Há um tempo, estava eu andando pelo bairro do Comércio, nas ruas mais de dentro, quando começou a chover. Como dificilmente andamos de guarda-chuva, pela imprevisibilidade do tempo, fui me abrigar num daqueles casarões antigos. Como observador contumaz que sou, acabei reparando na beleza de prédios abandonados, escondidos sob fachadas, espremidos entre arranha-céus feios e sem personalidade.
O crescimento imobiliário em Salvador é assustador. Novos prédios cheios de opções de lazer internas, caríssimos e seguindo um padrão arquitetônico do tipo; “estás em qualquer lugar”, num instante colocam em sua fachada um 100% vendido.
Salvador cresce errada, desordenada e desorganizada como uma capital do porte da nossa não poderia crescer. Pela capacidade intelectual e criativa de acadêmicos, profissionais e tantos outros, algo já devia ter sido feito pra frear essa destruição da nossa cidade.
Mas, somada à displicência dos que poderiam atuar em prol de Salvador, vemos uma burrice tomando conta da cidade, uma ignorância e estupidez que se reflete, como na cultura, em sua arquitetura e urbanismo, também.
Salvador é uma cidade histórica que dá as costas à sua história. Na Europa, vemos os centros urbanos, com seus prédios antigos, sendo tomados pela iniciativa privada e por moradores ávidos por morar no coração da cidade. Isso acarreta uma natural valorização, revitalização e cuidado com prédios históricos, sítios importantes.
Não há interesse por esse centro da cidade. A classe consumidora de Salvador quer fugir de sua identidade, se aglomerando em volta dos centros comerciais e escritórios em prédios de vidro fumê do Itaigara, Iguatemi, e vão invadindo a Avenida Paralela, derrubando nossa mata atlântica, e cada vez mais fugindo da Salvador real, palpável, sólida. Há um apartheid cultural que isola essas pessoas num mundo pasteurizado e retardado, pois vemos a mistura de gerações com seus 30, 40, 50 anos frequentando aquelas festas adolescentes em Sauípe, Praia do Forte, fazendo programas inacreditáveis para adultos de média capacidade intelectual, enfim, um soteropolitano estúpido tem o domínio da economia da cidade em suas mãos. E despeja muito dinheiro em seus programas fúteis e únicos (pois, afinal, todos nós precisamos e temos momentos de futilidade também).
Já passou da hora de resolvermos problemas de trânsito e de urbanismo em geral. Nossas avenidas de vale já mereciam, há mais tempo, vias expressas pra ônibus, menos semáforos e mais alternativas de cruzamento para o pedestre, como passarelas pelo alto ou subterrâneas. Precisamos, urgentemente, criar viadutos e pistas alternativas que desafoguem o trânsito. Precisamos, esteticamente, resolver a cara da cidade. E tenho certeza que a cara de Selvador não são aqueles postes azuis que empesteiam nossas avenidas.
Não há, também, ideia de se criar mais espaços pra estacionamentos, nem tampouco se pensam lugares para se respirar, em Salvador. Faço sempre a provocação que se fizéssemos com nossas praças o que Lisboa fez com suas estações de metrô, seria genial. Convidaríamos grandes escultores, artistas plásticos e arquitetos para assinar as praças da cidade. Teríamos praças mais criativas, empolgantes, e que virariam, também, cartões postais da cidade. Basta ver os orixás de Tati Moreno no Dique do Tororó pra vermos que intervenções de artistas e pensadores que dialoguem com a cidade são fundamentais para valorizar seu espaço urbano.
Bem que essa classe média, sedenta pelos novos empreendimentos imobiliários, e as construtoras poderiam investir no centro da cidade, reformando prédios antigos, embelezando nossos pontos e construções turísticos, dialogando com nossa história e cobrando maior atenção do poder público, sempre estúpido e burro, que prefere acimentar uma calçada a colocar dignamente as pedras portuguesas que a embelezavam.
Mas enquanto todos vão deixando a alma da cidade se esvair no descaso, burrice e falta de visão de seus gestores – por um lado – , por outro continuará havendo moradores da cidade doidos pra se afastar dela, criar uma realidade vazia, rasa, e expandir a cidade rumo à destruição de sua identidade e cultura.
Dizem que Salvador vive sob um plano urbanístico que remonta à década de 60. Como se não estivesse, por trás dos planos urbanísticos da cidade, catástrofes históricas em prol de interesses, como a derrubada da Igreja da Sé de Salvador – sim, um marco histórico que foi derrubado para a passagem de uma linha de bonde que, obviamente, nem existe mais; enquanto vemos castelos mediavais sendo cuidados e tombados, valorizados e respeitados.
Savador tem um potencial turístico e um patrimônio histórico sensacional. Vemos cidades que se apegam a uma igreja, a um teatro, a uma praça, a um artista, pra se vender turística e culturalmente pro mundo. Aqui, pululam belezas e monumentos sufocados pela idiotice e falta de visão.
Estamos a quatro anos da Copa. Muito dinheiro será investido em Selvador. Mas os poderes públicos, empreiteiras e empresários vão desviar, no mínimo, 70% dessa verba e construir metade ou um terço do que foi acordado. Basta ver o exemplo de nosso metrô; aquela palhaçada.
O que mais me desespera é que a impunidade dos ladrões, a falta de planejamento dos estúpidos, e a ignorância dos consumidores me deixa sem perspectivas de mudança, melhora, reviravolta. Algo precisa ser feito pela cidade. É preciso gente, bastante gente, que assuma essa responsabilidade de forma agressiva e decisiva. Onde a cidade encontrará isso?
Em você, caro leitor?
O crescimento imobiliário em Salvador é assustador. Novos prédios cheios de opções de lazer internas, caríssimos e seguindo um padrão arquitetônico do tipo; “estás em qualquer lugar”, num instante colocam em sua fachada um 100% vendido.
Salvador cresce errada, desordenada e desorganizada como uma capital do porte da nossa não poderia crescer. Pela capacidade intelectual e criativa de acadêmicos, profissionais e tantos outros, algo já devia ter sido feito pra frear essa destruição da nossa cidade.
Mas, somada à displicência dos que poderiam atuar em prol de Salvador, vemos uma burrice tomando conta da cidade, uma ignorância e estupidez que se reflete, como na cultura, em sua arquitetura e urbanismo, também.
Salvador é uma cidade histórica que dá as costas à sua história. Na Europa, vemos os centros urbanos, com seus prédios antigos, sendo tomados pela iniciativa privada e por moradores ávidos por morar no coração da cidade. Isso acarreta uma natural valorização, revitalização e cuidado com prédios históricos, sítios importantes.
Não há interesse por esse centro da cidade. A classe consumidora de Salvador quer fugir de sua identidade, se aglomerando em volta dos centros comerciais e escritórios em prédios de vidro fumê do Itaigara, Iguatemi, e vão invadindo a Avenida Paralela, derrubando nossa mata atlântica, e cada vez mais fugindo da Salvador real, palpável, sólida. Há um apartheid cultural que isola essas pessoas num mundo pasteurizado e retardado, pois vemos a mistura de gerações com seus 30, 40, 50 anos frequentando aquelas festas adolescentes em Sauípe, Praia do Forte, fazendo programas inacreditáveis para adultos de média capacidade intelectual, enfim, um soteropolitano estúpido tem o domínio da economia da cidade em suas mãos. E despeja muito dinheiro em seus programas fúteis e únicos (pois, afinal, todos nós precisamos e temos momentos de futilidade também).
Já passou da hora de resolvermos problemas de trânsito e de urbanismo em geral. Nossas avenidas de vale já mereciam, há mais tempo, vias expressas pra ônibus, menos semáforos e mais alternativas de cruzamento para o pedestre, como passarelas pelo alto ou subterrâneas. Precisamos, urgentemente, criar viadutos e pistas alternativas que desafoguem o trânsito. Precisamos, esteticamente, resolver a cara da cidade. E tenho certeza que a cara de Selvador não são aqueles postes azuis que empesteiam nossas avenidas.
Não há, também, ideia de se criar mais espaços pra estacionamentos, nem tampouco se pensam lugares para se respirar, em Salvador. Faço sempre a provocação que se fizéssemos com nossas praças o que Lisboa fez com suas estações de metrô, seria genial. Convidaríamos grandes escultores, artistas plásticos e arquitetos para assinar as praças da cidade. Teríamos praças mais criativas, empolgantes, e que virariam, também, cartões postais da cidade. Basta ver os orixás de Tati Moreno no Dique do Tororó pra vermos que intervenções de artistas e pensadores que dialoguem com a cidade são fundamentais para valorizar seu espaço urbano.
Bem que essa classe média, sedenta pelos novos empreendimentos imobiliários, e as construtoras poderiam investir no centro da cidade, reformando prédios antigos, embelezando nossos pontos e construções turísticos, dialogando com nossa história e cobrando maior atenção do poder público, sempre estúpido e burro, que prefere acimentar uma calçada a colocar dignamente as pedras portuguesas que a embelezavam.
Mas enquanto todos vão deixando a alma da cidade se esvair no descaso, burrice e falta de visão de seus gestores – por um lado – , por outro continuará havendo moradores da cidade doidos pra se afastar dela, criar uma realidade vazia, rasa, e expandir a cidade rumo à destruição de sua identidade e cultura.
Dizem que Salvador vive sob um plano urbanístico que remonta à década de 60. Como se não estivesse, por trás dos planos urbanísticos da cidade, catástrofes históricas em prol de interesses, como a derrubada da Igreja da Sé de Salvador – sim, um marco histórico que foi derrubado para a passagem de uma linha de bonde que, obviamente, nem existe mais; enquanto vemos castelos mediavais sendo cuidados e tombados, valorizados e respeitados.
Savador tem um potencial turístico e um patrimônio histórico sensacional. Vemos cidades que se apegam a uma igreja, a um teatro, a uma praça, a um artista, pra se vender turística e culturalmente pro mundo. Aqui, pululam belezas e monumentos sufocados pela idiotice e falta de visão.
Estamos a quatro anos da Copa. Muito dinheiro será investido em Selvador. Mas os poderes públicos, empreiteiras e empresários vão desviar, no mínimo, 70% dessa verba e construir metade ou um terço do que foi acordado. Basta ver o exemplo de nosso metrô; aquela palhaçada.
O que mais me desespera é que a impunidade dos ladrões, a falta de planejamento dos estúpidos, e a ignorância dos consumidores me deixa sem perspectivas de mudança, melhora, reviravolta. Algo precisa ser feito pela cidade. É preciso gente, bastante gente, que assuma essa responsabilidade de forma agressiva e decisiva. Onde a cidade encontrará isso?
Em você, caro leitor?
*Dramaturgo e ator