sábado, 30 de abril de 2022
Cidade Baixa - caminhando com a história
Mercado Modelo - origem
segunda-feira, 18 de abril de 2022
REFLEXÃO PARA OS TEMPOS ATUAIS
Domenico de Masi*
“Neste momento, vocês estão nas mãos de um ditador”, disse ele, argumentando que Mussolini, Hitler e Erdogan também foram eleitos.
“Esta ditadura reduz a inteligência coletiva do Brasil. Durante esta pandemia, Bolsonaro se comportou como uma criança, de um jeito maluco. Ou seja, o ditador conseguiu impor um comportamento idiota em um país muito inteligente. Porque é isso que fazem as ditaduras”. Este me parece um fato tão óbvio que às vezes nos passa despercebido. Quando o país é comandado por pessoas tão tacanhas, a tendência é o rebaixamento geral do nível cognitivo da sua população. É fácil entender por quê. Sob Bolsonaro, Damares, Araújo, Pazuello, Salles, Guedes & Cia, vemo-nos obrigados a retomar debates passados, alguns situados na Idade Média, ou no século 19, como se fossem novidades. Terraplanismo, resistência à vacinação e a medidas básicas de segurança sanitária, pautas morais entendidas como questões de Estado, descaso com o meio ambiente, tudo isso remete a um passado que considerávamos longínquo. Quando entramos nesse tipo de debate entre nós, ou com as “autoridades”, é como se voltássemos da pós-graduação às primeiras letras do curso elementar. Somos forçados a recapitular consensos estabelecidos há décadas, como se nada tivéssemos aprendido. É como forçar cientistas a provar de novo a esfericidade da Terra ou a demonstrar eficácia da vacinação. Ou defender, outra vez, a necessária separação entre Igreja e Estado, mais de 230 anos depois da Revolução Francesa. É muita regressão e ela nos atinge. De repente, nos surpreendemos discutindo o óbvio, gastando tempo com temas batidos e desperdiçando energia arrombando portas abertas séculos atrás na história da humanidade. À parte a necessária luta política para nos livrarmos o quanto antes dessa gente, entendo que existe uma luta particular e que depende de cada um de nós: a luta para não emburrecer. Manter a lucidez e a inteligência através da leitura de bons autores e da escrita. Manter viva a sensibilidade pela conversa com pessoas normais e pela boa música. Assistir a bons filmes para contrabalançar a barbárie proposta pela vida diária e pelas redes sociais. Enfim, mantermo-nos íntegros e fortes para a reconstrução futura do país. Não podemos ser como eles. Não devemos imitá-los em sua violência cega. Não podemos nos deixar contaminar por sua estupidez. Eles passarão. E estaremos aqui, para recomeçar. Provavelmente, o que leva a esse rebaixamento é ódio e ressentimento por levar as pessoas a se sentirem, no fundo, perdedoras (é o caso de todos os bolsonaristas que conheci mais de perto) e ter de encontrar bodes expiatórios para culpá-los. A cultura competitiva, que estabelece, com critérios perniciosos, o que é ter sucesso, faz com que quem entra nesse jogo perverso, sinta-se, no final das contas, sempre um perdedor". * Professor emérito de sociologia do trabalho na Universidade La Sapienza, de Roma, Domenico De Masi é referência internacional em estudos sobre a sociologia do trabalho.
sábado, 16 de abril de 2022
A CIDADE DOS CUPINS
Paulo Ormindo de Azevedo*
Salvadolores vista do alto parece um assoalho esburacado cheio de caminhos cobertos por onde circulam milhares de cupins operários em busca de alimento e trabalho. Não há cidade no mundo com tantos viadutos e elevados. Há passarelas quilométricas e apinhadas de acesso ao trem suburbano e outras por onde não passa ninguém. A prioridade não é o cidadão, é o condutor solitário de um veiculo ultrapassado. Política desastrada de sucessivas administrações municipais.Brasília foi uma cidade projetada para o carro, com trevos em todos os cruzamentos. Logo apareceram os semáforos. O Eng. Cristovam Buarque, que governou a cidade entre 1995 e 1998, baixou uma lei que bastava um pedestre colocar o pé no asfalto e os carros paravam. A cidade não parou, se humanizou. Salvador hoje é o contrario, é uma autopista em que os carros não param nem para um deficiente. Concebidas pelo arquiteto Lelé para ligar cumeadas numa cidade com vales profundos, as passarelas foram transformadas em substitutos dos semáforos. Em qualquer cidade civilizada do mundo, o trafego veicular é intermitente ao ritmo dos semáforos, o que não impede de ter ondas verde de fluxo continuo de veículos. Nelas, pedestres podem atravessar cômoda e seguramente a rua sem precisar se arriscar a ser atropelado ou ter que subir em um poleiro a 5 m. de altura para cruzar uma rua. A novidade de Salvadolores é uma autopista tobogã cuja primeira etapa já está engarrafada. Nenhuma cidade brasileira faz mais minhocões, que só ligam dois pontos engarrafados. Nossos administradores não entendem que quanto mais facilidade se der ao carro mais aumenta a frota e os engarrafamentos. Para sua realização, os cupins-reais, que abrem os caminhos, destruíram canteiros centrais, cortaram milhares de árvores, mataram os pássaros, cobriram rios e impermeabilizaram o solo de numa cidade que não resiste às chuvas. Invenção curitibana dos anos 60, quando os ônibus tinham assoalhos altos e não existia o cartão tíquete, o BRT atrasado de Salvador não incorporou nenhuma das flexibilisações por que passou o modal. Continua com gaiolas fechadas e pista bloqueadas por muretas de concreto. Decidido sem ouvir o contraditório técnico, está sendo iniciado uma segunda etapa do malfadado projeto, com os mesmos impactos ambientais e urbanos. Tudo escondidinho por taipais para não se ver a devastação do meio ambiente. Protestos da comunidade quando do inicio das obras foram reprimidos pelas autoridades. Há uma diferença entre a sociedade humana e a geneticamente estratificada dos insetos, como as saúvas e os cupins. O cidadão não pode ser considerado um pária sem direitos, nem voz, que só atrapalha o tráfego. Os viadutos e passarelas se transformaram em instrumento de descriminação social, a ditadura do pneu faixa branca sobre o pé de chinelo Havaiana.>SSA: A Tarde de 17/04/2022
*ARQUITETO E PROFESSOR TITULAR DA UFBAterça-feira, 23 de novembro de 2021
O vírus da festa e a retomada do carnaval
sexta-feira, 19 de novembro de 2021
Privatização das Companhias Docas Enfrenta Resistências
A privatização dos serviços nos portos brasileiros e os arrendamentos de áreas e equipamentos ja foram feitos desde a promulgação da LEI 8.630. As Companhias Docas, desde então,atuam como Autoridades Portuarias, fiscalizando a ação dos Operadores Privados e promovendo o arrendamento de áreas e instalações. Esse é o modelo vigente em quase todos os paises,sendo que, na Europa, a maioria das Autoridades Portuarias são municipais. Para o consultor Frederico Bussinger, ex-diretor da Codesp e ex-presidente do Porto de São Sebastião, as privatizações de companhias docas são ruins para o ecossistema portuário e contrariam as boas práticas internacionais. "O benchmark aponta em outra direção. Autoridade portuária não é ativo. É uma função, que precisa equilibrar potenciais conflitos de interesses", afirma. Bussinger acrescenta que as administrações de portos nos EUA, na Europa e na Ásia continuam nas mãos do Estado. Na Austrália, experiência que costuma ser citada como modelo de gestão desestatizada, tem havido problemas, segundo o consultor. Ele acredita que as atividades de carregamento e descarregamento de cargas ("o mais importante"), como açúcar e contêineres, tiveram aumento considerável de eficiência desde os anos 1990 e já equivalem às melhores performances globais. Como alternativa à privatização, o prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto (PSDB), mandou ofício ao Ministério da Infraestrutura, no dia 20 de outubro, pedindo a abertura de conversas sobre uma eventual municipalização do porto - sem dispensar o arrendamento de áreas internas e terminais ao setor privado. Em Itajaí, o porto foi delegado para o município até o fim de 2022. O prefeito Volnei Morastoni (MDB) também encaminhou uma carta ao ministro Tarcísio Freitas, na semana passada, pleiteando estender essa delegação por 25 anos. Ele teme desordenamento urbano com a perspectiva de triplicação da área do porto sob a iniciativa privada. Em Salvador, uma alternativa seria a municipalização da Autoridade Portuaria e maior participação da comunidade local, como ocorre em Itajaí e portos europeus a exemplo de Antuerpia, Hamburgo e Rotterdan. Para articular o movimento contrário à privatização, foi criado neste ano o Fórum Permanente de Defesa Portuária, com a participação de empresas e sindicatos trabalhistas. A frente prioritária é a mobilização contra a venda da Codesa - alienação do controle acionário da estatal e concessão da autoridade portuária simultaneamente -, que abriria caminho para as privatizações seguintes. Guilherme Lacerda, ex-diretor do BNDES e integrante do fórum, diz que os estudos estão "eivados de questões nebulosas" e garante que o movimento contra a privatização não tem caráter ideológico. Ele defende como alternativas a abertura de capital da Codesa (com uso dos recursos levantados para obras de modernização) ou a criação de um condomínio (com os operadores de terminais) para administrar o porto. "Não deveríamos ficar acomodados, não se trata disso, mas o modelo proposto levará à oligopolização da atividade portuária", afirma Lacerda. Fonte: com informações do Valor Econômico
quinta-feira, 18 de novembro de 2021
Gatos, Ratos e o Arquivo Público
domingo, 4 de abril de 2021
Salvador, Cidade Porto
domingo, 21 de fevereiro de 2021
Quem é o poeta baiano José Carlos Capinan, que aparece na capa do álbum Tropicalia?'
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021
Ainda a Praga
Antônio Risério *
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Entendo perfeitamente como minha querida Lica Ceccato se sente, em seu confinamento. Mas confesso que, no meu caso, não sinto muito. Primeiro, porque sempre faço questão de avivar a memória: em comparação com a cela onde fiquei preso no Quartel do Barbalho e depois na base dos fuzileiros navais, em Salvador, prisão domiciliar é um luxo. Segundo, graças à internet e ao teletrabalho (não, não sou aposentado - e, como não tenho emprego fixo, sou obrigado a me virar), moro longe, numa praia tranquila, aqui em Itaparica. Mais importante que tudo, no meu caso: moro com Sara Victoria, que é um sonho in my life. Como se não bastasse, vivemos cercados de muitas plantas (de árvores grandes como o jamelão e a mangueira a coisinhas mínimas, passando por cajueiros, dendezeiros e acácias) e muitos bichos (cachorros, gatos, cágados e até um camaleão chamado Tião, que só aparece quando quer). Ou seja: posso me sentir tudo, menos só ou isolado. Assim, dá pra levar numa boa.
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E acho bom mesmo a gente se preparar. Não consigo acreditar em "pós-pandemia". Acho que isso é uma fantasia que a gente curte - porque ajuda a passar o tempo, tocar o barco "provisoriamente". Mas até hoje nada me conseguiu convencer do contrário. Outro dia, aliás, um cara da Biontech falou com clareza: é impossível erradicar o coronavírus, vamos ter de nos acostumar a isso. O cara disse, ainda, que a OMS não conta toda a história para que a população segure a onda, sem abrir definitivamente a guarda, sem relaxar de vez. Acredito.
Outro dia, uma jornalista me perguntou por e-mail como eu me relacionava com essa coisa de teletrabalho, fazer "lives", etc. Disse a ela que, para mim, não era novidade: sempre fizemos gravações e, salvo em empreitadas especiais (antigas campanhas políticas, por exemplo), sempre fui, desde a adolescência, praticante disciplinado do teletrabalho. Falei que, do meu ponto de vista, o que era mesmo novo era a TELEVIDA. Esta é a novidade terrível em que estamos - e todos obrigados a tentar aprender a TELEVIVER. Mas vamos em frente.sábado, 13 de fevereiro de 2021
Carnaval sem Máscaras
quinta-feira, 1 de outubro de 2020
Pastelaria Triunfo
Valdomiro Santana*
Foi a memória involuntária que, generosa, desatou em mim a Pastelaria Triunfo. No chão da consciência nada consigo localizar, nenhum objeto, para dizer como de súbito a lembrança da pastelaria me apareceu trinta anos depois. Proust, num dia triste e com a perspectiva de mais um dia sombrio, bebeu sem vontade uma colherada de chá onde deixara amolecer um pedaço de madeleine — bolinho de farinha de trigo, ovos e açúcar, semelhante à delícia que chamamos de brevidade —, e com esse gesto prosaico mudou a literatura do mundo.
Não resisto e transcrevo, na excelente tradução de Mario Quintana, o que diz Proust em Du côté du chez Swann, o primeiro volume da Recherche: “[…] no mesmo instante em que aquele gole, de envolta com as migalhas do bolo, tocou o meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso, isolado, sem noção de sua causa. Esse prazer logo me tornava indiferentes as vicissitudes da vida, inofensivos os seus desastres […] tal como o faz o amor, enchendo-me de uma preciosa essência: ou antes, essa essência não estava em mim; era eu mesmo”.
Foi esse gosto da madeleine, embebida em chá-da-índia ou de tília, sentido muitos anos depois, que ressuscitou em Proust uma emoção antiga, única e instantânea: a lembrança de sua infância em Combray. Os rostos, as casas, as alamedas, o traçado dos jardins… tudo — que ele julgara morto para sempre — voltou em segundos a existir, vívido e cintilante, com seus detalhes, sua atmosfera particular. O que Proust recordasse de Combray lhe seria unicamente fornecido pela memória voluntária, a da inteligência — mas as informações que ela nos dá sobre o passado não conservam nada deste. Todos os esforços da inteligência são inúteis para evocar o nosso passado. “Está ele oculto, fora do seu domínio e do seu alcance, nalgum objeto material (na sensação que nos daria esse objeto material) que nós nem suspeitamos. Esse objeto, só do acaso depende que o encontremos antes de morrer, ou que não o encontremos nunca”. Eis então o mistério da memória involuntária, a que dispensa o intelecto e é capaz de retrouver le temps, de redescobrir o tempo — que dávamos como irremediavelmente perdido.
“[…] quando mais nada subsistisse de um passado remoto, após a morte das criaturas e a destruição das coisas — sozinhos, mais frágeis, porém mais vivos, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis —, o odor e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, lembrando, aguardando, esperando sobre as ruínas de tudo o mais, e suportando sem ceder, em sua gotícula impalpável, o edifício imenso da recordação”.
Eu estava na praia com meus filhos. De repente, a Pastelaria Triunfo se desenhou inteira em minha lembrança. Que odor, que sabor, que madeleine, não sei; nada me ocorre que tenha operado esse encantamento, a palpitar no fundo de mim, para me fazer repetir a musicalidade feliz destas duas palavras: Pastelaria Triunfo, perfeitamente casadas, com seu quê de delicadeza e força. Há mais do que tonicidade na sílaba un de triunfo: há plenitude, que incorpora o nome e o faz pulsar para além de sua carga semântica. Triunfo, pastelaria, Triunfo. Em que eu estava pensando? Talvez em algas, ramagens, hipocampos… Ou em nada. E o velho casarão, plantado no alto da Ladeira da Praça, me trouxe de volta um menino de 13 anos, ainda usando calças curtas, o pai a segurar-lhe a mão. Saem do Elevador Lacerda, não têm nenhuma pressa, na brisa gentil do verão e sob a translucidez do céu; à esquerda, o prédio baixo, acinzentado pelo tempo, da Imprensa Oficial da Bahia, vizinho ao prédio maior, de um amarelo pardacento, da Biblioteca Pública; à direita, o Palácio Rio Branco, esquina com o trecho mais elegante da cidade, a Rua Chile, onde a loja Duas Américas dispunha, só ela em Salvador, de uma escada rolante, inaugurada havia pouco mais de um ano, uma coqueluche.
Dezembro de 1959, quatro horas da tarde, e Terezinha Morango — mais uma vez — é capa de O Cruzeiro.
— Que pernas, meu Deus! Aaaah…! — o homem dissera, diante de uma banca de revistas na Praça Cairu, em tom baixo e suspirando, e seu “ah” se prolongara, cavo e sóbrio. O menino, querendo imitá-lo, soltara um “ah” nem um pouquinho rouco, de tão verde, longe daquela bossa, ou molho, que poucos homens conseguem, pondo um tanto de volúpia e solenidade na voz, para que saia um “ah” como convém: nem de mais, que soe a cafajestice, nem de menos, ou desenxabido, que lembre o “ah” idiota dos almofadinhas.
Seguem de mãos dadas, passam pelo abrigo do ponto de ônibus e bondes em cuja cobertura, assim que anoitecer, brilharão os anúncios da cera Parquetina e dos chapéus Ramenzoni; em frente, a Prefeitura e a Câmara Municipal no mesmo edifício que já foi cadeia pública: sua fachada, após tantas deformações e acréscimos, mais parece a de um cabaré mexicano.
Desviam-se dos carros que vêm da Sé pela Rua da Misericórdia, e naquela confluência, bem no topo da ladeira, o que inunda os olhos do menino são os vidros bojudos de azeitonas em cima do balcão. Pretas, verdes, cor-de-damasco…
— Autênticas da Grécia e da Espanha — o homem, um habitué, diz para o menino. — As pretas são magníficas.
Sentam-se a uma mesa redonda com pés de ferro, tampo de mármore. Os olhos do menino passeiam pelo balcão, acima do qual estende-se um cano vermelho descascado pendurando rolos de presunto, salame, caixinhas de figos secos, reclames de sal-de-fruta e de bebidas, tiras e arranjos de papel celofane.
— Pronto — diz o homem, cigarro no canto da boca, a fumaça espiralando em seu rosto. O menino não ouvira o pedido; e num tempo que a recordação hoje tornou matéria de sonho, o garçom surgirá do nada, mas era como se ali estivesse desde o começo do mundo: lépido, magrinho, de anel (topázio?) e sem gravata-borboleta, sorriu, “a família vai bem?”, “vai bem, obrigado”, trouxe os guardanapos de pano (linho?), o cálice de conhaque, chope, guaraná, as rodelas de pão e de salame, azeitonas pretas, “com licença”.
— Um equilibrista improvável — comenta o homem. — Viu como ele segurava a bandeja?
— Vi — diz o menino. — Quase ela cai.
Uma tarde calma e honrada a que têm direito o homem e o menino, em meio a tantos odores convidativos, fortes, discretos, almiscarados ou não, das caixas de bacalhau, das conservas de enchovas e atuns, dos defumados, dos doces em compota, das frutas de clima frio, da profusão de queijos e da variedade de vinhos turvos e leves. E como havia patês, bolachas folhadas, nozes, castanhas, chocolates!
— O que é aquilo?
— Nêspera.
Mas não havia pastel.
— Não é uma pastelaria?
— É.
— E não tem pastel?
— Não.
O menino corre os olhos pelo balcão, prateleiras, envoltórios de vidro, escaninhos, cada compartimento, e vai à forra:
— Uma pastelaria improvável — diz.
Menos de quatro anos depois a Triunfo desapareceu, devorada por um incêndio. Todos temos as nossas madeleines. Se o que narro aqui mal e mal não foi uma madeleine, foi com certeza, feito um alumbramento, a saudade de meu pai. Agora, no fim de janeiro, fez dois anos que ele morreu.
*Contista e cronista
sexta-feira, 18 de setembro de 2020
João Mangabeira, um Socialista
Antonio Paim*