quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Salvador - O ocaso do planejamento urbano

Diógenes Rebouças e Mário Leal Ferreira 

Armando Avena*
Salvador sempre foi pioneira em planejamento urbano. Desde 1943, com a criação do  Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador (Epucs), sob a coordenação de Mário Leal Ferreira, a cidade tornou-se exemplo nacional de planejamento urbano. 
Os legados do Epucs estão por toda parte e têm como símbolos as avenidas de vale, a orla atlântica e o sistema de parques, com áreas verdes estratégicas, como o Dique do Tororó e o Parque de Pituaçu. 
Essa tradição no planejamento urbano criou uma geração de arquitetos e urbanistas e transformou Salvador numa cidade ainda mais linda. Refiro-me a Diógenes Rebouças, pai da arquitetura moderna na Bahia, que projetou, entre outros, as avenidas Paralela, Garibaldi e Contorno,  o  CAB – Centro Administrativo da Bahia, o Parque Metropolitano de Pituaçu e o Hotel da Bahia. E poderia citar outros como, por exemplo, o arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé. Infelizmente, essa tradição em planejamento urbano foi totalmente abandonada e Salvador tornou-se uma cidade de cimento, invadida por monstros antediluvianos de concreto, que ferem a suave paisagem da península encravada na Baía de Todos os Santos. 
O delicado tecido urbano de Salvador deu lugar a gigantescas estações de metrô, que mais parecem tatus pré-históricos emergindo da terra;  e a  gigantescos viadutos, que mais parecem facões imensos cortando a leveza da cidade e desvalorizando empreendimentos que agora abrem suas janelas para apreciar os minhocões. 
Essas obras, resultantes de intervenções do poder público, são, é verdade, fundamentais para a mobilidade urbana, mas não precisavam ser tão grosseiras como as estações ou tão inadequadas e desnecessárias quanto os viadutos.  
A cidade da Bahia é leve e sinuosa como o mar e essa arquitetura brutalista está quebrando sua leveza. É triste ver que, enquanto no mundo inteiro  os viadutos estão sendo banidos, na Bahia se faz o contrário e ainda dota-se de iluminação cênica os monstros de concreto. 
Na principal via da cidade, por exemplo, em frente ao antigo Iguatemi, será inaugurado em breve um imenso conjunto de viadutos, um passando por cima do outro, compondo um complexo de ferro e concreto mal-ajambrado, que é uma ode à ignorância, ao mau gosto e à falta de planejamento.  E será uma obra inútil, pois, no trânsito, a construção de um viaduto só faz levar para mais adiante o engarrafamento. 
No mundo inteiro, os automóveis deixaram de ser prioridade no centro das cidades, mas em Salvador destruiu-se a Praça Newton Rique  para que os gigantes pudessem passar.  
Na Salvador de hoje não  se faz  planejamento urbano, tudo é feito  no olhômetro e no dedômetro: Vamos colocar um túnel de pedestres aqui!  Vamos colocar um teleférico acolá! E é também sem planejamento que o gabarito de construções está sendo liberado na cidade inteira. Este colunista defende e sempre defendeu a verticalização racional da orla atlântica de Salvador, até porque, sem ela, o que temos em frente ao mar são borracharias, lojas comerciais, cabarés e grandes supermercados, quando deveríamos ter hotéis, restaurantes e prédios residenciais. Mas, numa verticalização planejada, só teriam alvarás os empreendimentos que não sombreassem as praias e fossem acompanhados de infraestrutura urbana, cumprindo todas as normas de um planejamento urbano qualificado. 
Infelizmente,  o urbanismo racional foi banido de Salvador, a ocupação urbana é desordenada e o PDDU – Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano é uma colcha de retalhos. 
Aliás, o atual PDDU está sendo revisto sem qualquer estudo urbanístico sério. E o pior é que, nessa toada, as poucas áreas verdes de Salvador estão sendo leiloadas. 
A cidade da Bahia é a menos arborizada do país e nossos parques públicos, já difíceis de frequentar por conta da insegurança, correm o risco de se transformar em área de expansão da especulação imobiliária. 
É hora de arquitetos e urbanistas se manifestarem e da sociedade exigir a retomada do planejamento urbano.
Nascido em Salvador, Armando Avena é escritor, jornalista e economista. Membro da Academia de Letras da Bahia, é autor de seis livros.

Um comentário:

  1. Totalmente de acordo. O Plano de Mario Leal Ferreira, concebido no início dos anos 40 consolidou-se timidamente nos anos 70 com a implantação a Avenida Vale do Camarujipe ou Camarajipe. Timidamente porque não foi devidamente avaliado aumento do volume de tráfego a construção de vias marginais,. Timidamente porque a cidade atingira um milhão de habitantes. As ocupações irregulares dificultaram a construção da avenidas de vale com concebidas. O BRT e a nova Estação Rodoviária são dois projetos controversos ...

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