quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Morador deveria fazer tudo o que precisa a pé

Thais Borges (thais.borges@redebahia.com.br




Imagine se tudo o que você precisasse em sua vida - o local de trabalho, a escola das crianças, o mercado, a farmácia, o banco... - ficasse tão perto de sua casa que você não precisasse ter carro. Parece muito distante da realidade?
Mas isso não é impossível. Na verdade, já acontece em outros lugares do mundo, como Freiburg, na Alemanha, apontada por estudiosos como a cidade mais sustentável do planeta. Foi esse o exemplo apresentado ontem pelo especialista alemão Steffen Ries, gerente da Academia de Inovação de Freiburg, no Fórum Agenda Bahia. 
“Se as pessoas vivem sem um carro, temos o conceito de ‘walkable city’ (em inglês, ‘cidade caminhável’). A ideia é que as pessoas possam andar curtas distâncias e que tudo que é necessário para sua rotina diária esteja perto delas”, explicou Ries.
Bairro caminhável
 Apesar de isso ser uma tendência em toda Freiburg, é no bairro de Vauban que o uso do carro é ainda mais raro. No local que já foi uma área militar na Segunda Guerra Mundial,  hoje moram cerca de cinco mil pessoas. Os carros podem trafegar em Vauban, no entanto, quem tiver seu próprio automóvel não pode estacionar em frente a sua casa, por exemplo. O morador só tem autorização para comprar o carro se pagar R$ 70 mil por uma vaga de estacionamento.  “Isso acaba desestimulando as pessoas, porque o preço da vaga é praticamente o preço de um carro”. O resultado é uma comunidade que ocupa as ruas da cidade. “Lá, as ruas não pertencem aos carros. Elas pertencem às crianças, que podem brincar em segurança, porque sabem que não vai passar um carro daqui a um minuto. O próximo carro só vai passar daqui a uma hora.  Por conta disso, as pessoas têm mais qualidade de vida, as ruas também são menos barulhentas e o ar é menos poluído”.

E se alguém quiser ir ao centro de Freiburg, é só pegar o trem: também dá para chegar a pé na estação, já que todo o bairro tem uma área aproximada de 2,5 km². 
Longo prazo 
Mas nada disso começou de uma hora para outra. Freiburg tem uma história de desenvolvimento sustentável que começou há cerca de 40 anos, quando sua população impediu a instalação de uma usina nuclear. “E ainda há muito a ser feito”, garantiu Ries.  
Hoje, a maior parte da população usa bicicleta ou transporte público. No ano passado, segundo Steffen Ries, foram cerca de 75 mil viagens no sistema de transporte público em Freiburg - que tem 240 mil habitantes. Em Salvador, com pouco mais de 2,8 milhões de habitantes, foram 45 mil viagens.  “É preciso tornar o transporte público em Salvador mais seguro, mais fácil e especialmente mais rápido, para que as pessoas cogitem usá-lo”.

Pontos caminháveis estimulam a competitividade
Seguir o caminho de casa para o trabalho – ou qualquer outro ponto de diversão ou desenvolvimento de atividade -  sem precisar usar carro ou qualquer outro veículo de transporte público. Esse conceito de urbanismo chamado “caminhável” foi apresentado ontem,  no Fórum Agenda Bahia,  pelo presidente da Green Mobility, consultoria de projetos internacionais de mobilidade urbana e de desenvolvimento sustentável, Lincon Paiva. 
Pesquisa realizada pela  George Washington University, apresentada por Paiva, revela que as melhores cidades para viver nos EUA são aquelas que têm maior índice de WalkUp. 
 Eles identificaram e estudaram 558 pontos caminháveis nos EUA – sendo 66 em Nova York. Estas áreas geralmente correspondem por 1% da área metropolitana, mas geram 48% da riqueza produzida. “Produzir áreas caminháveis e dentro das cidades significa desenvolvimento. O urbanismo caminhável trabalha em sinergia com o desenvolvimento”, ressalta.  
Para Paiva, municípios como Salvador podem seguir os exemplos de outras cidades ao instituir esse tipo de urbanismo. Ele apresentou  ainda o exemplo do município de Afuá , no noroeste da Ilha de Marajó, no estado do Pará, onde é proibido por lei ter carro e moto.  A cidade tem 34 mil habitantes, sendo que sete mil vivem na zona urbana. “Na cidade o aeroporto, além de aviões, é usado para o futebol dos moradores. Ou seja, é possível ter numa cidade menos carros e mais interação com as pessoas. Isso tem uma relação direta”, destacou Paiva que também é professor da Universidade Federal do Paraná.
 Por Jorge Gauthier.


terça-feira, 14 de outubro de 2014

Cinco anos de concessão - Hora de revisão

Osvaldo Campos Magalhães*
Com a definição das eleições na Bahia, um importante tema relacionado ao desenvolvimento econômico do estado volta à ordem do dia, a revisão do contrato de concessão das BR’s 324 e 116, ligando Salvador a Feira de Santana e desta a Candido Sales, na fronteira da Bahia com Minas Gerais.
Maior concessão rodoviária do país, integrou a chamada “2ª fase da desestatização”, composta por sete lotes de rodovias, conduzida pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. O modelo adotado reduziu a taxa de rentabilidade das concessões e diminuiu o volume de investimentos previstos ao longo do prazo de vigência do contrato.
Com grande viés político, foram obtidos valores muito baixos para as tarifas de pedágio. Na campanha eleitoral de 2010, a comparação das tarifas das rodovias privatizadas por Dilma e das estaduais paulistas, mais caras e parecidas com as da primeira fase do governo federal, foram temas de destaque. 
As grandes empreiteiras brasileiras não se interessaram em participar dos leilões devido à baixa taxa de retorno nas novas concessões. No caso das BR’s 324/116, foi vencedor o consórcio liderado pela empresa espanhola ISOLUX e participação minoritária das empresas brasileiras Engevix e Encalso, que ofereceram deságio de 21% em relação à tarifa teto de R$2,80. Apesar da importância do trecho a ser concessionado, apenas mais um grupo empresarial entrou na disputa, o consórcio formado pelas empresas Heleno e Fonseca Engenharia, LBR e CRA
Sem qualquer experiência anterior em concessões rodoviárias, a Isolux, conhecida por vitórias em licitações de linhas de transmissão, marcou sua entrada no segmento brasileiro de concessões rodoviárias logo no maior trecho rodoviário privatizado, os 680 quilômetros que ligam a divisa de Minas Gerais a Feira de Santana na BR 116 e o trecho da BR 324 até Salvador, incluindo ainda a ligação à base naval de Aratu.
Talvez por desconhecimento do novo setor de atuação ou quem sabe em função dos baixos valores do pedágio, a gestão privada destas rodovias na Bahia vem sendo objeto de severas reclamações por parte dos usuários que convivem diariamente com atrasos nas obras, engarrafamentos e diversos acidentes principalmente no trecho da BR 324.
Estratégica para nossa economia, a ligação rodoviária entre Feira de Santana e Salvador deveria se converter num grande eixo de desenvolvimento, gerando oportunidades de implantação de diversos empreendimentos, com destaque para a transformação de Feira de Santana na grande plataforma logística do Norte Nordeste.
Transcorridos os cinco primeiros anos da concessão, constata-se a necessidade de revisão do contrato ou até mesmo a sua suspensão. Devido à importância estratégica deste corredor rodoviário para a economia baiana, necessário de faz uma nova repactuação dos investimentos a serem realizados, sendo urgente a imediata inclusão da construção da terceira faixa de rodagem entre Salvador e Feira de Santana. A melhoria na prestação dos serviços se faz necessária e o governo do Estado da Bahia não pode mais se omitir em relação a assunto tão estratégico para a economia regional.

*Engenheiro Civil e Mestre em Administração, é membro do Conselho de Infraestrutura da FIEB

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Urbanismo e arquitetura para o século XXI

José da Conceição Afonso*Sensivelmente a partir da década de 80 no séc. XX, a par do fenômeno mundial de concentração das populações em metrópoles e cidades, assistimos a um outro fenômeno chamado de Globalização ou Mundialização, a que os mais entusiastas já consideram caracterizar uma nova era da História da Humanidade. Não existe uma definição de globalização que seja aceite por todos, pois designa muitas coisas ao mesmo tempo. Há a interligação acelerada dos mercados, há a possibilidade de movimentar bilhões de dólares por computador em alguns segundos, como ocorre nas Bolsas de todo o mundo, há a chamada terceira revolução tecnológica (processamento, difusão e transmissão de informações). A globalização está em curso, entre outras coisas, por causa de duas revoluções: a tecnológica e a da informática. É dirigida pelo poder financeiro. Juntas, a tecnologia e a informática e com elas o capital financeiro diminuíram distâncias e romperam fronteiras. Hoje é possível ter informações sobre qualquer parte do mundo, a qualquer momento e de uma forma simultânea. Mas também o dinheiro tem agora o dom da ubiqüidade, move-se de maneira vertiginosa, como se estivesse em todo o lado ao mesmo tempo. E mais, o dinheiro dá uma nova forma ao mundo, a forma de um mercado, de um mega-mercado. A globalização em curso, com fundamento ultra neoliberal, modifica radicalmente o discurso urbanístico e arquitetônico, podendo-se-lhe já constatar, em síntese, as seguintes características relativamente às quais não podemos deixar de refletir e assumir uma posição:
1. Desterritorialização espacial e cultural / Abolição sistemática de fronteiras;
2. Afronta aos contextos e valores históricos, culturais, e patrimoniais pré-existentes / Desmemorialização das comunidades quanto aos referenciais constituintes da sua identidade;
3 Ataque sem limites ao pluralismo cultural e aos valores de identidade nacional, regional e local que não conhece, em favor de valores internacionais, sobretudo americanos, que conhece;
4. Desestruturação dos tecidos urbanos pré-existentes e imposição da estética do caos e dos não-lugares;
5. Promoção do conceito de cidade como um mega-mercado;
6. Promoção do conceito de cidade genérica, igualitarista nos aspectos formais, como resultado dum pensamento internacional, sobretudo americano;
7. Cenário provocatório de uma estética sem ética, como fundamento para o exercício da profissão do arquiteto. Quando o mundo é conquistado pelas multinacionais, as comunicações maximizam-se e as distâncias virtualizam-se, a cultura do não-lugar, do desapego e de uma identidade universal crescem. A arquitetura não respeita fronteiras, nem tradições, nem recursos naturais e surge como resultado de um pensamento internacional (3). Pelo desprezo que revela ter em relação às questões patrimoniais e de identidade cultural pré-existentes, a estética da arquitetura da globalização, uma Estética Sem Ética, pretende que nos tornemos apáticos, acríticos e insensíveis a tudo o que nos surja diante dos olhos. Pelas razões atrás invocadas, afigura-se antes de tudo ser uma questão vital de preservação da nossa identidade, uma identidade que queremos dinâmica e viva, uma identidade que não podemos deixar que morra às mãos do passadismo ou do ultravanguardismo neo-liberal, saber-se como lidar com essa nova corrente econômica e de pensamento, a da Globalização e Super-modernidade, este novo problema dos nossos dias como muito bem refere Mário Soares num artigo publicado recentemente no semanário Expresso.
Um outro tipo de globalização é possível e desejável!
Globalizar ou glocalizar?
A nossa principal crítica não é contra a globalização, mas sim contra este tipo de globalização, pois, negá-la ou querermos sair dela, seria inútil porque como diz Rosa Montero num artigo do diário el país .... se nos opusermos à onda em vez de a cavalgar, estaremos desaproveitando um momento crucial e facilitando que as multinacionais assumam o controle do novo mundo. Não há que rechaçar a globalização mas sim tomá-la (4). Mas, a nossa crítica relaciona-se não só com o fenômeno da globalização mas também, muitas vezes, com uma total falta de idéias quanto à concepção de muitos dos edifícios anônimos existentes. Refira-se que muitos dos edifícios e conjuntos urbanos que constituem a melhor arquitetura das nossas cidades encontram-se em deprimente e total abandono, quando não à espera da buldozer, sem que isso tenha alguma coisa a ver com o fenômeno da globalização. Porque não aproveitar a quantidade de informação e a velocidade a que circula para conhecer projetos, novas tecnologias, materiais, sua aplicação adequada; estudá-los e ver de que modo seriam úteis em cada lugar, em vez de tomar edifícios, copiá-los textualmente, ou demolir tantas e tantas vezes obras excepcionais que deveriam ser recuperadas e valorizadas?
Porque não aproveitar os recursos do lugar, porque não pensar um pouco, porque não estudar o movimento do sol, as chuvas e o vento no seu relacionamento com o urbanismo e a arquitetura? Porque não pensar numa arquitetura global dentro do local e local dentro do global. Uma arquitetura única para cada lugar dentro do pensamento universal. Uma arquitetura de idéias que tenha que ver com a sua implantação, que não contribua para o esgotamento dos recursos naturais, mas que ajude a conservá-los; isto sem deixar de ser parte deste mundo globalizado.
“Que o genius loci seja o sustentáculo desta arquitetura ecológica” (5).
No fundo, como contraponto à globalização, o que é possível ser feito em relação à arquitetura e urbanismo, julgo ser aquilo que os economistas já designam por globalização, uma síntese de Global com Local, articulando e integrando no mesmo processo valores locais e regionais com valores universais. Com o século XXI, o futuro surge incerto mas também com novas oportunidades a exigir novas atitudes; hoje temos que refletir e agir não só em relação ao adro da nossa igreja mas também à nossa casa de todos, o planeta Terra. O olhar global, em extensão, é tão necessário, fascinante e importante como o olhar local, em profundidade. Ambos estes olhares ajudam-nos a perceber melhor a condição do Homem neste planeta.
*José da Conceição Afonso é arquiteto e atua em Portugal

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Helsinque cria transporte público personalizado

Vitor Paolozzi * 
Em vez de adotar medidas repressivas como rodízio ou pedágio urbano, Helsinque decidiu esvaziar suas ruas com a criação de um sistema "personalizado" de transporte por ônibus que seja eficiente a ponto de convencer os moradores a abandonar espontaneamente seus carros. Nesse sistema não existem mais linhas com trajetos fixos: por meio de um computador ou celular, o passageiro informa o seu ponto de partida e o de chegada e em poucos minutos é apanhado por um micro-ônibus que adapta a rota de acordo com a demanda. 
Chamado de Kutsuplus, o serviço foi implantado na capital finlandesa de maneira experimental em 2012 com três vans e logo passou para dez. Atualmente, o programa ainda opera em pequena escala, com 15 veículos, mas o plano é ir ampliando-o gradualmente até atingir uma frota com entre 5.000 e 8.000 micro-ônibus em 2027, quando então, idealmente, boa parte da população da cidade - hoje ao redor de 600 mil - iria preferir deixar de lado o carro e adotar o transporte público. 
Para utilizar o sistema, o passageiro necessita de um computador ou celular - que não precisa nem mesmo ser um smartphone, a viagem pode ser marcada com o envio de um SMS. Após receber o pedido com hora e locais de partida e chegada, o sistema calcula o preço e estimativas da rota e do tempo que a viagem levará. Caso o passageiro aceite a proposta, o pagamento é debitado da sua conta e ele se dirige para o ponto de encontro determinado. Ao embarcar, ele passa ao motorista a senha recebida eletronicamente. Durante a viagem, se o sistema designar algum novo passageiro à van, o motorista é comunicado em seu GPS sobre a alteração no trajeto. 
De acordo com uma pesquisa feita em maio, em cerca de um terço das viagens o micro-ônibus pega o passageiro na hora combinada; em aproximadamente 95% dos casos a variação do horário definido não passa de cinco minutos. Segundo as estatísticas, somente em 1,1% das viagens o passageiro chega ao destino com atraso superior a 10 minutos. O preço da passagem é mais caro do que uma viagem de ônibus normal, mas custa cerca de um quarto da tarifa de um táxi - sendo que o tempo gasto é o mesmo e o passageiro ainda conta com conexão wi-fi gratuita. 
"Após ser expandido, o Kutsuplus oferecerá uma ferramenta poderosa e economicamente eficiente para a redução do número de deslocamentos privados de carros, graças à simples oferta de uma melhor alternativa para muitos dos atuais motoristas", afirma Kari Rissanen, diretor do programa, mantido pela Autoridade de Transporte Regional de Helsinque (HSL). Ele diz que um dos objetivos da HSL é fazer com o Kutsuplus deixe de ser deficitário. "Por que não, se o táxi tradicional é lucrativo? Por enquanto, o serviço ainda é parcialmente subsidiado, embora o subsídio esteja diminuindo a cada vez que aumentamos o número de veículos." 
Em 2012, pela primeira vez em mais de 40 anos, Helsinque registrou um aumento da parcela de utilização do transporte público, que atingiu 43% (com alta de 1 ponto percentual). Segundo Rissanen, a mudança se deve a várias medidas adotadas pela HSL, entre as quais a criação do Kutsuplus, cujo "efeito positivo [no resultado da pesquisa] foi pequeno, mas [...] continuará a crescer". 
Tanto Rissanen, como Teemu Sihvola, CEO da Ajelo, a empresa responsável pela tecnologia que permite a operação do serviço, afirmam que o sistema poderia ser implantado em metrópoles como São Paulo. Porém, ressalta Rissanen, "não para substituir outros transportes públicos, mas para complementá-los". Sihvola diz que está negociando com outras cidades para vender os seus softwares. "Infelizmente não posso revelar os nomes das cidades. Vou apenas dizer que o interesse em relação ao Kutsuplus é global." 
*Jornalista - Valor Econômico

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Salvador e a economia criativa

Osvaldo Campos Magalhaes*
O conceito de economia criativa surgiu em 1994, na Austrália, com o projeto “Creative Nation”. Ganhou destaque mundial durante o governo do primeiro-ministro britânico Tony Blair com uma série de incentivos a atividades que envolvem a criatividade como software gastronomia, moda, design e mídia.
Em São Paulo, no ano de 2004, a conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento, decidiu introduzir o tema da economia criativa na agenda política internacional de desenvolvimento econômico.
Desde então, mais de 50 países já realizaram mapeamentos dos seus setores criativos e adotaram estratégias que visam expandir sua indústria criativa, inserindo o tema estrategicamente  em suas agendas econômicas.
No Brasil, em 2012, foi criada no âmbito do Governo Federal a Secretaria da Economia Criativa – SEC, tendo como prioridades os setores de Artesanato, Arquitetura, Design e Moda. Um amplo mapeamento da economia criativa foi também realizado no Rio de janeiro, pela FIRJAN, e revelou que o peso da cadeia da indústria criativa no PIB brasileiro pode chegar a 18,2%, o que equivale a mais de R$ 680 bilhões.
Pesquisa da UNCTAD indica que o Brasil exporta atualmente mais de US$ 8.5 bilhões em serviços e produtos criativos. Considerando a nossa rica herança cultural e o vasto potencial de talentos criativos no país, o Brasil ainda tem participação tímida no mercado mundial. É preciso reforçar nossa capacidade criativa, diversificar e melhor promover nossos produtos no mercado mundial: música, cinema, moda, design, novas mídias, artesanato, etc..
O momento é propício para se por em prática, em Salvador, políticas institucionais que ajudem a promover a dimensão de desenvolvimento da economia criativa em sua totalidade. Cidades como São Paulo, Recife e Curitiba lançaram recentemente seus programas de economia criativa.
O conceito das “cidades criativas” tem sido amplamente usado não só para revitalizar cidades que buscam novos rumos valorizando a cultura, serviços diferenciados e entretenimento a fim de atrair a chamada classe de empreendedores criativos, valorizando assim tanto o patrimônio histórico e cultural como o lado contemporâneo das cidades. 
A indústria criativa apresenta grande potencial para as cidades que estejam procurando diversificar sua economia e participar de um dos mais dinâmicos setores da economia mundial. Entretanto, para que haja um clima que conduza ao bom desempenho da economia criativa é preciso que o setor público adote políticas de estímulo.
Dada suas características culturais únicas, Salvador tem todos os atributos para se tornar uma referência como a cidade da economia criativa. Tem uma identidade multicultural e é uma cidade musical e singular, vocacionada para o entretenimento e cultura, mas, políticas públicas adequadas são necessárias para promoverem o desenvolvimento inclusivo através da criatividade, cultura, conhecimento e inovação.
*Criador e eiditor deste blog. Engenheiro Civil e Mestre em Administração com foco em Tecnologia e Estratégia. Membro do Conselho de Infraestrutura da FIEB.
** Artigo originalmente publicado no jornal A Tarde, em 25/08/2014

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Rômulo Almeida, 100 anos

Eduardo Almeida*
Dentre tantos vultos do século XX empenhados na luta por um Brasil mais justo, Rômulo Barreto Almeida está talvez entre os menos conhecidos e reconhecidos. Há um notório abismo entre os poucos que conhecem sua trajetória, reconhecendo-o entre os maiores de sua época, e uma imensa maioria que não tem a mínima noção de quem foi ou o que fez.
Claro, há incontáveis anônimos, soldados da luta atroz contra o atraso e as imensas disparidades sociais e regionais. E Rômulo era do tipo que fazia sem se preocupar com glórias ou holofotes. Os grandes personagens da História certamente se medem menos por seus esforços e intenções do que por suas realizações e conquistas. O reconhecimento nem sempre é automático. Há controles e interesses nesses processos, ainda mais numa sociedade dividida e conflitada. Mao Tsé-Tung, o líder chinês que conseguiu pôr de pé um imenso país decadente, publicou, no curso de sua luta, três textos motivadores da militância: Servir ao povo, O velho tonto que removia montanhas e Em memória de Norman Bethune. Tratam de entrega às causas populares, abnegação, persistência e coerência na luta. O cotejo com a vida de Rômulo é inevitável. Rômulo Almeida, de fato, encarnava essa retidão, a monumental determinação de servir a seu povo.

Tudo isso somado à ponderação, à honestidade e disciplina típicas de um cientista. Isso nos remete a uma certa controvérsia. Muitas pessoas de esquerda, do antigo PCB ao novo PT, levantam senões sobre Rômulo Almeida, sobretudo por dois fatos aparentemente “sombrios”: a militância integralista nos anos 30 e o fato de não ter sido cassado e nem forçado ao exílio quando da ditadura militar. Não cabe aqui discutir estreitezas de análise. Rômulo Almeida se soma, em destaque, a um seleto contingente de brasileiros que mais afrontou, objetiva e incisivamente, os senhores do atraso, as oligarquias e classes dominantes reacionárias e excludentes deste país. Lutou por fora e por dentro do sistema, nas brechas, explorando contradições; teve momentos de estar praticamente no poder, outros de grandes conquistas e influência intelectual e técnica, mas também inúmeros de revés, frustração, desvirtuamento de suas criações e projetos.
O legado final, no entanto, é impressionante e visceralmente inserido naquilo que explica as grandes transformações que modernizaram o Brasil, o Nordeste, a Bahia, nas últimas seis décadas. Mais modernizaram do que transformaram, que era o que Rômulo compreendia necessário. Não foi por outra razão que sempre buscou a trincheira política, tentando exercitar liderança cidadã com ética e compromisso, o que, bem sabemos, é meio complicado no Brasil.Não é difícil, portanto, entender por que Rômulo ficou tão escanteado na memória brasileira, até mesmo na sua Bahia, onde esteve mais exposto. Sintomático que as forças conservadoras prefiram o ostracismo de nosso personagem. Compreensível que uma esquerda marcada por deficiências na leitura do real, com propensões a um sectarismo eurocêntrico e dificuldades autocríticas, subestime o papel transformador-libertador de Rômulo. 
Dezoito de agosto de 2014, 100 anos de nascimento do baiano Rômulo Barreto Almeida.
*Jornalista e indigenista
** Artigo publicado originalmente no jornal A Tarde

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Rede de Cidades Criativas

Paulo Peixoto*
Há muito que a Unesco se interessa pelas questões urbanas. Por isso, não é de estranhar que o tema das “cidades criativas”, que casa questões urbanas com questões culturais caras à organização, tenha levado a Unesco a constituir uma Rede de Cidades Criativas. 
Ao constituir esta rede, a Unesco reconhece o protagonismo crescente das cidades, mas também a importância que a cultura e as atividades culturais desempenham atualmente, e de forma crescente, na dinamização e transformação urbanas. Por outro lado, como a própria Unesco justifica ao explicar as razões que levaram à criação desta rede, não deixa de ser relevante o facto de a questão da criatividade animar crescentemente as agendas políticas locais e nacionais e de ser vista como um elemento central das estratégias de desenvolvimento econômico. Acresce que a Unesco tem estado, nas últimas décadas, particularmente ativa no domínio da criação e sustentação de redes, reconhecendo, neste caso, que uma rede de cidades criativas é importante na exata medida em que as indústrias criativas constituem hoje a base da estrutura social de muitas cidades, reforçando a diversidade cultural, estimulando a vida quotidiana e contribuindo para a consolidação da identidade local e da autoestima.  A Rede das Cidades Criativas resultou da iniciativa “Aliança global em prol da diversidade cultural”, lançada pela Unesco em 2004.
Em termos gerais, a Rede constitui‑se para promover a diversidade cultural e o desenvolvimento urbano sustentável. Aposta, especificamente, no desenvolvimento da cooperação internacional entre cidades, promovendo a constituição de parcerias para o desenvolvimento no contexto das prioridades globais estabelecidas pela Unesco: “cultura e desenvolvimento” e “desenvolvimento sustentável”. As noções de “economia criativa” e “turismo criativo” fundamentam e orientam a existência da Rede, procurando funcionar como eixos estruturantes das ações desenvolvidas no âmbito das parcerias. Estas, disseminando‑se por várias áreas da cultura, visam promover a partilha de experiências e contribuir para a emergência de novas oportunidades de cooperação numa base mundial. As cidades podem aderir à Rede, seja enquanto “centros criativos”, seja enquanto “agrupamentos socioculturais”. Os centros criativos orientam‑se para a promoção do desenvolvimento socioeconómico e cultural, quer nos países desenvolvidos, quer nos países em vias de desenvolvimento, através das indústrias criativas. Os agrupamentos socioculturais pretendem reforçar as relações entre comunidades diferenciadas, no domínio sociocultural, de modo a criar ambientes urbanos equilibrados. 
São 34 as cidades que integram atualmente a Rede das Cidades Criativas, repartindo‑se pelas 7 áreas das indústrias criativas fixadas pela Unesco: literatura, cinema, música, artesanato e artes populares, design, artes numéricas e gastronomia. Design, com 11 cidades aderentes, é a área que reúne maior número de membros. Artes numéricas, com um único membro, é a área menos participada. Entre os membros da Rede contam‑se grandes cidades, como Pequim (design), Kobe (design), Shangai (design), Seoul (design); cidades médias, como Lyon (artes numéricas), Sydney (cinema), Buenos Aires (design), Berlim (design); e cidades de menor dimensão, como Edimburgo (literatura), Dublin (literatura), Reykjavik (literatura), Sevilha (música), Bolonha (música). Não há, neste conjunto de cidades, nenhuma que seja originária do universo da lusofonia. Não obstante esta diversidade, a Rede tem um manifesto problema de densidade, havendo áreas, como, por exemplo, artes numéricas e cinema, em que o número de cidades aderentes nem sequer cauciona o princípio da parceria. 
O site da Rede disponibiliza formulário e informações de submissão de candidatura. Os procedimentos necessários não deixam de ser um fator de entrave à candidatura e adesão de novas cidades. Em primeiro lugar, a adesão à Rede depende de um filtro político, uma vez que é necessária a autorização do Presidente da Câmara local (ou equivalente). Existindo a missiva oficial de concordância, a cidade submete a candidatura à Unesco. Em seguida, a Unesco confere se a Comissão Nacional da Unesco correspondente reconhece e apoia a candidatura, condição que, na prática, é obrigatória, para o sucesso da candidatura. Segue‑se a avaliação por um grupo de peritos externo, constituído por especialistas de ONGs na área de candidatura. Finalmente, sob recomendação do grupo de peritos, o Diretor Geral da Unesco toma uma decisão final. Ainda que o processo pareça simples e linear, a verdade é que ele é bem mais complexo que aquilo que aparenta ser. O formulário de candidatura obriga, não apenas a uma apresentação detalhada da cidade, que mostre tratar‑se de um candidato ideal para integrar a área criativa a que se candidata, mas exige, igualmente, que a candidatura demonstre que a cidade tem algo de concreto para oferecer e que seja materializada e concretizada a disposição para cooperar com outras cidades. A Unesco exige, por outro lado, que o dossier de candidatura resulte do trabalho de um comité de gestão misto, composto por membros do setor privado, do setor público e da sociedade civil. Com anexos, e a obrigatoriedade de ser redigido em língua inglesa ou francesa, o dossier de candidatura deve incluir 50 a 80 páginas. 
Procurando estimular iniciativas no âmbito da Rede, o site divulga algumas oportunidades, tais como o “Fundo Internacional para a promoção da cultura” e as bolsas para artistas Unesco‑Aschberg. Todavia, estes recursos têm um alcance muito limitado em termos de atratividade para cidades que equacionem fazer parte da Rede. A Rede organiza e associa‑se ainda a alguns eventos e publicações, que podem ser consultados na página (se bem que algumas das publicações tenham um alcance comercial). Para uma rede que tem a ambição declarada de criar novas oportunidades de cooperação entre cidades, lançar produtos culturais diversos nos mercados, ou cultivar a inovação através de trocas de saberes‑fazeres, os resultados têm sido, na verdade, muito limitados.
*Paulo Peixoto - Doutorado em Sociologia pela Universidade de Coimbra, é investigador do Centro de Estudos Sociais (CES), integrando e coordenando o Núcleo Cidades, Cultura e Arquitetura. Integra e coordena também o Observatório das Políticas de Educação e Formação. É professor de Sociologia na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC),

domingo, 27 de julho de 2014

Perguntas frequentes

Paulo Ormindo de Azevedo*
O manual do usuário de qualquer produto novo apresenta três seções: para que serve o produto? como funciona? e perguntas frequentes. Na falta das duas primeiras, me antecipo respondendo algumas perguntas frequentes. A ponte Salvador/Itaparica que parecia morta foi relançada com o anuncio do governador de licitá-la antes de deixar o governo e novas contratações de pareceres e projetos para justificar uma decisão tomada em reunião social sem qualquer estudo prévio.
1º - A ponte faz parte do sistema viário de onde? Uma ligação rodoviária não pode competir com uma ferrovia como a Fiol na exportação de minérios e grãos do oeste, mesmo porque o porto de Salvador não opera graneis. Não serve também ao litoral sul, quando está sendo construído o Porto Sul e um novo aeroporto em Ilhéus. Atrações como Itacaré e Barra Grande são mais acessíveis por Ilhéus.
2º - A ponte substituirá a hidrovia? – Os moradores de Niterói sabem que é melhor pegar a barca e saltar no centro do Rio que enfrentar filas, engarrafamentos e pedágio e não poder estacionar no Rio. Os ferries vão continuar transformados em barcas de passageiros.
3º - A ponte será um escape ou ladrão para Salvador? Quem atrai mais: Salvador ou Nazaré? A ponte irá apenas congestionar Salvador e a Estrada do Côco trazendo os veículos da BR-101 e BR-116 para o litoral norte onde estão o aeroporto, praias, Copec, Ford e acesso ao Nordeste. Quem perde com isso é S. Antonio de Jesus, Salvador e Feira de Santana. A ponte irá ainda duplicar a RMS aumentando sua função de dormitório e prestador de serviços de educação, saúde, abastecimento e lazer para trabalhadores que enriquecem outros municípios. A solução tem que ser ferroviária, pois a ponte será tão engarrafada quanto a Paralela.
4º - Itaparica será uma expansão de Salvador? A classe média quer centralidade, ficar junto do emprego, dos colégios e universidades, dos hospitais, do teatro e dos cinemas. Também não tem lógica criar conjuntos habitacionais para operários que irão trabalhar em Candeias, Simões Filho e Camaçari, sujeitos a esperar horas para a passagem de plataformas de petróleo e guindastes. A Ilha será apenas um acampamento rodoviário como São Gonçalo junto a Niterói.
5º - A ponte beneficiará a RMS e o Recôncavo? Saltando de Salvador para Jaguaripe a ponte irá marginalizar ainda mais o Recôncavo com seu enorme potencial turístico e náutico. A baía também perde com um gargalo na sua boca dificultando o acesso a seus quatro portos internos: Aratu, Temadre, Regaseificação e Estaleiros de S. Roque.
6º - Qual a importância econômica da ponte? Se não serve ao oeste. ao sul ou a RMS o que ganha o estado com esta ponte rodo-eleitoral? Não sabemos responder. Mas “Pergunte ao José”, saudoso programa radiofônico baiano.
7º - Quanto pagaremos pela ponte? Todos sabem que uma ponte não se paga pelo pedágio. A solução apontada de leilões de CEPACs não está funcionando nem no Porto Maravilha, no centro do Rio. Sem esquema financeiro assegurado, ela será iniciada e parada e as empreiteiras irão receber durante anos por terem seu contrato suspenso como aconteceu com o metrô perna-de-pau de Salvador. Mesmo que a União banque uma parte, teremos que pagar uma divida monstruosa, o equivalente a quatro superportos tipo Mariel em Cuba, ou três refinarias de Pasadena, ou ainda as doze arenas da Copa, enquanto o sertanejo, a lavoura e o gado morrem de sede no semiárido. 
8º Não haveria uma alternativa mais interessante? Sim, seria a construção da Envolvente Rodo-Ferroviária de Kerimorê ou BTS, ligada ao novo porto de Salinas da Margarida, projeto que custaria um terço da ponte e teria efeitos socioeconômicos e culturais muito maiores. Ela alavancaria o desenvolvimento do Estado e da RMS e integraria todo o Recôncavo com um trem rápido metropolitano fazendo a ligação Salvador-Feira com variante para São Roque/Itaparica. E ainda reduziria para um terço o acesso de carros para a ilha e criaria milhares de empregos perenes.
*Paulo Ormindo de Azevede é arquiteto e professor catedrático da UFBA

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Norberto Odebrecht - formador de líderes


 Salvador, no começo dos anos 40, exibia claramente as marcas deixadas por seu passado colonial. Precisava de quase tudo – de saneamento a recreação, de moradias a abastecimento. É nessa terra carente de realizações que vai despontar a trajetória empresarial de Norberto Odebrecht. Era jovem e havia recebido uma educação especial. Trazia consigo sólidos princípios que se tornariam a chave de seu futuro. “A riqueza moral é a base da riqueza material. A riqueza sem ética não é riqueza sadia”. Os valores transmitidos pelos pais ganharam força com a presença do pastor Ottto Arnold. Vindo da Alemanha, ele chegou a Salvador quando Norberto tinha seis anos, para cuidar da colônia luterana da cidade.
O pastor Arnold se tornou preceptor do lar dos Odebrechts. Foi por meio dele que Norberto compreendeu a expressão “riqueza efêmera”. O que seria isso? O pastor lhe explicou. Faziam longos passeios a pé conversavam muito nos poucos momentos em que o menino tinha contato com o mundo externo. “Não existe riqueza sem saúde, ética, trabalho e produtividade”, lembrava o pastor. A riqueza material se tornaria insalubre se não fosse apoiada em firme conduta ética. Daí a “riqueza efêmera”, condenada a dissipar-se.

Emílio Odebrecht e o filho também saíam para caçar. Eram outras lições de vida, quando cultivavam a arte da paciência esperando pelo instante único e irreproduzível em que a presa deveria ser abatida. Faziam parte dessas aulas conceitos como o da decisão firme e segura; moderação no número de animais a abater; transporte, limpeza e partilha da caça com os companheiros e a família; por último, a limpeza das armas e sua guarda em local seguro.

Aos 15 anos, quando os Odebrechts se mudaram para a Ladeira dos Aflitos, Norberto teve acesso ao mundo do trabalho do pai. A nova casa abrigava também as dependências de apoio da empresa. Depois da escola era incentivado a conviver com outro tipo de professor, os mestres- de-obras que lhe deram as primeiras lições do ofício.

Aprendeu, de início, a ser pedreiro, e em vez de mesada passou a receber salário. Depois foi serralheiro, armador, chefe de almoxarifado, responsável pelo transporte. Ensinaram-lhe como cortar ferro, dobrá-lo e usá-lo na construção de armaduras para colunas, vigas e lajes; a revestir paredes com argamassa, a entalhar madeira, operar uma forja. A educação doméstica dos Odebrechts, seguindo a tradição familiar germânica, colocava o trabalho em alta conta, como o único caminho para a riqueza merecida. Assim, desde menino, Norberto assimilou valores que confluíram para que viesse a assumir uma atitude fundamental: a de procurar sempre servir, e não ser servido.

Enquanto se exercitava nos diversos ofícios técnicos, Norberto ia assimilando as primeira lições práticas de administração e gerência. “Aprendi que o tempo é o único recurso irrecuperável, e que não temos o direito de desperdiçar o nosso e o dos demais”, diria ele anos depois. Aprendeu muito mais. Que, para coordenar com sucesso as pessoas num trabalho, é fundamental conhecer as tecnologias que elas utilizam. Que o trabalho exige planejamento prévio e que, para avaliá-lo, contam muito pouco intenções, esforço, habilidades e técnicas. Que o único e decisivo critério é o resultado obtido dentro de princípios éticos.

Aos 18 anos, seguindo uma trajetória familiar de três gerações, Norberto entrou na Escola Politécnica de Salvador. Parecia ter pela frente uma juventude tranqüila e uma carreira sem sobressaltos, mas já no terceiro ano foi requisitado pelo mundo adulto, quando a empresa do pai começava sua fase de dificuldades.

Norberto recebeu a Emílio Odebrecht & Cia. com seu passivo mas também com seu ativo: os mestres treinados pelo pai na escola dos canteiros de obras, que livremente optaram por confiar no jovem estudante. Seu objetivo era honrar os contratos e dar continuidade aos negócios. A solução veio através de três pactos.
Um pacto político foi estabelecido com o Banco da Bahia, seu principal credor, que se transformou em aliado na conquista de novos clientes. Um pacto econômico garantiu aos clientes obras de qualidade, em menores prazos e a menores custos. E um pacto social selou a união de empresários e trabalhadores. “Só havia uma maneira de liderar aqueles homens de caráter, disciplina no trabalho e com amplo domínio da profissão”, lembra Norberto. “Incentivá-los, tornando-os mais produtivos do que poderiam ser individualmente, criando condições para a recompensa.”
Da teoria à prática, foram implementadas as idéias da descentralização, da delegação planejada, da parceria e da partilha de resultados. Norberto percebia que o mundo dos negócios se assenta sobre um tripé formado pelo relacionamento entre o dono do capital, o empresário e sua equipe e o cliente. Assim, assumiu o encargo de manter o relacionamento com os clientes, fornecedores e banqueiros, com o objetivo de conquistar obras. Cada mestre tornou-se responsável por uma obra (cliente), com toda a liberdade para formar sua equipe e chegar aos resultados previamente estabelecidos, que seriam compartilhados entre o mestre e sua equipe e o empresário. Por último, o empresário contribuía para cada obra com idéias e novos equipamentos, enquanto o mestre entrava com sua criatividade para satisfazer o cliente com a redução de prazos e custos. E assim foi feito. Em 1948 todas as dívidas estariam pagas.
Antes, em 1944, Norberto Odebrecht abriu sua firma individual. A abertura da nova empresa era uma exigência para a continuidade dos negócios, tanto por parte do Banco da Bahia, quanto pelas dificuldades de reestruturação da Emílio Odebrecht & Cia. Assim foi feita a transição da liderança e Norberto começou a atuar plenamente como empresário.
A solução para sair das dificuldades veio de três pactos: o político com os credores, o econômico com os clientes e o social com os trabalhadores 
O que ele pregava, um sadio relacionamento de interdependência, começou a ser praticado no governo de Otávio Mangabeira (1947-1951), marcado por um surto desenvolvimentista inédito no Estado, em que se destacaram a construção do Fórum Rui Barbosa, do Hotel da Bahia e de muitos outros empreendimentos, vários deles com a participação da Construtora Norberto Odebrecht.
Embora com um amplo mercado aberto à sua frente, havia problemas de sobra no caminho da nova empresa. Sem capital para comprar os equipamentos modernos que a guerra na Europa ajudara a desenvolver, tinha ainda de conquistar seu próprio espaço num mercado limitado e ocupado em boa parte por empresas estrangeiras. Norberto lembra que só havia uma alternativa: “Trabalhar muito mais do que quem não estava na nossa situação”. E com um incentivo principal: “muita criatividade”.
Havia uma idéia, simples como um ovo de Colombo, que até hoje está na base da filosofia da Organização Odebrecht: identificar, integrar e desenvolver jovens com talento e disposição para o empresariamento. Alunos dos dois últimos anos da Escola Politécnica, que podiam trabalhar sem abandonar os estudos, passaram a integrar a empresa. Os jovens aprendiam com os mestres, que eram responsáveis pela formação do futuro líder. Para Norberto Odebrecht esta é a maneira de realizar o potencial do Ser Humano, tornando produtivas suas forças. “Um líder tem a responsabilidade de motivar, estimular, desafiar e criar condições para partilhar com seus colaboradores os resultados que eles ajudaram a construir.”
Além da filosofia empresarial, Norberto confirmou a tradição dos Odebrechts: a nova empresa caracterizava-se também por revolucionar os métodos construtivos da época. O esquema de trabalho era completamente diferente do praticado naquele tempo. Por exemplo: até então, levantava-se toda a estrutura de concreto e só se começava a fazer as paredes quando a última laje estava pronta, passando-se então para o reboco, esquadrias, instalações hidráulicas e elétricas e esgoto. Contrariando essas regras, a construtora começou a fazer o trabalho praticamente de uma só vez. Quando a primeira laje estava pronta e o pessoal do concreto partia para a segunda, as paredes daquele mesmo pavimento iam sendo erguidas. “Depois era só descer fechando as portas”, lembra Mestre Bonifácio, um dos remanescentes da equipe de Emílio, com humor.
Logo no início de sua vida empresarial Norberto descobriu que um líder não pode prescindir de quem o substitua. Após uma enfermidade que o deixou 47 dias acamado, em total isolamento, percebeu que a tranqüilidade e a satisfação do Cliente dependiam de fatores fora do domínio do Empresário, como era o caso de sua saúde. Convidou, então, dois jovens estudantes da Escola Politécnica da Bahia – Francisco Valladares e Otto Schaeppi – para o apoiarem na estruturação de uma nova empresa, da qual se tornaram sócios. Surgia, assim, em 1945, a Norberto Odebrecht Construtora Ltda. 
O edifício Belo Horizonte, construído para a Imobiliária Correa Ribeiro, é o marco principal desse período. Foi levantado em nove meses, quando o prazo normal para a época era de três anos. Havia uma cláusula no contrato que não admitia motivo, de qualquer ordem, para que o prédio não fosse feito em nove meses.
Com planejamento e maior produtividade, os resultados eram custos e prazos menores. Logo, vieram as obras que fortaleceram a credibilidade da construtora, que no fim da década de 40 já era uma das mais importantes da Bahia: o Círculo Operário (1946), com 5 mil m2 com lojas, restaurantes e cinema, o Estaleiro Fluvial da Ilha do Fogo (1947), entre as cidades de Juazeiro e Petrolina, no Rio São Francisco, com capacidade para navios de até 1.200 t, o cais e ponte de atracação em Canavieiras (1948). E quatro outros portos, um deles em Ituberá (1949). 
A região de Ituberá, rica em recursos naturais, tinha a cachoeira de Pancada Grande, com 63 m de altura, no Rio Serinhaém, cercada de densa mata tropical. Era um convite à diversificação dos negócios, como geração de energia e manejo florestal. Norberto Odebrecht não dominava essas atividades, mas vislumbrou o alcance social de investimentos produtivos na região e chegou a atrair para lá grupos econômicos fortes, como Firestone (que plantaria seringueiras para fazer seus pneus) e Matarazzo (que plantaria dendezeiros para fazer óleo).
A S.A. Ituberá Comércio e Indústria – Saici, empresa criada por Norberto, atendia aos anseios de prefeitos e vereadores de cinco municípios da região, que pediram ao governo do Estado a construção de 62 km de rodovias para interligá-los. Confiavam nas “condições privilegiadas da região”, como escreveram ao governador Luiz Régis Pacheco Pereira em 1952. Contando com o apoio das autoridades locais, Norberto instalou em pouco tempo uma hidrelétrica, uma serraria e uma autoclave para transformar a madeira extraída, de baixa qualidade, em folhas de compensado imunizadas, de difícil combustão, a preço competitivo.
A delegação plena e a descentralização das decisões permitiam à empresa tocar um número muito maior de obras que a concorrência
Foi construída uma vila residencial, abriu-se um pequeno aeroporto e negociou-se com a TAS – Transportes Aéreos Salvador o pouso diário de dois monomotores. Instalou-se uma fábrica de compensados de envergadura e foram importados enormes caminhões para trazer madeiras nobres de pontos distantes cerca de 250 km dali. O transporte revelou-se antieconômico. Abriu-se mais uma atividade, a de laminados, com uma moderna máquina importada da Alemanha. Circulava muito dinheiro, os aviões voavam lotados, o porto de Ituberá, reformado, recebia navios-tanques de até 1.500 t. Apesar disso, a saúde da Saici era ruim. Foi fechada em 1954 e Norberto aprendeu mais um pouco. “À medida que os negócios da Saici multiplicavam-se com crescente rapidez”, escreveu ele mais tarde, “mais rápido ainda aumentava a minha ignorância acerca deles, impedindo-me, na prática, de liderar quem quer que fosse.”
Segundo ele, “a lógica ensina que, se as premissas são erradas, o raciocínio pode ser impecável, mas as conclusões serão necessariamente erradas”. Em lugar do “único” e “correto” começo da tarefa empresarial, que consiste na identificação prévia de um “cliente que precisa ser servido e satisfeito”, ele teria partido dos “processos” e das “coisas”. Confundiu crescimento com inchamento, aumentando o número de empregados e administradores que formavam uma massa de seres humanos sem liderança, já que ele não dominava de fato a empresa. Por último, ele afirma haver errado por supor ser possível tornar rentáveis negócios que não o eram desde o princípio.
A desativação da Saici gerou uma das maiores crises da história da Odebrecht, mas deixou o germe da diversificação e a lição de como agir no futuro. Além disso, os contratos não paravam de chegar, com obras de todos os tipos. Salvador se transformara, na virada da década de 40, num intenso canteiro de obras. A capital conquistava vales, rasgava avenidas e abria estradas à beira de suas praias. As instalações hidrelétricas da Companhia Valença Industrial, viadutos da Avenida Centenário, o edifício do Ministério da Fazenda e a estação de passageiros do aeroporto de Salvador, terminada em menos de um ano, são algumas das obras significativas realizadas pela Odebrecht neste período.
As grandes inovações propostas pela Construtora Norberto Odebrecht exigiram uma mudança radical no sistema de trabalho tradicionalmente praticado no setor. Norberto não hesitou em deixar sob a responsabilidade dos próprios mestres-de-obras tarefas como pedidos, compras e admissão de pessoal, em geral entregues aos escritórios centrais das construtoras. Era uma forma de motivar as pessoas e estimular sua criatividade. Havia um planejamento global capaz de acelerar a execução de projetos e uma sadia disputa entre equipes para ver qual era a mais produtiva.
A delegação plena e a descentralização das decisões era o que permitia à empresa tocar um número muito maior de obras que a concorrência. Dependendo do acordo prévio, a autonomia do encarregado da obra era total, e este, ainda hoje, é um dos princípios preservados e aperfeiçoados em todas as empresas da Odebrecht. Isto permite o relacionamento direto com os clientes, o que proporciona um conhecimento mais completo de suas necessidades e torna possível servi-los melhor.
Os primeiros anos de atuação da Construtora no mercado baiano mostraram transformações substanciais nas relações de trabalho da época e que continuaram a ser praticadas nas décadas seguintes. Há 60 anos, quando quase nada se falava sobre participação nos lucros, os Integrantes da Construtora Norberto Odebrecht eram sócios do líder da empresa. Tinham a produtividade estimulada por meio de recompensa financeira e repartiam os resultados alcançados em cada obra. Esta e outras práticas foram sistematizadas por Norberto Odebrecht na década de 70 na Tecnologia Empresarial Odebrecht.
Para Norberto Odebrecht, falecido no dia 18 de julho, a empresa para garantir a perpetuidade, necessitava desenvolver novos lideres pois serão estes os responsáveis por levar a organização para as próximas gerações. Na opinião de Odebrecht, a atuação do líder na condução do seu negócio pode ser resumida em três pontos básicos: coordenação das ações, integração dos resultados e educação dos seus liderados.
Crescer e se perpetuar era o lema adotado por Norberto Odebrecht que soube conduzir a sucessão na Organização que criou. Na foto, Norberto, Emílio , o pai (gravura) e Emílio o filho e ex presidente, ao lado de Marcelo, o atual presidente da empresa, seu neto e sucessor.
*Fonte: odebrecht on line 

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Cidades : A Escala Humana

O filme explora o impacto ao redor do mundo das ideias de Jhan Gehl (ao centro na foto), o arquiteto dinamarquês que transformou Copenhague e que promulgou a necessidade de um olhar para a vida das cidades além dos edifícios e dos automóveis. 
Uma visão semelhante foi defendida pelo ex-prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, que colocou a qualidade de vida - e o bom espaço público - no centro do palco em suas tomadas de decisões. Um de seus maiores sucessos foi a transformação do Times Square, cuja média diária de 356.000 visitantes tiveram, até 2009, apenas 11% do espaço, que eram destinados preferencialmente aos automóveis. O documentário capta essa abordagem, explorando o que acontece quando colocamos as pessoas no centro das nossas equações urbanas. Num um ponto, vemos o trabalho das ONGs para uma melhor Bangladesh, que foi inspirado por Gehl, lutando para manter as autoridades do país focado na criação de soluções sustentáveis ​​para todas as pessoas, e não apenas aqueles que podem pagar um carro. Para reduzir o congestionamento de veículos - causada principalmente por estacionamento caótico, não regulamentada - o governo proibiu rickshaws, em vez de focar as atenções nos automóveis. De um só golpe esta condenado 600.000 condutores de riquixás à pobreza, deixando milhões de pessoas sem transporte acessível.