sábado, 18 de abril de 2009

Muda Salvador, mas com jeito

SALVADOR - BAHIA
Oliveiros Guanais
Há muitos e muitos séculos, um cara chamado Heráclito sustentava que tudo estava em permanente mudança: “não passarás por um rio duas vezes”... Outro patrício dele, Parmênides (gregos ambos), dizia, com argumentos mais complicados, que não há mudança, tudo permanece igual. Daqueles tempos para cá, as torcidas se dividiram, cada um tendo seus seguidores. Eu torço por Heráclito, assim como Lula torce pelo Corínthias.
Quando vejo fotos da Bahia antiga, sinto imensa nostalgia, saudades do que vi e do que não cheguei a ver, e neste blog do Osvaldo tenho me deparado muito com imagens que me trazem recordações sobre tempos idos. Conheci muito da Bahia que está nas fotos, mas muitas coisas são anteriores a mim.
A Bahia de hoje está melhor ou pior que a Bahia de 50 anos atrás? Esta pergunta é difícil de ser respondida , pois não há maniqueísmo nessa história, mas divisão de perspectivas, porque umas coisas melhoram, outras chegam a irritar de tão ruins que ficam. Por outro lado, como o passado não tem pecado ( Êpa, é do passado que vem tudo o que somos hoje, de bom e de mau, e é na infância e adolescência que se constrói a nossa personalidade, conforme disse um poeta inglês: “o menino é o pai do homem”), vemos os tempos idos com saudades.
O que falta na Bahia é o que ainda se preserva em importantes e antigas cidades da Europa, que zelam por seu patrimônio urbano e arquitetônico e, mesmo sendo muito mais velhas do que Salvador, não se deixam desfigurar pelo novo que não representa beleza, nem conforto, nem melhoria na qualidade de vida da população. Houve famosos transformadores lá e cá. Paris teve Haussmann, que derrubou casas velhas e alargou ruas, criando os bonitos bulevares da cidade . Na virada dos séc. XVIII- XIX, o Rio de Janeiro teve em Pereira Passos o seu urbanista revolucionário, derrubando também imóveis e patrimônios antigos, embelezando as áreas nobres da zona Sul, mas ignorando a pobreza dos morros e a própria zona norte da cidade. Encontrou soluções mas também deixou problemas. Quase na mesma época ( décadas de 30 a 50 ), em Nova Iorque e Salvador, Robert Moses, lá, e Mario Leal Ferreira cá, entregaram-se às transformações de suas respectivas cidades. Moses era um gênio louco, ou somente um louco, que quase transformou Nova Iorque numa nova Cartago. Foi impedido a tempo de destruí-la por inteiro, mas deixou a cidade diferente do que era antes. ( Para melhor ou para pior? ).
Salvador encontrou em Mario Leal Ferreira muito mais que um urbanista; encontrou um homem de ciência, um sociólogo, um humanista. Mas ele morreu jovem, antes de pôr em prática os estudos multidisciplinares que comandou ( Veja artigo neste blog) . É claro que não se encontram homens como Mário Leal Ferreira disponíveis por aí. Por outro lado, interesses pessoais divergentes e entraves ou inação política fazem com que as soluções não sejam levadas adiante. A quem viveu a Bahia de 1950 para cá, pode-se dirigir a pergunta: o crescimento da cidade foi satisfatório? Eu diria que não. Aí estão os engarrafamentos, os conglomerados urbanos, a orla abandonada, a falta de perspectiva para um crescimento ordenado, deixando a Bahia muito atrás de Aracaju, Recife, Fortaleza, só para falar de capitais do nordeste. Em Salvador, o homem que se alcunhou “prefeito do século” valeu-se do plano de Mario Leal Ferreira, usando uma montanha de dinheiro que lhe foi repassada pelo primeiro ditador pós-golpe, mas ficou apenas nas aberturas de algumas avenidas de vale, não correspondendo à visão integrada que o nosso urbanista-mor concebera para o desenvolvimento da cidade. E foi esse mesmo administrador que abriu as comportas para a inundação de espigões na cidade. ( Não estava ele, o tal prefeito, eufórico e sorridente no coquetel de inauguração do Apolo XXVIII, o primeiro edifício de proporções descomunais a dar início à descaracterização da corredor da Vitória ? Pois é. )
O crescimento urbano de Salvador foi absurdo por falta de controle de gabaritos, por falta de preservação de patrimônios históricos valiosos e por abandono irresponsável da orla, que tem ou tinha as condições para ser a mais bela do Brasil.
Agora, comentários finais.
1-Nenhuma cidade resiste ao crescimento demográfico exponencial;
2-nenhuma cidade pode apoiar-se em automóveis como meio de transporte privilegiado;
3- O metrô é a única solução como transporte de massa;
4-nenhuma transformação ( destruição do velho/construção do novo) pode ser bem sucedida se não houver controle e direcionamento dos órgãos públicos apropriados, valendo-se do poder administrativo de polícia .
Fora desses requisitos, nenhuma urbanista, nenhum administrador consegue fazer algo de perene.

Um comentário:

  1. Concordo em grande parte com a brilhante crônica do Oliveiros Granais.

    Analisado o plano de Mario Leal Ferreira conclui-se que ele está praticamente implantado em suas linhas gerais. No que se referia ao sistema viário básico, preconizava a construção de park-ways, que se constituíam em três vias concêntricas utilizando-se os vales e três radias que dariam a Salvador a configuração de um leque.

    O conceito de park-ways (avenidas parques), perfeitamente viáveis, já que as áreas por onde deveriam passar essas vias, praticamente não estavam ocupadas, foi prejudicado face à não preservação de uma faixa para tanto e uma ocupação desordenada por falta de ações de sucessivas administrações. municipais.

    Lamentável que o patrimônio arquitetônico tenha sido irresponsavelmente destruído, principalmente na cidade Baixa, cujo valioso conjunto colonial poderia ser preservado se o plano de MLF tivesse sido implantado quando concebido. Os prédios de grande porte hoje ali existentes seriam implantados na área de expansão da cidade fora do centro tradicional. Pena que não se pode voltar as páginas da história.

    A primeira via concêntrica que compreendia a garganta do Taboão à garganta da Barroquinha. É a atual Baixa dos Sapateiros (antiga Rua da Vala) cujo nome se deve à sua topografia e ao grande comércio de couros e artífices em fabricação e consertos de calçados que ali se instalaram desde o século XIX.

    Pela seção transversal desse vale e pelas edificações implantadas, dificilmente seria transformada em park-way.

    Não se pode esquecer, entretanto de quem praticamente complementou a vias previstas no plano de MLF, que mofava nas estantes.
    Na época, além da Baixa dos Sapateiros, já referida, pequenos segmentos do plano tinham sido construídos compreendendo Centenário e Vale do Canela. Barros Reis e Vasco da Gama, tudo sem status de avenidas. Almir Ferreira

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