terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

“Envelhecer implica uma outra arte de viver”

Emanuella Sombra*
Sentado à beira da piscina, Gilberto Gil se despede aos poucos da casa onde mora quando está na Bahia. A partir do segundo semestre, a residência do Horto Florestal – das festas e das reuniões de petit-comité promovidas pela esposa Flora – deixará de ser o tranquilo e confortável refúgio em Salvador. A mudança para um apartamento amplo no Corredor da Vitória acompanha o caminho natural de toda e qualquer família. “A casa esvaziou, os meninos já estão grandes, se criaram. Em geral passavam férias aqui, e não mais”, sorri o patriarca, com a leveza e a simplicidade que lhe são característicos. Aos 68 anos, Gilberto Passos Gil Moreira quase nunca sai. Desde o Natal na capital baiana, onde fará show de lançamento do CD e do DVD Fé na Festa, dia 30, na Concha Acústica do TCA, tem uma rotina extremamente caseira. Nas poucas vezes em que põe os pés na rua, vai dirigindo o próprio carro até a Barra Avenida, onde vive a mãe. Se a rotina permite, acorda por volta das dez da manhã, lê os principais jornais do Brasil e do mundo, rende-se ao barulho dos netos pequenos, fala ao telefone. De sandália e bermuda, anuncia que fica aqui até o Carnaval. Foi-se embora a postura formal de ministro da Cultura, cargo exercido de 2003 a 2008, durante o governo Lula. Gil mudou o disco. Ícone da MPB, corresponsável pelo movimento tropicalista e dono de uma carreira antológica, o senhor elegante de cabelos brancos transforma o tempo como na música que empresta título à capa desta edição. Como premonição transformada em melodia em 1984, Tempo Rei nunca foi tão apropriada.
Quando o senhor saiu do MinC, sua mulher, Flora Gil, disse que a política lhe tirava o sono. Já consegue dormir?
Hoje em dia eu já durmo (risos). No tempo do ministério, eu acordava no máximo às sete da manhã e dormia tarde, havia viagens constantes, um tempo que, do ponto de vista físico, já era demasiadamente ocupado. E tinha a questão psíquica mesmo, da preocupação. Mesmo enquanto dormia, permanecia sempre a situação de sobressalto, a prontidão absoluta, a expectativa sobre o dia seguinte, se as coisas iam andar, o que a imprensa ia publicar. Era uma vigília permanente. Agora, não. Com exceção dos períodos de gravação, hoje em dia eu acordo às dez horas da manhã.
O que o senhor faz durante esse tempo?
Raramente saio. Eu leio jornal todo dia. Jornais de São Paulo, jornais daqui, do Rio, do mundo. Com a facilidade da internet, você pode ler El País, Le Monde, The New York Times… Leio tudo, não com a preocupação do acompanhamento da notícia, mas pelo sentido que eles têm, de cobrir o existencial. Tanto que eu leio mais os segundos cadernos, cadernos esportivos. Os primeiros cadernos também, mas não para me referir à notícia de ontem, relacionada à primeira notícia de amanhã.
Então o senhor deve estar acompanhando a crise por que passa hoje a Prefeitura de Salvador.
As administrações municipais são sempre muito cobradas. Elas que cuidam da limpeza pública, do transporte coletivo, da questão urbanística. A questão recente das barracas (de praia), que vários governos adiaram por ser uma decisão complicada, a prefeitura acabou resolvendo. De certa maneira, entra na conta positiva desse governo. Mas há também a diferença de tônus administrativo. Há governos que têm mais tônus, mais força e vibração. Outros são mais claudicantes, e isso vai muito da personalidade dos gestores, da qualidade técnica dos auxiliares, dos secretários. E, num certo sentido, vai cada vez mais do próprio modo de ser da população.
Como assim?
As populações estão cada vez mais responsáveis por uma série de problemas. No caso de Salvador, as encostas, o tratamento das invasões, o modo equivocado com que se trata a questão do lixo e o transporte, essa tentativa de substituição do transporte público pelo automóvel. É um ciclo vicioso, mas aí é que está. Não se pode somente responsabilizar a autoridade. É uma questão cultural, não é uma questão política só.
Mas há problemas que são exclusivamente administrativos, como, por exemplo, a incapacidade de concluir a primeira fase do
metrô.
Tenho impressão de que, se fosse possível uma inversão de cultura em relação a vários desses problemas, se transporte coletivo fosse uma coisa almejada, desejada pela população, ela adquiriria uma capacidade maior de pressão. E quando eu digo a população, eu digo setores que têm capacidade de pressão política. As classes médias – e não é um problema brasileiro, mas mundial – tendem a ser as que mais desprezam o sentido da responsabilidade pública, e por isso estimulam o desprezo, a negligência por parte do poder público. O sonho da classe média é ter o carro, não o metrô. É um sonho fáustico, ligado a uma ideia abstrata de bem-estar. É assim com o transporte e é assim com uma série de coisas, com o consumo, a alimentação…
Houve mudanças na postura da população, como a de eleger, sem que isso fosse uma bandeira, uma mulher presidente.
A eleição impõe respeito nesse sentido. Isso é uma coisa importante, valia tanto para Dilma como para Marina Silva. No caso de Dilma, existe a responsabilidade de prosseguir, deslocar um processo relativamente exitoso do Lula e interesses próprios dela, de afirmação. Existem questões de competência gerencial, de gosto pela tomada de decisão que, embora se alegue que não são conhecidas do grande público, de mim são conhecidas, eu, que convivi com a Dilma seis anos. Eu sei que ela é hábil e preparada.
Dizem que a política envelhece as pessoas. Como ex-ministro, o senhor sentiu este processo?
Eu não sei. As pessoas têm uma espécie de elemento de teste com os cabelos. “Ah, porque o exercício político embranquece os cabelos” (risos). Não sei se foi isso, os meus já estavam ficando brancos. Os governantes estão submetidos a situações aflitivas o tempo todo, a saias justas, potenciais de escândalos, de críticas, de rejeições e menosprezos. É um fator psicossomático muito grande esse peso de reflexos sobre o físico e o psíquico. Por outro lado, o homem público é talhado e vocacionado para isso, o sistema imunológico dele é mais forte. Eu não sou vocacionado, não sou político, não sou nem mesmo um gestor público como outros são. Eles, em geral, têm uma carreira política. Eu não tinha, não tenho e não terei (risos).
* Jornalista

**Foto: Fernando Vivas
Trechos da entrevista publicada na Revista MUITO -Janeiro 2011

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