quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A Revolução Urbana

Klaus Toepfer*
Neste novo milênio, uma revolução urbana começou a acontecer: pela primeira vez na história da humanidade, metade da população mundial é urbana.
Esta revolução urbana será escalonada para as próximas duas décadas, quando então a população urbana será duas vezes maior que a população rural. O grande volume desta nova população urbana estará concentrada na África e a Ásia, juntando-se à vasta massa de cidadãos urbanos da Europa, América do Norte e América Latina, onde três quartos da população já são urbanos. A África, atualmente o último continente urbanizado, terá três terços da sua população vivendo em cidades no ano de 2020. E as maiores e mais densamente povoadas megacidades, com população de mais de 10 milhões de pessoas, estarão localizadas no hemisfério Sul, e não no Norte.
Embora as cidades sejam — e permanecerão sendo — os centros financeiros, industriais e de comunicação globais, assim como o lar de uma rica diversidade cultural e dinamismo político, imensamente produtivas, criativas e inovativas, também se tornaram um solo fértil para a pobreza, violência, poluição e congestionamentos. Padrões insustentáveis de consumo, concentração de indústrias, intensa atividade econômica, aumento da motorização e administração ineficiente sugerem que os maiores problemas ambientais do futuro serão gerados pelas cidades.
Pelo menos 600 milhões de moradores urbanos nos países desenvolvidos _ e este número ainda está crescendo – já vivem em casas de qualidade tão pobre e com tão inadequadas condições de saneamento, como a qualidade da água e a precária rede de esgoto, que suas vidas e saúde estão sob contínua ameaça Para milhões de pessoas ao redor do mundo, a vida urbana se tornou um pesadelo, muito distante do sonho de segurança e prosperidade prometidas pelos visionários, principalmente para os jovens, que herdarão o novo milênio.
Não só estamos vivendo num mundo urbanizado, mas estamos também experimentando uma urbanização da pobreza sem precedentes. Em muitas cidades do mundo desenvolvido, mais da metade da população urbana habita moradias “informais”, favelas e assentamentos precários que, por não serem legalmente reconhecidos, não são assistidos pelas autoridades locais. O lado “informal” das cidades não desfruta dos benefícios da vida urbana, incluindo o acesso aos serviços básicos, como tratamento de saúde e água potável. Os moradores vivem em constante estado de medo e muitos não têm acesso ao sistema financeiro formal, que poderia habilitá-los a melhorar a sua condição de vida. Esta maioria invisível é indispensável para a economia das cidades.
As cidades ditas “formais”, em contrapartida, desfrutam das vantagens que a vida nas cidades oferece, geralmente à expensas da maioria chamada “informal”. Este conto moderno de duas cidades representa uma das grandes falhas da revolução urbana, uma vez que aliena e marginaliza uma parte da população urbana em prol da outra.
A despeito de todos esses problemas e desafios, as cidades continuam a crescer. A história tem mostrado que todas as tentativas de limitar o processo de urbanização fracassaram. Agora é amplamente aceitável o fato de que a urbanização é não só inevitável, como trata-se de um fenômeno positivo. As cidades existem porque elas oferecem oportunidades e a promessa de uma vida melhor. Nas cidades é possível a integração entre os seres humanos, assim como entre os recursos econômicos e tecnológicos, no intuito de obter o máximo resultado. As cidades funcionais são também um pré-requisito para o sucesso do desenvolvimento rural.
No entanto, maus governantes e políticas ruins levam a uma severa degradação ambiental e conseqüente degradação da qualidade de vida em muitas cidades ao redor do mundo. Não há dúvida de que as cidades dispõem do potencial necessário para serem seguras e saudáveis, para todos os seus moradores. O grande desafio reside em focar na dimensão social da pobreza urbana, em projetar novas estratégias e contornos no gerenciamento das áreas urbanas, assim como em propor métodos inovativos capazes de melhorar o ambiente físico, gerando infra-estrutura.
Como demonstrou a Conferência de Istambul, os cidadãos das cidades estão demandando serem vistos e ouvidos e serem autorizados a tomar decisões sobre o local onde vivem. Os moradores mais pobres, que constituem a maioria da população urbana, deveriam ter voz e escolha sobre onde e como morar.
Embora muitos países não disponham dos recursos financeiros e da estrutura legal e institucional necessárias para responder à rápida urbanização, muitas das autoridades locais já começaram a adotar novas soluções, utilizando sistemas mais abertos e transparentes de governar.
Esses processos têm-se intensificado pela tendência crescente rumo à descentralização, que tem alterado, dramaticamente, o papel e os métodos de trabalho das autoridades locais. O debate democrático e a tomada de decisão participativa da população já transformaram a forma como o conselho e a municipalidade de algumas cidades planejam e administram essas cidades. Envolvendo todos os moradores, tanto ricos como pobres, mulheres e homens, nos processos de ajuste das cidades, as autoridades locais podem criar um senso de posse e responsabilidade entre todos os habitantes. Através desse processo as cidades do futuro podem verdadeiramente se tornar cidades de todos.
O futuro da humanidade reside nas cidades. Se começarmos a tomar providências agora, as cidades do desespero poderão se transformar nas cidades da esperança e da alegria.

*Klaus Töpfer, Diretor Executivo do Instituto de Estudos Avançados sobre Sustentabilidade. Foi Ministro do Meio Ambiente da Alemanha.

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