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A presença do Gandhy na minha vida se mistura com a presença do próprio Carnaval, desde a minha infância. Quando eu tinha sete anos, exatamente, o Gandhy começou a desfilar. Tenho a imagem muito clara na cabeça do bloco saindo com aqueles turbantes maravilhosos, um ritmo muito envolvente que é um pouco samba, mas não é samba, um pouco a marcha, mas não é marcha. Um toque religioso, cerimonial do candomblé, que foi parar no Carnaval. Porque os criadores, os fundadores do bloco e a maior parte dos seus integrantes eram "gente de santo". Todos tinham essa coisa forte de manter a ligação do Gandhy com os terreiros.
Aquela aparição extraordinária do Gandhy em 1949 foi uma comoção muito grande para mim. Os elementos ligados à expressividade negra, os aspectos orientais, fazendo a ponte com a Índia, todas essas coisas que eu vim a saber depois, estavam ali, naquele momento, naquela aparição, naqueles homens com aqueles tamancos, com aquela singela elegância.
Não havia ainda caminhão, era tudo no chão. A bateria, as alas de evolução, de danças, de coreografia. Aqueles pais de santo, os filhos de santo, aquelas pessoas todas ligadas ao mundo negro da Bahia.
É muito bonito de ver como muito pouco mudou no Gandhy desde então. Se você vê aquela foto linda do Pierre Verger com eles no bonde, ali em 1949, 1950,
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Uma beleza também como se manteve essa ideia de bloco pacífico, baseado na cordialidade, os associados se esparramando em grupos pela cidade, antes, durante e depois do desfile. É o que se chama de "guarda londrina" do carnaval: garbosos, pacíficos, desarmados, impondo respeito. O Gandhy é aquela marca da presença altiva do folião, uma marca profunda do compromisso com a festa e o seu desenrolar pacífico.
Para isso contribui muito a música.
Você imagine a emoção que é carregar essa imagem da infância, ligada a uma dimensão de elegia, de epifania. E que tenha vivido 60 anos, conseguido estar em todos os carnavais de todos esses anos. Sessenta carnavais, a forte dimensão cultural e religiosa e política da luta negra. A perseverança, a permanência, a duração, a herança, o ethos da tradição, o espírito do candomblé.
Há mais de 35 anos desfilo no Gandhy. E este ano não vai ser diferente, vou pro Pelourinho, beber na fonte. De Oxum.
*Cantor e compositor, foi Ministro da Cultura de 2003 a 2008
** Publicado originalmente na revista Serafina
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