quinta-feira, 23 de abril de 2020

Napoleão, Bolsonaro e o Covid 19

Armando Avena* 
Quando as tropas de Napoleão invadiram a Rússia em 1812, Napoleão Bonaparte  comandava o invencível exército da França e desafiava os impetuosos russos para a luta. Mas lutar sem armas contra um inimigo muito mais poderoso seria apenas uma bravata que resultaria em milhões mortos. Por isso, o comandante russo, Marechal Kutuzov, usou a única arma disponível: a racionalidade. E montou uma estratégia: “recuar sem travar batalha”. Assim, quando as tropas napoleônicas chegavam nas cidades russas, prontas para a batalha, elas estavam vazias: o exército e a população recuavam para o interior, não sem antes destruir tudo, deixando as tropas francesas sem água, sem abrigo e sem alimentos. Surpreso e sem poder parar, Napoleão foi em frente buscando desesperadamente  a batalha até encontrar o inverno russo. Com suas tropas longe do ponto de partida, sem abrigo ou alimentação, Napoleão foi obrigado a recuar e a medida que o fazia, agora sim, era atacando sem dó nem piedade pela retaguarda. E milhares de soldados franceses morreram, desertaram ou se entregaram. Napoleão havia perdido a guerra.Essa história deve nos guiar na luta contra o coronavírus, um inimigo que, por enquanto, é tão invencível quanto o exército de Napoleão. Contra esse inimigo, a Covid-19, devemos primeiro recuar, e o isolamento é a forma de retroceder, enquanto preparamos nossas defesas. Se fosse capitão do exército russo, o presidente Bolsonaro estaria propondo enfrentar os franceses de peito aberto, “como homem”, numa impetuosidade ridícula, que resultaria em milhares de mortos. Felizmente, agindo como generais, a maioria do prefeitos e governadores do Brasil estão racionalizando a batalha, preparando-se para guerra, que pode levar um pouco mais de tempo, mas resultará na derrota do vírus e com um número menor de vítimas. A estratégia de Kutuzov quase destruiu a economia russa, assim como o isolamento social vai afetar fortemente nossa economia mas, vencida a guerra, ela florescerá, os negócios serão retomados, os países e estados vão recompor suas finanças e os brasileiros voltarão ao trabalho sem ter na consciência milhares de corpos que sequer tem onde ser sepultados. A lembrança da estratégia russa é adequada, no momento em que a população brasileira parece à beira de abandonar o isolamento social. Não podemos permitir isso, não por causa de um Napoleão de hospício, que terá na Covid-19 sua Santa Helena, mas pela dignidade do Brasil que não pode entrar para a história como o país que aceitou a morte do seu povo em troca de uma duvidosa preservação da economia. * Economista e escritor. Membro da Academia de Letras da Bahia

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