quinta-feira, 23 de maio de 2013

Ana Carla Fonseca: uma cidade pode ser criativa?


Mudar o futuro com ações e estratégias simples pautadas pela criatividade. Esse é o mote dos estudos desenvolvidos pela economista especializada em urbanismo Ana Carla Fonseca Reis há mais de uma década. Referência internacional quando se fala em economia criativa, ela organizou o livro Cidades Criativas - Perspectivas, reunindo 18 autores de 13 países com diferentes visões sobre como tornar nossas cidades lugares melhores para se viver (disponível para download gratuito no siteGarimpo de Soluções), e se prepara para editar um volume dedicado ao impacto de eventos como a Copa e a Olímpiada nesse processo. Na entrevista abaixo, ela fala dos principais desafios para o Brasil entrar de vez nesse círculo virtuoso de transformações. 

O QUE É UMA CIDADE CRIATIVA? 
A busca do que caracteriza uma cidade criativa foi o que motivou este estudo. Deu para perceber que, em todos os capítulos, três características estavam sempre presentes: inovações, aqui entendidas como soluções para problemas, não apenas inovações tecnológicas; conexões: entre público e privado, local e global, entre a minha cidade e a vizinha, entre áreas da cidade; e, por fim, cultura - não só pelo que os romanos definiam como genius loci, que é o espírito do lugar, mas pelo que as artes, o entretenimento e o turismo cultural têm de impacto econômico e, fundamentalmente, por um ambiente que faça com que a cidade se torne um espaço mais propício à imaginação, à criatividade e à concretização disso em forma de inovação. 

A Copa e a Olimpíada podem servir como catalisadores para tornar as cidades mais criativas? 
É uma grande discussão: a gente vai usar os projetos a favor das cidades ou as cidades a favor dos projetos? Por enquanto, a gente está na pauta das cidades a favor dos projetos, a ponto de fazer um estádio em Itaquera em vez de recauchutar o Morumbi e desalojar um monte de gente com a suposta intenção de requalificar uma área marginalizada. A gente vê coisas acintosas como a história de decretar feriado em dia de jogo porque o país reconhece sua incompetência para suprir um transporte público de qualidade que dê conta da demanda. 

Em outras cidades no mundo, eventos desse tipo trabalharam a favor? 
É muito díspar. Barcelona virou um caso emblemático, mas eles têm uma tradição de usar grandes eventos como desculpa para se transformar: foi assim desde a Exposição Universal que eles abrigaram no século 19. Pegaram a Olimpíada justamente para ter soluções para questões que eles já queriam resolver. Quando você pega a África do Sul, que tem um perfil mais próximo do nosso, eles souberam construir infraestrutura, investir em transporte público, capacitar taxistas para receber turistas. Mas a Copa deixou uma conta para eles que, pelo que percebemos das pessoas de lá que contatamos, ficou muito maior que os aportes que vieram - especialmente no envolvimento da sociedade com o processo. Foi tudo muito em cima da infraestrutura. E esse problema a gente já está dando mostras de estar vivendo aqui. 

Isso sempre pode acontecer quando se usa o turismo para transformar a cidade? 
O turista de um grande evento é um turista muito heterogêneo. Não é necessariamente um turista de grandes bolsos. Se a gente pensar nisso, talvez consiga repensar a própria cidade, contemplando toda uma gama de cidadãos. O problema é quando se pensa só em um tipo de turista e, em geral é aquele que vem de avião, vai ficar nos hotéis mais caros, comer nos restaurantes mais caros, comprar quadros nas galerias mais caras... Fica tão em cima da elite do turismo, que todo mundo perde. O que precisa trabalhar melhor no turismo, a meu ver, é o turismo da demanda: que tipo de turista a gente quer? E aí, não estou nem falando do turista sexual em Fortaleza; estou falando dos nossos próprios turistas. De como transformar o cidadão em um turista da cidade.

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Se quem vive na cidade conhecê-la melhor, criam-se conexões e também se desenvolve uma autoestima que faz com que a gente naturalmente queira cuidar melhor dela... 
Claro, sem engajamento da população, a cidade não se transforma. Não se define por decreto que a cidade vai ser criativa, é uma coisa que vem de dentro para fora.

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