terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Violações urbanas


Paulo Ormindo de Azevedo*
Em artigo recente Caetano Veloso lamenta a feiúra das cidades do país. No nosso caso não se trata apenas do indigesto “virado-paulista-imobiliário”, mas da reiterada destruição da beleza dos sítios urbanos por grandes obras públicas da mais baixa qualidade. Numa das entradas de Salvador o visitante se depara com uma das estruturas mais horrendas que se pode imaginar em uma cidade. É a chamada Linha 1 do metrô, que se contorce como uma montanha russa sustentada por muletas e cavaletes. Como transporte de massa, o metrô não possui articulação com a Av. Bonocô, nem com bairros vizinhos como Brotas o que compromete sua sustentabilidade. Mais adiante, o visitante encontra no canteiro central da avenida uma subestação sob um viaduto, que mais parece um presídio de interior com muros improvisados e arame farpado. Instalação sem segurança com uma via pública a montante. Ao se interessar em saber sobre a obra o turista se dará conta que as estações não têm sanitários, nem a linha, abafadores acústicos. Para piorar, deverá ser feita no meio da avenida um monstrengo suspenso para a articulação com a Linha 2. 

Quem projetou e quem aprovou esta coisa que viola um dos mais belos vale da cidade? Compare-se a Av. Centenário, primeira park-way de vale projetada por Diógenes Rebouças e ajardinada por Guilardo Muniz, com a Av. Bonocô, bastarda e apócrifa, compreenderá porque podemos classificá-la de um estupro urbano. Coteje-se o nosso metrô com os de São Paulo, do Rio e de Brasília e chegamos à mesma conclusão. 

Sua continuação, a Linha 2, será uma estrada de ferro barulhenta que irá destruir o canteiro central da Av. Paralela e correr entre alambrados dividindo a cidade no meio, segregando a população do Miolo dos condomínios fechados da Orla. Ao nível do solo, em 13 km, nenhuma passagem, apenas viadutos sem passeios. A Paralela será uma via suburbana de ligação de Salvador com Itinga, em Lauro de Freitas, e Abrantes, em Camaçari. Com tais agressões será inevitável a depreciação de seus imóveis. Custaria pouco fazê-lo em trincheira com laje recoberta por um parque e ciclovia. Porque os moradores e comerciantes da área não lutam por isto?
Uma segunda violação é recente e se chama Via Expressa. Uma via portuária necessária de duas faixas, mas hiper-dimensionada com mais oito e 14 viadutos, que não resolveram o problema do Abacaxi e criaram outros. Bairros como Soledade, Caixa D´água e Liberdade perderam sua ligação com a Água de Meninos, Baixa dos Sapateiros e Av. Heitor Dias. A Via Expressa não é uma avenida urbana, é uma autopista seccionando a cidade com pistas e tuneis embaralhados devido a erros de locação, sem faixas de desaceleração, passeios, zebras, sinalização, nem arborização. É mais uma barreira para separar a cidade pobre da rica ensejando mais segregação e violência. 
Por onde passou a via deixou um rastro de destruição que mais parece um bombardeio. A ladeira Canto da Cruz e a estrada da Rainha desapareceram. A Soledade, sítio histórico por onde entrou a tropa libertadora do país, em 2 de Julho de 1823, foi mutilada e seus belos sobrados azulejados estão escorados e caindo. O Solar Bandeira, testemunho do ciclo do açúcar, com seu jardim à cavaleiro da baia está com o telhado escorado. Cerca de R$420 milhões foram gastos em beneficio do carro, que não tem mais futuro, e nenhum centavo em favor de outros modais, do pedestre, do patrimônio histórico, da arborização e do tratamento das feridas que provocou. 
Por que São Paulo, Rio e Brasília têm obras-d’arte que são premiadas e nós projetos ruins e obras mal acabadas? É que há 50 anos começaram a desmontar os núcleos de planejamento do estado, como a CPE, o DERBA com seu laboratório referencia nacional e a Conder, como órgão de planejamento metropolitano, para consumirmos os pratos-feitos oferecidos por empreiteiras interessadas. Somos também responsáveis! Precisamos voltar a lutar por uma Bahia grande e bela, por um planejamento participativo de longo prazo e não aceitarmos agressões a nossa cidade sob a alegação de ser supostamente o mais barato.
Publicado originalmente no jornal A Tarde, de 19/01/14
*Arquiteto e Professor Titular da UFBa

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