segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O Urbanismo liberal e financeiro

Nuno André Patrício*

Depois da cidade pós-medieval ou cidade renascentista, e depois da cidade pós-industrial ou cidade modernista, chegamos hoje a uma cidade que entrou numa fase de modernização que acompanhou as alterações ao sistema económico. Se a cidade moderna se desenvolveu acompanhando o capitalismo industrial por um lado e os sistemas socialistas por outro, quando estes dois sistemas económicos deram lugar, a partir dos anos 70, a modelos de urbanização que acompanharam o capitalismo financeiro. A a cidade assistiu ao longo das últimas décadas à emergência, consolidação e globalização de um modelo de urbanização que Alain Bourdain denomina de “Urbanismo Liberal”.
Bourdin, em “Urbanismo depois da crise” , vai mais longe na sua análise estabelecendo uma correlação directa entre a falência do modelo económico Neoliberal e o comprovado esgotamento do modelo de urbanização que denomina de “Urbanismo Liberal”, dando como exemplo o caso do Dubai.
“O Dubai coleccionava recordes: o maior hotel do mundo, a maior torre, a maior concentração de gruas... No fim de 2009, o Dubai e a sua jóia da coroa, a sociedade pública Dubai World dificilmente escaparam à falência com uma dívida estimada em 59 mil milhões de dólares! Esta queda simbolizou o fim de um ciclo no desenvolvimento urbano e na forma de” fazer cidade” (Alain Bourdin).
Poder-se-á ir mais longe fazendo um paralelismo entre os resgates do Sistema Financeiro pelos Estados e a forma como se pede a estes que resolvam o problema das periferias resultante das bolhas imobiliárias. No fundo, as bolhas imobiliárias não são mais que a materialização na cidade deste sistema neoliberal onde se privatiza o lucro e se nacionaliza o prejuízo.
Ao longo das últimas décadas, produziu-se cidade para o mercado financeiro e não para as populações. Estes empreendimentos que recorrem ao crédito para construir, têm como público-alvo o mercado imobiliário e não os seus utilizadores finais. Exemplos disto são os casos em que a propriedade é consequentemente vendida a especuladores, não chegando nunca a ser utilizada para a função que foi projectada. (“Real-Estate Flipping”)
Este tipo de empreendimentos são na maioria das vezes consequência de acções urbanísticas muito pouco transparentes de passagem de solo rural para solo urbano, onde os promotores imobiliários não pagam mais-valias urbanísticas fruto de uma decisão do Estado, privatizando-se assim o lucro. A Nacionalização dos prejuízos vem com a factura da infrastruturação de equipamentos e redes públicas que é necessário fazer após estas operações. Mais uma vez cabe ao Estado pagar a conta da construção e manutenção dos Sistemas de Transporte, Equipamentos de Saúde e Escolares, Redes de Esgotos etc., para servir uma população que não tem outro remédio se não habitar neste “lixo tóxico” resultante do “urbanismo liberal”.
Nas várias fases de modernização emergiram dois modelos clássicos de urbanização (Philipp Oswalt). Se o primeiro incumbia o Estado enquanto legislador, planeador e executor "welfare state", O segundo, a chamada "entrepreneurial city", divide a tarefa com diversos actores privados e públicos, sendo que esta relação de forças entre públicos e privados é variável dependendo da ideologia dos governantes. Existiu sempre um terceiro modelo tradicionalmente marginalizado pelos técnicos, a cidade informal não planificada onde os executores são normalmente os utilizadores finais.
Hoje, a chamada "entrepreneurial city" expandiu-se para além do mundo ocidental e com a queda do sistema socialista passou ser o modelo de urbanização dominante. Este modelo de urbanização liberal atribui aos Estados o dever de regulamentação, infrastruturação e equipamentos públicos deixando para os privados o terreno fértil para os lucros.
No entanto, onde não existe potencial de lucro elevado, os privados têm relutância em investir. Os benefícios económicos do investimento na cidade não são contabilizados colectivamente. Em particular nas áreas de requalificação urbana, preservação do património, sistemas de mobilidade colectiva, equipamentos públicos e sistema de produção primário.
No fundo, o Urbanismo Liberal converteu o solo numa “commodity” desligando a formação de preços do solo da utilização que este poderia ter. O Ordenamento do Território e as Políticas Urbanas deixaram assim de desempenhar um papel na coesão social para serem a materialização no território dos sistemas financeiros vigentes.
*Nuno André Patrício é urbanista

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