domingo, 20 de março de 2011

Boca de Brasa - O Barroco na poesia

Miriam de Sales Oliveira da Rocha*
A poesia barroca do soteropolitano Gregório de Matos era contraditórica, lírica, satírica, erótica e até sacra. Foi apelidado de Boca do Inferno, Boca de Brasa. Foi amado e odiado. O poeta Gregório de Matos.

Considerado por Glauber "gênio da raça" , Gregorio de Matos, continua tão enigmático hoje, como há 400 anos atrás, quando nasceu na Bahia nosso mais importante poeta barroco.
Por seus versos virulentos e ferinos, versos que nunca economizaram o lombo dos poderosos e do clero, apesar da Inquisição, era um poeta maldito, execrado pelos moralistas, uma espécie de bruxo-exu-guia das letras nacionais, principalmente as mal comportadas, no dizer de seu biógrafo Higino Barros.
Apesar de nascido em Salvador em 1636 o poeta continua tão atual pois nos tempos de João Henrique e Sarneys, e de especuladores irresponsáveis, sua obra continua a espelhar a sociedade, com tanta propriedade, como se ainda estivéssemos no século em que viveu.
Da sua vida, sabe-se pouco. Nasceu na Bahia em 23 de Dezembro de 1632, embora a data seja contestada por Pedro Calmon, que apostava no dia 20;sua família, de raízes portuguesas fez fortuna no Brasil, depois de deixar a Corte, graças ao seu avô, Pedro Gonçalves de Matos, que desembarcou aqui como mestre de obras, uma espécie de empreiteiro, enriquecendo rapidamente com a construção de quartéis, fontes e ladeiras. Era também,o único dono de um guindaste novo, para transportar mercadorias da cidade baixa para a alta. Some-se a isso, os engenhos da cana com 130 escravos, a fazenda de Inhambupe, atochada de gado e tem-se uma vaga idéia da posição social e econômica da família.
O pai só aumentou os bens da família e, seus filhos foram estudar em Portugal, na Universidade de Coimbra, ninho de todos os brasileiros ricos da época. Gregorio estudou leis e casou-se com D.Michaela de Andrade, já magistrado e com uma boa posição. Ficou viúvo aos 42 anos e voltou para a Bahia como desembargador e, agora, clérigo tonsurado, padre de batina e tonsura.
Parece que a entrada na vida religiosa foi uma jogada de mestre para conseguir o que queria, pois, mal aportando aqui, jogou a batina ás baratas, e, aconselhado por um amigo a viver de acordo com a Igreja, respondeu: "que não podia votar a Deus o que era impossível cumprir dado ao seu temperamento e fragilidade de sua natureza.
Meteu-se em brigas políticas, angariando inimigos e, enquanto seus amigos batiam-se em duelos com espadas, ele achincalhava os adversários com sua pena virulenta e temerária. O que é pior? Matar um homem ou reduzi-lo ao ridículo? Decidam vocês! Teve mesmo que fugir para o Recôncavo, mas, voltou com a pá virada, transformado no cronista picaresco da cidade.
Casou-se com uma viúva pobre, porém, a mais linda moça do lugar, D.Maria dos Povos, por quem era apaixonado.Teve um filho chamado Gonçalo, como vingança por uma desavença domestica para provar que "em casa em que não manda a galinha é porque manda o galo. Mas, o casamento não o domou. Apesar de racista, meteu-se com negras e mulatas, lundus, modas de viola (andava prá todo lado com uma viola de cabaça que ele mesmo fez, para ganhar os bons favores das negras e mulatas jeitosinhas dessa terra.
Um milagre a Inquisição nunca tê-lo pegado, pois, seus alvos favoritos eram as freiras, os padres e o Papa e chegou a rimar Jesús com cús.
Tantas aprontou que, para não ser morto, seu amigo, o governador D.João Lencastre o despacha para Angola num exílio forçado. Lá meteu-se em confusão, um motim e teve que ser repatriado, dessa vez para Pernambuco, proibido de fazer versos,onde morreu em1696.
Os poderosos, sossegaram; pois, o "Boca do Inferno, não alisava ninguém, e, dizem, foi o precursor do Tropicalismo, pois, seu escritório de advogado, era adornado com bananas e frutas tropicais, mais tarde considerado como símbolo de identificação cultural brasileiro (modernismo,tropicalismo,Carmem Miranda).
O fato é que foi progressista demais para sua época; um artista livre, consciente de seu dom e do poder dos seus versos.
Foi contemporâneo do Pe. Antônio Vieira. Amado e odiado, é conhecido por muitos como "Boca do Inferno", em função de suas poesias satíricas, muitas vezes trabalhando o chulo em violentos ataques pessoais.
Finalmente, o que muitos não devem saber é que Gregório também é considerado antecedente do nosso cancioneiro, pois fazia "versos à lira", apoiando-se em violas de arame para compor solfas e lundus. O lundu, criado nas ruas, tinha ritmo agitado e sincopado, e melodia simples com resquícios modais, sendo basicamente negro. Do lundu vieram o chorinho, o samba, o baião, as marchinhas e os gêneros de caráter ritmado e irreverente.
* Professora e escritora

Nenhum comentário:

Postar um comentário