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sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Patrimônio e lutos urbanos

Claudio Carvalho*
Agosto de 2010 ficará registrado na memória dos moradores da Cidade da Bahia como um mês de desgosto. Duas intervenções urbanas causaram comoção entre os soteropolitanos, deixando um gosto amargo de tristeza e nostalgia. A derrubada das barracas de praia provocou sentimentos de repúdio na população ante a extinção de milhares de postos de trabalho e da brusca alteração na trajetória de vida de muitas pessoas; mudou a paisagem de toda a orla e lançou o desafio de reinventar a praia como espaço cultural dos baianos.(foto:Nilton Souza)
Já a demolição da Fonte Nova, palco de espetáculos de futebol baiano nos seus 59 anos de existência, entristeceu freqüentadores de várias gerações.
Na noite do último sábado, percorri a orla atlântica de Salvador. Pude ver o mar quebrando na areia e fui tomado por um sentimento inquietante: o vazio deixado pelas barracas desertava em mim, por um instante, a sensação da passagem do tempo e da transitoriedade da vida. Resolvi fazer o percurso de volta para casa passando pela Fonte Nova para olhar pela ultima vez o estádio horas antes da demolição. Ao chegar a casa, abri o site de A Tarde e li comovido os depoimentos de vários torcedores sobre suas experiências neste patrimônio da cidade. Muitos deles evocavam a lembrança de ser conduzidos pela mão do pai na paixão pelo futebol. A identificação foi imediata.
No domingo, não tive coragem de assistir in loco à demolição e escutei o mesmo de vários amigos. Diante das imagens do estádio indo ao chão na TV, a palavra patrimônio revelou-se em seu duplo sentido de bem cultural reconhecido pelos habitantes do lugar e como herança paterna.
A interseção entre a história da cidade e a minha história pessoal provocou instantâneos da memória de quando, sentado nos ombros de meu pai, ouvia excitado o burburinho da torcida nas arquibancadas e compartilhava a fanfarronice do universo masculino com seus amigos. Muitos já se foram. Sensibilizado, peguei e liguei para ele com o pretexto de comentar sobre a vice-liderança do Bahia na série B.

Começava ali o meu luto urbano e o tempo de reinventar a relação com o pai.
* Psicanalista, professor de história e filosofia
E-mail: ccarvalho19_23@hotmail.com

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A implosão da Fonte Nova

Almir Santos*
Um assunto que não me emocionou, pelo contrário.
Assisti a sua primeira inauguração em 28 de janeiro de 1951 num o torneio que reuniu todas as sete equipes que disputavam a categoria de profissionais do campeonato baiano. Para minha felicidade o primeiro gol foi de Antônio, ponta esquerda do meu time, o Botafogo, num jogo contra o Guarany.
Vi a sua reinauguração em 5 de março de 1971, com o jogo Bahia x Flamengo com o primeiro gol de Zé Eduardo do Bahia.
Agora vejo essa história, o palco de grandes espetáculos, um cartão postal de Salvador, ser arrasado.
Quanto custou essa implosão?
Por que a implosão para ser construída uma arena com menor capacidade?
Como Salvador pode abrir a Copa se a capacidade mínima exigida pela FIFA para a abertura é de 65 mil espectadores?
Quanto custaria a recuperação de sua estrutura?
Por que não a construção de um novo estádio e recuperação da Fonte Nova?
Teríamos mais um estádio em Salvador. Sobre o assunto pronunciaram-se dois arquitetos, Heliodoro Sampaio e Nivaldo Andrade com muita propriedade. Na Copa da África do Sul foram recuperados estádios centenários.
Copiar Wembley (o centenário estádio londrino que abrigou a Copa de 1966, implodido recentemente para dar lugar a uma moderna arena multiuso) foi uma solução de impacto para fazer Salvador ganhar notoriedade na mídia internacional.
Como disse Antônio de Almeida Matos no seu livro Vida e Crescimento das Cidades, “não se destroem riquezas edificadas”.
* Almir Ferreira Santos, Engenheiro e Consultor de Logística e Transportes mora em Salvador a mais de 75 anos.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Salvador degradada: Omissão pública

Álvaro Conde Lemos Filho*
Um dos aspectos mais degradantes da nossa cidade, que nos envergonha e incomoda, é o estado dos passeios ou calçadas por onde transita diariamente o sofrido soteropolitano. Em todos os bairros, desde os chamados proletários onde vive a maioria da população, até os mais tradicionais e valorizados como o Corredor da Vitória, a Barra e o Comércio da Cidade Baixa, entre outros, o estado dos passeios é deplorável.
O curioso ou melhor incompreensível, é que a construção e conservação dos passeios ou calçadas, compete ao proprietário do terreno ou prédio que lhe é adjacente, o qual com certeza não se recusaria a assumir o custo desses serviços considerando os beneficios diretos que colheria. A Prefeitura portanto, competiria apenas fiscalizar e fazer cumprir a lei ou decreto que rege o assunto.
Assim não vale a custumeira alegação, muitas vezes compreensível, da falta de recursos para justificar a omissão do poder público em cumprir com seus deveres e obrigações. No caso em questão, seria preciso apenas que os seus engenheiros e arquitetos especificassem o material a ser usado e definissem o projeto a ser adotado, que deverá ter um custo razoável, resistência comprovada e evidentemente considerar os aspectos relativos à estética, funcionalidade e beleza.
Mas, a propósito de funcionalidade é oportuno um comentário sobre as famigeradas pedras portuguesas, uma pavimentação absolutamente antifuncional porque imprópria e inadequada à realidade da nossa cidade. Infelizmente temos o vicio cultural de copiar e muitas vezes copiar mal. Queremos repetir as calçadas de Lisboa, quase todas em pedra portuguesa compondo belos e bem elaborados mosaicos, agradáveis de se ver e por eles passeiar. Como não dispomos de material adequado (pedras lisas e regulares), mão de obra especializada, e recursos para uma dispendiosa manutenção, o que vemos é uma imitação grotesca do que fazem em Portugal, tendo como resultado um pavimento irregular e mal acabado que facilmente se desagrega, tornando o nosso caminhar desconfortável e em alguns casos uma arriscada aventura.
Finalizando, lembro que os países chamados desenvolvidos, adotam em larga escala o concreto, seja em placas premoldadas ou moldado “in loco”. Na França é comum o asfalto, que não é aconselhável em nosso caso. O importante é enfatizar, que em geral são materiais de baixo custo, alta resistência e comprovada funcionalidade, como alias já sugerimos anteriormente. Não vamos apenas copiar ou imitar, mas aproveitar as boas ideias, adaptando-as as nossas condições e necessidades.
*Álvaro Conde Lemos Filho é engenheiro civil e empresário
**Artigo tambem publicado no site Bahia Notícias

terça-feira, 20 de julho de 2010

Um retrato fiel da Bahia se perdeu

Foto: Osvaldo Campos
Mary Weinstein*
É preciso ir à Conceição da Praia ver o estrago e, se for amante da Bahia, chorar diante do casarão desabado. Como em uma coreografia em que o que mais chama a atenção é o dançarino fora do ritmo, quem olha para a sequência de prédios do século XIX em frente ao mar é atraído pelo buraco no lugar. E que lugar! Um retrato fiel da Bahia, atrás do antigo Mercado Modelo que queimou em 1969, próximo à rampa onde aportavam saveiros, e além da Ladeira da Conceição, onde o ferreiro Zé Diabo esculpe adereços para terreiros de candomblé.
Com o desabamento, o conjunto perdeu integridade. A falta do prédio afeta a leitura do que está em volta. A Igreja da Conceição, do século XVII, ficou sem o ritmo que se mantinha como moldura. Quem for casar por ali verá os escombros da edificação. O turista, a caminho do Elevador Lacerda, se sentirá incomodado. E o empresário que tenta construir o Hilton Hotel, na casa de azulejos azuis, pensará na degradação do “cenário”, que, com uma mãozinha da prefeitura, se tornaria uma “riviera” tropical.
Tão velho quanto o desmazelo é a ladainha sobre a necessidade de se preservar a arquitetura de Salvador. A área agora mutilada é parte da poligonal classificada como Patrimônio da Humanidade em 1985. Antes, ao final dos anos 30, para protegê-la e às demais de valor cultural, Rodrigo Mello Franco de Andrade criou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Mas nem o reconhecimento pela UNESCO motivou uma política de conservação eficiente.
A legislação que protege a área é clara, como poucas. O Decreto-lei nº 25 não deixa margem para dúvidas. Mas precisa ser aplicado para que possa reverter a situação de abandono dos imóveis pelos proprietários e evitar tragédias como essa, que matou uma pessoa. Embora o compromisso do Iphan, combinado com gestores municipais e do estado em 2009, tenha anunciado uma série de providências, não foram repassadas notícias subseqüentes sobre o resultado.
Com ou sem Iphan, a prefeitura tem como responsabilidades exigir a manutenção dos prédios da cidade toda, impedir construções irregulares e fazer com que a qualidade de vida exista no espaço administrado por ela. O desprezo pelo patrimônio histórico é apenas um dos aspetos dessa atitude generalizada de pretensa ignorância que assola Salvador. Não é possível que as autoridades não saibam o que significa o que estão fazendo e o que não estão fazendo.
* Doutoranda pela UFBA, é jornalista especializada em patrimônio histórico.