quarta-feira, 4 de julho de 2012

Era no 2 de julho

Oliveiros Guanais de Aguiar*
A poesia foi usada para glorificar os feitos grandiosos de povos e heróis, por ser o único recurso disponível para isso, no passado. Os gregos valeram-se da “Ilíada” para cantar as façanhas dos seus deuses e guerreiros na guerra de Tróia. A “Eneida”, poema escrito por encomenda de um imperador, visava a dar nobreza à genealogia do povo e do império romano. “Os Lusíadas’, que cantaram as ”armas e os barões assinalados” que partiam das praias lusitanas para as conquistas marítimas do mundo, ficaram gravados na língua portuguesa de forma perene.
No Brasil, o mais belo e mais forte poema épico contraria, pela brevidade, o conceito de epopéia, pois consta apenas de 48 versos, não tem compromissos narrativos, não fala em deuses e não dá nome a heróis, porque deixa implícito que heróis eram o povo que se batia no ” imenso anfiteatro da amplidão”. Mas tem, da epopéia, duas características fundamentais: heroísmo e referência a guerra. Assim, é a nossa epopéia libertária.
Castro Alves escreveu a “Ode ao Dois de Julho” aos 21 anos de idade! Fase do arrebatamento, da retórica, das hipérboles. Nesse poema, o vate maior do Brasil deu aos baianos orgulho por terem lutado para conseguir a liberdade porque na Bahia, ao contrário do que aconteceu no Ipiranga, houve luta, sim, luta e morte. (E aqui cumpriu-se a sentença de um homem chamado Espinosa : “não existe liberdade, quando não se luta pela liberdade”)
Não foi uma guerra igual às grandes guerras da história, mas Castro Alves construiu uma alegoria à luta dos combatentes e à glória dos vencedores, dando às batalhas que aqui se travaram dimensões heróicas para que fosse justificada a reverência dos baianos aos que pegaram em armas e arriscaram a vida para expulsar os últimos defensores da permanência de Portugal no Brasil. E ao fim das lutas:... quando a branca estrela matutina
surgiu do espaço lá do campo deserto da batalha
uma voz se elevou clara e divina:
eras tu - liberdade peregrina!...
A Bahia precisa continuar a festa do Dois de Julho em homenagem àqueles que ficaram registrados na história, não só pelo heroísmo ou pelo martírio, mas também, e principalmente, em memória do povo sem nome que aqui lutou ou foi sacrificado : freiras, soldados, brancos, índios, negros.... As comemorações do Dois de Julho são também uma dívida irresgatável que a Bahia deve a Castro Alves, o jovem que eternizou na poesia o heroísmo daquelas lutas. É preciso, portanto, continuar e dar valor às comemorações dessa data, tendo à frente o grupo de políticos de todos os partidos, a maioria distribuindo sorrisos e acenos de mão, que são retribuídos com vaias, para a maioria, e por alguns aplausos perdidos para uns poucos merecedores, enquanto o cortejo passa à vista do povo concentrado nas calçadas ou abrigados nas janelas enfeitadas de bandeirolas, balões e tecidos coloridos; o povo gosta de ver o batalhão dos “periquitos”, com seus dólmãs de golas e punhos verdes, e procura ver e saudar Maria Quitéria, a camponesa de Cachoeira que se tornou símbolo do heroísmo da mulher brasileira; é importante que os cavalarianos desfilem, porque eles também contribuíram para o êxito da guerra; é preciso que continue e seja preservado, com destaque especial, o carro do “Caboclo” e da “Cabocla” como representação simbólica dos que lutaram com arco e flecha, seus instrumentos de guerra. É preciso que esse desfile representativo do passado continue, com a participação de movimentos sociais, escolas, grupos de capoeiras, marchas improvisadas, bandas de música e fanfarras, transformando uma festa cívica numa desorganizada e alegre festa do povo, porque foi o povo que ganhou a guerra.

*Oliveiros Guanais de Aguiar: 
Filho de Galdino Borges de Aguiar e D. Etelvina Guanais Aguiar, foi figura de destaque no movimento estudantil de sua época, ocupando a presidência da União dos Estudantes da Bahia e, posteriormente, da UNE biênio 1960-1961.
Segundo o pesquisador Alberto Saldanha, Guanais foi eleito presidente da UNE por um entendimento triplo entre seu grupo (esquerda independente), a Juventude Universitária Catôlica (que apresentava o nome de Hebert de Souza) e o Partido Comunista. Registra, ainda, o papel da UNE na época (1956-1960) na opinião do próprio Oliveiros Guanais: "A UNE ... era uma grande tribuna política do país".
Como anestesiologista, destacou-se profissionalmente, o que rendeu-lhe a eleição por seus pares para integrar o Conselho Federal de Medicina. Integrou, ainda, o Conselho Editorial da Revista Bioética, do Conselho Federal de Medicina. Em reconhecimento a sua carreira profissional, presidiu o 22º Congresso Nacional de Anestesiologia.Faleceu em 21 de  novembro de 2011, no Hospital Português, onde encontrava-se hospitalizado.

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