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sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A contribuição do Antônio Vieira

Edivaldo M. Boaventura*
Por que o Colégio Antônio Vieira foi criado no começo do século XX? Em 1910, Portugal proclama a república e decreta a expulsão dos jesuítas do território português. E com os jesuítas foram extintas todas as outras ordens religiosas. Explica-se. A grande maioria católica do povo português contrastava com o anticlericalismo da sua elite republicana. A Companhia de Jesus experimentava a terceira extinção. A primeira com o polêmico Marquês de Pombal e a segunda quando da vitória das forças liberais de Dom Pedro IV, o mesmo Dom Pedro I, que abdicara do Brasil.
Tangidos de Portugal, os jesuítas fixam-se, então, na Bahia, com a fundação do Colégio Antônio Vieira. Em 15 de março de 1911, receberam os primeiros 72 alunos. Dentre os que aportaram, encontra-se a figura emblemática do Padre Luiz Gonzaga Cabral, homem de excepcional talento, orador sacro, conhecedor da obra de Antônio Vieira. Aliás, a denominação do estabelecimento com o nome do grande orador confirma e liga a primeira jornada jesuítica, no tempo da Colônia, com a iniciada em 1911.
Aproxima-se o centenário do Colégio em março próximo. Desde o começo os jesuítas firmam um alto padrão de ensino que influenciou a vida intelectual de Salvador, não somente do ponto de vista literário e filosófico, mas também científico com o cultivo das Ciências Naturais. O Vieira passa a ser um pólo de atração para a educação dos jovens baianos, tanto os da capital como das interioridades.
O centenário é para o ex-aluno um tempo privilegiado de recordação positiva. Chegando-se do interior, encontrava-se um colégio com uma rica biblioteca com livros em diversas línguas e com professores de formação européia ensinando no curso secundário, como o padre Torrend com dupla formação missionária e científica. Botânico, estudioso das algas, há uma espécie que em sua homenagem se chama Torrenaceas. Era de uma enorme curiosidade científica, por onde andava recolhia plantas e pedras. Escrevia para A Tarde, lia revistas científicas estrangeiras. Em plena metade do século passado, pregava o ecumenismo, a prática dos exercícios físicos, o saber comer e a autoeducação. Estava além do seu tempo. Pode-se considerar o padre Torrend um pioneiro da ciência na Bahia.
Ao lado da formação humanística e científica que sempre foi o forte dos jesuítas, desenvolviam-se uma série de atividades religiosas, culturais e esportivas. Outras iniciativas entretinham os alunos, como o coral e as competições esportivas com a disputa de jogos entre as séries e com outros colégios soteropolitanos. Além da Academia de Letras dos alunos, a Congregação Mariana e a Juventude Estudantil Católica (JEC) estimulavam a participação. À frente dessas entidades contávamos com a figura culta do padre Mariano Pinho, conhecedor da língua e da literatura portuguesa, que estimulava a leitura de Ferreira de Castro, Guerra Junqueiro, Camões, Vieira e tanto outros.
Na música, o grande destaque era para a Orquestra Sinfônica da Bahia. Em verdade a primeira sinfônica que teve a Bahia, segundo me consta, a cujos ensaios assistíamos no Salão dos Altos. Nas datas festivas, a Orquestra tocava, como também com freqüência dava concertos no Gabinete Português de Leitura. O seu regente era o padre Mariz, músico e compositor, o seu nome constava da Enciclopédia Britânica, a sua criação mais conhecida era Chá das Cinco.
O colégio formou centenas de cidadãs e cidadãos prestantes, úteis à comunidade, possuidores de uma educação que liberta, e que procuram promover a justiça e a paz. A eficácia pode ser exemplificada pelos destacados alunos: Anísio Teixeira, Thales de Azevedo, Jorge Amado, Roberto Santos e tantos outros que contribuíram para uma sociedade mais culta e mais justa.
Recriava-se, assim, a Companhia de Jesus, em Salvador, com um estabelecimento de ensino marcado pela educação religiosa de qualidade. A ausência histórica dos inacianos da Bahia durante um século e meio foi compensada com a fundação do Vieira.
* Educador, escritor, presidente da Academia de Letras da Bahia e diretor geral do jornal A Tarde

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A Bahia no contexto nacional

Como a Bahia se acomodou no contexto da nação brasileira?
Edivaldo M. Boaventura*
Em uma nação continental, como é o Brasil, formam-se regiões tão extensas que são mais países. O Nordeste, por exemplo, corresponde em tamanho à Argentina. A federação republicana dos estados membros possibilitou-nos a convivência nacional. Há, entretanto, a considerar as relações do Estado-federado com a região, no nosso caso com o Nordeste, assim como o seu relacionamento com a União.
Como a Bahia se acomodou no contexto da nação brasileira?
Não faz muito, pediram-me que falasse como presidente da Academia de Letras da Bahia – que responsabilidade monumental – a diplomatas sul-americanos sobre a Bahia em relação ao Brasil. Temática ampla e difícil de ser abordada. Informei logo que tínhamos o sexto PIB, acostado ao de Santa Catarina e entrei pelas dimensões espaciais e temporais, históricas e antropológicas, na tentativa, talvez, de marcar a diferença. Olhando o mapa do Brasil, temos uma visão de como a Bahia se arredondou. Bahia e Minas constituem os estados centrais por excelência com expressiva representatividade nacional. Ambos têm múltiplas vizinhanças. A Bahia possui a maior costa marítima e o maior número de estados limítrofes: Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Piauí, Tocantins, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, oito no total. A vizinhança ostenta a nossa portentosa estadualidade. Com muitos desses vizinhos temos históricos e lendários limites. Com Sergipe, o sinal divisório é o Rio Real. Mas qual Rio Real? Dizem os sergipanos que é o Rio Itapicuru. Em reprimenda a Pernambuco, pela Confederação do Equador, ficamos com a comarca do São Francisco, que Minas não aceitou. A propósito dessa perda de território, existe uma ação judiciária,no Supremo Tribunal Federal, cujo advogado era Barbosa Lima Sobrinho. A região da antiga estrada de ferro de Caravelas ficou para Minas, no papel, pois continua Bahia. No que diz respeito ao Estado do Espírito Santo, a expansão da lavoura do cacau agregou à Bahia o município de Mucuri. Assim, o nosso Estado se alongou. Gilberto Freyre dizia que a Bahia era gorda e Pernambuco, magro. E Luiz Viana Filho, do alto de sua sabedoria política, nunca admitiu a menor discussão a respeito de nossas divisas.
Se tomarmos o mapa da América do Sul, o Brasil forma um primeiro arco voltado para o Atlântico, que vai do Amazonas ao Rio Grande do Sul, de costas para os Andes. Pois bem, dentro desse arco maior, forma-se um menor igualmente voltado para o mar, que começa no extremo sul de Pernambuco, costeia Tocantins e Goiás, passa por Minas e fecha no Espírito Santo; é a Bahia. Uma velha lenda indígena descrevia o Brasil como uma pomba, sendo o seu coração a Baía de Todosos-Santos. Virada para o Atlântico, a Bahia possui 1.000 quilômetros de costa. Como ocupá-la? O capitalismo internacional – portugueses, espanhóis e suecos – adquire grande glebas. Um cordão de areia branca acompanha o litoral.
A dimensão geográfica junta-se à histórica. O descobrimento do Brasil é uma manifestação das grandes correntes marítimas que chegam infalivelmente ao sul da Bahia, comprovam os modernos navegadores à vela. Ao “achamento” do Brasil, na Bahia, segue-se a primeira capital ou capital da maior parte do País, pois havia também o Estado do Maranhão.
Dois estados colados pelo Império unitário. A nossa independência foi resistente e heroica, pois os lusitanos tinham arraigados interesses comerciais em Salvador.
Com todas as nossas frustrações históricas, recriamos pela música e pelas letras. Jorge Amado escreveu-me em um cartão indelével: “Ruy e Castro Alves são os dois polos da cultura baiana”. Ele, o sempre amado Jorge, é o terceiro polo, nacional e internacional, como Ruy, o formulador da política multilateral brasileira. Com o tempo construímos um currículo para gastronomia. Uma cozinha para cada festa. Dendê para a Páscoa. Milho para o São João com o clássico licor de jenipapo. Assados nos encontros familiares com carneiro e bode dos sertões euclidianos.
Bahia com H, com o B do Brasil, com 1.000 quilômetros de praia. Bahia sertaneja, grapiúna, sãofranciscana...
* Educador, escritor, Presidente da Academia de Letras da Bahia. É Diretor Geral do Jornal A Tarde
Artigo originalmente publicado no jornal A Tarde