se bem projetadas.
A oportunidade de se agregar sustentabilidade a esse sistema é agora, ao promover a organização de variáveis físicas, econômico-sociais e político-institucionais.
Experiências históricas na direção das utopias urbanas, de Ebenezer Howard a Le Corbusier, não favorecem muito a condição da utopia aplicada ao planejamento urbano. Mas Brasília sim. Há 50 anos, num país que não dominava tecnologias, sonhou-se uma cidade a partir de um sinal gráfico no dizer do célebre urbanista e ela reúne muitas das utopias anteriores.
Ao mesmo tempo em que se afirmou a arquitetura personalíssima de Niemeyer perdeu-se, no plano diretor de Brasília, a oportunidade única de inaugurar e incentivar um modelo de cidade auto-sustentável no país inteiro. Mas não poderiam adivinhar que o automóvel, inquestionável herói da década de 60, quando o Brasil começou a produzi-lo, se transformaria no vilão do século 21 e se tornasse capaz de desestruturar qualquer plano diretor bem intencionado. Oscar e Lúcio estão perdoados.
Poderíamos, agora, aproveitar a oportunidade da “Linha Viva” e da CIA-Aeroporto para desenvolver a nossa utopia urbana : a partir de um modelo paradigmático de tendências mundiais em que é valorizada a mobilidade assim como a ênfase ao transporte publico não poluente, o privilegio do pedestre e do ciclista sobre os automóveis e legislando o solo como uma propriedade estatal, incorporando ideias de urbanistas do passado.
Precisamos dar forma a essas intenções e redesenhar as margens desse T: dimensionar um programa, seguir critérios onde a densidade liquida não exceda 500 habitantes por hectare com uma densidade bruta de 50 mil habitantes por km2 na zona intensamente urbanizada ao longo da faixa das vias onde os terrenos, desapropriados, só poderiam voltar a ser ocupados mediante concessão de uso pelos poderes públicos.
A ocupação obedeceria a uma configuração de zoneamento adaptada a condicionamentos legíferos e geomorfológicos existentes com setores de densidade maior nas centralidades e rarefeita nos extremos, passível de ser atravessada por pedestres em menos de uma hora nos oito rumos da rosa-dos-ventos e permanecendo com os pavimentos térreos vazados.
*Lourenço Mueller – Arquiteto e urbanista