quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Orla da Ribeira conserva estilo vintage

Luis Felipe Pondé*
Uma das maiores contradições do mercado de turismo é que quando você fala de uma praia legal e vazia, logo ela estará cheia de gente ouvindo música alta e chata. Trânsito infernal. Enfim, um mundo de gente querendo ser feliz. E isso é uma das maiores pragas do mundo contemporâneo. Felicidade em bando é como um enxame de insetos famintos por sangue.
E me entenda: esse enxame não é necessariamente de gente pobre. Ricos e gente com diplomas também formam enxames de felicidade no mundo. A diferença é que estes não sabem que também formam um enxame de famintos por sangue. Acham-se acima da categoria "enxame".
Se estiver procurando uma praia que pode ser, talvez, à prova de enxames, sejam de ricos ou de pobres, proponho a orla (como se fala na Bahia) da Ribeira e a praia do Monte Serrat –ambas no extremo da cidade baixa, em Salvador. Puro "vintage de verdade", o que é raro num conceito que pressupõe uma certa dose de fake para existir.
A cidade baixa, pra quem conhece Salvador, é uma região esquecida. De lá, muita gente conhece a igreja do Bonfim, quando vai brincar de culto afro-brasileiro ou quando vai experimentar a travessia pela balsa (que na Bahia chamam de "ferryboat") pra ilha de Itaparica –onde fica o Club Med (mais brega impossível).
Outro destino comum, no comecinho da cidade baixa, é o Mercado Modelo, um inferninho de quinquilharias afro e similares. Mas que vale a visita se você estiver a fim de uma experiência antropológica feita na medida certa para o consumo de massa.
"Ser esquecido" é uma das formas mais radicais de se manter a elegância em se tratando de turismo. E a cidade baixa "profunda" é, seguramente, um lugar esquecido do mundo. Ninguém chega lá.
Mauro Akin Nassor/Fotoarena

Praia da Ribeira, em Salvador (BA)
PARAÍSO DE SILÊNCIO
A orla da Ribeira, uma praia absolutamente calma (toda a região ali é parte da baía de Todos os Santos), água brilhante e mansa, é um paraíso de silêncio, sem trogloditas felizes. Poucos carros. "Only locals", gente também esquecida pelo mundo. Casas antigas, sem reformas afetadas, assinadas por arquitetos arrogantes. Dois lugares na orla da Ribeira merecem uma visita, além da praia em si.
O primeiro é a Sorveteria da Ribeira, datada dos anos 1930. O sorvete dá de dez a zero num monte de "sorvetes italianos" por aí. Sabores locais como tapioca (antes de a tapioca virar moda) são imperdíveis.
Outro lugar especial é a oficina de azulejos do artista Prentice, um homem idoso completamente tomado pela sua arte. Seus temas variam de santos católicos a orixás africanos, passando por desenhos tipicamente portugueses. Sua própria oficina e casa onde mora são uma experiência por si só, na medida em que revelam todo o estilo "lisboeta-baiano" da virada dos século 19 para o 20, marca de grande parte da cidade baixa em Salvador.
A praia do Monte Serrat (ou avenida da Boa Viagem), uma pequena baía dentro da baía de Todos os Santos, fica um pouco adiante da igreja do Senhor do Bonfim.
Afora a praia de água tranquila e distante do frenesi comum na Bahia, o forte de Monte Serrat, datado do período colonial, é um pequeno colosso. Vazio de turistas, traz uma das panorâmicas mais lindas de Salvador.
A cidade baixa, lugar esquecido da capital, pode ser uma experiência mais atraente do que as praias badaladas de Trancoso e sua superlotação chique para paulistas entediados com a riqueza.ode ser, talvez, à prova de enxames, sejam de ricos ou de pobres, proponho a orla (como se fala na Bahia) da Ribeira e a praia do Monte Serrat –ambas no extremo da cidade baixa, em Salvador. Puro "vintage de verdade", o que é raro num conceito que pressupõe uma certa dose de fake para existir.

* Filósofo e professor, residiu em Salvador na juventude

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