terça-feira, 19 de agosto de 2014

Rômulo Almeida, 100 anos

Eduardo Almeida*
Dentre tantos vultos do século XX empenhados na luta por um Brasil mais justo, Rômulo Barreto Almeida está talvez entre os menos conhecidos e reconhecidos. Há um notório abismo entre os poucos que conhecem sua trajetória, reconhecendo-o entre os maiores de sua época, e uma imensa maioria que não tem a mínima noção de quem foi ou o que fez.
Claro, há incontáveis anônimos, soldados da luta atroz contra o atraso e as imensas disparidades sociais e regionais. E Rômulo era do tipo que fazia sem se preocupar com glórias ou holofotes. Os grandes personagens da História certamente se medem menos por seus esforços e intenções do que por suas realizações e conquistas. O reconhecimento nem sempre é automático. Há controles e interesses nesses processos, ainda mais numa sociedade dividida e conflitada. Mao Tsé-Tung, o líder chinês que conseguiu pôr de pé um imenso país decadente, publicou, no curso de sua luta, três textos motivadores da militância: Servir ao povo, O velho tonto que removia montanhas e Em memória de Norman Bethune. Tratam de entrega às causas populares, abnegação, persistência e coerência na luta. O cotejo com a vida de Rômulo é inevitável. Rômulo Almeida, de fato, encarnava essa retidão, a monumental determinação de servir a seu povo.

Tudo isso somado à ponderação, à honestidade e disciplina típicas de um cientista. Isso nos remete a uma certa controvérsia. Muitas pessoas de esquerda, do antigo PCB ao novo PT, levantam senões sobre Rômulo Almeida, sobretudo por dois fatos aparentemente “sombrios”: a militância integralista nos anos 30 e o fato de não ter sido cassado e nem forçado ao exílio quando da ditadura militar. Não cabe aqui discutir estreitezas de análise. Rômulo Almeida se soma, em destaque, a um seleto contingente de brasileiros que mais afrontou, objetiva e incisivamente, os senhores do atraso, as oligarquias e classes dominantes reacionárias e excludentes deste país. Lutou por fora e por dentro do sistema, nas brechas, explorando contradições; teve momentos de estar praticamente no poder, outros de grandes conquistas e influência intelectual e técnica, mas também inúmeros de revés, frustração, desvirtuamento de suas criações e projetos.
O legado final, no entanto, é impressionante e visceralmente inserido naquilo que explica as grandes transformações que modernizaram o Brasil, o Nordeste, a Bahia, nas últimas seis décadas. Mais modernizaram do que transformaram, que era o que Rômulo compreendia necessário. Não foi por outra razão que sempre buscou a trincheira política, tentando exercitar liderança cidadã com ética e compromisso, o que, bem sabemos, é meio complicado no Brasil.Não é difícil, portanto, entender por que Rômulo ficou tão escanteado na memória brasileira, até mesmo na sua Bahia, onde esteve mais exposto. Sintomático que as forças conservadoras prefiram o ostracismo de nosso personagem. Compreensível que uma esquerda marcada por deficiências na leitura do real, com propensões a um sectarismo eurocêntrico e dificuldades autocríticas, subestime o papel transformador-libertador de Rômulo. 
Dezoito de agosto de 2014, 100 anos de nascimento do baiano Rômulo Barreto Almeida.
*Jornalista e indigenista
** Artigo publicado originalmente no jornal A Tarde

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