sábado, 14 de março de 2020

A peste da Bicha e o Coronavírus

Luiz Mott*
Estou em Roma desde 1º de março para uma estadia prevista de 3 meses entre Itália e Portugal. Viagem agendada há meses, apartamentos alugados, como faço duas vezes por ano há uma década. Ao deixar a Bahia, o coronavirus estava concentrado apenas no norte da Itália e como eu ia permanecer no centro-sul, imaginei-me protegido. Em dez dias a desgraça saltou de 29 mortos para 631! Mas, felizmente, os curados também: de 50 para 1004. Agora 4 casos em Roma. Aí no Brasil, hoje (5ª feira) são 34 casos confirmados, 3 na Bahia. Espero ficar imune ao vírus e para tanto, tenho seguido cuidadosamente as regras de prevenção, sem pânico nem paranoia. Continuo assintomático, porém refém das medidas sanitárias do Ministério da Saúde: ainda podemos ir ao supermercado... Também aqui não há álcool nem máscaras à venda em lugar algum. Comenta-se que a situação é tão grave quanto durante a 2ª Guerra! Sem bombardeamento, graças à Madonna!
A humanidade já viveu piores pandemias: a peste de Justiniano, sec.VI, matou 100 milhões na Europa e Oriente; a Peste Negra dizimou 50 milhões no século XIV; em 1591, a peste só em Roma levou à sepultura mais de 60 mil almas, incluindo meu patrono São Luiz Gonzaga, 23 anos, jesuíta, em cujo belo tumulo, ateu oportunista, implorei sua proteção a todos nós.
Em 1686 a Peste da Bicha arrasou nossa Bahia: segundo o Padre Vieira, tratava-se de “um novo gênero de peste nunca visto nem entendido dos médicos, buscando suas vítimas de preferência entre os brancos, os menos adaptados ao clima”. Os sintomas desta terrível peste, popularmente conhecida como “a bicha” e diagnosticada como febre amarela, eram assustadores: “calor tépido, pulso sossegado, delírios, ânsias e grande febre, lançando a vítima copioso sangue pela boca”. Diz Rocha Pita que “os primeiros feridos foram dois homens que jantados em casa de uma meretriz, morreram em 24 horas lançando pela boca copioso sangue. Se contavam os mortos pelos enfermos: houve dia em que caíram 200! Estavam cheias as casas de moribundos, as igrejas de cadáveres, as ruas de tumbas”. Em pouco tempo morreram da bicha o Tenente General, o Capelão do Governador, o Arcebispo D. João da Madre de Deus, cinco Desembargadores e o próprio Governador Matias da Cunha, em 1688.
“Emendemos nossos erros, que Deus porá termo aos males”, sugeriu o devasso Gregório de Matos. Aí nossa Câmara Municipal instituiu São Francisco Xavier o novo patrono da cidade, realizando faustosas procissões e novena implorando o fim dos castigos. Com o tempo, as mortes foram diminuindo e a Bahia voltou à sua normalidade. A relíquia do braço desse santo jesuíta continua em nossa Catedral Basílica.
Oxalá daqui a dois sábados eu assine nova crônica!
*Luis Mott é Antropólogo e professor da UFBA

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