quinta-feira, 6 de junho de 2019

A verdade sobre o Museu da Língua Portuguesa

Antônio Risério*
Depois que virou grande sucesso, o Museu da Língua Portuguesa passou a ter vários "pais" - entre eles, até mesmo um assistente técnico do arquiteto Ralph Appelbaum. Aqui e ali, me perguntam sobre minha participação no projeto. Deixo aqui registradas, por isso mesmo, respostas que dei ao editor Sergio Cohn (da Azougue), num depoimento.
Sergio Cohn: O Museu da Língua Portuguesa hoje é um dos mais visitados do Brasil. Você participou da sua elaboração. Como foi o processo? 
Antonio Risério: Veja o que o Jotabê Medeiros escreveu, depois de sua primeira visita ao Museu da Língua Portuguesa: "Curioso notar que a placa de inauguração do museu glorifica o ex-governador Geraldo Alckmin; o então prefeito de São Paulo, José Serra (que, todos sabem, não foi prefeito coisa nenhuma e não ajudou num só rebite daquele prédio); a Fundação Roberto Marinho (que de fato tocou o projeto). E só. O Ministério da Cultura, que financiou maciçamente a obra por meio da Lei Rouanet (cerca de R$ 37 milhões), não é sequer mencionado... Muito menos se deram ao trabalho de agradecer ao autor do projeto original desse museu que é elogiado nos quatro cantos do mundo: o poeta baiano Antonio Risério, varrido tanto da memória do Ministério da Cultura (onde foi destacado colaborador) quanto da dos esclarecidos ¿donos¿ do museu, o tucanato paulista". Mas não estou aqui para me queixar de nada, que queixas não são do meu temperamento. Vamos à história. A ideia de fazer um museu de nossa língua - um museu original, tomando a palavra como objeto - é do antropólogo Roberto Pinho e foi sugerida, ainda que sem qualquer aprofundamento ou desenvolvimento, para Porto Seguro, como parte da comemoração dos 500 anos do Brasil. Ela aparece publicada em 1994, no livro "Museu Aberto do Descobrimento: o Brasil Renasce Onde Nasce", nos seguintes termos: "Museu da Língua Portuguesa - Um grande museu de recursos audiovisuais, didático, alegre, repleto de situações envolventes, que levará o leigo ao conhecimento da história da nossa língua. Como e onde nasceu, como evoluiu, os caminhos que percorreu, as influências que sofreu e as que provocou, as contribuições que recebeu das línguas indígenas e africanas". Pinho passou a bola para a Fundação Roberto Marinho (FRM). Com o velho prédio da Estação da Luz na mão, a FRM comprou a ideia, graças ao Hugo Barreto, seu vice-presidente. Quando Lula foi eleito, eu, João Santana e Roberto Pinho manobramos para fazer o ministro da Cultura. Convencemos o Gilberto Gil a assumir o cargo, inclusive. E então eu e Roberto assumimos nossos postos no Ministério, escolhidos de modo a não nos deixar envolvidos com o inferno da burocracia. Roberto, como secretário de projetos especiais; eu, de assessor especial. Marcamos então uma reunião com a FRM e comunicamos que, como o Ministério era o grande financiador da obra, assumiríamos a frente do museu. Eu ficaria, como de fato fiquei, responsável pela formulação do projeto.
Sergio Cohn: Mas como as coisas se desenrolaram?
Antonio Risério: Não fui apenas "um dos diversos pesquisadores cujos trabalhos serviram de base para a concepção do museu", como cheguei a ler na imprensa. A concepção do museu é minha. Como bem sabem, aliás, Roberto Pinho, Hugo Barreto, Jarbas Mantovanini, Isa Grinspum Ferraz, o arquiteto Ralph Appelbaum e seus colaboradores. Quando assumi o trabalho, a Fundação Roberto Marinho ainda não tinha uma direção a seguir. Vinha há algum tempo promovendo encontros com intelectuais em São Paulo para discutir o assunto e gravando estas sessões, na tentativa de encontrar um caminho. Peguei e li todo o material dessas gravações. Vi que eram encontros muito interessantes, mas não levariam a lugar algum. Não desembocariam num projeto. As pessoas ficavam teorizando sobre linguagem, filosofando com inteligência e mesmo erudição, mas nunca chegavam a pensar objetivamente na configuração efetiva de um equipamento público específico: o museu da língua portuguesa. Então, o trabalho de recuperação do prédio da Estação da Luz, feito por Paulo e Pedro Mendes da Rocha, ia às mil maravilhas, mas não se tinha ideia do que seria colocado lá dentro. Me concentrei, portanto, na resolução dessa questão. Como ponto de partida, o museu não deveria ser intelectualista, nem populista - e tinha de fascinar. A história linguística e cultural de cada hábito e de cada palavra é capaz de prender a atenção das pessoas mais variadas. Contaríamos, ainda, com as línguas indígenas e africanas, com as línguas das "migrações secundárias", como o japonês, o italiano, etc. Mas não se tratava de criar um centro dessas línguas e sim um espaço, criativo e luminoso, do português do Brasil, o mais importante país da chamada "comunidade lusófona". A língua portuguesa nasceu nos largos e generosos campos do discurso vulgar, da fala plebeia, da prática oral da língua, e não do texto escrito, douto. E começou a se transfigurar na língua mestiça brasileira a partir do seu encontro com outros sistemas lingüísticos altamente complexos e estruturados, de origem ameríndia ou africana. O museu não poderia perder isso de vista. Além disso, deveria acionar as mais avançadas tecnologias da inteligência e buscar o máximo de processos interativos. Tinha de ser uma vitrine, um "show room" da palavra, onde mesmo etimologias fossem trabalhadas plasticamente. Etc. Expus essas coisas a Roberto Pinho e ao pessoal da Fundação Roberto Marinho. Eles se animaram. Começaram as reuniões com o Ralph Appelbaum, o arquiteto que projetou, entre outras coisas, o planetário de Nova York. Um sujeito que gosta de saber das coisas com toda a clareza e que faz mil perguntas. Nessa época, eu morava em Brasília, no hotel Melià. Ao fim de uma reunião lá no hotel, o Ralph me perguntou: "O senhor quer uma Real Academia da Língua Portuguesa?". Respondi: "Não, isso já existe. O que eu quero é um parque de diversões da linguagem". Falei do planetário novaiorquino. Ele sorriu e disse: "Sei, você quer um ¿linguatarium¿ do português brasileiro". Fiquei, então, de aprofundar e desenvolver as ideias. E escrevi um texto relativamente longo, de umas 40 páginas, intitulado "Estação da Luz da Nossa Língua". Foi a partir desse texto que Appelbaum e seus colaboradores começaram a viajar. Chegamos então ao nome da socióloga e cineasta Isa Grinspum Ferraz para coordenar o trabalho. E definimos nomes de especialistas para colaborar no projeto. A essa altura, indignado com uma conduta absurda de Gilberto Gil, rompi com o ministro e me afastei do Ministério. Mas não abandonei o projeto. Apenas, passei para a clandestinidade. A Fundação Roberto Marinho temia que, se eu continuasse abertamente, viessem retaliações por parte do Ministério. E elas vinham vindo. Então, passei a atuar sob a capa de uma empresa paulista da Isa Ferraz, a "Texto e Imagem". E prossegui. Escrevi textos para a montagem da "grande galeria", sugeri que a mesa tecnológica fosse usada para jogos etimológicos, criei o argumento para o audiovisual do auditório, etc. Pintou até a parceria com Arnaldo Antunes, que soa na entrada do museu. E é uma coisa bem simples, palavras de diversos idiomas que entraram no português do Brasil ou de línguas existentes no país, como o ianomâmi. Em resumo, esta é a história.
* Antônio Risério, nascido em Salvador, é antropólogo, ensaista e historiador

2 comentários:

  1. Bom dia. Sou pesquisadora pela USP, estudo o Museu da Língua Portuguesa e gostaria de entrar em contato com o senhor Antônio Risério, pois me interessei muito pelo relato dele neste blog. Seria possível alguém me fornecer um e-mail de contato dele? Agradeço imensamente. Bianca Lupo.

    ResponderExcluir
  2. Deixo o meu contato caso haja disponibilidade. bianca.lupo@usp.br
    Desde já, agradeço.

    ResponderExcluir