quinta-feira, 11 de abril de 2019

1997 na cidade da Bahia

Aninha Franco*
Quase suserano do Estado depois da eleição de 1996, o carlismo acelerou o processo de amalgamento de “cultura e negócio, tradição e inovação, trabalho e prazer [com atenções redobradas sobre o] carnaval, seu circuito econômico, [e a movimentação da] soma fantástica [de seus] recursos financeiros, [consagrando] a percepção de que a cultura e a informação são as grandes fontes de negócio da cidade do Salvador” (Elizabete Loiola, 1997) Em 1997, portanto, institucionalizou-se a privatização da mais interessante manifestação popular da cultura baiana, iniciada na gestão Fernando José e continuada na gestão Lídice da Matta. A apropriação evoluirá, sem controle, separando o povo de sua criação.
Em ano de prejuízos, a Cidade perdeu um dos mais brilhantes e profícuos criadores da baianidade do século XX, o artista Carybé, que passou mal e morreu numa reunião do Ilê Axé Opô Afonjá, na primeira quarta-feira do mês, dia de devoção aos orixás Xangô e Iansã, e foi enterrado no Jardim da Saudade ao som do uticu, cantado pelos integrantes da Sociedade Cruz Santa do Ilê Axé Opô Afonjá, para recomendar o novo Egun através do Axexê.
Stella de Oxossi ressaltou que "o filho de Oxossi estava sendo sepultado no dia de homenagens ao seu orixá, quinta-feira" (José Bonfim, 1997) e os jornais delinearam o perfil do “artista de traço admirável, cuja característica maior era a síntese, porque se uma linha fosse suficiente, não fazia duas” (Elaine Hazin, 1997), um erê, um capeta que pouco antes de morrer vestiu-se de médico e foi ao Hospital Aliança visitar Jorge Amado internado e com visitas proibidas. Carybé, Jorge Amado, Mirabeau Sampaio, geração plena de criatividade, amor à cultura popular e a transgressão, estava se descorporizando. 
Também em 1997 morreu Osmar Macedo, o Osmar de Dodô que trieletrizou a Baía nos anos 1950, e que nos 1990 não dispunha de dinheiro para comprar sua invenção, e o sambista Oscar da Penha, renomeado Batatinha pelo compositor Antônio Maria, antes que Diplomacia, seu primeiro CD, ficasse pronto. Batatinha foi o inventor do samba-receita com a música Feijoada Baiana (quando), e introdutor do toque de capoeira na música popular.
Morreu Agnaldo Siri , autor do curta-metragem Capeta Carybé partindo num mesmo ano, criador e criatura. Morreram, também, para empobrecimento do conhecimento brasileiro, Paulo Francis e Antônio Callado, Callado, autor do Quarup, um conforto para as gerações vitimadas pelos anos de chumbo da ditadura. Morreu Chico Science, Francisco de Assis França, aos 30 anos, num acidente de carro a caminho do carnaval de Olinda, cavando uma cratera na criatividade da música nordestina que alimenta as renovações musicais do Brasil há séculos, deixando os patrimônios Da Lama ao Caos (1994) e Afrociberdelia (1996). Sua morte de homemcaranguejo, de dono do satélite de baixa tecnologia, mas de longo alcance, reduziu o reino das invenções musicais do Nordeste a um solitário Carlinhos Brown.
*Dramaturga e escritora

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