quarta-feira, 18 de abril de 2012

OS BONDES DA MINHA TERRA


Almir Santos*
Andei muito de bonde. Era o meio de transportes de Salvador. Quando me entendi os bondes eram praticamente todos iguais. Amarelos com os números pretos. Bondes verdes restavam pouquíssimos, vistos por mim quando ia à casa de minha avó Isaura, que morava na então Rua Vasco da Gama, 440, próximo à Vila América. Todos abertos com 10 bancos transversais com capacidade de 50 passageiros sentados. a numeração era sempre na série de 100 ou 200.   Depois a concessionária que era a Companhia Linha Circular de Carris da Bahia, adquiriu 10 novas unidades fechadas, com capacidade de 46 passageiros sentados, que foram numeradas de 1 a 10 que o povo os chamava de Sossega Leão. Nunca cheguei a usar esses bondes pois só rodavam na Cidade Baixa, onde raríssimas vezes ia. Quando íamos ao Bonfim meu pai contratava um carro de praça. No fim da década de 40 houve uma renovação maciça nos transportes. 10 novos bondes fechados com capacidade de 48 passageiros sentados foram adquiridos e foram numerados de 501 a 510.  A essa altura foi mudada a pintura  para amarelo e creme com os caracteres e frisos vermelhos. Uma pintura mais alegre. Os Sossega Leões que rodavam na Cidade Baixa foram renumerados depois de 401 a 408 e passaram a operar na cidade alta. Dois foram sucateados. Os abertos foram divididos em duas categorias: os mais potentes, chamados carros de força, foram alocados na Cidade Alta, por causa das ladeiras e numerados na série 200 e os demais na Cidade Baixa numerados na série 100. Havia ainda os reboques numerados  na série 300 e os mistos, vazados no centro para cargas e capacidade de 35 passageiros sentados, pintados de verde com os  caracteres bancos numerados na série  de 30 e 40. Foi aí que aconteceu a grande revolução. Quatro bondes abertos com 14 bancos transversais, capacidade de 70 passageiros sentados com carrocerias totalmente construídas  na Oficinas da Graça entraram em operação.  Tinha dois estribos no lado direito. Esse modelo não deu muito certo porque quando os passageiros se amontoavam nos estribos soltava o arco da catenária. Levaram os números de 601 a 604. Só tinha um controler e o lado esquerdo era semi-fechado com tela. Por isso foram chamados de galinheiro.
Depois nas mesmas oficinas foram construídos mais nove bondes fechados  numerados de 651 a 659 com capacidade de 48 passageiros sentados. Por força contratual a concessionária tinha de colocar mais 25 bondes em operação. Foi um luxo. Bondes com portas automáticas, com bancos estufados em couro verde, potentes. Foram considerados os melhores bondes do Brasil. Rodavam para Barra, Barra Avenida, Graça, Campo Grande, Canela Nazaré e Tororó. Foi um sucesso. Todas essas novidades nos eram antecipadas por Menininho, pois seu pai trabalhava nas oficinas e ele era menor ajudante. Seu Anísio, que era funcionário da Companhia Circular também nos dava as noticias dos bondes.  Quando em 1955 a Companhia Circular foi encampada no governo de Prefeito Hélio Machado e  foi criado e SMTC - Serviço Municipal de Transportes Coletivos, os bondes foram pintados em vermelho com os caracteres brancos. Foi o crepúsculo dos bondes.                           Havia ainda os bondes de serviço, as pranchas, para manutenção da linha férrea, numerados na série 20. O 27 era destinado à linha aérea e o 51 oficinas.
Sabia os números das linhas:
1-
Nazareth
2-
Barra
3-
Canela
4-
Barra Avenida
5-
Barris
6-
Graça
7-
Federação
8-
Liberdade
9-
Santo Antônio
10-
Soledade
11-
Brotas
12-
Calçada
13-
Cabula
14-
Rio Vermelho
15-
Rio Vermelho de Baixo
16-
Amaralina
17-
Tororó
18-
Ribeira via L. Tarquínio
19-
Ribeira via Dendezeiros
20-
Ribeira via C .Areia
21-
Roma
22-
Bonfim
23-
Acupe
24-
Barbalho
25-
Lapinha
26-
Campo Grande
27-
Campo Santo
28-
Fonte Nova
29-
Vila América
30-
Pirangueiras
32-
Madragôa
33-
Quintas
34-
Farol
35-
Retiro
36-
Segundo Arco
44-
Estrada de Ferro
 Conhecia seus itinerários.
Linha 2-Barra, por exemplo, saía da Praça da Sé, Avenida Sete, Palácio da Aclamação, Vitória, Farol, Marques de Leão, Marquês de Caravelas, Alameda Antunes, Princesa Izabel, Princesa Leopoldina,  Rua da Graça, Vitória, Campo Grande, Forte de São Pedro,  Avenida Sete, Praça da Sé.
Linha 4-Barra Avenida era ao contrário: Saía da Praça da Sé, Av.Sete, Forte de São Pedro, Campo Grande, Vitória, Rua da Graça, Princesa Leopoldina, Princesa Izabel, Alameda Antunes, Marquês de Caravelas, Marques de Leão, Ladeira da Barra, Vitória, Palácio da Aclamação Avenida Sete, Sé.
Eram as únicas linhas circulares da Cidade Alta.
Um sábado à tarde tirei para conhecer as duas últimas linhas por onde nunca tinha andado : 5-Barris e 8-Liberdade, esta a famosa linha 8, tida como linha de gente valente.
Bonde, um transporte gostoso de uma cidade pacata e tranqüila.
Agora, só saudade que nos resta.
* Engenheiro e escritor - Fonte: Memória viva

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Amor à Camisa

 Almir Santos*
Com a volta do Campeonato Baiano por pontos corridos, reporto-me ao primeiro campeonato que acompanhei no Campo da Graça. 1943. Tinha oito anos.
Seis clubes disputavam a competição: Galícia, Botafogo, Vitória, Ypiranga, Bahia e Guarany. O Guarany virou até folclore. Foi o lanterna, sem nenhum ponto marcado. Por isso quando um cara queria pegar uma parada fraca dizia-se em tom de gozação: Quer pegar seu Guarany, hein?
Galícia, Botafogo, Vitória terminaram empatados, em seguida vinham Ypiranga, Bahia e Guarany.
Não havia nenhum critério de desempate, então a Federação organizou um supercampeonato entre os três primeiros colocados em dois turnos, mais seis partidas, portanto. Numa dessas partidas o Vitória, que não era campeão desde 1909, aplicou 9x1 no Galícia. Só Siri fez sete gols. Todos acreditavam que o Vitória ia desencantar, pois não vencia um campeonato desde 1909. Mas, para surpresa, esse supercampeonato terminou novamente empatado entre Botafogo (meu time) e Galícia.
Programou-se então uma melhor de três, como se chamava. Prima, segunda e negra. O Galícia venceu a primeira o Botafogo a segunda e finalmente o Galícia (para minha tristeza) a terceira sagrando-se tricampeão.
O Galícia jogou com Nova, Carapicu e Lusitano: Neversinio, Palmer e Nouca; Louro, Curto Pequeno, Novinha e Isaltino.
O Botafogo com Severino, Flávio e Rastelli; Manu, Abelardo e Dunga; Manoelito , Da Hora, Didi, Ignácio e Dino.
Entre os jogadores, não havia a dança de trocas de times como hoje.
Era muito gostoso ! Jogava-se por amor à Camisa.
Almir Santos

sábado, 7 de abril de 2012

O futuro de Salvador

  JC Teixeira Gomes*
Dediquei meus últimos artigos a uma análise da situação de Salvador e pretendia hoje trocar o disco, mas duas entrevistas recentes me fizeram mudar de ideia: a primeira do ex-governador e ex-ministro Waldir Pires e a segunda do prefeito João Henrique.
Com sua larga carreira política, Waldir Pires anunciou algo que não deixa de ser surpreendente: vai candidatar-se a uma vaga na Câmara de Vereadores de Salvador. Na opinião dos rígidos defensores de uma estrita hierarquia na vida pública, uma diminuição de status político, para quem já foi governador e ministro. Para este articulista, e certamente para a grande legião de admiradores e correligionários de Waldir Pires, mais uma experiência positiva em uma rica trajetória, que vai contribuir para dignificar o exercício da vereança em nossa capital.
Waldir Pires é basicamente um parlamentar, um tipo de político raro no Brasil, um articulador, um agenciador da discussão política e da circulação das ideias. Sem dúvida, o seu papel como homem público destoa, em nosso País, da velha tradição da política paroquial e eleitoreira, que tantos males tem causado à sociedade brasileira. Um dos momentos relevantes da sua entrevista à jornalista Patrícia França, de A Tarde, em 23 de março último, está no seguinte trecho, quando perguntado sobre o que achava da atual administração de Salvador. Disse: “Acho que a cidade vive um instante dificílimo. Está uma desarrumação em todos os setores básicos da vida das pessoas”.
Foi certamente a resposta de um gentleman da política, pois, em vez de “desarrumação”, poderia ter usado simplesmente “desagregação”, “devastação”, palavras que bem mais se aplicam ao estado atual da nossa capital. Quando o ex–governador fala das privações de “todos os setores básicos da vida das pessoas”, obviamente o que temos é uma clara referência à substancial perda da qualidade de vida dos baianos ocorrida nos últimos anos, em consequência da “desarrumação” que ele aponta.
“A complexidade da tarefa de administrar uma cidade com as características da capital baiana. Uma joia que merece sempre o mais capacitado do ourives”.
O trecho acima da entrevista de Waldir Pires logo nos remete a este outro, da entrevista do prefeito João Henrique e publicada também em A Tarde, cinco dias após a anterior. Disse o prefeito, ao ser indagado sobre como avaliava sua experiência, após sete anos de gestão: “Quando cheguei na (sic) prefeitura eu não tinha a noção da complexidade da cidade, da complexidade da administração pública, desta parceria com os órgãos do controle externo”.
A sinceridade dessas palavras não suaviza a gravidade do seu conteúdo. Pois posso afirmar convictamente que o “estado de desarrumação” de Salvador, para usarmos o eufemismo de Waldir Pires, decorre, precisamente, da falta de noção do prefeito sobre a complexidade da tarefa de administrar uma cidade com as características topográficas, históricas e urbanas da capital baiana. Uma joia que merece sempre o mais capacitado dos ourives. A propósito não posso deixar de mencionar a extraordinária charge de Simanca, em A Tarde de 31 de março último. Recordem-se: um turista português conversa com um capoeirista baiano numa área da cidade repleta de prédios caindo aos pedaços e sustentados por armações metálicas. O turista português, perplexo, diz: “Este centro histórico parece muito com Lisboa, pá”. E responde o baiano: “Só se for depois do terremoto de 1755”. Se me fosse possível, eu colocaria a charge de Simanca numa moldura e a introduzia na sala de todos os prefeitos de Salvador, o atual e os futuros.
Em suma, talvez se compreenda melhor a minha insistência, nos últimos artigos, para que os eleitores possam avaliar melhor a capacitação cultural dos seus homens públicos, pois a Bahia, pelo conjunto das suas particularidades únicas no País, precisa ser administrada com vocação política e informação cultural. Os candidatos ao cargo já enxameiam no noticiário dos jornais baianos. Que a sociedade saiba usar a arma do voto para pinçar o mais capacitado, a fim de que nenhum prefeito, no futuro, possa repetir que desconhecia a complexidade de Salvador para melhor administrá-la, nem que negligenciou as parcerias indispensáveis para fazê-lo.
*João Carlos Teixeira Gomes é jornalista, membro da Academia de Letras da Bahia. Foi editor do Jornal da Bahia

quarta-feira, 4 de abril de 2012

O debate municipal é global


Nizan Guanaes*
Este é o século das cidades. Das grandes cidades. E, portanto, a era dos prefeitos. Dos grandes prefeitos.
O prefeito de uma metrópole como o Rio é uma personalidade global. É um estadista.
Já, já veremos nascer uma ONU das cidades. E os G8 e G20 das cidades terão tanto poder quanto os agrupamentos de países.
Alguns políticos brasileiros já perceberam isso. Se entrasse na política hoje, eu olharia a carreira de Eduardo Paes, o primeiro prefeito global do país. O homem que colocou o sarrafo da administração municipal lá em cima. Até porque o sarrafo dele é olímpico.
Vejo isso no dia a dia, pois vivo entre Rio e São Paulo. E o que se discute no Rio é o que se discute em Londres, Nova York e Melbourne. O Rio caminha a passos largos para ser a metrópole do século 21. As metas de sustentabilidade do Rio são ambiciosas, claras e factíveis.
São Paulo, que é a cidade maior do país, não pode e não deve ficar para trás, discutindo na próxima campanha eleitoral aquela lenga-lenga de sempre. É obvio que os problemas são os “de sempre”. Só que as soluções mudaram, e novos problemas surgiram.
Qualidade de vida hoje em São Paulo é morar perto de onde você trabalha. Só que para isso os nossos candidatos a prefeito devem procurar ouvir a Marisa Moreira Salles e o pessoal do Arq.Futuro, e não apenas as pesquisas de opinião, porque o eleitor não pode antecipar necessidades que não sabe que tem.
Porque não dá pra querer comandar São Paulo sem ouvir o Philippe Starck. Que, aliás, trabalha uma semana por mês em nossa cidade.
Está na hora de termos um plano urbano audacioso e à altura de São Paulo. Algo que traduza e produza a energia e a ambição desta cidade. Um Faria Lima 2.
Que tal chamar o Alexandre Hohagen, do Facebook, o Fabio Coelho, do Google, e usar a capacidade da internet para repensar os serviços públicos e a organização urbana?
A maior empresa americana de pensar fora da caixa, a Ideo, trabalha hoje em São Paulo, seu time é de munícipes do futuro prefeito e vive ajudando as maiores empresas brasileiras a serem mundiais, pensarem de outra forma: inspiraria o debate municipal.
Não é bom ouvir a Cisco, a HP, a Microsoft e a Apple sobre como melhorar o trânsito? Porque a tecnologia pode tirar muito mais gente do trânsito do que a velha engenharia de trânsito. Que tal construirmos um tecnoanel em paralelo ao Rodoanel? E se dermos isenção de impostos para as pessoas trabalharem à noite? Por exemplo, não pagam IPTU. É claro que eu já comecei a falar bobagem. Mas falar bobagem é o primeiro passo para chegar a coisas diferentes e revolucionárias.
Um dos grandes passos é mudarmos do marketing político para o marketing público. O marketing político pensa o eleitor, o marketing público vai além e pensa o cidadão. O marketing político faz a campanha, o marketing público ajuda a pensar políticas públicas. Ou seja, o marketing tradicional pensa na venda, o marketing moderno, na experiência de comprar, no problema, na fidelização.
São Paulo é a cidade mais energética do país. O novo ciclo de desenvolvimento do Brasil tem tudo a ver com a cidade. Seu “cluster” financeiro comanda nossa integração crescente e lucrativa com os fluxos de capital globais. Seus serviços de alta qualidade atraem gente do Brasil todo e de muitos países para seus hospitais, seus ativos culturais e muito mais.
Temos que tirar a arte dos museus e colocá-la nas ruas. Revigorar o nosso centro. Revolucionar a educação desta cidade e botá-la pra concorrer com Xangai e Bangalore.
Enfim, tocar fogo no debate municipal. Para que os mais jovens assistam aos programas eleitorais.
No dia 3 de outubro São Paulo vai eleger seu líder global: o prefeito de São Paulo, o homem que vai nos representar no planeta em plena era das cidades. Que vai conversar com Michael Bloomberg e com o prefeito de Londres. Que vai decidir quantas horas da minha vida eu vou passar no trânsito, o síndico deste megaprédio de 11 milhões de pessoas (um Portugal).
Não há nada de municipal neste debate municipal. Ele é global. É bom os eleitores não esquecerem isso. E os candidatos e seus homens de marketing também.
*Nizan Guanaes é publicitário e presidente do Grupo ABC


segunda-feira, 2 de abril de 2012

PREPARADOS PARA A COPA?

  Almirir Santos*


Quando se fala em Copa 2014 paira uma interrogação: Estaremos preparados? Em que pese sucessivas reuniões, comissões, criação de uma Secretaria específica para o fim a única coisa que se vê de concreto em andamento é a construção da Arena Fonte Nova. Quanto à Mobilidade Urbana nem se fala mais em licitação.
A estética da cidade é outro problema de difícil solução, pois a cidade se acostumou ao longo dos anos com obras mal feitas. Fazer bem feito aqui, não é uma questão de brio. Uma cidade feita a facão: calçadas esburacadas, pedras portuguesas consertadas com cimento, fora dos desenhos originais, meio fios desalinhados, desaprumados monumentos mal conservados. Uma pavimentação irregular, feia cuja pista de rolamento em alguns casos é superior às calçadas. São coisas não vistas nos cartões postais, mas comprometem a beleza da cidade. A limpeza também merece uma atenção especial.
E os serviços? Restaurantes às vezes nos lugares mais agradáveis da cidade com um péssimo atendimento. São garçons que demoram de atender, bebem, fumam, sentam-se, ficam de costas para os clientes, falam em celular ou assistindo futebol. Há sanitários de bares, restaurantes e supermercados em péssimas condições onde falta tudo, até água.
O transporte é outro ponto negativo. Uma total falta de informação, motoristas de ônibus agressivos que dão partida com as portas abertas, param de qualquer forma para embarque e desembarque, quando param. São taxistas que costumam negociar a corrida com turistas fora do taxímetro. E a segurança, com seus elevados índices? Por fim os moradores de rua, que antes de contentavam em usar a rua durante a noite, mas hoje se estendam ao longo do dia. Deprimente.
São esses os sete pecados da capital da copa:estádio, mobilidade, estética, serviços, transportes, segurança e moradores de rua.
Será que dá para consertar nesse curto espaço de tempo? Será que dá para mudar essa cultura?
* Engenheiro e escritor. Especialista em Transportes e Mobilidade Urbana

Salvador pede o inédito de presente

 Paulo Fábio Dantas Neto*


O que de melhor podemos nos desejar, ao completarmos 463 anos, é que ocorra em Salvador um encontro feliz entre a cidade e a política que nela se pratica. Sei que não é pouco o sonho, mas não temos escolha: se o perdermos, estaremos perdidos.
Soteropolitanos de boa vontade cultivaram, por bom tempo, a ilusão de que os traços culturais singulares da antiga “Cidade da Bahia” – inscritos de modo exuberante na face do seu povo até mais ou menos a passagem dos 70 aos 80 do século passado – poriam a moderna Cidade do Salvador a salvo do desencanto que acomete cidades submetidas a uma exploração capitalista sem controle de espaços urbanos e à degradação ou mercantilização de serviços públicos essenciais. Afinal, por aqueles traços singulares – que parte de nós ainda tem na memória – terem resistido ao regime autoritário, não se supôs que o mercado bruto e uma elite política tosca operariam, justo ao se conquistar a democracia política, a desconstrução urbana que a ditadura deixara a meio caminho.
Infelizmente é o que tem acontecido. A consciência de cidade que ainda subsiste em nós precisa acordar daquele autoengano e superar o desejo nostálgico pelo retorno da baianidade antiga, que pouco significa para a maioria dos atuais eleitores de Salvador. Maioria que vota sem ser cidade, multidão de criaturas cujas almas padecem de solidão opressiva e desejosa de consumo, apesar da beleza física que remanesce grátis no lugar.
É esse viver aquém da urbanidade do eleitor comum de Salvador que explica a atitude predatória da elite política para com o patrimônio humano e ambiental da cidade. Imediatista em seu pragmatismo ela se acomoda ao senso comum e se precipita num vale tudo eleitoral. Ciosos de distribuir benesses a granel para se manterem competitivos, partidos e políticos entregam-se a quem pode financiá-las. Suicídio a médio prazo, pois assim a elite política esquece o desiderato que pode justificá-la no tempo é o exercício de um poder estável sobre os governados. Esse objetivo não se realiza se a monetarização da política destrói o espaço público em que os governados se constituem em cidadãos reunidos em corpo eleitoral.
A qualidade da vida urbana numa cidade define se ali haverá um corpo eleitoral ou um amontoado de seres capazes apenas de converter seu voto em mercadoria de varejo. O político eleito hoje não pode contar senão por mínima fração de tempo, com a lealdade do eleitor de espírito seco, minado de desconfiança. Por isso busca manter abertas as torneiras de recursos que irrigam esse patrimônio eleitoral politicamente árido. Essa água benta é posse de governos e empresários, que a fornecem também sob critérios de mercado, volúveis, voláteis.
Compreender essa realidade sem ilusões não significa desdenhar do passado de Salvador, ou de valores urbanamente saudáveis que ele nos legou. Ao contrário, nos impele a transmitir – diria até ensinar – com paciência, aos soteropolitanos de hoje, aos jovens em especial, a cultura urbana que eles não conheceram. Mas pelo que se conhece da atualidade e da história política recente de Salvador, o caminho político possível é a busca de uma nova urbanidade. Para isso precisa ter um fim a atual conversa de surdos entre os mundos da política e da cultura, reveladora de ignorâncias recíprocas que tornam urgente articularem percepção estética, conhecimento acumulado e uma estratégia política. Em nome do direito à cidade, luta contemporânea sempre e hoje ainda mais.
Não sabemos se alguma liderança será capaz de estimular o conflito político necessário para trazer à tona essa chance talvez submersa no urbano soteropolitano. Se a política fracassar nessa missão, conflitos podem emergir de todo modo, porém cada vez mais como violência estéril, transbordada de guetos formados pelo vácuo de projetos políticos de cidade. Na política, mais que em qualquer outra seara, é preciso, em Salvador, ser inédito. Na política soteropolitana, ao contrário do que se dá noutros domínios da vida da cidade, há pouco a aprender com a tradição.
*Cientista político, professor e pesquisador. Foi deputado estadual pelo Partido Comunista do Brasil - PCB

domingo, 1 de abril de 2012

Tudo vale a pena se a alma não é pequena


Paulo Fábio*
Se for mantida na rotina do banho-maria, essa eleição de outubro não vai produzir nada de qualitativamente diferente do que aí está. E digo isso não porque abomine eleições, ou partidos, mas exatamente pelo contrário: continuo valorizando partidos e gostando muito de eleições, mas creio que precisamos dar a essa próxima um sentido que no momento lhe falta.
Se mantido o banho-maria, o que podemos esperar? 1. Uma provável vitória do PT, que consolide a sua hegemonia, isto é, nos oferte um aparelho três em um (Brasil, Bahia e Salvador) para tocar, com som abafado, uma partitura monocórdia capaz de gerenciar com verniz politicamente correto a entrega da cidade a corporações econômicas, que hoje é feita pelo nosso alcaide e seus empresários políticos terceirizados de modo tosco e em volume estridente; ou 2. O incerto sucesso eleitoral de uma aposta aventureira numa personalidade midiática politicamente outsider e requentada para ser apresentada, como foi no passado, como uma solução oposicionista.
Diante dessas duas sombras no horizonte, o que fazer? Em outubro, num segundo turno, apenas escolher o que nos parecer “menos pior” ou, no máximo, anular o voto, no que certamente teríamos a companhia de uma ínfima minoria. Mas agora, nove meses antes, talvez haja modo de tentar fazer com que uma mobilização de cidadãos, tal qual um espermatozóide bêbado (bêbado no bom sentido, no sentido dos amantes do bem viver, portanto, não se assustem os amantes da lei seca), drible o Dispositivo de Interdição Urbana (a sigla DIU será coincidência?) e termine fecundando o ambiente politicamente esterilizado da nossa cidade.
Os que me conhecem mais de perto sabem das cautelas que guardo em relação a movimentos aparentemente horizontais que podem servir, no fim da linha, a pescadores pragmáticos de águas tornadas turvas e revoltas por uma indignação advinda de uma suposta espontaneidade. Não sejamos ingênuos e saibamos que a partir de um movimento desses pode acontecer tudo, inclusive nada (esta última, aliás, pode ser vista como a hipótese mais provável). E que, para além do nada, há outras hipóteses nada preferíveis, como a “movimentação cidadã” ser instrumentalizada pelo PT e sua rede governante para pavimentar mais facilmente a vitória do seu candidato nas eleições de outubro, após o que um “voto de confiança” dos “setores organizados” ao novo governo faria voltar a vigorar a paz do silêncio cúmplice, em troca de um punhado de mesuras e benesses.
Perigos? Sim, a vida é perigosa. Mas preferível a qualquer morte, ainda mais à morte inglória, lenta e resignada. Trocando em miúdos: se for realista a profecia do candidato Nelson Pellegrino de que chegou a vez de Salvador ser governada pelo PT, não creio que qualquer primavera seja capaz de evitar que chegue esse verão cheio de estrelas. Mas pode fazer muita diferença (para o PT ou qualquer outro partido) governar com ou sem a fecundação do ambiente político pela movimentação social.
Um pouco da história política mais ou menos recente de Salvador pode ilustrar o que tento dizer: falo do tempo do prefeito carlista nomeado Manoel Castro, que administrou por três anos (1983, 1984 e 1985) uma cidade em crise, com apoio (discutível) de apenas 7 dos então 33 vereadores e a oposição nítida de quase todos os demais 26. Naquele contexto, nem o famoso chicote nem a bolsa do chefe político do grupo carlista foram acionadas para tornar a vida do prefeito mais fácil na Câmara. E não foram acionados não só porque o estilo do prefeito era avesso a esses métodos, mas principalmente porque não teriam serventia. Embora os 26 vereadores de oposição não fossem fortalezas morais inexpugnáveis (havia de tudo, como em todas as Câmaras), naquele ambiente político, nos estertores da ditadura, os espermatozóides sociais estavam livres e a presumida repercussão eleitoral da pressão que exerciam não deixava margem aos efeitos esterilizantes do adesismo e da cooptação. E com isso a cidade ganhou (3 anos antes da Constituição Federal de 1988, com prefeito carlista nomeado e tudo) uma legislação estruturante (Lei do Processo de Planejamento e Participação Comunitária; Lei do Ordenamento, Uso e Ocupação do Solo; Lei do Plano Diretor), além de lograr conter em marcos institucionais uma crise gravíssima nos transportes públicos, que se tornara dramática no quebra-quebra dos ônibus de 1981. Esses marcos institucionais foram: um Conselho Municipal de Transportes, uma legislação reguladora da política tarifária e o início, nos anos subseqüentes, da concepção, pela Prefeitura, de uma estrutura técnica de planejamento e controle de informações do sistema de transportes, que foi implantada e aprimorada, durante uma década e meia, pelas gestões municipais subseqüentes (Mário Kertész, Fernando José, Lídice da Mata e a primeira gestão de Imbassahy), enfraquecendo-se a partir do final dos anos 90 (segundo mandato de Imbassahy) e mais acentuadamente na gestão do atual prefeito, até se chegar novamente à lamentável situação de termos um sistema sobre o qual o empresariado (defendendo, como natural e, a princípio, legítimo, o seu interesse) detém maior controle de informações do que o poder público, o qual não faz corretamente a sua parte, que seria renovar constantemente a sua capacidade técnica e abrir-se à participação política, em vez de desestruturar uma e outra, como tem feito.
Então, na impossibilidade de se ter, no momento, um partido ou movimento político capaz de unir forças sociais e urbanas para sustentar uma candidatura eleitoralmente viável que expresse uma efetiva mudança de rumo para Salvador, penso que a alternativa disponível ao cinismo ou ao tédio resignado é apostar numa mobilização pré-eleitoral que possa minimamente disputar, com o corporativismo de grupos políticos e econômicos, a influência sobre as condutas dos candidatos e dos futuros eleitos à Prefeitura e Câmara. Mesmo que mais adiante essa pretensão se revele irrealista, ou mesmo presunçosa, talvez se possa, ao menos, inibir, nesse bem vindo ano eleitoral, a consumação mais radical do saque que vem se fazendo contra o patrimônio financeiro, urbano, cultural e moral da nossa cidade.
Por isso penso que podemos ir à passeata na quarta-feira, pensando em Fernando Pessoa:
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
*Paulo Fábio é professor da UFBa e Cientista Político

quinta-feira, 29 de março de 2012

José Sérgio Gabrielle: O Trabalho a Visão e o Conselho


Samuel Celestino*
José Sérgio Gabrielli apenas completou 20 dias como secretário de Planejamento, mas tem idéias e planos que pretende pô-las em prática. A começar pelo Nordeste: um projeto compartilhado com os secretários da sua área de todos os estados da região para definir, se possível, um plano de desenvolvimento conjuntural. Parte do fato de que o Nordeste e o Centro-Oeste foram as duas regiões que mais cresceram nos últimos anos. Ademais, o mercado nordestino oferece amplas possibilidades de expansão e está nos planos das grandes empresas que vislumbram um futuro promissor para a região nos próximos anos. Em síntese, entende que a vez é do Nordeste. Já o seu trabalho na Secretaria do Planejamento ele acentua que pretende evitar que haja projetos em duplicidade com outras secretarias acabando com o que chama de “sombreamento.” Quer reunir tais projetos para planejar o desenvolvimento do estado nas suas diversas regiões.
José Sérgio Gabrielli vê amplas possibilidades para uma explosão desenvolvimentista na Bahia nos próximos dez anos, a começar por uma ampla transformação de Salvador; uma total repaginação no Recôncavo, daí se expandindo na direção do sul e extremo-sul; para a região influenciada por Juazeiro, e o oeste (que já acontece). Cada uma delas voltada para a exploração de suas potencialidades e vocações. O secretário acha necessário que e a Bahia deixe de olhar para o seu litoral atlântico e se volte para as diversidades econômicas oferecidas pelo interior. Gabrielli informa que muitos desses projetos, senão todos, já estão prontos, necessitando apenas unificá-los numa visão mais aberta de sorte que o Estado possa mudar o paradigma que norteou a sua administração na segunda metade do século passado, com projetos pontuais que não ofereceram possibilidades de uma evolução conjuntural, mas sim, apenas, de forma espaçada. Crê ser possível mudar a Bahia em dez anos. Um projeto unificado iria exigir, no entanto, o investimento de R$ 40 bilhões. Esse, evidentemente, é o gargalo.
O novo secretário do Planejamento não está ancorado em questão de ordem política no momento. Considera que tem que tocar o seu trabalho na secretaria e, de resto, o que acontecer “fica para depois”. Numa abordagem sobre este ano de eleições municipais, evita fazer comentários sobre os demais pré-candidatos ficando apenas em conjecturas sobre o petista Nelson Pelegrino, com quem conversa. Disse que o aconselhou a focar a sua campanha municipal em três projetos básicos, sem se dispersar, porque são muitos os problemas de Salvador, capital que apresenta sinais evidentes de decadência gerencial.Para José Sérgio Gabrielli, Nelson Pelegrino deveria se concentrar, na campanha, em três questões, sem desprezar as demais necessidades do município: 1- revitalização da Orla que está degradada (de bela se transformou num pesadelo em termos de abandono); 2- recuperação da Cidade Baixa (com a Baía de Todos os Santos) e, 3- voltar-se para o centro de Salvador.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Um olho no passado e outro no futuro


Paulo Ormindo Azevedo*
No próximo dia 29, Salvador completará 463 anos. Passado de glórias e futuro de incertezas. Haverá festas, mas sem muito brilho diante da crise que vivemos. Crise cujas raízes são profundas e antigas, mas que entrou em parafuso, sem nenhum controle, na presente administração. Não adianta chorar o leite derramado, temos é que construir o futuro. E as crises tem um lado positivo, na medida em que ensejam a reflexão e a rotina de velhos paradigmas para a criação de novos.
Há muitos anos não se discutia tanto Salvador na mídia, nos colégios profissionais e associações de bairros, como agora. Renasceram movimentos como “A Cidade Também é Nossa”, e surgem novos, como “Vozes da Cidade”e Sabatina dos prefeituráveis” com o apoio da ABI , do Crea-BA, do IAB-BA e da Fabs. Movimentos que gestam na sede dessas instituições, no Teatro dos Novos e em casas particulares, para ganhar as ruas com marchas como o “Desocupa Salvador”.
Movimento que só tende a crescer com as novas redes sociais e proximidade das eleições. Vamos convir que o problema não é só local. A RMS, que representa metade do PIB estadual, apresenta enormes desníveis socioeconômicos e demográficos, com 80% de sua população vivendo em Salvador, que provê tudo a ela para gerar riqueza em municípios vizinhos. Sem planejamento, Salvador se transformou em uma cidade dormitório insustentável. Crise que é também estadual e de quadros qualificados, como vimos na greve da polícia e na queda de quatro ministros baianos pelo baixo desempenho de suas pastas.
Mas não pense que esta situação será superada pela eleição de um superprefeito.  Aliás, nenhum dos pré-candidatos apresenta qualquer traço de liderança ou programa de governo. Não podemos esperar um messias capaz de libertar nosso povo da escravidão da liberdade e das sete pragas do desgoverno. Sem o fortalecimento das instituições civis e uma nova Câmara de Vereadores realmente representativa, qualificada e íntegra, não se pode esperar nenhuma mudança em Salvador. Mas estarão os prefeituráveis interessados nisto ou em eleger uma Câmara dócil, capaz de respaldar suas manobras eleitoreiras?
Não basta uma Câmara renovada, é preciso que as instituições civis, como a academia, as associações patronais e movimentos populares abandonem o “silêncio  obsequioso” em que tem se mantido e se posicionem sobre os problemas da cidade e do Estado, forçando o diálogo com os gestores encastelados em seus palácios indevassáveis e denunciando as investidas dos cartéis que se tornaram sócios da nossa cidade. Temos que cobrar dos candidatos, já agora, compromissos e planos de governos para que possamos exigir mais tarde seu cumprimento. A Constituição de 88 deu ao habitante e à sociedade novos instrumentos de defesa de seus direitos cidadãos, como a ação popular e a ação civil pública, que podem e devem ser acionadas contra o mau administrador.
Outro efeito positivo da crise  é a reação que começa a se esboçar no seio da sociedade com cidadãos politicamente conscientes, embora desvinculados da militância partidária, se candidatando a postos eletivos, visando mudar esta situação. Este é o caso de Waldir Pires, ex-governador e duas vezes ministro que teve a humildade de se candidatar à vereança de Salvador para brigar pela cidade, conforme intenção declarada aos jornais. Esperamos que outros cidadãos competentes e íntegros sigam seu exemplo e possamos contar com um grupo majoritário de representantes independentes na nossa Câmara de Vereadores.
Refundar Salvador requer também, como na sua fundação, a vontade política do poder central e do Estado, que não pode seguir se omitindo como vem ocorrendo desde a sua criação, na década de 1960. Salvador não é apenas passado, tem futuro e ele depende apenas de nós.
* Arquiteto e Professor. Foi presidente do CREA -BA

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Salvador e a Mentira

Osvaldo Campos Magalhães*
Os atos de violência e vandalismo perpetrados por marginais e até mesmo por uma pequena parcela de policiais militares transvestidos de bandidos, durante a greve da Polícia Militar na Bahia, levaram medo e pânico à indefesa população e provocou sérios prejuízos para o turismo, o comércio, a indústria e o setor de serviços em todo o estado.
Salvador, palco principal dos atos de vandalismo, assassinatos e terror, teve sua imagem seriamente maculada por uma exposição nacional na mídia impressa e televisiva, chegando ao ponto de o Departamento de Estado americano recomendar aos seus cidadãos que cancelassem viagens programadas à Bahia.
Entre as várias exposições negativas da imagem de Salvador veiculadas nacionalmente, chamou-me atenção o artigo de Gilberto Dimenstein, publicado no jornal Folha de São Paulo, com o provocativo e inadequado título, “Salvador é uma Mentira”.
No artigo, Dimenstein visou desmistificar a idílica imagem da cidade de Salvador. A cidade da Bahia, “terra da felicidade”, cantada por Caymmi, pintada por Carybé e fotografada por Pierre Verger, foi colocada em cheque pelo articulista da Folha. Além do lixo nas ruas, do aumento do roubo, da violência e morte na periferia de Salvador, destacou como pior sinal da decadência e transformação da nossa cidade a gigantesca fuga de cérebros para São Paulo e Rio de Janeiro, em áreas como publicidade, medicina e finanças.
Colocando a possibilidade de reversão do quadro de decadência, Dimenstein cita a recuperação vivenciada pelo Rio de Janeiro e, no caso da fuga de cérebros, o bem sucedido projeto desenvolvido em Recife, o Porto Digital, que vem possibilitando a Pernambuco exportar software e não seus talentos.
Apesar do título infeliz, pois Salvador não é uma mentira, como afirma o articulista, o artigo teve o mérito de colocar o dedo na ferida. Diversas manifestações contrárias ao artigo e a seu autor aparecerem nas novas mídias como facebook e twitter, mostrando que mesmo sabendo das mazelas que afligem nossa cidade, não aceitamos de bom grado as críticas de estranhos.
A questão de Salvador e da Mentira voltou à mídia impressa nacional com o instigante artigo escrito por Caetano Veloso, e publicado também em A Tarde, com o provocante título, “Mentira”.
Abordando o desconforto que os habitantes da cidade sentem em relação ao modo como ela vem sendo tratada pela prefeitura e pelo governo estadual, Caetano critica a legislação eleitoral que introduziu o mecanismo da reeleição e demonstra melancólico otimismo com a organização da sociedade civil soteropolitana e seu original movimento denominado sugestivamente pela palavra DESOCUPA.
Este ano de eleições municipais é um momento bastante propício para estabelecermos um grande debate sobre os problemas que afligem Salvador e, faz crescer ainda mais a nossa responsabilidade como eleitores e integrantes da sociedade civil soteropolitana.
Os últimos sete anos de uma desastrada administração municipal comprometeram seriamente a qualidade de vida na cidade e, além da violência e da fuga de cérebros, citados por Dimenstein, questões como mobilidade urbana, educação e desemprego devem merecer especial atenção. Que a população não se deixe enganar mais uma vez pela propaganda, pela demagogia e pela mentira. Como escreveu Caetano em seu artigo “o povo deve tornar-se progressivamente capaz de escolher por razões de confiança testável, seguindo ideais de melhoria na organização da vida, em vez de agir como um órfão que busca um novo pai”.
Conforme mencionado por Dimenstein em seu artigo, a recuperação econômica do Rio e as sensíveis melhorias da qualidade de vida e da autoestima na população carioca sinalizam um caminho para Salvador. É certo que a cidade do Rio de Janeiro foi beneficiada pelos grandes investimentos e atração de capital decorrentes da descoberta de petróleo em águas profundas do litoral carioca. Contudo, a recuperação da cidade do Rio de Janeiro decorreu principalmente da melhoria da gestão da cidade, tendo contado também com a efetiva ajuda dos governos estadual e federal.
Salvador precisa, mais do que nunca, de um verdadeiro gestor público, com experiência no executivo e capacidade de liderar uma efetiva transformação da cidade.
Chega de MENTIRAS!
* Osvaldo Campos Magalhães – Engenheiro e Mestre em Administração é editor do blog Pensando Salvador do Futuro

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

DESOCUPA!

Caetano Veloso*
Quando cheguei à Bahia, na véspera do Natal, fui logo para Santo Amaro ver minha mãe e meus irmãos. Voltei para Salvador para ver meus netos e meu filho mais velho. Meus filhos menores chegaram logo em seguida. Não atentei muito para a cidade de Salvador, seus aspectos atuais e seus clamores. Mas cedo em janeiro já recebi e-mail de um camarada meu daqui com um protesto (e um convite para ir à rua me manifestar) contra a construção de um imenso camarote para o carnaval, gigante que cobria a recém-inaugurada pracinha da praia de Ondina. Parece que a construção dessa praça tinha sido patrocinada pela mesma empresa que agora construía o camarote. Por muitas razões - a menor delas não sendo o fato de Ondina ter sido meu bairro por muitos anos, onde Moreno cresceu e onde Dedé ainda passa os verões -, tive pena de não poder ir à manifestação. Mas fiquei (e ainda estou) fascinado com o nome que o movimento, nascido na internet, ganhou: DESOCUPA SALVADOR.
Era um modo de exigir que o monstro que cobria a praça fosse retirado, mas era também um comentário abrangente sobre a proliferação de camarotes para assistir à grande festa. Pelo menos foi o que pensei e senti logo no primeiro momento. Mas, como veio a se revelar pouco depois, essa abrangência era muito maior e, para além do carnaval e da pracinha, referia-se ao desconforto que os habitantes da cidade sentem em relação ao modo como ela vem sendo tratada pela prefeitura e pelo governo estadual. Há uma queixa no ar que fala sobre o mal-estar que as surpreendentes eleição de Jacques Wagner e reeleição de João Henrique provocam. Não conheço ninguém que exprima desrespeito por Wagner, mas já ouvi, em resposta à observação de que João Henrique se reelegeu porque a herança maldita da reeleição para cargos executivos que FH nos deixou faz com quem seja praticamente impossível quem já está no poder não ganhar de quem tenta substituí-lo: "Jacques Wagner ganhou impedindo a reeleição de Paulo Souto - e agora vemos que Paulo Souto era melhor do que Jacques Wagner." Ninguém respeita João Henrique. Há é um vácuo de liderança com a saída de cena de Antônio Carlos Magalhães. É uma pena. ACM incorporava a velha política, em que o povo seguia líderes personalistas que agiam como se fossem donos dos estados ou regiões. Nada do que ele foi capaz de realizar, com seu talento para escolher quadros técnicos de bom nível e dar-lhes poder seguro para atuar (não importando se isso ferisse o império da lei ou danificasse a imagem do judiciário local), deve ser negado. E o povo deve tornar-se progressivamente capaz de escolher por razões de confiança testável, seguindo ideais de melhora na organização da vida, em vez de agir como um órfão que busca um novo pai.
A eleição de Jacques Wagner já significou algo disso. Mas não há quem não diga, hoje, que ela se deveu ao "fator Lula" - que, ao fim e ao cabo, tem demasiadas semelhanças com o personalismo antiquado. Na internet o número de pessoas que se organizam para ir às ruas e às praças é pequeno. Porém crescente. Claro que quem pensa em protestar contra a construção de um camarote de carnaval não é quem elegeu João Henrique. Essas reeleições automáticas se devem justamente à falta de diálogo consciente a respeito das coisas públicas: nascem da inércia da maioria desavisada, aquela que vota em alguém cujo nome conhece. É neguinho que não resiste à força da celebridade política - e da remota porém perene esperança de que, votando em quem já tem fama de ter poder, habilita-o a contar com alguma ajuda futura.
Mas o DESOCUPA não é tão desvinculado do ânimo popular desorganizado. Mostrando o Pelourinho a Criolo, Ganja Man, Duane e minha querida Mariana Aydar, acompanhei Paulinha Lavigne, que tinha vindo com eles à cidade. Um ladrão nervoso arrancou uma corrente de ouro do pescoço de Paulinha, deixando uma marca vermelha e sumindo na pequena multidão (embora com bem menor presença da classe media, as terças-feiras da Bênção ainda são animadas no Pelô). Uma baiana, vendedora de acarajé, percebendo mais ou menos o que se passara, gritou para mim: "Você tem voz, fale no jornal, diga na entrevista, isso aqui está abandonado." Ela estava triste e revoltada - e descreveu como a decadência já vem vindo há um bom tempo. Prometo a mim mesmo fazer uma entrevista com Clarindo, o elegante dono da Cantina da Lua, para publicar aqui. Mantenho a promessa.
O que me comove é a coincidência poética de, por causa do camarote, as manifestações soteropolitanas terem todas tomado o nome de "desocupa". Acho que é o único lugar do mundo em que o termo foi invertido. Na semana em que eu soube que Marco Polo morreu (ele tinha uma barraca de coco no Porto da Barra, mas nos anos 1970 nos chamou para mostrar a cidade pelo mar, como ele a usava, em seu barco; ao ver como a tudo em Salvador se pode ir de barco - e ele morava numa casa encravada na pedra do forte de São Diogo -, eu lhe disse: "Mas você vive aqui como se fosse em Veneza. Como é seu nome?" - "Marco Polo", me respondeu aquele filho de um policial preto que não tinha ideia de quem eram os grandes homens cujos nomes escolhia para batizar os filhos), toca-me que "desocupar" seja a palavra de ordem. É algo muito baiano. Profundamente. Tem a ver com preguiça, tem a ver com respeito, tem a ver com inventividade. Hoje a polícia está em greve. Mas essa palavra me enche de melancólico otimismo.
*Cantor e compositor

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Salvador é uma mentira


Gilberto Dimenstein*
Sou de uma geração que via em Salvador a terra da felicidade e da criatividade por causa de gente como Gil, Caetano, Glauber, Jorge Amado, Verger, Bethânia, Gal, João Ubaldo, e por aí. Essa imagem de alegria e da descontração ficou por causa do majestoso Carnaval de rua. Mas é uma mentira --e a violência que se vê ali, depois da greve, é um retrato profundo. Por razões familiares, vou com constância para Salvador e o que vejo é uma cidade cada vez mais decadente e violenta --vemos isso pelo lixo na rua e pelos indicadores de morte na periferia, além do aumento do roubo. Mas o pior sinal, o mais trágico, é a gigantesca fuga de cérebro da cidade. São talentos da publicidade, da medicina, do marketing, das finanças, que vêm para São Paulo ou Rio. É gente simbolizada por tipos como Nizan Guanaes. Tire os baianos da publicidade paulista e tenta imaginar quantas empresas a menos teríamos --e quantos prêmios não viriam. Com tantos talentos, São Paulo deveria pagar royalties para a Bahia. Recife para segurar seus talentos criou, por exemplo, o Porto Digital e passou a exportar software. Os baianos que conheço, principalmente os que saíram, são muito mais duros com Salvador que eu estou sendo neste momento. A boa notícia é que dá para reverter, como mostra o Rio, cada vez mais exuberante economicamente. Mas o êxodo de cérebros faz desse desafio quase uma missão impossível.
*Articulista do jornal Folha de São Paulo

domingo, 25 de dezembro de 2011

Privataria Urbana


Osvaldo Campos *
No dia 15 de setembro, foi inaugurada pela Prefeitura de Salvador, a Praça Luiz Sande de Oliveira, em Ondina, numa justa homenagem ao lustre economista e servidor público baiano. Resultado de uma parceria com o setor privado, a aprazível e popular área à beira mar, foi totalmente reurbanizada e requalificada, possuindo acessibilidade, quadra poliesportiva, campo de futebol, anfiteatro, equipamentos de ginástica e banheiros públicos. Conforme noticiado pela imprensa local, apenas dois meses após a cerimônia de inauguração, o espaço já se encontrava em um estado lamentável provocado por ações de vândalos e do abandono da prefeitura. Com protetores de arames das quadras em péssimas condições, calçadas afundadas, latas de lixo e traves das quadras poliesportivas enferrujadas e rachaduras nos espaços para a prática de esporte, o local aparentava não passar por uma reforma há muito tempo. Estranhamente, no final de novembro, a praça foi novamente cercada por tapumes e se tornou inacessível para a população. Segundo consta, a parceria com o setor privado consistiria na permissão de uso do local para a instalação de um camarote para o carnaval em troca da reurbanização e requalificação. O que causa espanto e indignação é que o carnaval só irá ocorrer na segunda quinzena de fevereiro. Considerando que o local já se encontrava interditado em função do último Carnaval e das obras de requalificação desde janeiro de 2011, constatamos que a população somente usufruiu do local por apenas dois meses no ano. O processo pode ter seguido todos os trâmites legais, mas, será que a licitação foi amplamente divulgada, dando oportunidades iguais aos potenciais interessados? Será que ocorreu uma Audiência Pública que explicasse à população como seria feita a cessão de uso do local? Sendo a área de Marinha, a quem caberia autorizar a utilização de área pública federal? Será que passou o processo de privatização pela Secretaria do Patrimônio da União? O que se constata é que mais uma vez a população é prejudicada e que a Prefeitura negligencia com suas responsabilidades. Desde que o carnaval de Salvador se expandiu para a Barra e Ondina, vem se elitizando e deixando de ser um carnaval de participação popular para se tornar objeto de lucro e especulação por parte do setor privado. Numa mistura de privatização e pirataria, podemos denominar o processo em curso de “privataria urbana”. Até quando a sociedade civil ficará omissa em relação a fatos desta ordem? Qual a posição da associação dos moradores de Ondina? E o Ministério Público Federal? Será que não caberia uma ação judicial objetivando anular o processo de cessão de uma área nobre e a retomada do bem público? Nada contra a participação do setor privado nos investimentos de infraestrutura urbana, como inclusive já ocorreu em gestões passadas com a privatização do mobiliário urbano de Salvador. O que se espera é que a população possa ser consultada e que o processo seja totalmente transparente e justo para ambas as partes. É inadmissível que justamente no verão seja tolhido o direito dos moradores e turistas de usufruírem, de uma das mais belas áreas do litoral da cidade e que esta área seja cedida por mais de 3 meses a uma minoria, que somente a utilizará por apenas uma semana. Como se já não bastasse a omissão da prefeitura frente ao processo em curso de especulação imobiliária da cidade, com a falta de planejamento e ordenamento do uso do solo que vem causando sérios transtornos para a mobilidade urbana, constatamos que o Carnaval de Salvador, outrora uma referência como festa de grande participação popular, vem sendo gradativamente descaracterizado com a total complacência do poder público municipal e omissão da nossa Câmara de Vereadores. É preocupante desta forma como vem tramitando na Câmara Municipal de Salvador o chamado “PDDU da Copa”. Quais os reais interesses por traz desta nova proposta de ordenamento do uso do solo?Como já disse nosso poeta maior: “a praça é do povo como o céu é do Condor” . Até quando ficará omissa a sociedade civil soteropolitana? Até quando assistiremos impassíveis a total descaracterização de nossa bela Salvador? Qual a cidade que iremos deixar para as futuras gerações?



* Engenheiro civil e Mestre em Administração, (UFBa), é especialista em infraestrutura e editor deste blog.

sábado, 19 de novembro de 2011

Salvador, Mobilidade e Eleições

Osvaldo Campos*

A presidenta Dilma Rousseff afirmou ontem em Salvador, que a área de mobilidade urbana passará a ter verba própria no Orçamento da União. Reconheceu em seu pronunciamento, que foi cometido um grande equívoco no passado, ao se pensar que os investimentos nos sistemas de Metrô eram excessivamente caros e não prioritários. Ao afirmar que a União através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Mobilidade em Grandes Cidades injetará R$ 1 bilhão no segundo trecho do metrô de superfície de Salvador, assegurou que a questão passará a ser uma prioridade e uma grande novidade na política do governo federal. Conforme salientou a presidenta: "Não estou dizendo que vamos resolver todos os problemas. Estou dizendo que vamos dar passos decisivos para melhorar a qualidade do transporte público, algo essencial para um país que quer ser de classe média". As declarações de Dilma Rousseff podem representar uma importante guinada nas políticas públicas para as grandes cidades, que, como Salvador, encontram-se literalmente imobilizadas. O crescimento contínuo no número de automóveis e motocicletas aliado ao colapso no sistema de transporte público de passageiros vem causando engarrafamentos cada dia maiores e provocando prejuízos econômicos bilionários. Para se ter uma ideia, conforme estudos recentes, na cidade de São Paulo os engarrafamentos chegam a causar perda anual de R$ 35 bilhões à economia da cidade. No Rio de Janeiro as perdas chegam a R$ 12 bilhões por ano. A questão da mobilidade urbana se insere desta forma em importante tema nos debates e assunto prioritário na agenda dos futuros candidatos nas eleições municipais de 2012. O crescimento econômico registrado no Brasil na última década vem provocando na cidade de Salvador um extraordinário aumento no número de automóveis e o descontrolado crescimento do setor imobiliário sem o necessário ordenamento do uso do solo por parte do poder público municipal. Aliado a esta negligência da Prefeitura, os segmentos empresárias vem demonstrando excessiva ganância e completa falta de responsabilidade social. São exemplos claros do colapso urbano que se prenuncia o que já vem ocorrendo em algumas áreas da cidade, como na Avenida Luiz Viana Filho e na Rua Waldemar Falcão. A omissão e ausência de planejamento do poder público municipal vem desta forma causando danos irreparáveis à cidade. O caso da Rua Waldemar Falcão é bastante significativo, por ocorrer numa área nobre da cidade. É o caso de se imaginar o que não vem ocorrendo nas áreas mais populares e periféricas da nossa querida Salvador. O que era no passado uma estreita e bucólica rua, com grandes áreas ocupadas por casas e chácaras, se transformou num emaranhado de torres residenciais com mais de 30 andares, sem que houvesse o aumento da capacidade da via pública nem a exigência de implantação de estacionamentos para visitantes. Os gigantescos engarrafamentos na rua passaram a ser uma constante e o estacionamento dos carros sobre as calçadas geram perigo para os pedestres. Por ironia, este emaranhado de prédios da Waldemar Falcão em muito se assemelha ao atual logotipo utilizado pela Prefeitura de Salvador. As eleições municipais de 2012 podem representar uma oportunidade de se abandonar o atual modelo de gestão da cidade, excessivamente conivente e subordinada aos interesses do capital imobiliário. Contudo, é preocupante o fato de que os principais financiadores das campanhas políticas em Salvador são os segmentos empresariais relacionados ao transporte público de passageiros e à construção civil. Mais do que nunca, a sociedade civil soteropolitana precisa se mobilizar para possibilitar a implantação de uma radical mudança na gestão da nossa cidade, onde as questões do transporte público e do planejamento urbano sejam priorizadas e que as novas diretrizes para a mobilidade urbana, anunciadas por nossa presidenta, possam conduzir Salvador para uma nova era, onde a melhoria da qualidade de vida da sua população seja a principal prioridade. *Osvaldo Campos Magalhães é o editor deste blog. Foi candidato a vereador em Salvador pelo PSB, em 2008. Engenheiro Civil e Mestre em Administração, é especialista em infraestrutura de transportes.

sábado, 15 de outubro de 2011

O automóvel e as cidades

Osvaldo Campos Magalhães*
Símbolo de uma era, a da sociedade de consumo exacerbada, o automóvel representou nos últimos cem anos o principal objeto de desejo no mundo capitalista. Símbolo maior de status social, o automóvel acabou transformando a própria noção do direito de ir e vir, representando durante muito tempo a capacidade de mobilidade e a própria sensação de liberdade das pessoas. Subordinando e condicionando durante todo este tempo o planejamento urbano, o automóvel interferiu drasticamente no processo de desenvolvimento das cidades, que passaram a crescer de forma menos densa e mais espraiada, e, cada vez mais dependente dos veículos automotores, até o ponto atual, em que pode ser considerado o principal responsável pela deterioração da capacidade de mobilidade e qualidade de vida urbana.
Além disso, o forte poder de pressão da indústria automobilística, uma das maiores geradoras de emprego, renda e impostos, influenciou decisivamente na destinação de recursos públicos em projetos e obras de infraestrutura de transportes, consolidando no Brasil um modelo dominado majoritariamente pelo modal rodoviário, tanto no transporte de cargas como no de pessoas.
Nos anos recentes, com a ampliação da classe média brasileira em decorrência do contínuo crescimento econômico, vem aumentando significativo o número de veículos que são incorporados diariamente à frota urbana, fator que vem provocando gigantescos engarrafamentos nas principais metrópoles brasileiras além de significativo aumento da poluição.
Pesquisas recentes também apontam que é cada vez mais frequente a utilização do automóvel para o transporte de um único passageiro, o próprio motorista, agravando ainda mais os problemas com o trânsito nas grandes cidades.
Os investimentos realizados pelo poder público na construção de viadutos, túneis e na ampliação e construção de novas vias, ao invés de resolver o problema, vem contribuindo para o seu agravamento futuro, criando um quadro de deterioração e colapso da mobilidade urbana.
Outro importante aspecto da exacerbada utilização dos automóveis nas grandes cidades merece ser destacado. Conforme estudos recentes realizados na cidade de São Paulo pelo Laboratório de Poluição da Universidade de São Paulo - USP, 90% da poluição do ar na cidade é gerada por automóveis, ônibus, caminhões e motocicletas. Segundo esta pesquisa, respirar o ar da cidade equivale a fumar dois cigarros por dia.

O automóvel deixou então de ser uma questão de transporte e status social, e seu uso abusivo deve ser encarado como um problema de saúde pública, contribuindo de forma acentuada com o aumento dos gastos públicos na rede hospitalar. Numa época onde as campanhas antitabagistas já conseguiram proibir a publicidade de cigarros, e, o próprio ato de fumar em bares, restaurantes e em ambientes públicos fechados, será que é chegada a hora de começarmos a pensar em adotar medidas restritivas à utilização de automóveis nas grandes cidades?
De certa forma, esta restrição à utilização do automóvel nas grandes cidades já vem sendo adotada com a instituição do pedágio urbano em cidades como Londres, Cingapura, Estocolmo, entre outras. Em Londres, o pedágio urbano foi adotado com grande êxito e é denominado “Congestion Charge” (Taxa de Congestionamento). Como o próprio nome diz, visou principalmente (e conseguiu) reduzir de forma significativa o trânsito de automóveis na região central da cidade além de proporcionar recursos para a prefeitura local investir na melhoria do transporte público. Até mesmo no Brasil, a restrição à utilização de automóveis já existe, desde a instituição do rodízio de veículos, por numeração final de placa, na cidade de São Paulo.Desta forma, cabe ao poder público diminuir nossa dependência em relação ao automóvel, implementando estratégias de mobilidade urbana que possibilitem alternativas de transporte público ambientalmente sustentáveis, priorizando o metrô, o BRT, a bicicleta e, principalmente, criando um ambiente urbano que favoreça o caminhar. A qualidade de vida nas grandes cidade agradece.Artigo publicado originamente no jornal A Tarde, em 05/10/2011
*Engenheiro Civil e Mestre em Administração (UFBA), é especialista em transportes. Editor deste blog.