segunda-feira, 13 de maio de 2013

Um pingo de sensatez

 Paulo Ormindo de Azevedo


Informar corretamente deve ser a principal preocupação de quem escreve em jornal, se não quiser se desmoralizar. Por isso volto a um tema velho, de fin de siècle, requentado neste fim de mandato estadual, a ponte de Itaparica. Em primeiro lugar é preciso esclarecer que ela não trará nenhum beneficio ao Recôncavo e à RMS, nem substituirá lanchas e ferries, a exemplo da Guanabara. Ela saltará olimpicamente de Salvador para a Costa do Dendê, marginalizando uma região com enorme potencial turístico, o Recôncavo. Tampouco é verídica a informação que a Envolvente de Kirimurê irá destruir manguezais e cidades históricas como Cachoeira e São Felix. Ou bem ela passaria a 40 km do litoral, ou pelos apicuns da baia. 

A Envolvente não irá nem tanto ao mar, nem tanto à terra, senão a cerca de três quilômetros do litoral, como a Estrada do Coco e a Linha Verde, ligando o maior porto baiano, Aratu, e indústrias da RMS com o interior, o norte e o sul, ao tempo que facilitará o acesso às praias e cidades de São Francisco do Conde, Santo Amaro, Cachoeira, São Felix, Maragogipe e Itaparica. Ela reduzirá também em 160 km, ou duas horas de viagem, o acesso à Costa do Dendê e do Cacau. A ponte, sim, atropelará Vera Cruz, Itaparica e Salvador com uma carreata e buzinaço diário de 140 mil carretas, caçambas, ônibus e carros em direção ao Litoral Norte, ao Copec, à Ford, a Sergipe e ao Nordeste, vindos das BRs-101, 116 e BA-242.

Ilusório pensar que a Ilha poderá ser uma opção habitacional para Salvador, quando o emprego está a mais de 70 km, em Camaçari, Candeias e São Francisco do Conde, e dependente de uma ponte de transito intermitente. Nem será tampouco um balneário para idosos do sul, sem praias livres, equipamentos sociais e vida cultural. No último dia três, neste jornal, o consultor-jurídico da Ademi, Bernardo Chezzi, sinalizou que o setor está mais interessado na RMS que num território off-shore. Itaparica será no máximo um porto seco e um pouso de caminheiros, como São Gonçalo, vizinho a Niterói. 

Não é também exata a informação de que em 2010, quando o Estado lançou o Procedimento de Manifestação de Interesse, qualquer um poderia apresentar alternativas, porque o edital era para a construção e exploração da ponte. Naquele momento a decisão de realizar um projeto de 25 anos de idade, oferecido por uma megaempreiteira local, já estava tomada e seu acesso principal sendo construído, a Via Expressa. Impossível ignorar que uma estrada semelhante fazia parte do plano-diretor do Centro Industrial de Aratu, da década de 1960 e autoria do Arq. Sergio Bernardes, como a via natural de expansão e articulação do CIA com a Refinaria Landulfo Alves e o Temadre. 

Entendo que a Manifestação de Interesse seria para que o vencedor realizasse os estudos de impactos, projeto executivo e gestão, como parte da contrapartida de sua exploração. Mas o que se está vendo é o Estado bancando tais estudos no valor de R$ 90 milhões e iniciando as obras, estimadas em sete bilhões, sem nenhuma contrapartida. Pergunta-se: o que ganhou o Estado com a PMI? Este procedimento garante a concessão da obra sem licitação? Ou vamos ter mais uma PPP assimétrica como a da Arena Itaipava, agora multiplicada por dez ou vinte, num estado que tem dificuldade de pagar o reajuste dos professores e policiais?

Diante da ressaca do tsunami financeiro mundial e desinteresse do setor privado, sua realização é arriscada e improvável no prazo anunciado. Obras de Santa Engrácia é o filé mignon das empreiteiras. Como dizia um velho engenheiro fiscal: construção do governo só tem orçamento e prazo para começar. Levi Vasconcelos em sua coluna Tempo Presente comentava em 24/04: “a Prefeitura de Salvador passou para governo uma dívida de R$130 milhões (do metrô) com as construtoras Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez (...). As duas empresas vão receber o dinheiro, mas não bateram um prego por conta dele (...). Simplesmente é o preço pelas sucessivas paralizações”(...). Imaginem a montanha de dinheiro que vamos pagar às empreiteiras se a ponte durar 25 anos, no ritmo do metrô. 

Salvador: A Tarde, 12/05/12, p.2
* Arquiteto e Professor Titular da UFBa

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