terça-feira, 7 de abril de 2009

O Rio Vermelho de minha infância e Juventude

Almir Santos

Cresci ouvindo histórias do Rio Vermelho. Primeiro, contadas por minha avó Amélia. Uma santamarense nascida em 02 de janeiro de 1882, que adotou o Rio Vermelho aos dois anos.
Lá minha avó casou e nasceram todos os seus filhos. As emocionantes histórias por ela contadas não foram registradas em nenhum documento, mas ficaram fresquinhas na minha memória. Tem até estória de lobisomem que aparecia freqüentemente. Falava de fatos, pessoas, lugares, transportes etc.
Contava do sucesso do meu avô Manuel da Paixão Ferreira, também conhecido como Pequeno, comerciante que teve um dos maiores armazéns na época. Dos compadres João Batista e Raul. Do Sr. Nazareth. Dona Anunciata, uma amiga italiana que teria morrido afogada na praia da Paciência não fora a coragem e habilidade de minha bisa-avó Joaquina. Das famílias Odilon Santos e Tabuada.
Do presente da Mãe d’Água, hoje conhecido como festa de Iemanjá. Do Bando Anunciador. Da Ladeira do Papagaio, onde morou, hoje integrante do corredor Cardeal da Silva. Dos sobrados coloniais. Das pescarias de xaréu. Das canoas e saveiros.
O Rio Vermelho, uma vila predominantemente de pescadores, era separada do centro da cidade por florestas e fazendas. O acesso ao centro, quando não feito a cavalo, era feito por um trem, chamado pelo povo de “maquina” que ligava o Campo Grande até às imediações da atual rua Lídio Mesquita.
Para vencer a grande diferença de nível o traçado da linha do trem contornava toda a elevação onde hoje se situa o Colégio Antônio Vieira, (daí o nome de Curva Grande), passava por baixo do Primeiro Arco, atingia uma via que viria ser denominada Rua do Trilho e, posteriormente, Rua Gomes Brandão, alcançava a Rua Garibaldi, passava sob o Segundo Arco, nas proximidades do viaduto da TV Itapuã, seguindo pela Rua Garibaldi até a Rua da Paciência.
Mais tarde essas histórias eram ratificadas por minha mãe, Núbia, nascida naquele arrabalde, como se dizia antigamente.
Quando me entendi não havia ônibus. O transporte de passageiros era o bonde, que saía do Terreiro de Jesus até o Campo Grande, daí ate o Largo da Mariquita. Só que o bonde não passava pela Curva Grande. Fazia o percurso ao longo da atual Avenida Leovigildo Filgueiras, passava por cima do Primeiro Arco, seguindo o trajeto do antigo trem. Era a linha 14 – Rio Vermelho.
Para se chegar ao Rio Vermelho, também poderiam ser usadas as linhas 16 – Amaralina e 15 – Rio Vermelho de Baixo. Esta última tinha o seguinte itinerário: Barroquinha, Largo do Teatro, hoje Praça Castro Alves, Rua da Ajuda, Rua do Tijolo, Baixa dos Sapateiros, Sete Portas, Rua Djalma Dutra, Fonte Nova, Rua Vasco da Gama, Largo da Mariquita.
Nos presentes da Mãe-d’Água havia muitos bondes extras para atender à demanda de passageiros, onde os homens ostentavam os seus belos liformes brancos e as mulheres seus trajes típicos e oferendas.
Pelas suas praias, pelas pessoas e coisas que existiam e pelo fato de ter nascido e crescido ao longo desse trajeto o Rio Vermelho passou a fazer parte da minha vida.
As mais recentes histórias aqui narradas foram por mim vividas.
Lembro-me que entre o Primeiro Arco e a Rua da Paciência não havia pavimentação. A linha do bonde só era dupla em alguns trechos. Havia necessidade de se esperar o sinal livre enquanto o outro bonde que vinha em sentido contrário.
Lembro-me do mato que arrastava nos passageiros que viajavam no estribo.
A maior emoção, quando levado à praia por meu pai e minha mãe em companhia de meu irmão Ayrton, era sentir o cheiro do mar quando o bonde passava da Vila Matos.
Nosso destino era o banho de mar na praia de Santana. Trocávamos a roupa na casa de Manuel de Lucila, pois não se andava nos bondes em trajes de banho.
Lembro-me das pessoas que ali moravam: Major Chaves, um eterno batalhador pela pavimentação da Rua Garibaldi. Morreu sem ver o seu desejo concretizado.
De Aymar Veloso, um fiscal da Prefeitura, Dr. Gratulino Melo, Chefe do Campo de Experimentação de Ondina, Dr. Lacerda, engenheiro da Prefeitura, dos seus filhos maestros Carlos e Toninho Lacerda e de sua filha Emília Lacerda, que nos deixou prematuramente. Da beleza de Marlene, do escultor Mário Cravo e tantos outros.
Do guarda 59 e do motorneiro, Sr. Xavier, que moravam na Vila Matos. De Eloi, meu barbeiro, que também morava na Vila Matos.
De quando, nos fins da década de 40, a linha 14 - Rio Vermelho foi contemplada com bondes fechados tipo sossega-leão. Que festa!
Do motorneiro do bonde 286, apelidado de Mão de Luva, que tinha um grande fã clube, mas sempre era punido por excesso de velocidade.
Dos descarrilamentos.
E da última linha de bondes que existiu em Salvador: Campo Grande-Rio Vermelho. Isso no início dos anos 60.
Dos meus colegas que utilizavam o mesmo transporte: do meu amigo Edyano Castro Meira, que morava na Rua Eurícles Matos (Paciência) 49.. De Ivan Reis, Ivan Rabelo, José Calazans. Dos irmãos Milton e Carlos Araújo.
De comprar manga na roça de René, onde hoje está situado o Parque das Mangueiras. Que delícia!
Da sede do Esporte Clube Ypiranga.
Do alargamento da Rua da Paciência quando foram demolidos vários casarões, inclusive a antiga Escola Guiomar Pereira. Da demolição do forte na Rua Guedes Cabral para urbanizar a área. Da construção da nova Igreja de Santana. Tudo isso até o fim da década de 60.
Esses depoimentos datam de tempos remotos, desde uma pequena Salvador de pouco mais de 100 mil habitantes até os nossos dias com 3,0 milhões de habitantes.
Em que pese o progresso, das novas tecnologias, de luxuosas edificações, hotéis cinco estrelas, o Rio Vermelho mantém vivas lembranças de um passado opulento.
Sempre teve o privilégio de acolher pessoas ilustres como o inesquecível Jorge Amado.
É o bairro preferido para moradia e lazer de artistas e intelectuais. É o bairro dos bares, restaurantes e comidas típicas. Abriga uma das mais belas festas populares do Brasil. A festa de Iemanjá.
Continua com o mesmo charme.

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